Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0378/17.7BEMDL
Data do Acordão:02/13/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO
CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário:Atento o disposto no art. 80.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT o tribunal tributário de 1.ª instância territorialmente competente para conhecer do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima em processo de contra-ordenação é o que tiver jurisdição na área onde tiver sido instaurado este processo.
Nº Convencional:JSTA00070879
Nº do Documento:SA2201902130378/17
Data de Entrada:10/26/2018
Recorrente:A..., SA, TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE VISEU, TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE MIRANDELA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Objecto:DECISÕES DO TAF DE MIRANDELA E DO TAF DE VISEU
Decisão:JULGA TERRITORIALMENTE COMPETENTE O TAF DE MIRANDELA
Área Temática 1:CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional:ARTIGO 80º, N.ºS 1 E 2 DO RGIT
Aditamento:
Texto Integral: Conflito negativo de competência em razão do território entre o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em processo de contra-ordenação que tem como recorrente a sociedade denominada “A……………., S.A.”

1. RELATÓRIO

1.1 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela veio requerer ao Supremo Tribunal Administrativo a resolução do conflito negativo de competência territorial surgido entre aquele Tribunal e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu relativamente ao recurso judicial interposto pela sociedade acima identificada contra a decisão do Chefe da Delegação Aduaneira de Peso da Régua, que lhe aplicou uma coima por infracção prevista e punida nos termos do art. 109.º, n.º 3, alínea d), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) por violação do disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 5.º do Código do Imposto sobre Veículos, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho.

1.2 Sustenta o requerimento no facto de quer o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela quer o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu terem recusado a competência territorial para conhecimento do recurso da decisão que aplicou a coima, atribuindo-se reciprocamente essa competência por despachos já transitados em julgado.

1.3 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da atribuição da competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, com a seguinte fundamentação: «[...]

O Chefe da Delegação Aduaneira de Peso da Régua aplicou à arguida, [… ], com sede na Rua […], ..... Tarouca, coima pela prática da contra-ordenação p.p. no artigo 109.º/3/ d) do RGIT.
A arguida apresentou na Delegação Aduaneira do Peso da Régua recurso judicial de decisão de aplicação de coima dirigido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
Remetidos os autos ao TAF de Mirandela, por decisão transitada em julgado, o TAF julgou-se territorialmente incompetente para conhecer do recurso judicial de decisão de aplicação da coima, considerando que essa competência cabia ao TAF de Viseu, Tribunal competente na área de consumação da infracção, nos termos do disposto no artigo 61.º do RGCO.
Foram, então, os autos, após trânsito, remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
Todavia, por decisão, também, transitada em julgado, o TAF de Viseu julgou-se, igualmente, incompetente, em razão do território, para conhecer do recurso judicial da aplicação de coima por, alegadamente, tal competência caber ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em virtude de ser o Tribunal da área do serviço tributário onde foi instaurado o processo de contra-ordenação, nos termos do disposto nos artigos 67.º/1/ b e 80.º/1 do RGIT.
Os autos foram, então, remetidos, após trânsito, ao TAF de Mirandela.
Configura-se, assim, a existência de um conflito negativo de competência entre estes dois Tribunais, por ambos terem negado a competência territorial própria, atribuindo-a, reciprocamente, por decisões transitadas em julgado.
O tribunal competente para conhecer do presente recurso judicial de aplicação de coima é o TAF de Mirandela.
De facto, nos termos do disposto no artigo 67.º/1/b) do RGIT, o processo de contra-ordenação aduaneira deve ser instaurado na alfândega ou delegação aduaneira da área onde tiver sido cometida a infracção.
Por força do estatuído no artigo 80.º/2 do RGIT o pedido do recurso deve ser dirigido ao tribunal tributário da área do serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação.
Ora, tendo o processo de contra-ordenação sido instaurado na Delegação Aduaneira de Peso da Régua, pertencente à área de jurisdição do TAF de Mirandela, é axiomático ser este tribunal o competente para conhecer do presente recurso judicial de decisão de aplicação de coima.
De facto, estando a questão da competência do tribunal devidamente regulamentada no RGIT não há como aplicar subsidiariamente o RGCO (artigo 3.º do RGIT)».

1.4 Cumpre decidir, atento o disposto no art. 26.º, alínea g), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), que atribui à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo a competência para conhecer dos conflitos de competência entre tribunais tributários.


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2. FUNDAMENTOS

2.1 DE FACTO

Pertinentemente, resulta dos autos o seguinte:

a) Em 9 de Junho de 2016, em Castanheira do Ouro, concelho de Tarouca, foi verificado que o veículo com a matrícula ……….., de marca “Jeep” e modelo “Wrangler”, propriedade da sociedade denominada «A……….., S.A.», com sede em ……….., Tarouca, importado e matriculado como “automóvel ligeiro de mercadorias” com dois lugares, se apresentava provido de bancos para lotação de 5 lugares e sem antepara divisória, ou seja, com a configuração de um “automóvel ligeiro de passageiros”;

b) A autoridade policial, que verificou tal facto, levantou o auto de notícia e remeteu-o à Delegação Aduaneira de Peso da Régua, onde foi instaurado o processo contra-ordenacional, em 12 de Julho de 2016;

c) Em 27 de Setembro de 2017, por decisão proferida nesse processo pelo Chefe da Delegação Aduaneira de Peso da Régua, foi a sociedade arguida condenada numa coima de € 4.500,00, pela prática da infracção prevista na alínea d) do n.º 3 do art. 109.º do RGIT e nas custas processuais administrativas de € 76,50;

d) A Arguida apresentou recurso judicial dessa decisão mediante petição dirigida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela;

e) Por despacho judicial de 6 de Fevereiro de 2018, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela julgou-se territorialmente incompetente para a apreciação do recurso e indicou como tribunal competente para o efeito o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu;

f) Por requerimento apresentado em 22 de Fevereiro de 2018 a Recorrente peticionou a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, o que foi deferido;

g) Por despacho judicial de 10 de Abril de 2018, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu declarou-se incompetente em razão do território, considerando que essa competência é do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela;

h) Das decisões ditas em e) e g) não foi interposto recurso.


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A DIRIMIR

O Chefe da Delegação Aduaneiro de Peso da Régua condenou a Arguida numa coima pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo art. 109.º, n.º 3, alínea d), do RGIT, que foi verificada e registada em auto de notícia pela autoridade policial em Castanheira de Ouro, concelho de Tarouca.
O processo foi remetido pela autoridade administrativa que aplicou a coima para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela e apresentado ao Juiz pelo Representante do Ministério Público junto daquele Tribunal.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela declarou esse tribunal incompetente em razão do território para conhecer do recurso judicial da decisão administrativa e como tribunal competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, ao qual os autos foram remetidos.
Por seu turno, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu declarou esse tribunal incompetente em razão do território para conhecer do recurso judicial da decisão administrativa e como tribunal competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
Porque ambos os despachos transitaram em julgado, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela remeteu os autos a este Supremo Tribunal, para que dirima o conflito negativo de competência [cfr. o art. 36.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), aplicável subsidiariamente, por remissão sucessiva da alínea b) do art. 3.º do RGIT e do n.º 1 do art. 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e art. 26.º, alínea g), do ETAF].
A questão que cumpre apreciar e decidir é, pois, a de saber qual é o tribunal territorialmente competente para conhecer do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima.

2.2.2 AS POSIÇÕES EM CONFRONTO

Segundo o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a competência territorial para conhecer do recurso judicial da decisão de aplicação da coima afere-se nos termos do disposto no n.º 1 do art. 61.º do RGCO, que dispõe: «É competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver praticado a infracção». Isto porque, na ausência de regra própria no RGIT («estamos perante um caso omisso no RGIT»), deveria fazer-se apelo ao RGCO como legislação subsidiariamente aplicável, ex vi da alínea c) do art. 3.º do RGIT.
Assim, no caso sub judice, a competência em razão do território seria do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, por, na falta de outros elementos de facto, dever considerar-se que a infracção contra-ordenacional se consumou na área territorial da sua competência (Castanheira do Ouro, concelho de Tarouca, pertence à área territorial da competência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (cfr. art. 3.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, e mapa anexo a esse diploma legal).).
Na tese do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, Tribunal para onde os autos foram remetidos por ordem do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, inexiste lacuna no RGIT, a permitir e demandar o recurso à aplicação subsidiária do RGCO. Isto porque a competência está expressamente regulada no art. 80.º do RGIT, cujos dois primeiros números dispõem: «1- As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação. // 2 - O pedido contém alegações e a indicação dos meios de prova a produzir e é dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância da área do serviço tributário referido no número anterior».

2.2.3 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO

Dispõe o art. 80.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT:
«1- As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação.
2- O pedido contém alegações e a indicação dos meios de prova a produzir e é dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância da área do serviço tributário referido no número anterior».
Em face do disposto nas referidas regras para determinação da competência em razão do território no âmbito das infracções tributárias, é competente para conhecer do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima o tribunal tributário de 1.ª instância que tiver jurisdição na área onde tiver sido instaurado este processo.
No caso sub judice o processo de contra-ordenação foi instaurado pela Delegação Aduaneira de Peso da Régua, que se situa na área territorial da competência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (cfr. art. 3.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, e mapa anexo a esse diploma legal).
Assim, tendo presente o critério fornecido pelo art. 80.º do RGIT, o tribunal tributário de 1ª instância competente para conhecer do recurso judicial da decisão de aplicação da coima é o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal (Vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 11 de Novembro de 2015, proferido no processo n.º 1104/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cf97280c5956ecf080257efc004de82e.).

2.2.4 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

Atento o disposto no art. 80.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT o tribunal tributário de 1.ª instância territorialmente competente para conhecer do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima em processo de contra-ordenação é o que tiver jurisdição na área onde tiver sido instaurado este processo.


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3. DECISÃO

Em face ao exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, resolvendo o conflito negativo de competência suscitado, acordam, em conferência, em declarar competente em razão do território para conhecer do recurso da decisão de aplicação da coima em causa o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

Sem custas (cf. art. 94.º, n.º 4, do RGCO).


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Lisboa, 13 de Fevereiro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.