Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0791/12.6BESNT |
Data do Acordão: | 11/10/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR CPPT |
Sumário: | I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Não podem considerar-se verificados os invocados requisito de relevância jurídica fundamental e de melhor aplicação do direito se existe vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão que o recorrente pretende erigir em objecto da revista e se a solução a que chegaram as instâncias se mostra alicerçada numa interpretação coerente e acertada das normas jurídicas aplicáveis. |
Nº Convencional: | JSTA000P28507 |
Nº do Documento: | SA2202111100791/12 |
Data de Entrada: | 06/22/2021 |
Recorrente: | A…………. |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 791/12.6BESNT Recorrente: A…………. Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 28 de Janeiro de 2021 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/4754c4d6b15360878025866c00543890.) – que negou provimento ao recurso por ele interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, a oposição à execução fiscal –, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao artigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO I- O Acórdão Recorrido enferma de manifesta Nulidade por Omissão de Pronúncia, nos termos da primeira parte da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por não se ter pronunciado por questões invocadas pelo Recorrente em sede de Alegações (e Conclusões) de Recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, a saber: “FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO OPONENTE A………….. DA INFORMAÇÃO PRESTADA PELA FAZENDA PÚBLICA (DOCUMENTO JUNTO PELA FAZENDA PÚBLICA A FLS. 77 DOS AUTOS)” II- O Acórdão Recorrido violou os artigos 3.º, 3.º-A, 201.º e 205.º do Código (correspondentes princípios estruturantes e traves mestras do nosso edifício processual civil), aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o artigo 10.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa. ERRO DE JULGAMENTO III- A ausência de notificação do acto de liquidação, seja antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse ato tributário. IV- A ineficácia da notificação do acto tributário e da caducidade do direito à liquidação do tributo não constitui causa de pedir de uma petição de impugnação, antes de oposição à execução ao abrigo do n.º 1, do artigo 204.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário. NA VERDADE V- A notificação intempestiva não constitui ilegalidade do acto notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros actos administrativos e tributários; esse vício do ato de notificação (intempestividade) afecta-o apenas a ele próprio e não ao acto notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao acto notificado. ASSIM VI- É claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do ato de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada. LOGO VII- A invalidade da notificação não é fundamento (causa de pedir) de impugnação que pode, contudo, ser fundamento de oposição à execução fiscal, já que respeita não à validade do acto tributário, mas à sua eficácia, como resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária. DE RESTO VIII- A notificação ao contribuinte não integra o acto tributário, pelo que a sua falta ou irregularidade não afecta a validade deste mas a sua eficácia. IX- A irregularidade da notificação não gera qualquer vício de forma do acto notificado pois que não respeita à validade do mesmo mas à sua eficácia; não diz respeito aos elementos do acto propriamente dito mas à realização deste na ordem jurídica. X- Tal notificação não constitui mais que um acto complementar que apenas assegura a plena eficácia do acto comunicado. NO CASO SUJEITO XI- A alegação da ineficácia da notificação do(s) acto(s) tributário(s) e da caducidade do direito à liquidação do(s) tributo(s) não constitui causa de pedir de uma petição de impugnação antes e sim de oposição à execução, ao abrigo do n.º 1, do artigo 204.º, do Código de Processo Civil. ALIÁS XII- Conforme Sentença proferida na “impugnação judicial que corre termos com o n.º 238/12.8 BESNT” e melhor identificada na alínea “B)”, da matéria de facto dada como provada na Sentença e Acórdão Recorrido, da qual se transcreve: “A questão sub judice resulta em saber se … existia a obrigatoriedade de notificação por carta registada por aviso de recepção e de fundamentação do ato de determinação dos rendimentos colectáveis … sendo que da ineficácia da notificação do acto tributário e da caducidade do direito à liquidação do tributo não constitui causa de pedir de uma petição de impugnação, antes de oposição à execução ao abrigo do n.º 1, do art. 204.º do CPPT” – cfr. consulta do site “SITAF” do T.A.F. de Sintra. PREJUDICADO FICA, POIS XIII- Que “corre termos com o nº 238/12.8 BESNT, na qual discute a legalidade da liquidação de IRS do ano de 2007, com fundamento na falta de notificação válida do acto tributário dentro do prazo de caducidade do direito. PORTANTO E EM SUMA XIV- Justifica-se a manutenção da instância. POIS XV- Viola-se o direito de defesa do Oponente ao colocar-se em causa o direito de acesso à justiça tributária, previsto no artigo 9.º, da Lei Geral Tributária e Constitucionalmente garantido nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. ASSIM SENDO XVI- O vício de falta de notificação válida do acto de liquidação invocado pelo Recorrente, afectando a eficácia do acto, não constitui fundamento (causa de pedir) de impugnação judicial mas sim e antes fundamento de oposição à execução fiscal. XVII- Sendo no âmbito da oposição à execução que o A………… pode obter decisão que sobre o mérito da oposição venha a recair, pois tal decisão, estando já esgotado o prazo de caducidade, constitui um obstáculo definitivo à prática de um ato de liquidação eficaz, gerando na esfera deste a ineficácia dos actos de liquidação, sendo a eficácia do ato de liquidação pressuposto da responsabilidade tributária do Oponente, tornando sem objecto o pagamento realizado ao abrigo do regime fiscal excepcional de regularização de dívidas tributárias constante do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de Outubro 31 e consequentemente, o direito à restituição do indevido, o que encontra apoio expresso no artigo 9.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, o qual não pode deixar de se considerar aplicável, pelo que se mantém a utilidade na procedência da Oposição à Execução Fiscal. XVIII- Este direito não pode naturalmente ficar precludido pelo pagamento do imposto efectuado ao abrigo de lei que lhe concedeu benefícios fiscais já que este pagamento não reveste para o oponente uma assunção de culpa, a menos que tenha havido renúncia ao recurso nos termos da lei, não podendo extinguir-se a oposição com fundamento em inutilidade superveniente da lide. XIX- Este pagamento é um pagamento “condicional” que se verifica até o tribunal julgar verificados os pressupostos da responsabilidade tributária do A…………. XX- O prosseguimento da lide não é assim inútil para este já que a mesma continua a manter interesse na valoração dos pressupostos que levaram o Tribunal Recorrido a considerar verificados aqueles pressupostos. XXI- E se assim é como se nos afigura, deveriam os autos seguirem os seus termos para apreciação da Oposição à Execução Fiscal deduzida pelo A……….. DESTARTE XXII - A Sentença Recorrida também colide com o disposto no artigo 9.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, pelo que há razões de sobejo para conceder provimento ao presente recurso e revogar o Acórdão Recorrido que julgou “negar provimento a ambos os recursos interpostos pelo Oponente, mantendo-se as decisões recorridas”, devendo ser conhecida a Oposição à Execução Fiscal deduzida pelo A………….. Termos em que e principalmente pelo que será doutamente suprido por Vossas Excelências, admitido nos termos do n.º 6, do artigo 285.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao recurso deve ser dado provimento - Declarando-se a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e em consequência, a sua revogação e ordenando-se a sua substituição por outro que se pronuncie sobre as questões referidas na conclusão “I”, desta peça forense e que são: falta de notificação ao oponente da informação prestada pela Fazenda Pública (documento junto a fls. 77) e decisão-surpresa sobre a inutilidade (impossibilidade) superveniente da lide e em qualquer caso e consequentemente, anulando-se também os termos subsequentes por dela (s) dependerem absolutamente. Sem prescindir Revogando-se o acórdão recorrido e ordenando-se o normal prosseguimento da instância, com conhecimento do seu objecto. Assim se espera, com o que Vossas Excelências, venerandos Conselheiros, farão JUSTIÇA !». 1.2 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. 1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, tendo verificado os requisitos processuais da admissibilidade do recurso, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo. 1.4 Recebido o processo nesse Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta absteve-se de emitir parecer por considerar que «[a]o Ministério Público não compete emitir Parecer sobre a admissão ou não admissão do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de o Recurso de Revista ser admitido». 1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. art. 285.º, n.º 1, do CPPT). 2.2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade: que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis). 2.2.2 O CASO SUB JUDICE 2.2.2.1 O ora Recorrente deduziu oposição à execução fiscal que foi instaurada contra ele para cobrança de dívida de IRS do ano de 2007 com fundamento na falta de notificação válida do acto tributário que deu origem à dívida exequenda dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação. 2.2.2.2 O Recorrente apresentou recurso desse acórdão para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do CPPT, assacando àquele aresto nulidade por omissão de pronúncia e erro de julgamento. 2.2.2.3 Salvo o devido respeito, só formalmente o Recorrente se desincumbiu do ónus de demonstrar a verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso de revista. 2.2.3 CONCLUSÃO Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Não podem considerar-se verificados os invocados requisito de relevância jurídica fundamental e de melhor aplicação do direito se existe vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão que o recorrente pretende erigir em objecto da revista e se a solução a que chegaram as instâncias se mostra alicerçada numa interpretação coerente e acertada das normas jurídicas aplicáveis. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso. Custas pelo Recorrente. * Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Francisco Rothes (Relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia. |