Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0791/12.6BESNT
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CPPT
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.

II - Não podem considerar-se verificados os invocados requisito de relevância jurídica fundamental e de melhor aplicação do direito se existe vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão que o recorrente pretende erigir em objecto da revista e se a solução a que chegaram as instâncias se mostra alicerçada numa interpretação coerente e acertada das normas jurídicas aplicáveis.
Nº Convencional:JSTA000P28507
Nº do Documento:SA2202111100791/12
Data de Entrada:06/22/2021
Recorrente:A………….
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 791/12.6BESNT
Recorrente: A………….
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 28 de Janeiro de 2021 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/4754c4d6b15360878025866c00543890.) – que negou provimento ao recurso por ele interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, a oposição à execução fiscal –, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao artigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO

I- O Acórdão Recorrido enferma de manifesta Nulidade por Omissão de Pronúncia, nos termos da primeira parte da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por não se ter pronunciado por questões invocadas pelo Recorrente em sede de Alegações (e Conclusões) de Recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, a saber: “FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO OPONENTE A………….. DA INFORMAÇÃO PRESTADA PELA FAZENDA PÚBLICA (DOCUMENTO JUNTO PELA FAZENDA PÚBLICA A FLS. 77 DOS AUTOS)”
MAIS “ DECISÃO SURPRESA”.

II- O Acórdão Recorrido violou os artigos 3.º, 3.º-A, 201.º e 205.º do Código (correspondentes princípios estruturantes e traves mestras do nosso edifício processual civil), aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o artigo 10.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa.

ERRO DE JULGAMENTO

III- A ausência de notificação do acto de liquidação, seja antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse ato tributário.

IV- A ineficácia da notificação do acto tributário e da caducidade do direito à liquidação do tributo não constitui causa de pedir de uma petição de impugnação, antes de oposição à execução ao abrigo do n.º 1, do artigo 204.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

NA VERDADE

V- A notificação intempestiva não constitui ilegalidade do acto notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros actos administrativos e tributários; esse vício do ato de notificação (intempestividade) afecta-o apenas a ele próprio e não ao acto notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao acto notificado.

ASSIM

VI- É claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do ato de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada.

LOGO

VII- A invalidade da notificação não é fundamento (causa de pedir) de impugnação que pode, contudo, ser fundamento de oposição à execução fiscal, já que respeita não à validade do acto tributário, mas à sua eficácia, como resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária.

DE RESTO

VIII- A notificação ao contribuinte não integra o acto tributário, pelo que a sua falta ou irregularidade não afecta a validade deste mas a sua eficácia.

IX- A irregularidade da notificação não gera qualquer vício de forma do acto notificado pois que não respeita à validade do mesmo mas à sua eficácia; não diz respeito aos elementos do acto propriamente dito mas à realização deste na ordem jurídica.

X- Tal notificação não constitui mais que um acto complementar que apenas assegura a plena eficácia do acto comunicado.

NO CASO SUJEITO

XI- A alegação da ineficácia da notificação do(s) acto(s) tributário(s) e da caducidade do direito à liquidação do(s) tributo(s) não constitui causa de pedir de uma petição de impugnação antes e sim de oposição à execução, ao abrigo do n.º 1, do artigo 204.º, do Código de Processo Civil.

ALIÁS

XII- Conforme Sentença proferida na “impugnação judicial que corre termos com o n.º 238/12.8 BESNT” e melhor identificada na alínea “B)”, da matéria de facto dada como provada na Sentença e Acórdão Recorrido, da qual se transcreve: “A questão sub judice resulta em saber se … existia a obrigatoriedade de notificação por carta registada por aviso de recepção e de fundamentação do ato de determinação dos rendimentos colectáveis … sendo que da ineficácia da notificação do acto tributário e da caducidade do direito à liquidação do tributo não constitui causa de pedir de uma petição de impugnação, antes de oposição à execução ao abrigo do n.º 1, do art. 204.º do CPPT” – cfr. consulta do site “SITAF” do T.A.F. de Sintra.

PREJUDICADO FICA, POIS

XIII- Que “corre termos com o nº 238/12.8 BESNT, na qual discute a legalidade da liquidação de IRS do ano de 2007, com fundamento na falta de notificação válida do acto tributário dentro do prazo de caducidade do direito.
Por outro lado, o efeito que o Oponente alega pretender com a manutenção da Oposição, designadamente, porque entende que a procedência da Oposição permitirá ao Oponente a restituição do indevido, também é garantido com a procedência da impugnação judicial, uma vez que terá como consequência jurídica a anulação do acto de liquidação, bem como a condenação ao pagamento de direito a juros indemnizatórios face ao pagamento indevido do imposto”.

PORTANTO E EM SUMA

XIV- Justifica-se a manutenção da instância.

