Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0274/14.0BEMDL
Data do Acordão:05/20/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25927
Nº do Documento:SAP202005200274/14
Data de Entrada:10/21/2019
Recorrente:A.........................
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, vem, nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 284.º nº 3 do CPPT interpor recurso da decisão proferida em 11 de Outubro de 2017, na secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, por oposição com o acórdão fundamento proferido no Supremo Tribunal Administrativo a 15 de Outubro de 2008, no processo nº 0542/08.

A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. O acórdão proferido no âmbito do presente processo encontra-se em oposição com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Outubro de 2008, no processo 0542/08, publicado no site das Bases Jurídico-Documentais, www.dgsi.pt.
2. Nos presentes autos, foi proferido acórdão que entendeu não se ter verificado qualquer preterição legal do direito de audiência prévia.
3. Ambos os acórdãos em causa nos autos se reconduzem a situações em que se encontra em causa o direito de audiência prévia do sujeito passivo, no procedimento de segundo grau.
4. Assim, a questão fundamental aqui subjacente prende-se com o facto de se saber se nos procedimentos de 2º grau, pode ou não, ser preterido o direito de audiência prévia.
5. O direito de audição prévia assenta na concretização do preceito constitucional disposto no art. 267º, nº 5, que prevê que a todo e qualquer cidadão, é assegurado o direito de participação na formação das decisões/deliberações que lhes diga respeito.
6. O certo é que, a audição dos interessados e a participação dos particulares na formação das decisões que lhes digam respeito, representa uma das manifestações mais flagrantes do modelo de Administração aberta,
7. Caracterizando-se este, pela possibilidade de tornar útil e efetiva a participação do sujeito passivo na decisão final, visto que estamos no âmbito de um princípio inerente a um Estado de Direito, como é o nosso.
8. Atento o exposto, a verdade é que, caso tivesse sido dada a possibilidade/oportunidade ao contribuinte, de se pronunciar no âmbito do exercício do direito de audição no procedimento de segundo grau, nada obstaria a que este invocasse novos elementos que lhe fossem favoráveis.
9. Aliás, dispõe o artigo 60º, nº 7, da LGT, que “os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”
10. Sendo certo que, a participação do contribuinte não tem apenas de se verificar quando existam factos novos no âmbito de um procedimento gracioso, precisamente porque no exercício dessa participação o contribuinte pode invocar factos novos que fundamentem uma decisão diferente relativamente à que foi proferida.
11. Em face do exposto, o douto acórdão recorrido deu errada interpretação ao disposto nos artigos 267º, nº 5 da CRP e 60º da LGT, violação essa que, desde já, se invoca para todos e devidos efeitos legais.
Termos em que, deve ser proferido acórdão que confirme a jurisprudência dos Tribunais, mormente a referida no acórdão fundamento, com a consequente revogação do acórdão recorrido.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se tendo concluído, “(…)Afigura-se-nos, assim, que se impõe a revogação do acórdão recorrido e a confirmação da decisão da 1ª instância no sentido da anulação da decisão do recurso hierárquico, por preterição de formalidade legal, por ofensa do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 60º da LGT.”.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Nos presentes autos deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. O Impugnante está inscrito para o exercício de actividade de “Culturas temporárias", CAE 1100, enquadrado no regime normal trimestral desde 10/11/2000 e, para efeitos de IRS, está enquadrado no regime de contabilidade organizada por opção em 2008 e no regime simplificado em 2009 e 2010 - Fls. 74;
2. A contabilidade do Impugnante foi objecto de inspecção tributária que incidiu nos exercícios de 2008, 2009 e 2010.
3. Dá-se aqui por reproduzido o Relatório de Inspecção, com o seguinte destaque:



