Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02410/14.7BELRS
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:I - O art. 45.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado no sentido de, na sua previsão, não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.

II - Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.
Nº Convencional:JSTA00071312
Nº do Documento:SA22021111002410/14
Data de Entrada:02/15/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………….., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC
Área Temática 2:IRC
Legislação Nacional:CIRC ART 18.º, 9
CIRC ART 20.º, 1, al. H)
CIRC ART 21.º, 1, al. B^)
CIRC ART 23.º, 1
CIRC ART 24.º, 1, al. B)
CIRC ART 45.º, 3
CIRC ART 46.º, 1, 2 e 3
CRP ART 13.º
CRP ART 104.º, 2
Jurisprudência Nacional:AC STA 17/02/2016 PROC 1401~714; AC STA 06/06/2018 PROC 587/17; AC STA 16/12/2020 PROC 1760/15.0BELRS (819/17)
Referência a Doutrina:JOSÉ DE CAMPOS AMORIM O JUSTO VALOR E AS SUAS IMPLICAÇÕES FISCAIS, IV CONGRESSO DE DIREITO FISCAL, VIDA ECONÓMICA, pág. 168
TOMÁS CASTRO TAVARES, JUSTO VALOR E TRIBUTAÇÃO DE MAIS-VALIAS DE ACÇÕES DE SOCIEDADES COTADAS, ESTUDOS EM MEMÓRIA DO PROF. DOUTOR J.L. SALDANHA SANCHES, VOL. IV, págs. 1137 e 1138 e págs. 1143 e 1144
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2410/14.7BELRS
Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrida: “ A………………, S.A.”

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a “liquidação adicional” ( Na verdade, não houve liquidação adicional, sendo o acto tributário impugnado o que operou a correcção da liquidação anteriormente efectuada, por diminuição do montante de prejuízos, reflectida na diminuição do valor a reembolsar.) de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que a esta foi efectuada com referência ao ano de 2010, na sequência da correcção efectuada após inspecção tributária e relativa a desvalorizações, de acordo com o critério do justo valor, de acções detidas pela ora Recorrida, quer por referência à data de aquisição, no ajustamento de transição para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), quer as do próprio exercício de 2010.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, com conclusões do seguinte teor:

«i. Em causa nos presentes autos está a aplicação ou não do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC aos ajustamentos decorrentes da aplicação do método do justo valor a instrumentos financeiros reconhecidos através de resultados, mais concretamente, se aquelas perdas deveriam ser consideradas pela totalidade ou em apenas em metade do seu valor por aplicação do disposto no n.º 3, do art. 45.º, do CIRC.

ii. Em face do preceituado no elemento literal do art. 45.º, n.º 3 do CIRC, as perdas ou variações patrimoniais negativas concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

iii. Note-se que o legislador e, acima de tudo, a própria lei, fizeram uma clara opção no n.º 3 do art. 45.º do CIRC e, pese embora as sucessivas alterações legislativas levadas a cabo ao CIRC, o legislador não estabeleceu em tal preceito qualquer excepção relativa tanto às perdas apuradas pelos ajustamentos de transição decorrentes da alteração do normativo contabilístico, como às perdas aceites fiscalmente decorrentes da redução do justo valor através de resultados.

iv. Pelo contrário, tal normativo continuou a aplicar-se a todas as perdas, com relevância fiscal, verificadas em partes de capital, nomeadamente perdas potenciais, como será o caso das variações no justo valor em metade do seu valor.

v. Se fosse intenção do legislador excluir as perdas em questão do âmbito da aplicação do art. 45.º, n.º 3 do CIRC, certamente tê-lo-ia deixado claro na lei, promovendo, para o efeito, a devida alteração à norma em presença.

vi. Conforme refere André A. Vasconcelos, “pela leitura daquele preceito, e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os activos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscais em metade do seu valor”.

Acresce ainda que,

vii. Gasto, para os efeitos do art. 18.º, n.º 9, corresponde à totalidade das rubricas contabilísticas (que poderão ter ou não relevância fiscal) consideradas como afectando negativamente o resultado líquido de uma sociedade, nas quais se incluem, designadamente, as perdas, as menos-valias, as depreciações, os gastos operacionais, entre outros.

viii. Ora, afirmar que gasto e perda são conceitos estanques e distintos é falacioso. Com efeito, a perda é uma tipologia de gasto.

ix. Ana Maria Rodrigues dá conta das tentativas de superação dessas imprecisões e de hesitações quanto às soluções por receio de aumentar a perturbação no ordenamento jurídico. Como exemplo, cita as epígrafes dos artigos 20.º e 23.º do CIRC. Quanto à primeira, actualmente “rendimentos e ganhos”, considera que deveria ser apenas intitulada “rendimentos”, conceito que envolve réditos e ganhos e quanto à segunda, “gastos e perdas”, observa que gastos é um conceito que, em contabilidade, já inclui as perdas.

x. Em face do exposto, fica claro que a dedutibilidade daquela perda, que é, naturalmente, um gasto, deverá ser analisada à luz do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, com vista a apurar até que ponto poderá cair no escopo daquela norma.

xi. A norma em discussão prevê que “a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (…) concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor” (sublinhado nosso).

xii. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redacção à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital, e, bem assim, as perdas associadas à alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (as quais, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, não são consideradas como mais-valias) cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor (no período de tributação em análise).

xiii. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de interpretação de lei e viola o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida».

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegação, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor:

«1.ª A douta sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2014 8500033059 e na demonstração de acerto de contas n.º 2014 00005908360, relativo ao exercício de 2010;

2.ª Inconformada, a Fazenda Pública recorreu;

3.ª Em causa nos presentes autos estava a questão de aferir da aplicabilidade do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC aos ajustamentos decorrentes do critério do justo valor. Na origem da lide estão, mais concretamente, as desvalorizações, de acordo com o critério do justo valor, de determinados títulos negociáveis detidos pela Recorrida, concretamente, as desvalorizações de 7.075.414 acções do Banco B...................... S.A., quer as por referência à data de aquisição, no ajustamento de transição, quer as do próprio exercício de 2010.

4.ª A este propósito, o Tribunal Recorrido concluiu que o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, não abarca os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do mesmo código;

5.ª A Fazenda Pública, ora Recorrente, não se conforma com o decidido e considera que o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC não excepciona estas perdas, pelo que se aplica a todos os tipos de perdas;

6.ª Salvo o devido respeito, não assiste razão à Recorrente.

7.ª O artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC não abarca os ajustamentos de justo valor nos instrumentos visados pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do mesmo código, como bem concluiu a sentença recorrida;

8.ª Se atendermos ao elemento literal e histórico de interpretação das normas relevantes, concluímos isso, desde logo:

9.ª O artigo 20.º do Código do IRC sempre previu, e prevê, a tributação das mais-valias realizadas;

10.ª Por sua vez, o artigo 21.º, n.º 1, alínea b), e o artigo 24.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código do IRC, estipulam que as mais-valias e as menos-valias latentes não concorrem para a formação do lucro tributável;

11.ª O artigo 46.º (Regime das mais-valias e das menos-valias) refere-se também às mais e menos-valias realizadas, mediante transmissão onerosa;

12.ª Todos estes normativos seguem o princípio da realização;

13.ª A Lei n.º 33-B/2002, de 30 de Dezembro e a Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro introduziram a norma com um carácter assumidamente anti abusivo;

14.ª Depois de 2006, o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, não sofreu quaisquer alterações, nem mesmo com a entrada em vigor do SNC, pelo que a adopção (limitada) do modelo do justo valor não introduziu qualquer novidade naquele artigo 45.º, n.º 3, o qual continua a pressupor uma perda efectiva, e não latente, ao abrigo do princípio da realização;

15.ª O Decreto-Lei n.º 159/2009 veio proceder a diversas alterações ao Código do IRC, designadamente, ao criar um regime especial de relevância fiscal dos ganhos e perdas apuradas em resultado da aplicação do modelo de justo valor [cf. artigo 20.º, n.º 1, alínea f) e artigo 23.º, n.º 2, alínea i)]. Assim sucedeu, como realça a sentença recorrida, “(…) pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.” (cf. página 9 da sentença recorrida). Assim, no Código do IRC, o princípio da realização deixou de vigorar em exclusivo, para coexistir com o modelo do justo valor (adoptado, porém, de forma limitada).

16.ª Em particular, o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do Código do IRC, refere-se a instrumentos financeiros em mercado regulamentado, os únicos que constituem excepção ao princípio da realização;

17.ª Clarificou-se também que a esses instrumentos financeiros não se aplica o artigo 46.º do Código do IRC – regime das mais-valias e menos-valias;

18.ª O artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC pressupõe a remoção do activo do balanço e com os ajustamentos de justo valor tal não sucede;

19.ª Tal como se determina, a título exemplificativo, nas decisões arbitrais de 09.12.2015 e 20.03.2017, proferidas no âmbito dos processos n.º 231/2015-T e n.º 436/2016-T, respectivamente, as perdas distinguem-se, em regra, pela sua natureza não regular, não recorrente, e são, por isso, o resultado de fenómenos com um grau de ocasionalidade ou não repetibilidade bem superior “(…) aqueles gastos que resultem do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) da entidade” (cf. parágrafo §76 da Estrutura Conceptual do SNC);

20.ª Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a distinção entre gastos e perdas nada tem de falacioso, pois o que o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC sempre visou, e continua a visar, é a tributação de perdas efectivas, realizadas, mediante transmissão ou alienação de activos (com a sua consequente remoção do balanço), ou seja, eventos extraordinários na vida do activo, e não meras flutuações do seu valor, que ocorrem de forma corrente e ordinária;

21.ª Se o legislador não alterou o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC é porque pretendeu manter inalterado o regime e nele não incluir os ajustamentos de justo valor, ao contrário do que pretende a Recorrente [cf. página 7 das alegações de recurso];

22.ª Os ajustamentos são dedutíveis nos termos gerais [art. 23.º, n.º 2, alínea j)] mas não passam o crivo do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC ao contrário do que alega a Recorrente [cf. página 8 das alegações de recurso], porque aquele normativo apenas se aplica ao regime das mais-valias e menos-valias (princípio da realização);

23.ª Assim, impõe-se concluir que a reconstituição do pensamento legislativo opera, em sentido contrário ao advogado pela Recorrente: o legislador nunca manifestou, ainda que tacitamente, qualquer vontade de incluir no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, os gastos resultantes da aplicação do justo valor aos instrumentos financeiros;

24.ª Também se atendermos ao elemento sistemático, chegamos a essa conclusão: desde logo, o artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do Código do IRC à data, previa a dedutibilidade dos gastos resultantes da aplicação do justo valor como regra geral;

25.ª Por sua vez, o artigo 18.º, n.º 9, do Código do IRC no seu corpo, constitui uma excepção-comum àquela regra, donde resulta que não concorrem para a formação do lucro tributável os ajustamentos do justo valor;

26.ª De seguida, o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do Código do IRC constitui uma excepção-particular à excepção-comum, voltando a repor a regra geral, prevendo que os ajustamentos de valor daquele tipo específico de instrumentos financeiros concorrem para a formação do lucro tributável;

27.ª O artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC constitui uma excepção à regra geral do artigo 23.º do Código do IRC;

28.ª O citado artigo 45.º, n.º 3, é pré-existente ao artigo 18.º, n.º 9, alínea a) e não sofreu quaisquer alterações com a introdução deste último;

29.ª Pelo que o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC não pode derrogar a norma excepcional-particular introduzida depois de si;

30.ª Assim, interpretando o n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, tendo também presente o sistema jurídico em que este se insere, só pode concluir-se que não pode o mesmo aplicar-se às perdas em apreço;

31.ª Também se atendermos ao elemento teleológico e à ratio legis dos artigos 45.º, n.º 3, e artigo 18.º, n.º 9, alínea a), chegamos a idêntica conclusão;

32.ª O objectivo do legislador com o artigo 45.º, n.º 3, foi o de evitar a manipulação do resultado fiscal pelo sujeito passivo através da gestão do momento e quantum da perda – prática impossível com os ajustamentos de justo valor;

33.ª A tributação do justo valor é integralmente substitutiva do regime das mais e menos-valias, porquanto antecipa temporalmente o reconhecimento do gasto com carácter definitivo e cumpre o objectivo da norma anti abuso;

34.ª A tributação do justo valor pretende evitar correcções fiscais aquando a realização do activo – daí a norma anti abuso não se aplicar;

35.ª Os ajustamentos de justo valor ocorrem independentemente da vontade do sujeito passivo;

36.ª Por isso, não faz sentido aplicar-lhe a limitação prevista para as menos-valias;

37.ª Acresce que é por razões de simetria que se explica a aceitação das menos-valias em apenas metade porquanto a tributação das mais-valias também é feita só pela metade (se reinvestidas, cf. artigo 48.º, n.º 4 do Código do IRC);

38.ª Quanto aos ajustamentos também deve haver simetria – os ganhos são tributados na totalidade, logo as perdas também o deverão ser [cf. artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC];

39.ª O artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do Código do IRC foi introduzido num contexto de aproximar a contabilidade da fiscalidade, reduzindo-se os custos de compliance e os custos administrativos. Neste tipo de instrumentos financeiros, um tratamento fiscal e contabilístico distinto implicaria elevadíssimos custos administrativos, razão pela qual se adoptou o justo valor em pleno;

40.ª Por isso, não faz sentido aplicar o citado artigo 45.º, n.º 3, que é uma norma de correcção fiscal, repondo essa disparidade;

41.ª Não falta quem advogue que o justo valor veio introduzir uma maior justiça fiscal e social (cf. JOSÉ DE CAMPOS AMORIM, «O Justo Valor e as suas implicações fiscais», IV Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, p. 168);

42.ª Note-se, ainda, que a mensuração pelo justo valor obedece a critérios rigorosos e exaustivamente regulamentados, designadamente, pela IFRS 13, nos termos da qual decorre e se realça desde logo que “O justo valor é uma medida de mercado, não uma medida específica para uma determinada entidade”;

43.ª Existem diversas decisões arbitrais que alinham no sentido aqui propugnado (cf. n.º 118/2013-T, n.º 776/2014-T, n.º 58/2015, n.º 30/2015-T, n.º 208/2015-T, n.º 396/2015-T, n.º 393/2016-T, n.º 437/2016-T, n.º 473/2015-T, n.º 531/2015-T, n.º 563/2015-T, n.º 77/2016-T, n.º 89/2016-T, n.º 155/2017-T, n.º 94/2019-T e n.º 397/2019-T);

44.ª Na mesma linha de entendimento, também este Supremo Tribunal Administrativo se pronuncia sobre a ratio legis do preceito aqui em causa, afirmando que a norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti abuso, na medida em que o legislador terá pretendido evitar a manipulação do resultado fiscal (cf., exemplificativamente, acórdãos de 17.02.2016, no processo n.º 1401/14, Relator Francisco Rothes e de 06.06.2018, no processo n.º 0582/17, Relator Aragão Seia).

45.ª E, mais recentemente, veio este douto tribunal (STA) proferir o seguinte entendimento sobre o tema: “(…) o legislador com a norma do artigo 18.º, n.º 9, al. a) (…) afastou o princípio da realização e aproximou, ainda mais, a regra fiscal à regra contabilística, atribuindo relevância fiscal à variação anual do valor dos instrumentos financeiros, com preço formado em mercado regulamentado, quando aplicadas as regras do Justo Valor, cfr. artigos 20.º, n.º 1, alínea f) e 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC. Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9.º do CC, que a norma do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo.” (cf. Acórdão do STA, de 06.06.2018, proferido no processo n.º 0582/17, Relator Aragão Seia).

46.ª Não se encontra, pois, preenchida a ratio legis do n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC no que respeita às desvalorizações do justo valor, razão pela qual aquele preceito não se lhes aplica, sendo as mesmas fiscalmente dedutíveis na totalidade.

47.ª Não pode ser outro o entendimento que não o propugnado pela Recorrida e acolhido na sentença, sob pena de violação do princípio da tributação pelo lucro real e do princípio da igualdade (cf. artigo 104.º, n.º 2, e artigo 13.º, ambos da CRP), porquanto os ganhos são tributados na totalidade, logo, igual tratamento devem receber as perdas (neste mesmo sentido, TOMÁS CANTISTA TAVARES, in IRC e Contabilidade – da Realização ao Justo Valor, Almedina, Coimbra, pp. 244 e 245);

48.ª Em face de todo o exposto, bem andou o Tribunal Recorrido ao julgar procedente a impugnação judicial e determinar a anulação do acto tributário impugnado.

49.ª Pelo que, deve julgar-se improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida, por não ocorrer qualquer erro de julgamento.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!».

Mais pediu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença. Isto, com a seguinte fundamentação: «[…]

De acordo com os termos conclusivos das Alegações de Recurso a questão a apreciar reconduz-se a saber se a douta sentença recorrida incorreu em erro julgamento de direito ao ter considerado inaplicável a o n.º 3, do artigo 45.º do CIRC às perdas decorrentes da aplicação do justo valor à participação financeira no capital social do B....................... S.A., de 0,786%, cujo preço era formado num mercado regulamentado (bolsa de valores).
Afigura-se-nos, salvo melhor juízo, não assistir razão à Recorrente.
Para o efeito, convocamos, desde logo, os fundamentos constantes do douto Acórdão do STA proferido em 06-06-2018, no proc. 0582/17, os quais acolhemos, com a devida vénia, pelo que os damos aqui por integralmente reproduzidos, passando a transcrever o respectivo sumário:
A norma do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC não é aplicável quando ocorre a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo.
Igualmente se convocam, com a devida vénia, os fundamentos exarados no recente douto Acórdão do STA proferido em 16-12-2020, proc. 01760/15.0BELRS, quanto à interpretação do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC passando a transcrever-se o que nele se concluiu:
… em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, segundo as quais “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1), e “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3), entende-se ser de interpretar o artigo 45.º/3 do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º (…).
Em conclusão, em plena concordância com a argumentação das decisões arbitrais referidas, julgamos que, no caso dos autos, a interpretação assumida pela Administração Fiscal do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, na origem de parte da liquidação adicional impugnada, que desconsiderou, em metade do seu valor, os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC, é violadora do citado preceito legal, por não estar abrangida pela sua previsão normativa, nos termos assinalados”.
Em consequência, salvo melhor juízo, não incorreu a douta sentença recorrida em erro de interpretação de lei e/ou violação do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC».

1.5 Cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida fez correcto julgamento quanto à aplicabilidade do art. 45.º, n.º 3, do Código do IRC (CIRC) aos ajustamentos decorrentes do critério do justo valor a participações sociais detidas pela Impugnante, ou seja, se às perdas de justo valor previstas na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC se aplica, ou não, a limitação da dedutibilidade em 50% prevista no n.º 3 do art. 45.º do mesmo Código, na redacção aplicável ( O art. 45.º do CIRC foi, entretanto, revogado pelo art. 13.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (ELI: https://data.dre.pt/eli/lei/2/2014/01/16/p/dre/pt/html), que republicou o CIRC.
Esta alteração legislativa veio colocar um ponto final na questão a que ora procuramos dar resposta, tendo o legislador fiscal optado claramente pela prossecução da aproximação da contabilidade à fiscalidade e consequentemente mantido o regime do art. 18.º, n.º 9, do CIRC, em detrimento da restrição de dedução de apenas 50% das perdas de justo valor em instrumentos financeiros.), i.e., se aquelas perdas deveriam ser consideradas pela totalidade ou em apenas em metade do seu valor.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto e deu como provada a seguinte factualidade:

«1. No exercício de 2010 a Impugnante encontrava-se inscrita no CAE “actividades das Sociedades Gestoras de Participações Sociais não Financeiras” (cfr. fls. 41 a 43 do processo administrativo tributário apenso);

2. A Impugnante, no exercício de 2010, detinha uma participação financeira no capital social do B....................... S.A., de 0,786%, cujo preço era formado num mercado regulamentado (bolsa de valores) (facto não controvertido – fls. 57 verso do processo administrativo tributário apenso);

3. No exercício de 2010, a Impugnante apurou na conta 14 (14,3 Banco B....................... SA), a desvalorização de 7.075.414 de acções do Banco B....................... (facto não controvertido);

4. A desvalorização, referida no ponto anterior, foi relevada pelos lançamentos na conta SNC 1431291 – ajuste de valorização B....................... perfazendo o total de € 10.045.201,46, que resulta da soma do ajustamento de transição (€ 4.844.772,17) com o do exercício (€ 5.200.429,29) (facto não controvertido);

5. As 7.075.414 acções do Banco B....................... passaram a estar inscritas na contabilidade da Impugnante pelo valor da sua cotação em bolsa – € 1,385 por unidade (facto não controvertido);

6. A Impugnante não inscreveu na sua declaração de rendimentos, Modelo 22, no campo 737, qualquer importância (facto não controvertido – cfr. fls. 58 do processo administrativo tributário apenso);

7. Com base no projecto n.º 4/EAI/2013, desenvolvido pela equipa de estudos e planeamento, relativo à análise das SGPS, foi aberta pela inspecção tributária a Ordem de Serviço OI201302750, com o objectivo de aferir dos ajustamentos decorrentes da utilização do justo valor “n.º 3 do artigo 45.º e n.º 9 do art. 18.º do IRC” (cfr. fls. 27 verso do processo administrativo tributário apenso);

8. Na sequência da acção inspectiva, referida no ponto anterior, foi a Impugnante notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, do qual resultaram correcções ao lucro tributável do exercício de 2010, no montante total de € 3.084.691,86 (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial);

9. Nas conclusões (fundamentação) do relatório de inspecção a Inspecção Tributária refere o seguinte “na determinação do resultado tributável e na presença de uma variação negativa da cotação da participação em causa, face ao seu valor à data de 2009/12/31, o SP deveria ter considerado como fiscalmente dedutível apenas 50% da respectiva perda (gasto) contabilizada, na conta 66121, ou seja, procedendo ao acréscimo ao lucro tributável, no campo 737 – 50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, da verba de € 2.600.214,65 e de € 484.477,23” (cfr. fls. 58 do processo administrativo tributário apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos);

10. Em consequência foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2014 8500033059 e a demonstração de acerto de contas n.º 2014 00004908360, relativa ao exercício de 2010 (cfr. fls. 69 e 70 dos autos);

11. A petição inicial da presente impugnação foi apresentada, via SITAF em 04/11/2014 – n.º de registo 267762 (cfr. fls. 3 dos autos)».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT verificou que a ora Recorrida detinha uma participação numa empresa cotada em Bolsa, que ascendia a 0,786% do respectivo capital social, e relativamente à qual, no exercício de 2010, apurou contabilisticamente uma desvalorização, apurada ao justo valor, de € 4.844.772,32, que declarou como perda pela totalidade no apuramento do lucro tributável do exercício do ano de 2010.
A AT entendeu que a norma que acolheu parcialmente o critério do justo valor como critério de mensuração de determinados títulos – a alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC ( «9- Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:
a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5% do respectivo capital social; […]».), introduzido pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho – deve ser aplicada em conjugação com a pré-existente norma do art. 45.º, n.º 3, do CIRC ( «3- A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».), no sentido de que as variações negativas de justo valor apenas são relevadas em metade do seu valor.
Consequentemente, procedeu a correcções técnicas ao lucro tributável declarado pela ora Recorrente relativamente ao exercício de 2010, no valor de € 3.084.491,86, na sequência das quais procedeu à correcção da liquidação de IRC, da qual resultou uma diminuição do prejuízo fiscal declarado.

2.2.1.2 A sociedade ora Recorrida deduziu a presente impugnação judicial, invocando que aquele acto tributário enferma de dois vícios: i) a ilegalidade decorrente do vício de violação de lei por a mencionada perda correspondente à variação negativa do justo valor apurada no exercício, relativa à referida participação social dever concorrer na totalidade, e não em apenas 50%, para a formação do lucro tributável e ii) a inconstitucionalidade da interpretação efectuada pela AT na prática do acto impugnado relativamente à norma do art. 45.º, n.º 3, do CIRC, na medida em que restringe a 50% a dedutibilidade da desvalorização de justo valor dos instrumentos financeiros previstos no art. 18.º, n.º 9, alínea a), do mesmo Código, por violação dos princípios da igualdade e da tributação pelo lucro real, consagrados, respectivamente, nos arts. 13.º e 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Quanto àquele primeiro vício – o único que a sentença apreciou e decidiu ( Atenta a resposta dada à questão, a sentença deu como prejudicado o conhecimento da questão da conformidade constitucional da interpretação sustentada pela AT.) – a Impugnante considerou que, por efeito da excepção contida na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem na íntegra para a formação do lucro tributável, desde que se verifiquem os pressupostos definidos nessa norma (ou seja, quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados e, tratando-se de instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital igual ou superior a 5% do respectivo capital social) estão excluídos da limitação constante do n.º 3 do art. 45.º do CIRC.

2.2.1.3 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial com o primeiro dos referidos fundamentos e anulou a liquidação impugnada.
Louvando-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal ( A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa cita os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 17 de Fevereiro de 2016, proferido no processo com o n.º 1401/14, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/24cea2f1738b175a80257f610053cfae;
- de 6 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 582/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f8935340afb3921e802582b300325274.), adoptou o entendimento de que na previsão do art. 45.º, n.º 3, do CIRC não são de incluir os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art. 18.º, n.º 9, alínea a), do mesmo Código, não sendo, por conseguinte, de restringir a sua dedutibilidade a 50% do valor verificado.
Por isso, julgando procedente a impugnação judicial, anulou a liquidação adicional impugnada.

2.2.1.4 Inconformada com essa sentença, a AT dela recorreu. Discorda do julgamento efectuado pelo Tribunal Tributário de Lisboa e mantém que, não obstante um determinado ajustamento pelo justo valor em resultados fosse enquadrável na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC, se o ajustamento fosse negativo, ainda que aceite nos termos da citada disposição, só seria dedutível em 50% do seu valor, em aplicação do disposto no art. 45.º, n.º 3, do mesmo Código, que, sendo uma norma de carácter geral, se aplica a todas as variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

2.2.1.5 Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se as perdas contabilísticas decorrentes da aplicação do critério do justo valor aos instrumentos de capital previstos na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC, devem concorrer na totalidade no apuramento do lucro tributável, como decidiu a sentença recorrida, ou se, como sustenta a Recorrente, apenas em 50%, por aplicação do n.º 3 do art. 45.º do CIRC.

2.2.2 DA APLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO DA DEDUTIBILIDADE PREVISTA NO N.º 3 DO ART. 45.º DO CIRC ÀS VARIAÇÕES PATRIMONIAIS NEGATIVAS RESULTANTES DA APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DO JUSTO VALOR APURADAS NO EXERCÍCIO, AO ABRIGO DO ART. 18.º, N.º 9, ALÍNEA A), DO CIRC

A questão não é nova e este Supremo Tribunal já sobre ela se pronunciara antes da data em que foi proferida a sentença – como bem deu conta a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa ( Vide a nota anterior.), que para ela remeteu – e continuou a pronunciar-se após essa data ( Cf. o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2020, proferido no processo com o n.º 1760/15.0BELRS (819/17), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f07690fb3c5ece8e802586460043e57a.), sempre no mesmo sentido.
Seguindo na esteira dessa jurisprudência, recordemos, em síntese, a fundamentação que a suporta:
A determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC faz-se nos termos do n.º 1 do art. 17.º do respectivo Código: «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».
De acordo com o disposto no art. 20.º, n.º 1, alínea h), do CIRC, «[c]onsideram-se rendimentos [antes, proveitos e ganhos] os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente (…) h) Mais-valias realizadas; (…)»
No art. 23.º, n.º 1, do mesmo Código, especificam-se quais os gastos [antes, custos ou perdas] que a lei releva. Após uma definição ampla do conceito de gastos fiscais – «os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» –, o preceito faz uma enumeração meramente exemplificativa, na qual inclui as «menos-valias realizadas» [cf. alínea l)].
Quanto às variações patrimoniais positivas, diz o n.º 1 do art. 21.º do CIRC: «Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no período de tributação, excepto (…) b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal».
Paralelamente, quanto às variações patrimoniais negativas, dispõe o art. 24.º, n.º 1, do mesmo Código: «Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto (…) b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade».
O n.º 1 do art. 46.º do CIRC dá-nos a definição de mais e menos-valias: «Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a: a) Activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes activos tenha sido reclassificado como activo não corrente detido para venda; b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º».
O n.º 2 do mesmo artigo indica o método para o respectivo cálculo: «As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correcções de valor previstas no artigo 35.º, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, sem prejuízo da parte final do n.º 5 do artigo 30.º». O valor de realização é definido no n.º 3 do mesmo artigo.
Ou seja, em princípio ( Desde que respeitem os requisitos do art. 23.º do CIRC.), as menos-valias e as perdas realizadas por uma sociedade com uma determinada operação comercial concorrem, negativamente, para a formação do lucro tributável do respectivo exercício.
Mas existem algumas limitações, entre as quais ora nos interessa considerar a do art. 45.º do CIRC, com a epígrafe «Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», que no seu n.º 3 estabelecia: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
Esta norma restritiva do montante de menos-valia susceptível de dedução não existia na versão original do CIRC ( Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro.). Designadamente, no art. 42.º (que correspondia ao referido art. 45.º) nenhuma restrição havia relativamente à dedução das menos-valias. Como deixámos já dito, apenas se afirmava, na alínea l) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, que se consideravam gastos «as menos-valias realizadas».
A referida norma foi aditada (sob o n.º 3) ao então art. 42.º do CIRC (depois 45.º) pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado ara 2003), com a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
O Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento do Estado de 2003 ( Disponível em
http://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2003&TipoOE=Proposta+de+Or%u00e7amento+do+Estado&TipoDocumentos=Lei+%2f+Mapas+Lei+%2f+Relat%u00f3rio.), após referir «[n]o que respeita às receitas, estabelecem-se desde logo duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável» (pág. 34), enquadrou a medida de «exclusão parcial (50%) das menos-valias registadas na alienação de partes sociais pela generalidade das empresas» no âmbito das alterações em sede de IRC em ordem ao «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade» (pág. 53).
Ulteriormente, com a entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), o referido n.º 3 do então art. 42.º do CIRC recebeu a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».
O Relatório do Ministério das Finanças para este Orçamento ( Disponível em
http://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2006&TipoOE=Proposta+de+Or%u00e7amento+do+Estado&TipoDocumentos=Lei+%2f+Mapas+Lei+%2f+Relat%u00f3rio.) enquadrou esta alteração no âmbito do «combate à fraude e evasão fiscais e outras medidas direccionadas à consolidação orçamental» (pág. 31).
Ou seja, o n.º 3 introduzido no art. 42.º do CIRC (depois, após a republicação do CIRC, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, art. 45.º) pelo Orçamento do Estado para 2003 veio impor uma limitação à dedutibilidade das perdas resultantes de menos-valias, nos termos da qual a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre em apenas metade do seu valor para a formação do lucro tributável. Sob essa óptica, na realização de uma menos-valia seria determinante apurar se esta resulta da transmissão onerosa de partes de capital. Na afirmativa, haveria de se aplicar a limitação dos 50% da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias.
Com o Orçamento do Estado para o ano de 2006, a referida limitação viu o seu âmbito de aplicação ser alargado: para além das menos-valias resultantes de alienações onerosas, passou também a incluir as transmissões onerosas de «outras componentes do capital próprio».
A norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal.
No caso, não se suscitando dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos do art. 18º, n.º 9, alínea a), do CIRC, há apenas que saber se é aplicável a limitação que consta do art. 45.º, n.º 3, do mesmo Código.
O já referido acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 582/17, responde a esta questão nos seguintes termos:
«O conceito de Justo Valor resultante das regras contabilísticas, quer nacionais (Sistema de Normalização Contabilística – SNC, Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho), quer internacionais (NIC), quando incorporado no sistema fiscal, consubstancia-se, no essencial, na “quantia pela qual um activo pode ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transacção em que não existe relacionamento entre as partes”.
Refere José de Campos Amorim que, “As IAS/IFRS [International Accounting Standard / International Financial Reporting Standards] e o SNC [Sistema de Normação Contabilística] com as alterações das normas de relato financeiro, introduziram uma maior justiça na valorização dos bens da sociedade com vista aos utentes da situação económica, financeira e patrimonial da sociedade. Esta abertura da contabilidade ao justo valor vai ao encontro dos investidores que desejam obter uma informação real e fidedigna antes de decidir investir na empresa. // Não é uma informação que pode condicionar determinadas operações económicas ou financeiras, como, por exemplo, o aumento ou a diminuição de capital, mas que é de uma grande relevância para o investidor que pretende ter uma noção real e actual dos activos da empresa. É por esse motivo que a contabilidade está orientada não para o custo histórico mas para o valor actual dos activos.”, cfr. O justo valor e as suas implicações fiscais, IV Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pág. 168. Portanto, a consideração do Justo Valor, no que aqui nos interessa (a introdução do modelo do Justo Valor no âmbito do IRC quando estejam em causa instrumentos financeiros, operou-se pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho) e para efeitos fiscais (que, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Código de IRC se encontra directamente ligado com a própria contabilidade da empresa), tem uma ligação imediata à cotação oficial dos títulos, e no caso dos autos encontra-se sujeita a um mercado regulado por entidades oficiais, deixando o facto tributário de se associar à venda dos títulos – realização das mais ou menos valias – passando a estar associada à oscilação da cotação oficial entre o início e o fim do período de tributação, cfr. Tomás Castro Tavares, Justo valor e tributação de mais-valias de acções de sociedades cotadas, Estudos em Memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, vol. IV, págs. 1137 e 1138.
Estas “mais-valias ou menos-valias” assim determinadas pelo Justo Valor são meramente potenciais ou provisórias – o valor dos activos consubstancia-se numa posição financeira – porque não há uma efectiva entrada de capital ou perda de capital face ao custo histórico, tal como é reconhecido pelo próprio legislador nacional no artigo 32.º, n.º 2 do CSC.
Não há, assim, qualquer dúvida de que (…) à posição financeira negativa resultante do Justo Valor, não lhe “... subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos activos transaccionados em mercado organizado, onde a cotação do activo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente, da vontade fiscal do contribuinte… A vontade do contribuinte nunca molda o facto tributário assente no fair value: desaparece o óbice económico do lock-in (o facto tributário dissocia-se da decisão de venda); se os proveitos do justo valor são totalmente tributados (nunca se lhes aplica o regime das mais e menos-valias), os gastos também devem ser aceites na totalidade; e não há, por fim, uma assimétrica inclinação para a realização do custo de justo valor, por comparação com o ganho – pela razão simples de que o facto tributário do justo valor (positivo e negativo) dissocia-se, totalmente, da vontade do sujeito passivo” (cfr. Tomás Castro Tavares, idem, págs. 1143 e 1144).
Portanto, o legislador com a norma do artigo 18.º, n.º 9, al. a), para casos como o dos autos, afastou o princípio da realização e aproximou, ainda mais, a regra fiscal à regra contabilística, atribuindo relevância fiscal à variação anual do valor dos instrumentos financeiros, com preço formado em mercado regulamentado, quando aplicadas as regras do Justo Valor, cfr. artigos 20.º, n.º 1, alínea f) e 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC.
Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9.º do CC, que a norma do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo».
Entendemos, pois, em conformidade com o julgado no citado acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Junho de 2018 ( E secundado no também já referido acórdão de 16 de Dezembro de 2020, proferido no processo com o n.º 1760/15.0BELRS (819/17).), que a diferença negativa releva na totalidade para a formação do lucro tributável, e não apenas em metade do seu valor, concluindo pela ilegalidade da correcção efectuada em IRC pela AT e, consequentemente, pela ilegalidade da liquidação adicional impugnada.
A sentença, que decidiu neste sentido, não merece censura.

2.2.3 A DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

A Recorrida pediu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP, norma que dispõe: «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
O presente acórdão ocupou-se da questão, suscitada pela Recorrente, de saber se a sentença recorrida enfermava erro de julgamento por ter considerado inaplicável o n.º 3 do art. 45.º do CIRC aos ajustamentos decorrentes da aplicação do método do justo valor a saber se as perdas contabilísticas decorrentes da aplicação do justo valor, dos instrumentos de capital previstos na alínea a), n.º 9, do art. 18.º do CIRC, devem concorrer na totalidade no apuramento do lucro tributável, como decidiu a sentença recorrida, ou se, como sustenta a Recorrente, apenas em 50%, por aplicação do n.º 3 do art. 45.º do CIRC
A questão não pode considerar-se de dificuldade inferior à média a justificar, com esse fundamento, a dispensa do pagamento da taxa de justiça. A tramitação do processo também não justifica, por si só, essa dispensa.
No entanto, há que ter em conta, por um lado, a existência de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, que facilitou o labor na decisão deste recurso e, por outro lado, o valor do remanescente da taxa de justiça, atento o valor da causa, surge desproporcionado em face do serviço prestado. Na verdade, não podemos perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cf. arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da LGT), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo.
Recuperando o que deixámos já dito noutras ocasiões ( Designadamente, no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 891/16, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/bc712805391451a8802580c00036138a.) e constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal ( Nesse sentido, a título exemplificativo e com citação de numerosa jurisprudência, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 221/12, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/251bdf3381d62ed580257d730037ac0d.), não se exige uma equivalência rigorosa entre o valor da taxa e o custo do serviço, que, as mais das vezes, nem seria viável apurar com rigor. Assim, como afirmou já o Tribunal Constitucional, o legislador dispõe de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas»; mas, como logo advertiu o mesmo Tribunal, é necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» ( Cfr. os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- de 28 de Março de 2007, com o n.º 227/2007, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070227.html;
- de 15 de Julho de 2013, com o n.º 421/2013, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130421.html.).
Mais tem vindo a considerar a jurisprudência constitucional que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».
Note-se, aliás, que foi para obviar à violação desses princípios constitucionais que o art. 2.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, aditou ao art. 6.º do RCP o n.º 7, que veio permitir (poder-dever) que se atenda ao referido limite máximo de € 275.000,00 e a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas situações também já referidas ( Para maior desenvolvimento, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1319/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/b9dbbe59c0cd923880257d16002f0290. Como nesse aresto ficou dito, «No acórdão n.º 421/2013, de 15/7/2013, processo n.º 907/2012, in DR, 2.ª série - n.º 200, de 16/10/2013, pp. 31096 a 31098, o Tribunal Constitucional havia julgado inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos arts. 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP, as normas contidas nos arts. 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13/4, (anteriormente, portanto, à alteração introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/2) quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título. // Neste mesmo sentido se decidira já nos acs. desta Secção do STA, de 31/10/12 e de 26/4/2012, nos procs. n.ºs 0819/12 e 0768/11, respectivamente».).
É certo que o juízo de proporcionalidade entre a taxa cobrada e o valor do serviço prestado se apresenta como problemático, pois envolve a ponderação de diversas variáveis, nem todas objectivas. Mas nem por isso o tribunal se pode eximir do mesmo.
Assim, aplicando a referida interpretação normativa ao caso dos autos, ponderada a simplicidade formal da tramitação dos autos, o comportamento processual das partes, o valor da causa, a complexidade da questão apreciada e que sobre a mesma existia já jurisprudência deste Supremo Tribunal, considera-se adequado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000.

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O art. 45.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado no sentido de, na sua previsão, não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC

II - Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT], com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e pelos motivos que ficaram referidos em 2.2.3.

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Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Gustavo André Simões Lopes Courinha.