POIS

XV- Viola-se o direito de defesa do Oponente ao colocar-se em causa o direito de acesso à justiça tributária, previsto no artigo 9.º, da Lei Geral Tributária e Constitucionalmente garantido nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

ASSIM SENDO

XVI- O vício de falta de notificação válida do acto de liquidação invocado pelo Recorrente, afectando a eficácia do acto, não constitui fundamento (causa de pedir) de impugnação judicial mas sim e antes fundamento de oposição à execução fiscal.

XVII- Sendo no âmbito da oposição à execução que o A………… pode obter decisão que sobre o mérito da oposição venha a recair, pois tal decisão, estando já esgotado o prazo de caducidade, constitui um obstáculo definitivo à prática de um ato de liquidação eficaz, gerando na esfera deste a ineficácia dos actos de liquidação, sendo a eficácia do ato de liquidação pressuposto da responsabilidade tributária do Oponente, tornando sem objecto o pagamento realizado ao abrigo do regime fiscal excepcional de regularização de dívidas tributárias constante do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de Outubro 31 e consequentemente, o direito à restituição do indevido, o que encontra apoio expresso no artigo 9.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, o qual não pode deixar de se considerar aplicável, pelo que se mantém a utilidade na procedência da Oposição à Execução Fiscal.

XVIII- Este direito não pode naturalmente ficar precludido pelo pagamento do imposto efectuado ao abrigo de lei que lhe concedeu benefícios fiscais já que este pagamento não reveste para o oponente uma assunção de culpa, a menos que tenha havido renúncia ao recurso nos termos da lei, não podendo extinguir-se a oposição com fundamento em inutilidade superveniente da lide.

XIX- Este pagamento é um pagamento “condicional” que se verifica até o tribunal julgar verificados os pressupostos da responsabilidade tributária do A………….

XX- O prosseguimento da lide não é assim inútil para este já que a mesma continua a manter interesse na valoração dos pressupostos que levaram o Tribunal Recorrido a considerar verificados aqueles pressupostos.

XXI- E se assim é como se nos afigura, deveriam os autos seguirem os seus termos para apreciação da Oposição à Execução Fiscal deduzida pelo A………..

DESTARTE

XXII - A Sentença Recorrida também colide com o disposto no artigo 9.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, pelo que há razões de sobejo para conceder provimento ao presente recurso e revogar o Acórdão Recorrido que julgou “negar provimento a ambos os recursos interpostos pelo Oponente, mantendo-se as decisões recorridas”, devendo ser conhecida a Oposição à Execução Fiscal deduzida pelo A…………..

Termos em que e principalmente pelo que será doutamente suprido por Vossas Excelências, admitido nos termos do n.º 6, do artigo 285.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao recurso deve ser dado provimento

- Declarando-se a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e em consequência, a sua revogação e ordenando-se a sua substituição por outro que se pronuncie sobre as questões referidas na conclusão “I”, desta peça forense e que são: falta de notificação ao oponente da informação prestada pela Fazenda Pública (documento junto a fls. 77) e decisão-surpresa sobre a inutilidade (impossibilidade) superveniente da lide e em qualquer caso e consequentemente, anulando-se também os termos subsequentes por dela (s) dependerem absolutamente.

Sem prescindir

Revogando-se o acórdão recorrido e ordenando-se o normal prosseguimento da instância, com conhecimento do seu objecto.

Assim se espera, com o que Vossas Excelências, venerandos Conselheiros, farão JUSTIÇA !».

1.2 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.3 A Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul, tendo verificado os requisitos processuais da admissibilidade do recurso, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.4 Recebido o processo nesse Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta absteve-se de emitir parecer por considerar que «[a]o Ministério Público não compete emitir Parecer sobre a admissão ou não admissão do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de o Recurso de Revista ser admitido».

1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido.


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. art. 285.º, n.º 1, do CPPT).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.

2.2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade: que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).