4. Através do ofício 5960 de 6/8/2012 o Impugnante foi notificado para exercer o direito de audição relativamente ao projecto do Relatório.
5. Em 10/9/2012 foi notificado do relatório de inspecção.
6. Nessa sequência, em data não alegada, o Impugnante foi notificado da liquidação adicional de IRS do exercício de 2009 e para pagar o total de 41.364,37 €.
7. O documento de cobrança foi enviado através de carta registada sem aviso de recepção.
8. Em 22/1/2013 apresenta reclamação graciosa, que aqui se reproduz.
9. Em 17/2/2013 foi elaborado projecto de despacho de indeferimento de reclamação graciosa, comunicado através do ofício 1146, de 18/2/2013 da Direcção de Finanças de Vila Real que aqui se reproduz, com o seguinte destaque: “ (…) Nos termos e para efeitos do art.º 60.º da Lei Geral Tributária, fica V.Exª, (…) para no prazo de 15 dias, se pronunciar (caso queira), por escrito, com a indicação do n.º do processo e do ofício acima referidos, (que deverá ser remetido directamente a esta Direcção de Finanças) sobre o projecto de decisão que se anexa (…)”.
10. Em 26/2/2013 o aqui Impugnante exerce o direito de audição.
11. Nesse mesmo dia (26/2/2013) a reclamação é indeferida e o projecto de indeferimento de reclamação graciosa foi convertido em definitivo.
12. Em 27/2/2013 o aqui Impugnante é notificado.
13. Em 20/3/2013 interpõe recurso hierárquico, que aqui se reproduz.
14. O recurso é indeferido em 7/3/2014 com fundamento na informação 668/14, de 7/2/2014.
15. A AT dispensou o exercício do direito de audição porque o Recorrente (aqui Impugnante) foi ouvido em fase anterior do procedimento tributário, nos termos do n.º 3 do art.º 60 da LGT e da al. c), do n.º 3, da Circular n.º 13/99, de 8/7.
16. Pelo ofício 628, de 24/3/2014, esta decisão de indeferimento foi notificada ao Impugnante em 25/3/2014 .
17. Dá-se aqui por reproduzido aquele ofício, com o seguinte destaque: “(…) Da decisão do recurso hierárquico poderá V.Exª deduzir recurso contencioso nos termos do art.º 2.º do art.º 76.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (…)”.

No acórdão fundamento deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
- A ora impugnante é uma sociedade que se dedica como actividade principal à compra, venda e revenda de bens imobiliários e como actividade secundária à promoção de imóveis.
- No âmbito da sua actividade, a impugnante adquiriu em 18 de Outubro de 2001 sete prédios (lotes de terreno para construção), designados por Lote n.º 2, Lote n.º 3, Lote n.º 4, Lote n.º 5, Lote n° 6, Lote n.º 7 e Lote n.º 8, sitos no Lugar … , à Av. … e Rua …, em ………, Valongo, inscritos na matriz urbana da Freguesia de ……… sob os artigos 9574, 9575, 9576, 9577, 9578, 9579 e 9580.
- Em 24 de Julho de 2002, a impugnante requereu ao serviço de finanças competente um pedido de não sujeição a Contribuição Autárquica dos lotes inscritos sob os artigos 9574, 9576, 9577, 9578, 9579 e 9580, nos termos do artigo 10°, n.° 1 e) do CCA alegando que se tratava de um terreno para construção que tinha passado a constar do activo de uma empresa que tinha por objecto a construção de edifícios para venda.
- Em 6 de Setembro de 2002 apresentou um pedido de não sujeição a CA do prédio inscrito na matriz sob o artigo 9575 nos termos do artigo 10°, n.º 1 f) do CCA alegando que ele tinha passado a figurar nas existências da empresa que tinha por objecto a sua venda.
- Em 17 de Março de 2004 foi efectuada a liquidação da CA relativa ao ano de 2001 no valor de 35.451,48 euros com pagamento em Outubro de 2004.
- A sociedade impugnante apresentou em 8 de Novembro de 2004 uma reclamação graciosa.
- Em 27 de Dezembro de 2004 o Chefe do Serviço de Finanças indeferiu os pedidos de não sujeição a Contribuição Autárquica para o ano de 2001 em virtude das comunicações a que alude o artigo 10º, n.º 5 do CCA terem sido apresentadas fora de prazo.
- A impugnante foi notificada desse despacho em 28-12-2004.
- Em 29 de Dezembro de 2004 foi projectado o despacho de indeferimento da reclamação graciosa.
- A impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição em 16 de Janeiro de 2005.
- Em 7 de Março de 2005 foi proferido o despacho definitivo de indeferimento da Reclamação Graciosa.
- Em 11 de Abril de 2005 a impugnante deduziu recurso hierárquico.
- O mesmo foi indeferido por despacho datado de 11 de Novembro de 2005.
- Despacho que foi notificado à impugnante em 19 de Janeiro de 2006.
- A presente impugnação judicial foi deduzida no dia 19 de Abril de 2006.
Nada mais se deu como provado.

Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
É entendimento pacífico na jurisprudência deste Supremo Tribunal, que a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (-cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, p. 424, e acórdãos do Pleno da secção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009, e de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
Considera igualmente a jurisprudência uniforme deste STA que “a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais”, cfr. Acórdão do Pleno da secção de contencioso tributário de 05/07/2012, proc. 0997/11.
Importa, assim, analisar se no caso concreto dos autos estão ou não reunidos os referidos requisitos.

Ao apreciar a questão da preterição de formalidade legal, por não ter sido dada a possibilidade ao sujeito passivo de se pronunciar sobre o projeto da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, considerou-se no acórdão recorrido que a decisão de recurso hierárquico «apenas se baseou nos factos que já eram do conhecimento do impugnante e sobre os quais ele já tinha tido oportunidade de se pronunciar na reclamação graciosa, o que por si só legitimava a dispensa do direito de audição no âmbito do recurso hierárquico, nos termos do nº3 do artigo 60º da LGT».
No acórdão fundamento, perante questão similar, entendeu-se que «… de harmonia com o disposto na alínea b), n.º 1 do artigo 60.º da LGT o contribuinte tem o direito a ser ouvido antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, sendo certo que esse mesmo compêndio normativo não consagra para essas hipóteses a dispensa de audição no caso de já ter havido pronúncia do contribuinte, a exemplo do que está previsto na alínea a), n.º 2 do artigo 103.º do CPA, com excepção do caso particular da audição antes da liquidação previsto no n.º 3 do mesmo artigo 60.º, onde, no entanto, se afasta essa dispensa na hipótese de invocação de factos novos. Sendo assim, como defende Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 14.º ao artigo 45.º, face à inexistência nessa matéria de um caso omisso, “não haverá suporte legal para fazer aplicação no procedimento tributário do preceituado nesta alínea a) do n.º 2 do artigo 103.º do CPA”.
Aliás, como escreve ainda o mesmo autor nessa anotação, a dispensa de audição radica num fundamento de duvidosa segurança, assente como se encontra na sua inutilidade, “pois o conhecimento do projecto de decisão e respectiva fundamentação, contrária à posição defendida pelo interessado em anterior tomada de posição, pode permitir-lhe apresentar nova argumentação em contradição com a da projectada decisão”».
Não há dúvidas, assim, que os dois acórdãos se pronunciaram sobre a mesma questão jurídica – obrigatoriedade da audição do contribuinte sobre o projeto de indeferimento do recurso hierárquico, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 60º da LGT - , tendo sido perfilhadas soluções opostas e no mesmo quadro de regulamentação jurídica.
Na verdade, enquanto no entendimento adotado no acórdão recorrido se perfilhou a tese da dispensa de audição nos casos em que não há alteração dos factos invocados na decisão e sobre os mesmos já ter havido pronúncia por parte do contribuinte no procedimento de 1º grau (reclamação graciosa), no entendimento adotado no acórdão fundamento é afastada liminarmente essa possibilidade de dispensa, considerando que a mesma só está prevista para a situação configurada na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT (momento anterior à liquidação).
Por outro lado, afigura-se-nos que não se verifica a situação de o entendimento sufragado no acórdão recorrido estar em sintonia com a “jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo”, uma vez que embora tenha havido diversas pronúncias do STA sobre esta problemática, nem sempre as configurações das situações são similares, nem o entendimento adotado é o mesmo.
Estão, assim, reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos.
A questão que se coloca consiste pois em saber se é admissível a dispensa de audição do contribuinte na fase do procedimento do recurso hierárquico se o mesmo já tiver sido ouvido na fase de reclamação graciosa e mesmo anteriormente à liquidação.

Sobre a possibilidade de dispensa ou obrigatoriedade do direito de audição em momento prévio à decisão do recurso hierárquico já se pronunciou este Supremo Tribunal de forma bem explicita no seu acórdão datado de 04.10.2017, recurso n.º 0406/13.
Escreveu-se nesse acórdão com interesse para esta questão, sendo que também aí se omitiu a fase de audição prévia em momento anterior à decisão do recurso hierárquico:
O que cumpre averiguar é se, tendo sido concedida ao Contribuinte a possibilidade de exercer esse direito antes da decisão da reclamação graciosa, como foi no caso, pode a AT dispensar-se de lhe conceder essa possibilidade (que, para ela, constitui um dever) antes da decisão do recurso hierárquico (omitindo a notificação para o efeito), ainda que não tenham em sede de recurso hierárquico sido invocados factos sobre os quais aquele ainda não se tivesse pronunciado, o que, nesse caso, também importará averiguar.
Sustenta a Recorrente, no que é secundada pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, que, porque foi concedida ao Contribuinte a possibilidade de exercer o direito de audiência previamente à decisão da reclamação graciosa, a AT já não tinha que lhe conceder esse possibilidade previamente à decisão do recurso hierárquico. Para tanto, louvam-se no disposto no n.º 3 do art. 60.º da LGT, na posição de LIMA GUERREIRO, em comentário àquele preceito (O Procurador-Geral Adjunto cita ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, na Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, notas 11 e 12 ao art. 60.º, págs. 278 e 279, onde aquele autor afirma, respectivamente: «O direito de audição não se aplica necessariamente aos chamados procedimentos de segundo grau, incluindo reclamações ou recursos hierárquicos. De acordo com o princípio da unidade do procedimento, apenas quando, nos procedimentos de segundo grau, se abrir nova fase instrutória, tem lugar o direito de audição. Não há, nos procedimentos de segundo grau, direito de audição, quando a decisão se deva basear nos mesmos factos em que fundamentou a decisão anterior» e «O direito de audição é exercido geralmente por uma única vez no procedimento: finda a instrução e antes da decisão. Não pode ser utilizado para introduzir dilações sucessivas no procedimento. O presente artigo recusa, pois, a ideia de qualquer dupla ou tripla audição no procedimento».) e em jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Invocam os seguintes acórdãos:
- de 29 de Junho de 2011, proferido no processo n.º 497/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Janeiro de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32220.pdf), págs. 1122 a 1130, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b2f1d75272455755802578c6004e9c93;
- de 16 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 670/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Março de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32210.pdf), págs. 116 a 123, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ddff0517f5cb05e480257afb0037b4fe.).
Salvo o devido respeito, não podemos concordar.
Desde logo, porque a posição sustentada pela Recorrente não encontra apoio na lei – nem na sua letra, nem na sua razão de ser (sendo que esta deve procurar-se a partir daquela, como resulta do disposto do art. 9.º do Código Civil) – e também porque tem na sua génese um entendimento restritivo do direito de participação que não podemos subscrever. Vejamos:
O n.º 3 do art. 60.º da LGT dispõe: «Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado».
Como resulta da letra da norma («é dispensada a sua audição antes da liquidação»), a dispensa da audiência aí prevista refere-se ao procedimento de liquidação e ao momento anterior à prática do acto final desse procedimento (a liquidação propriamente dita). Ora, no caso, como deixámos já dito, não é o direito de audiência antes da liquidação que está em causa; é esse direito relativamente ao recurso hierárquico (rectius, o exercício desse direito previamente à decisão do recurso hierárquico) que foi interposto da decisão da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação. Assim, não vislumbramos como possa aplicar-se aquele normativo à situação sub judice.
Como resulta dos seus termos e deixámos já dito, o n.º 3 do art. 60.º da LGT apenas dispensa a audição prevista na alínea a) do n.º 1 (i.e., a que é anterior ao acto de liquidação), e não em qualquer das outras situações previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do mesmo artigo.
Mas não é só a letra da lei a não dar cobertura ao entendimento da Recorrente (Aliás, se ficássemos amarrados à letra da lei, então teríamos de concluir que a dispensa só é possível quando o contribuinte se tenha pronunciado efectivamente ao abrigo do direito de audiência, como decorre da expressão «sobre os quais se não tenha pronunciado» utilizada no n.º 3 do art. 60.º da LGT, e não apenas quando lhe tenha sido concedida essa faculdade. No entanto, «é manifesto que bastará para justificar a dispensa do exercício do direito de audição que o sujeito passivo tenha tido anteriormente a possibilidade de se pronunciar sobre a matéria relevante para a decisão e não que se tenha efectivamente pronunciado, pois se teve oportunidade de se pronunciar e não o quis fazer, não se poderá dizer que não foi assegurado o exercício desse direito» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, nota de rodapé 755 em anotação 15 ao art. 45.º, pág. 433).); também a razão de ser que preside à audiência, impondo-a à AT como um dever e ao contribuinte como um direito, não permite extrair argumento algum a favor da dispensa da audiência previamente à decisão do recurso hierárquico.
Na verdade, o princípio da participação – que vimos já ter merecido consagração constitucional no art. 267.º, n.º 5, da Lei Fundamental – visa que as decisões administrativas sejam, na sua formação, participadas pelos seus destinatários (decorrência da mudança do paradigma da Administração autoritária para a Administração participada), ou seja, ao administrado deve ser facultada a possibilidade de ter intervenção activa no processo de formação da decisão administrativa que lhe respeite.
Esse princípio veio a ser concretizado no art. 8.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) – de acordo com o qual «os órgãos da administração pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência», de harmonia com as regras fixadas nos arts. 100.º a 103.º, e veio igualmente a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no art. 60.º da LGT, sob a forma de «direito de audição do contribuinte», e no art. 45.º do CPPT.
Assim, só em casos em que essa intervenção no processo de formação da decisão se afigura, com segurança, totalmente desnecessária, por inútil, se poderá admitir a sua dispensa. Em todo o caso, essa dispensa deve resultar expressamente da lei, não se permitindo à Administração qualquer juízo de oportunidade relativamente a facultar ou não o exercício do direito de audiência.
Deixámos já dito que, a nosso ver, a dispensa da audiência do contribuinte antes da decisão do recurso hierárquico não pode ser justificada com base no n.º 3 do art. 60.º da LGT.
Também não encontramos fundamento legal para que o facto de ter sido concedida ao Contribuinte a oportunidade de exercer o direito de audiência previamente à decisão da reclamação graciosa dispense a audiência previamente à decisão do recurso hierárquico. Só assim não seria caso a decisão do recurso hierárquico houvesse sido totalmente favorável ao Contribuinte, hipótese em que a alínea a) do n.º 2 do art. 60.º da LGT prevê a dispensa da audiência prévia, o que não foi o caso. Na verdade, sendo que a decisão do recurso hierárquico foi no sentido do deferimento parcial, a alínea b) do n.º 1 do referido art. 60.º da LGT impunha a audiência prévia.
Por outro lado, apesar de ambos os procedimentos em causa – de reclamação graciosa e de recurso hierárquico – se destinarem à reavaliação da liquidação adicional, não podemos afirmar que a solução preconizada em cada um deles seja a mesma, como resulta manifesto da divergência de decisões neles proferidas: enquanto no primeiro a decisão foi de improcedência, no segundo a decisão foi de parcial procedência. O que significa que a argumentação jurídica considerada não foi a mesma ou, pelo menos, não foi integralmente a mesma ou não foi ponderada no mesmo sentido.
Ora, sendo certo que há doutrina (Cfr. LIMA GUERREIRO, ob. cit., que sustenta que nos procedimentos de segundo grau apenas há lugar ao direito de audiência quando «se abrir nova fase instrutória», não existindo esse direito «quando a decisão se deva basear nos mesmos factos em que fundamentou a decisão anterior» (nota 11 ao art. 60.º, pág. 277).) e jurisprudência (Cfr. a jurisprudência invocada pela Recorrente e pelo Procurador-Geral Adjunto.) que restringem o exercício do direito de audiência em sede de procedimento de segundo grau aos casos em que há novos factos a motivar a decisão, nada na lei permite concluir que o direito de audiência se pode dispensar quando haja apenas matéria de direito a considerar na decisão a proferir.
Como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «há que notar que não é apenas quando a decisão se fundamenta em factos não afirmados pelos interessados que se justifica o direito de audiência, pois o direito de participação na formação na decisão constitucionalmente reconhecido reporta-se à sua globalidade, abrangendo por isso, o direito de este se pronunciar sobre qualquer questão de direito relativamente à qual não haja sintonia entre a sua posição e a que a administração tributária pretende adoptar no procedimento tributário» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 3 ao art. 45.º, pág. 426.). O mesmo Autor explica detalhadamente por que o direito de audiência não se justifica só nos casos em que haja apreciação de factos, mas também tem lugar nos casos em que tenha de haver apenas apreciação de questões de direito (Ibidem, sendo que o Autor, comentando a Circular n.º 13/99, de 8 de Julho de 1999 (disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/D9501C35-463A-420D-A531-3D2C5DAF846A/0/circular_13_de_08-07-1999_direccao_de_servicos_de_justica_tributaria.pdf, designadamente os casos aí previstos sob a alínea a) das «Decisões sujeitas a audiência» – casos descritos como «As decisões que se fundamentam em factos não revelados nos pedidos, petições, reclamações ou recursos hierárquicos, apresentados pelos contribuintes» –, salienta que «em relação à situação referida na alínea a), há que notar que não é apenas quando a decisão se fundamenta em factos não afirmados pelos interessados que se justifica o direito de audiência, pois o direito de participação na formação na decisão constitucionalmente reconhecido reporta-se à sua globalidade, abrangendo por isso, o direito de este se pronunciar sobre qualquer questão de direito relativamente à qual não haja sintonia entre a sua posição e a que a administração tributária pretende adoptar no procedimento tributário».).
No procedimento administrativo comum, a dispensa de audiência prévia nos procedimentos de 2.º grau, como o é o recurso hierárquico, quando o interessado se tenha já pronunciado sobre todos os factos ou questões relevantes para a decisão em anterior fase do procedimento, nomeadamente em procedimento de 1.º grau, e não haja factos ou elementos novos no recurso, tem vindo a ser sustentada ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art. 103.º do CPA, na redacção anterior à do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, à qual hoje corresponde o art. 100.º, n.º 3, alínea d).
Como resulta do que deixámos já dito, entendemos que esse regime não tem aplicação no procedimento tributário. Na verdade, da alínea b) do n.º 1 do art. 60.º da LGT resulta, expressamente, o dever de proceder a audição prévia do interessado, em caso de indeferimento total ou parcial, nos procedimentos de 2.º grau.
Por outro lado, se é certo que com a alteração efectuada ao art. 60.º da LGT pela Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (primeira alteração à Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2002), o legislador contemplou um caso de dispensa de audição prévia em termos idênticos aos previstos na alínea a) do n.º 2 do art. 103.º do CPA, não o é menos que, como resulta expressamente do n.º 3 do art. 60.º da LGT, restringiu-o às situações anteriores à liquidação.
Ora, porque a LGT se assume como lei especial relativamente ao CPA, prevendo aquela Lei causas específicas de dispensa da audiência prévia, não pode considerar-se (Sobretudo após a redacção dada ao n.º 3 no art. 60.º pela Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio.) que exista lacuna (Lacuna é uma «incompletude contrária ao plano do Direito vigente, determinada segundo critérios eliciáveis da ordem jurídica global» (cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 194.).) alguma, a justificar uma eventual aplicação subsidiária do CPA.
Não desconhecemos que a AT afirmou a desnecessidade de audição em sede dos procedimentos de segundo grau, na doutrina subscrita na Circular n.º 13/99, de 8 de Julho de 1999 (Ver nota 11 quanto ao local em que a mesma está disponível para consulta.), da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, em cujo ponto 3 se afirma que a audiência «poderá ser dispensada», nomeadamente, nos casos em que «A administração tributária pratique um acto com base em factos já submetidos, noutra fase do procedimento, a audiência dos contribuintes» [alínea c)], e, explicando porquê, afirma que «a participação do contribuinte só deverá verificar-se mais uma vez quando haja factos novos e apenas no âmbito de um procedimento que tenha diversas fases ou vários procedimentos sequenciais. Neste sentido dispõe a alínea a) do artigo 103.º do CPA.//Assim, por exemplo, não deverá haver direito de audição antes de uma liquidação quando esta se fundamenta em correcções efectuadas em acção inspectiva, sempre que nesta fase do procedimento já tenha sido possibilitado o exercício daquele direito.//O mesmo acontece nos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre os factos em discussão, no procedimento objecto do recurso ou reclamação».
Ou seja, segundo a doutrina veiculada pela referida circular, nos procedimentos de 2.º grau, designadamente nas reclamações graciosas e recursos hierárquicos, a audição do contribuinte só terá lugar quando o fundamento da decisão se basear em matéria de facto nova, i.e., em factos que não constavam do procedimento de primeiro grau. Se bem alcançamos a razão de ser dessa doutrina, a mesma assenta no princípio da unidade do procedimento: o direito de audição, nos procedimentos de segundo grau, apenas existirá se se abrir nova fase instrutória, e já não quando a decisão se basear nos mesmos factos que fundamentaram a decisão anterior.
Salvo o devido respeito, a doutrina só pode valer caso a decisão a proferir no procedimento de 2.º grau seja substancialmente idêntica à que foi proferida no procedimento de 1.º grau. Assim não sendo, ou seja, quando a decisão a proferir no procedimento de 2.º grau não seja idêntica, quer nos seus pressupostos factuais, quer na solução ou soluções jurídicas das questões sob apreciação, àquela que foi proferida no procedimento de 1.º grau, não encontramos base legal que autorize restringir o direito (constitucionalmente consagrado e, por isso, insusceptível de eliminação ou compressão pelo legislador ordinário) de participação, designadamente não concedendo ao sujeito passivo que deduziu recurso hierárquico a possibilidade de exercer o direito de audição prévia à decisão com o fundamento de que essa possibilidade lhe foi já concedida previamente à decisão da reclamação graciosa.
Note-se que o princípio da máxima efectividade das normas constitucionais impõe que lhes seja atribuído o sentido que lhes der maior eficácia (Cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional – Teoria da Constituição, 3.ª edição, pág. 1149.).
Aliás, a própria Circular n.º 13/99, depois de no seu n.º 3 logo alertar que «[a] audiência dos interessados poderá ser dispensada, sem prejuízo da necessária ponderação do caso concreto e de adequada fundamentação» (sublinhado nosso), no seu n.º 4 salienta que «[a]s orientações divulgadas nas presentes instruções não obstam a que, em caso de dúvida, se possibilite o exercício do direito de participação».
Por outro lado, ulteriormente à referida circular e como bem referiu o Recorrido, a extinta Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, cuja orgânica constava do Decreto-Lei n.º 82/2007, de 29 de Março, foi extinta pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, diploma que aprovou a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo esta última entidade sucedido nas atribuições daquela, como resulta do respectivo art. 12.º, n.º 1.), emitiu doutrina em sentido contrário, através da Circular n.º 17/2008, de 14 de Fevereiro de 2008. Aí, com os mesmos fundamentos que acima enunciamos, no ponto 6 afirma-se expressamente que «em sede de recurso hierárquico regido pelos arts. 66.º e segs. do CPPT, deverá ser efectuada audição prévia, mesmo que não sejam invocados factos novos relativamente à decisão recorrida e o interessado já tenha sido ouvido em audição prévia em procedimento de 1.º grau, sob pena de invalidade do acto final de indeferimento do recurso».
Por tudo o que deixámos dito, afigura-se-nos que bem decidiu a sentença ao concluir que a falta de audição da recorrida antes da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que havia interposto consubstancia preterição de formalidade essencial com efeitos invalidantes…
Seguindo-se esta doutrina ressalta à evidência que o acórdão recorrido não se pode manter, isto é, decidiu-se da possibilidade de dispensa do direito de audição prévia relativamente à decisão do recurso hierárquico, sendo certo que nada na lei autoriza essa mesma dispensa, no mesmo sentido pode-se ver também o acórdão datado de 24.01.2018, recurso n.º 0756/17.

