Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02410/14.7BELRS |
Data do Acordão: | 11/10/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | IRC REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA |
Sumário: | I - O art. 45.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado no sentido de, na sua previsão, não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC. II - Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe. |
Nº Convencional: | JSTA00071312 |
Nº do Documento: | SA22021111002410/14 |
Data de Entrada: | 02/15/2021 |
Recorrente: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A………….., S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TT LISBOA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR FISC |
Área Temática 2: | IRC |
Legislação Nacional: | CIRC ART 18.º, 9 CIRC ART 20.º, 1, al. H) CIRC ART 21.º, 1, al. B^) CIRC ART 23.º, 1 CIRC ART 24.º, 1, al. B) CIRC ART 45.º, 3 CIRC ART 46.º, 1, 2 e 3 CRP ART 13.º CRP ART 104.º, 2 |
Jurisprudência Nacional: | AC STA 17/02/2016 PROC 1401~714; AC STA 06/06/2018 PROC 587/17; AC STA 16/12/2020 PROC 1760/15.0BELRS (819/17) |
Referência a Doutrina: | JOSÉ DE CAMPOS AMORIM O JUSTO VALOR E AS SUAS IMPLICAÇÕES FISCAIS, IV CONGRESSO DE DIREITO FISCAL, VIDA ECONÓMICA, pág. 168 TOMÁS CASTRO TAVARES, JUSTO VALOR E TRIBUTAÇÃO DE MAIS-VALIAS DE ACÇÕES DE SOCIEDADES COTADAS, ESTUDOS EM MEMÓRIA DO PROF. DOUTOR J.L. SALDANHA SANCHES, VOL. IV, págs. 1137 e 1138 e págs. 1143 e 1144 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2410/14.7BELRS Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) Recorrida: “ A………………, S.A.” 1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza daquele Tribunal julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a “liquidação adicional” ( Na verdade, não houve liquidação adicional, sendo o acto tributário impugnado o que operou a correcção da liquidação anteriormente efectuada, por diminuição do montante de prejuízos, reflectida na diminuição do valor a reembolsar.) de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que a esta foi efectuada com referência ao ano de 2010, na sequência da correcção efectuada após inspecção tributária e relativa a desvalorizações, de acordo com o critério do justo valor, de acções detidas pela ora Recorrida, quer por referência à data de aquisição, no ajustamento de transição para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), quer as do próprio exercício de 2010. 1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, com conclusões do seguinte teor: «i. Em causa nos presentes autos está a aplicação ou não do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC aos ajustamentos decorrentes da aplicação do método do justo valor a instrumentos financeiros reconhecidos através de resultados, mais concretamente, se aquelas perdas deveriam ser consideradas pela totalidade ou em apenas em metade do seu valor por aplicação do disposto no n.º 3, do art. 45.º, do CIRC. ii. Em face do preceituado no elemento literal do art. 45.º, n.º 3 do CIRC, as perdas ou variações patrimoniais negativas concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor. iii. Note-se que o legislador e, acima de tudo, a própria lei, fizeram uma clara opção no n.º 3 do art. 45.º do CIRC e, pese embora as sucessivas alterações legislativas levadas a cabo ao CIRC, o legislador não estabeleceu em tal preceito qualquer excepção relativa tanto às perdas apuradas pelos ajustamentos de transição decorrentes da alteração do normativo contabilístico, como às perdas aceites fiscalmente decorrentes da redução do justo valor através de resultados. iv. Pelo contrário, tal normativo continuou a aplicar-se a todas as perdas, com relevância fiscal, verificadas em partes de capital, nomeadamente perdas potenciais, como será o caso das variações no justo valor em metade do seu valor. v. Se fosse intenção do legislador excluir as perdas em questão do âmbito da aplicação do art. 45.º, n.º 3 do CIRC, certamente tê-lo-ia deixado claro na lei, promovendo, para o efeito, a devida alteração à norma em presença. vi. Conforme refere André A. Vasconcelos, “pela leitura daquele preceito, e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os activos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscais em metade do seu valor”. Acresce ainda que, vii. Gasto, para os efeitos do art. 18.º, n.º 9, corresponde à totalidade das rubricas contabilísticas (que poderão ter ou não relevância fiscal) consideradas como afectando negativamente o resultado líquido de uma sociedade, nas quais se incluem, designadamente, as perdas, as menos-valias, as depreciações, os gastos operacionais, entre outros. viii. Ora, afirmar que gasto e perda são conceitos estanques e distintos é falacioso. Com efeito, a perda é uma tipologia de gasto. ix. Ana Maria Rodrigues dá conta das tentativas de superação dessas imprecisões e de hesitações quanto às soluções por receio de aumentar a perturbação no ordenamento jurídico. Como exemplo, cita as epígrafes dos artigos 20.º e 23.º do CIRC. Quanto à primeira, actualmente “rendimentos e ganhos”, considera que deveria ser apenas intitulada “rendimentos”, conceito que envolve réditos e ganhos e quanto à segunda, “gastos e perdas”, observa que gastos é um conceito que, em contabilidade, já inclui as perdas. x. Em face do exposto, fica claro que a dedutibilidade daquela perda, que é, naturalmente, um gasto, deverá ser analisada à luz do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, com vista a apurar até que ponto poderá cair no escopo daquela norma. xi. A norma em discussão prevê que “a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (…) concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor” (sublinhado nosso). xii. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redacção à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital, e, bem assim, as perdas associadas à alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (as quais, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, não são consideradas como mais-valias) cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor (no período de tributação em análise). xiii. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de interpretação de lei e viola o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida». 1.3 A Recorrida apresentou contra-alegação, pugnando pela manutenção da sentença, com conclusões do seguinte teor: «1.ª A douta sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2014 8500033059 e na demonstração de acerto de contas n.º 2014 00005908360, relativo ao exercício de 2010; 2.ª Inconformada, a Fazenda Pública recorreu; 3.ª Em causa nos presentes autos estava a questão de aferir da aplicabilidade do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC aos ajustamentos decorrentes do critério do justo valor. Na origem da lide estão, mais concretamente, as desvalorizações, de acordo com o critério do justo valor, de determinados títulos negociáveis detidos pela Recorrida, concretamente, as desvalorizações de 7.075.414 acções do Banco B...................... S.A., quer as por referência à data de aquisição, no ajustamento de transição, quer as do próprio exercício de 2010. 4.ª A este propósito, o Tribunal Recorrido concluiu que o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, não abarca os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do mesmo código; 5.ª A Fazenda Pública, ora Recorrente, não se conforma com o decidido e considera que o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC não excepciona estas perdas, pelo que se aplica a todos os tipos de perdas; 6.ª Salvo o devido respeito, não assiste razão à Recorrente. 7.ª O artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC não abarca os ajustamentos de justo valor nos instrumentos visados pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do mesmo código, como bem concluiu a sentença recorrida; 8.ª Se atendermos ao elemento literal e histórico de interpretação das normas relevantes, concluímos isso, desde logo: 9.ª O artigo 20.º do Código do IRC sempre previu, e prevê, a tributação das mais-valias realizadas; 10.ª Por sua vez, o artigo 21.º, n.º 1, alínea b), e o artigo 24.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código do IRC, estipulam que as mais-valias e as menos-valias latentes não concorrem para a formação do lucro tributável; 11.ª O artigo 46.º (Regime das mais-valias e das menos-valias) refere-se também às mais e menos-valias realizadas, mediante transmissão onerosa; 12.ª Todos estes normativos seguem o princípio da realização; 13.ª A Lei n.º 33-B/2002, de 30 de Dezembro e a Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro introduziram a norma com um carácter assumidamente anti abusivo; 14.ª Depois de 2006, o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, não sofreu quaisquer alterações, nem mesmo com a entrada em vigor do SNC, pelo que a adopção (limitada) do modelo do justo valor não introduziu qualquer novidade naquele artigo 45.º, n.º 3, o qual continua a pressupor uma perda efectiva, e não latente, ao abrigo do princípio da realização; 15.ª O Decreto-Lei n.º 159/2009 veio proceder a diversas alterações ao Código do IRC, designadamente, ao criar um regime especial de relevância fiscal dos ganhos e perdas apuradas em resultado da aplicação do modelo de justo valor [cf. artigo 20.º, n.º 1, alínea f) e artigo 23.º, n.º 2, alínea i)]. Assim sucedeu, como realça a sentença recorrida, “(…) pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.” (cf. página 9 da sentença recorrida). Assim, no Código do IRC, o princípio da realização deixou de vigorar em exclusivo, para coexistir com o modelo do justo valor (adoptado, porém, de forma limitada). 16.ª Em particular, o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do Código do IRC, refere-se a instrumentos financeiros em mercado regulamentado, os únicos que constituem excepção ao princípio da realização; 17.ª Clarificou-se também que a esses instrumentos financeiros não se aplica o artigo 46.º do Código do IRC – regime das mais-valias e menos-valias; 18.ª O artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC pressupõe a remoção do activo do balanço e com os ajustamentos de justo valor tal não sucede; 19.ª Tal como se determina, a título exemplificativo, nas decisões arbitrais de 09.12.2015 e 20.03.2017, proferidas no âmbito dos processos n.º 231/2015-T e n.º 436/2016-T, respectivamente, as perdas distinguem-se, em regra, pela sua natureza não regular, não recorrente, e são, por isso, o resultado de fenómenos com um grau de ocasionalidade ou não repetibilidade bem superior “(…) aqueles gastos que resultem do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) da entidade” (cf. parágrafo §76 da Estrutura Conceptual do SNC); 20.ª Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a distinção entre gastos e perdas nada tem de falacioso, pois o que o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC sempre visou, e continua a visar, é a tributação de perdas efectivas, realizadas, mediante transmissão ou alienação de activos (com a sua consequente remoção do balanço), ou seja, eventos extraordinários na vida do activo, e não meras flutuações do seu valor, que ocorrem de forma corrente e ordinária; 21.ª Se o legislador não alterou o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC é porque pretendeu manter inalterado o regime e nele não incluir os ajustamentos de justo valor, ao contrário do que pretende a Recorrente [cf. página 7 das alegações de recurso]; 22.ª Os ajustamentos são dedutíveis nos termos gerais [art. 23.º, n.º 2, alínea j)] mas não passam o crivo do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC ao contrário do que alega a Recorrente [cf. página 8 das alegações de recurso], porque aquele normativo apenas se aplica ao regime das mais-valias e menos-valias (princípio da realização); 23.ª Assim, impõe-se concluir que a reconstituição do pensamento legislativo opera, em sentido contrário ao advogado pela Recorrente: o legislador nunca manifestou, ainda que tacitamente, qualquer vontade de incluir no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, os gastos resultantes da aplicação do justo valor aos instrumentos financeiros; 24.ª Também se atendermos ao elemento sistemático, chegamos a essa conclusão: desde logo, o artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do Código do IRC à data, previa a dedutibilidade dos gastos resultantes da aplicação do justo valor como regra geral; 25.ª Por sua vez, o artigo 18.º, n.º 9, do Código do IRC no seu corpo, constitui uma excepção-comum àquela regra, donde resulta que não concorrem para a formação do lucro tributável os ajustamentos do justo valor; 26.ª De seguida, o artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do Código do IRC constitui uma excepção-particular à excepção-comum, voltando a repor a regra geral, prevendo que os ajustamentos de valor daquele tipo específico de instrumentos financeiros concorrem para a formação do lucro tributável; 27.ª O artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC constitui uma excepção à regra geral do artigo 23.º do Código do IRC; 28.ª O citado artigo 45.º, n.º 3, é pré-existente ao artigo 18.º, n.º 9, alínea a) e não sofreu quaisquer alterações com a introdução deste último; 29.ª Pelo que o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC não pode derrogar a norma excepcional-particular introduzida depois de si; 30.ª Assim, interpretando o n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, tendo também presente o sistema jurídico em que este se insere, só pode concluir-se que não pode o mesmo aplicar-se às perdas em apreço; 31.ª Também se atendermos ao elemento teleológico e à ratio legis dos artigos 45.º, n.º 3, e artigo 18.º, n.º 9, alínea a), chegamos a idêntica conclusão; 32.ª O objectivo do legislador com o artigo 45.º, n.º 3, foi o de evitar a manipulação do resultado fiscal pelo sujeito passivo através da gestão do momento e quantum da perda – prática impossível com os ajustamentos de justo valor; 33.ª A tributação do justo valor é integralmente substitutiva do regime das mais e menos-valias, porquanto antecipa temporalmente o reconhecimento do gasto com carácter definitivo e cumpre o objectivo da norma anti abuso; 34.ª A tributação do justo valor pretende evitar correcções fiscais aquando a realização do activo – daí a norma anti abuso não se aplicar; 35.ª Os ajustamentos de justo valor ocorrem independentemente da vontade do sujeito passivo; 36.ª Por isso, não faz sentido aplicar-lhe a limitação prevista para as menos-valias; 37.ª Acresce que é por razões de simetria que se explica a aceitação das menos-valias em apenas metade porquanto a tributação das mais-valias também é feita só pela metade (se reinvestidas, cf. artigo 48.º, n.º 4 do Código do IRC); 38.ª Quanto aos ajustamentos também deve haver simetria – os ganhos são tributados na totalidade, logo as perdas também o deverão ser [cf. artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC]; 39.ª O artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do Código do IRC foi introduzido num contexto de aproximar a contabilidade da fiscalidade, reduzindo-se os custos de compliance e os custos administrativos. Neste tipo de instrumentos financeiros, um tratamento fiscal e contabilístico distinto implicaria elevadíssimos custos administrativos, razão pela qual se adoptou o justo valor em pleno; 40.ª Por isso, não faz sentido aplicar o citado artigo 45.º, n.º 3, que é uma norma de correcção fiscal, repondo essa disparidade; 41.ª Não falta quem advogue que o justo valor veio introduzir uma maior justiça fiscal e social (cf. JOSÉ DE CAMPOS AMORIM, «O Justo Valor e as suas implicações fiscais», IV Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, p. 168); 42.ª Note-se, ainda, que a mensuração pelo justo valor obedece a critérios rigorosos e exaustivamente regulamentados, designadamente, pela IFRS 13, nos termos da qual decorre e se realça desde logo que “O justo valor é uma medida de mercado, não uma medida específica para uma determinada entidade”; 43.ª Existem diversas decisões arbitrais que alinham no sentido aqui propugnado (cf. n.º 118/2013-T, n.º 776/2014-T, n.º 58/2015, n.º 30/2015-T, n.º 208/2015-T, n.º 396/2015-T, n.º 393/2016-T, n.º 437/2016-T, n.º 473/2015-T, n.º 531/2015-T, n.º 563/2015-T, n.º 77/2016-T, n.º 89/2016-T, n.º 155/2017-T, n.º 94/2019-T e n.º 397/2019-T); 44.ª Na mesma linha de entendimento, também este Supremo Tribunal Administrativo se pronuncia sobre a ratio legis do preceito aqui em causa, afirmando que a norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti abuso, na medida em que o legislador terá pretendido evitar a manipulação do resultado fiscal (cf., exemplificativamente, acórdãos de 17.02.2016, no processo n.º 1401/14, Relator Francisco Rothes e de 06.06.2018, no processo n.º 0582/17, Relator Aragão Seia). 45.ª E, mais recentemente, veio este douto tribunal (STA) proferir o seguinte entendimento sobre o tema: “(…) o legislador com a norma do artigo 18.º, n.º 9, al. a) (…) afastou o princípio da realização e aproximou, ainda mais, a regra fiscal à regra contabilística, atribuindo relevância fiscal à variação anual do valor dos instrumentos financeiros, com preço formado em mercado regulamentado, quando aplicadas as regras do Justo Valor, cfr. artigos 20.º, n.º 1, alínea f) e 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC. Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9.º do CC, que a norma do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo.” (cf. Acórdão do STA, de 06.06.2018, proferido no processo n.º 0582/17, Relator Aragão Seia). 46.ª Não se encontra, pois, preenchida a ratio legis do n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC no que respeita às desvalorizações do justo valor, razão pela qual aquele preceito não se lhes aplica, sendo as mesmas fiscalmente dedutíveis na totalidade. 47.ª Não pode ser outro o entendimento que não o propugnado pela Recorrida e acolhido na sentença, sob pena de violação do princípio da tributação pelo lucro real e do princípio da igualdade (cf. artigo 104.º, n.º 2, e artigo 13.º, ambos da CRP), porquanto os ganhos são tributados na totalidade, logo, igual tratamento devem receber as perdas (neste mesmo sentido, TOMÁS CANTISTA TAVARES, in IRC e Contabilidade – da Realização ao Justo Valor, Almedina, Coimbra, pp. 244 e 245); 48.ª Em face de todo o exposto, bem andou o Tribunal Recorrido ao julgar procedente a impugnação judicial e determinar a anulação do acto tributário impugnado. 49.ª Pelo que, deve julgar-se improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida, por não ocorrer qualquer erro de julgamento. Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!». Mais pediu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP). 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença. Isto, com a seguinte fundamentação: «[…] De acordo com os termos conclusivos das Alegações de Recurso a questão a apreciar reconduz-se a saber se a douta sentença recorrida incorreu em erro julgamento de direito ao ter considerado inaplicável a o n.º 3, do artigo 45.º do CIRC às perdas decorrentes da aplicação do justo valor à participação financeira no capital social do B....................... S.A., de 0,786%, cujo preço era formado num mercado regulamentado (bolsa de valores). 1.5 Cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida fez correcto julgamento quanto à aplicabilidade do art. 45.º, n.º 3, do Código do IRC (CIRC) aos ajustamentos decorrentes do critério do justo valor a participações sociais detidas pela Impugnante, ou seja, se às perdas de justo valor previstas na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC se aplica, ou não, a limitação da dedutibilidade em 50% prevista no n.º 3 do art. 45.º do mesmo Código, na redacção aplicável ( O art. 45.º do CIRC foi, entretanto, revogado pelo art. 13.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (ELI: https://data.dre.pt/eli/lei/2/2014/01/16/p/dre/pt/html), que republicou o CIRC. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO O Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto e deu como provada a seguinte factualidade: «1. No exercício de 2010 a Impugnante encontrava-se inscrita no CAE “actividades das Sociedades Gestoras de Participações Sociais não Financeiras” (cfr. fls. 41 a 43 do processo administrativo tributário apenso); 2. A Impugnante, no exercício de 2010, detinha uma participação financeira no capital social do B....................... S.A., de 0,786%, cujo preço era formado num mercado regulamentado (bolsa de valores) (facto não controvertido – fls. 57 verso do processo administrativo tributário apenso); 3. No exercício de 2010, a Impugnante apurou na conta 14 (14,3 Banco B....................... SA), a desvalorização de 7.075.414 de acções do Banco B....................... (facto não controvertido); 4. A desvalorização, referida no ponto anterior, foi relevada pelos lançamentos na conta SNC 1431291 – ajuste de valorização B....................... perfazendo o total de € 10.045.201,46, que resulta da soma do ajustamento de transição (€ 4.844.772,17) com o do exercício (€ 5.200.429,29) (facto não controvertido); 5. As 7.075.414 acções do Banco B....................... passaram a estar inscritas na contabilidade da Impugnante pelo valor da sua cotação em bolsa – € 1,385 por unidade (facto não controvertido); 6. A Impugnante não inscreveu na sua declaração de rendimentos, Modelo 22, no campo 737, qualquer importância (facto não controvertido – cfr. fls. 58 do processo administrativo tributário apenso); 7. Com base no projecto n.º 4/EAI/2013, desenvolvido pela equipa de estudos e planeamento, relativo à análise das SGPS, foi aberta pela inspecção tributária a Ordem de Serviço OI201302750, com o objectivo de aferir dos ajustamentos decorrentes da utilização do justo valor “n.º 3 do artigo 45.º e n.º 9 do art. 18.º do IRC” (cfr. fls. 27 verso do processo administrativo tributário apenso); 8. Na sequência da acção inspectiva, referida no ponto anterior, foi a Impugnante notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, do qual resultaram correcções ao lucro tributável do exercício de 2010, no montante total de € 3.084.691,86 (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial); 9. Nas conclusões (fundamentação) do relatório de inspecção a Inspecção Tributária refere o seguinte “na determinação do resultado tributável e na presença de uma variação negativa da cotação da participação em causa, face ao seu valor à data de 2009/12/31, o SP deveria ter considerado como fiscalmente dedutível apenas 50% da respectiva perda (gasto) contabilizada, na conta 66121, ou seja, procedendo ao acréscimo ao lucro tributável, no campo 737 – 50% de outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, da verba de € 2.600.214,65 e de € 484.477,23” (cfr. fls. 58 do processo administrativo tributário apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos); 10. Em consequência foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2014 8500033059 e a demonstração de acerto de contas n.º 2014 00004908360, relativa ao exercício de 2010 (cfr. fls. 69 e 70 dos autos); 11. A petição inicial da presente impugnação foi apresentada, via SITAF em 04/11/2014 – n.º de registo 267762 (cfr. fls. 3 dos autos)». 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR 2.2.1.1 Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT verificou que a ora Recorrida detinha uma participação numa empresa cotada em Bolsa, que ascendia a 0,786% do respectivo capital social, e relativamente à qual, no exercício de 2010, apurou contabilisticamente uma desvalorização, apurada ao justo valor, de € 4.844.772,32, que declarou como perda pela totalidade no apuramento do lucro tributável do exercício do ano de 2010. 2.2.1.2 A sociedade ora Recorrida deduziu a presente impugnação judicial, invocando que aquele acto tributário enferma de dois vícios: i) a ilegalidade decorrente do vício de violação de lei por a mencionada perda correspondente à variação negativa do justo valor apurada no exercício, relativa à referida participação social dever concorrer na totalidade, e não em apenas 50%, para a formação do lucro tributável e ii) a inconstitucionalidade da interpretação efectuada pela AT na prática do acto impugnado relativamente à norma do art. 45.º, n.º 3, do CIRC, na medida em que restringe a 50% a dedutibilidade da desvalorização de justo valor dos instrumentos financeiros previstos no art. 18.º, n.º 9, alínea a), do mesmo Código, por violação dos princípios da igualdade e da tributação pelo lucro real, consagrados, respectivamente, nos arts. 13.º e 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP). 2.2.1.3 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial com o primeiro dos referidos fundamentos e anulou a liquidação impugnada. 2.2.1.4 Inconformada com essa sentença, a AT dela recorreu. Discorda do julgamento efectuado pelo Tribunal Tributário de Lisboa e mantém que, não obstante um determinado ajustamento pelo justo valor em resultados fosse enquadrável na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC, se o ajustamento fosse negativo, ainda que aceite nos termos da citada disposição, só seria dedutível em 50% do seu valor, em aplicação do disposto no art. 45.º, n.º 3, do mesmo Código, que, sendo uma norma de carácter geral, se aplica a todas as variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio. 2.2.1.5 Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se as perdas contabilísticas decorrentes da aplicação do critério do justo valor aos instrumentos de capital previstos na alínea a) do n.º 9 do art. 18.º do CIRC, devem concorrer na totalidade no apuramento do lucro tributável, como decidiu a sentença recorrida, ou se, como sustenta a Recorrente, apenas em 50%, por aplicação do n.º 3 do art. 45.º do CIRC.
2.2.2 DA APLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO DA DEDUTIBILIDADE PREVISTA NO N.º 3 DO ART. 45.º DO CIRC ÀS VARIAÇÕES PATRIMONIAIS NEGATIVAS RESULTANTES DA APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DO JUSTO VALOR APURADAS NO EXERCÍCIO, AO ABRIGO DO ART. 18.º, N.º 9, ALÍNEA A), DO CIRC A questão não é nova e este Supremo Tribunal já sobre ela se pronunciara antes da data em que foi proferida a sentença – como bem deu conta a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa ( Vide a nota anterior.), que para ela remeteu – e continuou a pronunciar-se após essa data ( Cf. o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2020, proferido no processo com o n.º 1760/15.0BELRS (819/17), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f07690fb3c5ece8e802586460043e57a.), sempre no mesmo sentido. 2.2.3 A DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA A Recorrida pediu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP, norma que dispõe: «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O art. 45.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado no sentido de, na sua previsão, não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art. 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC II - Nos casos em que o valor da causa excede € 275.000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso. * Custas pela Recorrente [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT], com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e pelos motivos que ficaram referidos em 2.2.3. * Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Gustavo André Simões Lopes Courinha. |