2.2.2 O CASO SUB JUDICE

2.2.2.1 O ora Recorrente deduziu oposição à execução fiscal que foi instaurada contra ele para cobrança de dívida de IRS do ano de 2007 com fundamento na falta de notificação válida do acto tributário que deu origem à dívida exequenda dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou extinta a instância de oposição por «inutilidade superveniente da lide por falta de objecto». Para tanto, verificou i) que o Opoente pagou a dívida exequenda ao abrigo das facilidades concedidas pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro ( ELI: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/151-a/2013/10/31/p/dre/pt/html.) – diploma legal que aprovou um regime excepcional de regularização de dívidas fiscais e à Segurança Social, com a dispensa ou a redução do pagamento dos juros de mora, dos juros compensatórios e das custas do processo de execução fiscal nos casos de pagamento a pronto, total ou parcial, da dívida de capital – e que a execução fiscal foi declarada extinta, ii) que o fundamento invocado na petição inicial não contendia com a discussão da legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda, motivo por que não é de convocar o disposto no n.º 3 do art. 9.º da Lei Geral Tributária e isto tanto mais iii) que o Opoente deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRS que deu origem à dívida exequenda com o mesmo fundamento por que deduziu a presente oposição, o que afasta qualquer dúvida quanto ao acesso ao direito de acesso à justiça tributária, previsto no art. 9.º da LGT, e consagrado nos arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
O Opoente recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul. Começou por invocar a nulidade da sentença por «falta de fundamentação de facto» em face da alegada falta de indagação sobre se a extinção da execução fiscal constitui, ou não, caso decidido; depois, invocou o erro de julgamento por considerar que não se pode extinguir a instância de oposição pelo pagamento, que foi efectuado para beneficiar da dispensa de juros de mora, nos termos do disposto no art. 2.º, do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, quando a procedência da oposição é imprescindível para que o Oponente consiga a restituição do pagamento indevido.
Apreciando esse recurso, o Tribunal Central Administrativo Sul começou por julgar improcedente a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação. Isto, por um lado, porque o facto provado sob a alínea A) do probatório – «Informação prestada pelos Serviços, de fls. 77 dos autos, de pagamento voluntário da dívida exequenda, tendo sido declarada extinta a execução, tendo procedido nos termos do disposto no n.º 5, do art. 203.º do CPPT» – foi expressamente fundamentado na informação de fls. 77 dos autos e, por outro lado, porque a sentença se encontra suficientemente fundamentada de direito, estando explicado o porquê de o pagamento da dívida exequenda e da extinção da execução fiscal dar lugar à extinção da instância de oposição por inutilidade superveniente da lide.
De seguida, o Tribunal Central Administrativo Sul, conhecendo do invocado erro de julgamento, confirmou o julgamento da 1.ª instância, salientando que:
- o pagamento, ainda que efectuado ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, determina a extinção da execução fiscal (cf. art. 4.º, n.º 1, daquele diploma legal) e à extinção da instância de oposição que àquela execução tenha sido deduzida «quando a sua manutenção não se justifique por razões ligadas à defesa dos direitos dos interessados, nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 3 da LGT (cf. acórdão STA de 28/10/2015, proc. n.º 0306/15)», pois, como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, «o pagamento da quantia exequenda [apenas] não implica a extinção da oposição à execução fiscal quando esse é único meio judicial na disponibilidade do interessado para a defesa dos seus direitos (cf. acórdão do STA de 09/09/2015, recurso n.º 01198/13)»;
- no caso, verifica-se que o único fundamento válido de oposição à execução fiscal invocado na petição inicial foi a “falta de notificação da liquidação de IRS dentro do prazo de caducidade” prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, fundamento este que, como também tem vindo a entender o Supremo Tribunal Administrativo, pode também erigir-se em fundamento de impugnação judicial «face ao teor do art. 45.º, n.º 1, da LGT, pois esta disposição legal “… atribui à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante” (cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 488 e 489), e portanto esta eficácia invalidante, também contende com a legalidade das liquidações (v. por todos, nesse sentido, o recente acórdão do STA de 28/10/2020, proc. n.º 07/09.2BELRS 010/18, e jurisprudência aí citada)»;
- no caso, o Recorrente «deduziu impugnação judicial que corre termos com o nº 238/12.8BESNT, na qual discute a legalidade da liquidação de IRS do ano de 2007, com fundamento na falta de notificação válida do acto tributário dentro do prazo de caducidade do direito», sendo que a procedência dessa impugnação determinará a obrigação para a AT de restituição do montante já pago, como consequência da anulação do acto tributário de liquidação;
- encontra-se, assim, garantido o direito do Recorrente de acesso à justiça tributária.
Por tudo isso, o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao recurso da sentença.
O Tribunal Central Administrativo Sul conheceu também, do mesmo passo, do recurso interposto pelo Opoente do despacho por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra indeferiu a realização das diligências instrutórias requeridas pelo Opoente, tendo-lhe também negado provimento.
Em síntese, considerou que «as diligências instrutórias requeridas pelo Oponente destinavam-se à prova de factos necessários à resolução do fundo da causa, nomeadamente à falta de notificação da liquidação dentro do respectivo prazo de caducidade, ou seja, para efeitos do fundamento de oposição que foi invocado na petição inicial»; assim, porque a instância da oposição foi julgada extinta por inutilidade superveniente – decisão que o acórdão confirmou – e, por isso, não chegou a conhecer-se do mérito da causa, «é manifesta a desnecessidade de efectuar qualquer diligência probatória nos presentes autos, que redundariam na prática de actos inúteis no processo, o que é vedado por lei (cf. art. 130.º do CPC)».