Coisa diferente, e que parece ter sido relevado no acórdão recorrido, passa por saber se a preterição de uma determinada formalidade poderá considerar-se preterição de formalidade não essencial se se demonstrar (apreciação dependente das circunstâncias concretas de cada caso, numa ponderação que está subjacente ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos) que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente, cfr. acórdão datado de 19.09.2018, recurso n.º 0242/17.
Neste acórdão ponderou-se que, dando expressão ao comando constitucional constante do nº 5 do art. 267º da LGT, o art. 60° da LGT, consagra o princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, nomeadamente, conferindo-lhes o direito de audição “antes da liquidação” e “antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições”. E posteriormente também o nº 1 do art. 45° do CPPT veio consagrar o princípio do contraditório no procedimento tributário, com a participação do contribuinte, “nos termos da lei, na formação da decisão”.
Ainda assim, face ao supra aludido princípio do aproveitamento do acto, a eventual omissão de determinada formalidade nem sempre conduzirá à anulação: «os vícios de forma não determinam, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e as formalidades procedimentais essenciais podem degradar-se em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur.» (Cfr. acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 22/1/2014, proc. nº 441/13.).
Mas, como tem sido permanentemente afirmado por esta Secção do Contencioso Tributário do STA (Cfr. os acórdãos do Pleno, de 22/1/2014 e de 15/10/2014, nos procs. nº 0441/13 e 01374/13, respectivamente, bem como o acórdão da Secção, de 31/3/2016, proc. nº 0821/15.), só nas situações em que não se possa suscitar qualquer dúvida quanto à irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto (quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final) é que pode dar-se aplicação àquele princípio, além de que também é dispensada a audição do contribuinte antes da liquidação quando tiver sido ouvido em qualquer das fases do procedimento que culmina com a liquidação, designadamente na reclamação graciosa, e não tiverem sido invocados pela AT factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado (art. 60°, n° 1, al. b) e nº 3, da LGT).
No caso vertente, a liquidação impugnada reconduz-se, na substância a uma correcção da anterior, de acordo com o decidido e objectivando, na prática, a execução do julgado no apontado (então, ainda não transitado) acórdão do STA (que, revogando a decisão de procedência da impugnação, que havia sido proferida em 1ª instância, confirmou a legalidade das correcções e da consequente liquidação, com excepção da parte relativa aos juros compensatórios, no valor de €3.167,50 e só nesta medida mantendo a decisão de 1ª instância), pelo que não se vê que a audição do contribuinte pudesse ser susceptível de influenciar a decisão final.
De todo o modo, como sublinha o MP, a recorrente reproduziu na petição do recurso hierárquico os fundamentos invocados na reclamação graciosa, em cujo decurso tinha exercido o direito de audição (cfr. os nºs. 18 a 21, 23 e 24 do Probatório, bem como o disposto no nº 5 do art. 60° da LGT), sendo que mesmo a eventual omissão do direito de audição na fase de recurso hierárquico, decorrendo a jusante, não tem efeito invalidante do acto de liquidação do imposto, praticado a montante, apenas podendo determinar a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico. (Cfr. os acórdãos do STA, de 16/06/2004, proc. nº 01877/03; de 15/10/2008, proc. nº 0542/08; e de 25/06/2009, proc. n° 0345/09.)

Ou seja, a questão que se deveria ter colocado no acórdão recorrido, não era a de saber se poderia ocorrer a dispensa expressa ou omissiva do direito de audição prévia no âmbito do procedimento do recurso hierárquico, mas antes a de saber se a omissão de tal fase procedimental, enquanto preterição de formalidade legalmente prevista e obrigatória, se poderia considerar preterição de formalidade não essencial se se demonstrasse (apreciação dependente das circunstâncias concretas de cada caso, numa ponderação que está subjacente ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos) que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.

É certo que foi com estes argumentos relevantes que se concluiu pela impropriamente designada de dispensa do direito de audição, com os seguintes argumentos:
No caso dos autos, não é controvertido que foi concedido ao Impugnante o direito de audição prévia na reclamação graciosa e que este exerceu por escrito esse direito.
Por outro lado, resulta da decisão do recurso hierárquico que esta apenas se baseou nos factos que já eram do conhecimento do impugnante e sobre os quais ele já tinha tido oportunidade de se pronunciar na reclamação graciosa. O que, por si só, legitimava a dispensa do direito de audição no âmbito do recurso hierárquico (cf. art. 60º, n.º 3, da LGT).
Na verdade, nem na sentença recorrida nem na petição inicial são referidos quaisquer factos novos que tenham fundamentado a decisão do recurso hierárquico.
Pelo que vimos de dizer se conclui que, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, não se verifica, in casu, a preterição legal do direito de audição prévia.

Porém, no acórdão recorrido, apesar de se ter concluído deste modo no tocante ao direito de audição, porque se lhe colocava também a questão de saber se a preterição desse direito no âmbito do recurso hierárquico afectava negativamente a liquidação impugnada escreveu-se:
De qualquer modo, tal vício, a verificar-se, apenas afectaria a decisão do recurso hierárquico mas nunca conduziria à anulação da liquidação impugnada (como se decidiu na sentença recorrida). Com efeito, “a verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação não pode projectar efeitos invalidantes sobre o acto tributário de liquidação que o antecede”…
Procedem também, por isso, as conclusões 5) a 9) e, com elas, totalmente o presente recurso.

Este Supremo Tribunal tem afirmado de forma unânime, por todos o acórdão datado de 11.09.2013, recurso n.º 01138/12, que:
I - Constituindo embora o acto administrativo de indeferimento do recurso hierárquico o objecto imediato da impugnação judicial, é, contudo, o acto de liquidação – seu objecto mediato - que verdadeiramente se controverte na impugnação.
II - Julgando-se a impugnação improcedente quanto aos actos de liquidação impugnados, por inverificação dos vícios que lhe são imputados, e procedente quanto ao vício formal de preterição do direito de audição em sede de recurso hierárquico, a parte dispositiva da sentença não pode deixar de consagrar a improcedência total da impugnação, condenando apenas a impugnante no pagamento das respectivas custas.
III - Irreleva para essa decisão final que a preterição da formalidade da audição prévia se degrade ou não em formalidade não essencial, visto que, nos termos do disposto no art. 111º, nºs. 3 e 4, do CPPT, existe uma preferência absoluta do processo judicial sobre o processo administrativo na apreciação de um mesmo acto tributário.

Ou seja, uma vez que na sentença proferida nos autos foram conhecidas todas as ilegalidades assacadas quer à liquidação, quer aos actos praticados no âmbito da reclamação graciosa, quer no âmbito do recurso hierárquico, não era possível, tal como se fez na sentença recorrida, anular a liquidação apenas com fundamento na preterição da audição prévia no âmbito do recurso hierárquico (improcedendo todas as restantes questões), razão pela qual o acórdão recorrido revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a impugnação.
Portanto, apesar de no acórdão recorrido se ter qualificado incorrectamente a omissão de audição prévia no âmbito do recurso hierárquico, decidiu-se correctamente quanto à improcedência da impugnação, uma vez que se seguiu a doutrina deste Supremo Tribunal.

Conclui-se assim, que o n.º 3 do art. 60.º da LGT apenas dispensa a audiência prevista na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, a que é anterior ao acto de liquidação, e não pode servir de fundamento à dispensa da audiência antes da decisão do recurso hierárquico, que deve sempre ter lugar, a menos que a decisão a proferir seja totalmente favorável ao interessado (cfr. alínea a) do n.º 2 do art. 60.º da LGT) ou que seja no mesmo sentido da decisão da reclamação graciosa e não haja novos factos ou questões jurídicas a considerar.

Face ao exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
D.n.

Lisboa, 20 de Maio de 2020. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - José Gomes Correia - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.