2.2.2.2 O Recorrente apresentou recurso desse acórdão para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do CPPT, assacando àquele aresto nulidade por omissão de pronúncia e erro de julgamento.
Quanto à invocada nulidade, diremos desde já que a jurisprudência deste Supremo Tribunal, designadamente da formação a que alude o n.º 6 do art. 285.º do CPPT, tem também vindo a afirmar, uniforme e repetidamente, que, atento que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC (Entre muitos outros, vide o acórdão de 3 de Junho de 2020, proferido no processo com o n.º 343/14.6BEPRT-B, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/eb157c30c16c267d802585810030f0f8).
É esse entendimento que também aqui adoptamos.
Quanto ao erro de julgamento, o Recorrente, em ordem a demonstrar que estão verificados os requisitos da admissibilidade da revista – que enunciou, bem como referiu o entendimento que deles tem têm a doutrina e a jurisprudência –, referiu que a matéria que pretende ver apreciada por este Supremo Tribunal, respeitante à extinção da instância da oposição à execução fiscal em face do pagamento da dívida exequenda, «seu âmbito e excepções não é matéria simples antes e sim, é de elevada complexidade ou pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, podendo mesmo demandar que as normas sobre a matéria produzidas pela Administração Tributária, Tribunal de 1.ª Instância e Tribunal Recorrido violam fontes normativas, designadamente tributárias e não se adequam aos princípios da Lei fundamental» e que «[a] concreta questão dos autos – que é manifestamente susceptível de repetir-se “ num número indeterminado de casos futuros ”, justificativo da admissão da revista pelo relevo social fundamental da questão decidenda bem como e salvo o muito e devido respeito, o Recorrente entende que a interpretação da Lei vertida no Acórdão Recorrido se traduz numa aplicação errada do Direito, tornando-se premente a necessidade de clarificação daquelas matérias. Além do mais, o Acórdão Recorrido vem lançar uma dúvida séria sobre aquelas matérias, dúvida esta que deverá ser esclarecida pelo Supremo Tribunal Administrativo, dado tratarem-se de matérias de discussão frequentes., bem como “ para melhor aplicação do direito ” -, sendo que entendemos plenamente justificado que sobre ela seja emitida pronúncia pelo órgão de cúpula da jurisdição, designadamente para possibilitar maior certeza e segurança jurídicas, resultando da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo na qualidade de órgão de regulação do sistema».

2.2.2.3 Salvo o devido respeito, só formalmente o Recorrente se desincumbiu do ónus de demonstrar a verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso de revista.
Na verdade, a questão da extinção da instância da oposição na sequência do pagamento da dívida exequenda não assume “complexidade jurídica superior ao comum” e sobre ela existe vasta jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, de que o acórdão recorrido bem deu conta. Não pode, pois, corroborar-se a afirmação do Recorrente, de que se impõe a intervenção deste Supremo Tribunal em ordem a esclarecer dúvidas na interpretação do quadro legal aplicável.
Por outro lado, sendo certo que as situações de pagamento da dívida exequenda quando se encontra pendente oposição à execução fiscal se repetem com alguma frequência nos tribunais, já a situação sub judice, em que o fundamento de oposição à execução fiscal é simultaneamente fundamento de impugnação judicial e foi invocado num e noutro meio processual, tem características que a tornam de difícil repetição, o que afasta a susceptibilidade de a decisão a proferir poder constituir orientação para outros casos.
Seja como for, o Supremo Tribunal Administrativo tem bem definido o tratamento legal aplicável a estas situações de pagamento da dívida exequenda no âmbito da pendência de oposição à execução fiscal e sua repercussão sobre o processo executivo.
A nosso ver, o Recorrente pretende apenas que este Supremo Tribunal sindique o julgamento efectuado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, mas essa possibilidade só lhe estaria aberta caso se pudesse considerar que o acórdão recorrido padece de erro ostensivo ou insustentável, o que, apesar da invocação do Recorrente, não sucede no caso. Ao invés, a solução a que as instâncias chegaram – e cujos fundamentos acima sintetizámos –, não só se apresenta como razoável e fundada numa interpretação coerente e acertada das normas jurídicas aplicáveis, bem sustentada doutrinal e jurisprudencialmente, como dela também não resulta prejuízo algum para o Opoente.
O recurso não pode, pois, ser admitido por se não verificarem os respectivos requisitos de admissibilidade.

2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.

II - Não podem considerar-se verificados os invocados requisito de relevância jurídica fundamental e de melhor aplicação do direito se existe vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão que o recorrente pretende erigir em objecto da revista e se a solução a que chegaram as instâncias se mostra alicerçada numa interpretação coerente e acertada das normas jurídicas aplicáveis.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pelo Recorrente.

*
Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Francisco Rothes (Relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia.