Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01921/13
Data do Acordão:02/19/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
RECURSO
CADUCIDADE
NULIDADES DO PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário:I - Apesar de a lei (art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, CPPT) impor a sanação da nulidade por erro na forma do processo, o juiz deve-se abster de convolar para a forma processual tida por adequada ao pedido formulado se a petição inicial se mostrar extemporânea relativamente a este último, uma vez que, em obediência ao princípio da economia processual, estão genericamente proibidos os actos inúteis – cfr. art. 130.º do CPC novo.
II - Se os elementos de que o juiz dispunha à data não lhe permitiam concluir pela intempestividade da petição inicial para a forma processual adequada, impunha-se-lhe essa convolação, sem prejuízo de, ulteriormente, declarar a caducidade do direito de deduzir o meio processual próprio se, em face de novos elementos, verificar que esta ocorre.
III - Transitada em julgado a decisão que julgou verificado o erro na forma do processo e ordenou a convolação para a forma processual adequada, não pode voltar a discutir-se a questão da propriedade do meio processual utilizado.
IV - O art. 63.º do RGIT enumera nulidades do processo de contra-ordenação tributário na fase administrativa, as quais, apesar de poderem ser arguidas até decisão final de todo o processo, incluindo as fases de recursos judicial e jurisdicional, em virtude de serem insupríveis, se reportam a vícios de natureza procedimental/processual, isto é, conexionados com a violação de ditames legais de natureza adjectiva e, sobretudo, de índole formal, cuja gravidade jamais se aproxima da que se detecta nos exemplos de actos nulos que o legislador registou nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 133.º do CPA.
V - Se o legislador tivesse querido viabilizar a possibilidade de recurso judicial a todo o tempo, por certo não teria deixado de prever essa excepcional possibilidade no art. 80.º, n.º 1, do RGIT, à semelhança do que fez, no processo administrativo, com o art. 58.º, n.º 1, do CPTA.
Nº Convencional:JSTA00068601
Nº do Documento:SA22014021901921
Data de Entrada:12/16/2013
Recorrente:A...., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:RGIT01 ART83 ART80 N1 ART70 N1 ART63 N1 C.
LGT98 ART97 N3.
CPPTRIB99 ART98 N4.
Jurisprudência Nacional:AC TCAS PROC4597/11.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG91.
DIOGO LEITE DE CAMPOS E BENJAMIM DA SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA PAG846.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de contra-ordenação com o n.º 440/12.2BEPNF

1. RELATÓRIO

1.1 A “A……, Lda.” (adiante Arguida ou Recorrente) fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel um articulado no qual, invocando «as disposições conjugadas dos artigos 99.º d) e 102.º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como do artigo 63.º n.º 1 al. c) do Regime Geral das Infracções Tributárias», disse que vinha «apresentar impugnação judicial». Pediu a anulação judicial da decisão administrativa que lhe aplicou uma coima pela prática de um ilícito contra-ordenacional tributário, invocando como fundamentos a ausência de culpa, a falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia e o excesso na medida da coima.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel ordenou a convolação dessa impugnação judicial em recurso da decisão administrativa de aplicação da coima – forma processual que entendeu ser a adequada ao pedido formulado – e, após o trânsito em julgado dessa decisão, decidiu nos seguintes termos: «julga-se extemporâneo o presente Recurso de Contra-Ordenação e, em consequência, mantém-se a decisão administrativa de aplicação da coima».

1.3 Inconformada com essa decisão, a Arguida dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando alegação que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

1) A douta sentença de que ora se recorre deve ser revogada;

2) Tendo a Impugnação Judicial sido apresentada em prazo, e tendo o Tribunal Administrativo de 1.ª Instância a convolado em Recurso em Contra-Ordenação, tendo-se pronunciado aliás para o prazo da sua apresentação, não se pretendeu de modo algum, denegar justiça ao contribuinte, mas apenas e só adequar à forma processual adequada;

3) Assim, só pode a decisão ora recorrida ser revogada, conhecendo do seu objecto, sob pena de denegação da Justiça, não aproveitamento do acto processual e convolação com efeito inútil;

4) Assim a ser, deveria ter sido mantida a Impugnação Judicial e apreciado o objecto em sua sede, uma vez que por outro modo, o contribuinte veria negada a apresentação de qualquer contestação posterior, quando ainda se encontrava em tempo para efeito de Impugnação;

5) Veja-se a esse respeito os acórdãos supra enunciados, perfilhantes da mesma opinião;

6) Deve ser reconhecida naturalmente a existência de uma nulidade – preterição do direito de Audição Prévia antes da decisão de aplicação da coima –, o aqui recorrente só teve conhecimento da coima quando foi notificado para seu pagamento;

7) A preterência daquele direito, além da violação do direito de defesa e contraditório, constitui uma violação grave dos direitos, neste caso mormente os dos contribuintes, abrindo-se assim precedente nesta matéria;

8) Além de que é um acto ilícito, violando o princípio da participação e do poder de influição na decisão administrativa, que se traduz num acto ilegal nos do artigo 63.º n.º 1 alínea c) do RGIT;

9) Além da sanção prevista no artigo 133.º n.º 2 alínea f) do Código do Procedimento Administrativo, pois que carece em absoluto de forma legal, o acto omisso que suprime a possibilidade do contribuinte participar no acto final administrativo;

10) E ainda previsto no n.º 1 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA);

11) Pelo que, a manter-se o acto, o mesmo ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental – art. 133.º, n.º 2, alínea d) do CPA, qual seja o da igualdade, da segurança e certeza jurídica;

12) Onde se imputa igualmente o Princípio da Igualdade dos cidadãos perante a lei – artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e os princípios da segurança e certeza jurídicas;

13) E ainda ofende os princípios da Boa-fé, legalidade, justiça e proporcionalidade, elencados nos artigos 3.º a 6.º-A do CPA;

14) Tem sido entendimento jurisprudencial e doutrinário que a violação do artigo 70.º n.º 1 do RGIT terá de ser tratada como uma nulidade insuprível, nos termos sobreditos;

15) Assim, sendo nulo o acto, deve o tribunal de 1.ª Instância pronunciar-se sobre a questão de fundo e determinar a nulidade do acto administrativo, devendo a sentença recorrida ser revogada em conformidade;

16) Para além de que antes da convolação da Impugnação Judicial em Recurso em Contra-Ordenação, em sede de despacho proferido no âmbito da Impugnação Judicial não se alegaram aí quaisquer factos obstativos ao conhecimento da causa, e bem, sendo que encontra-se declarado que “o processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem no seu todo”, não apontando qualquer outra motivação, além da convolação, em sede de questão prévia;

17) Sendo que essa mesma nulidade está perfeitamente assumida, na Informação que acompanha a Oposição, apresentada no processo de execução fiscal, respeitante à coima aqui em causa, onde é dito expressamente que não houve qualquer notificação para Audição Prévia ou apresentação de defesa» (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, as partes que no original surgiam em itálico figurarão em tipo normal, a fim de respeitar o destaque que lhes foi concedido pelos autores.).

1.4 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 O Ministério Público, através do seu representante junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel apresentou contra alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Sustenta, em síntese, que se verifica a caducidade do direito de recorrer judicialmente da decisão administrativa de aplicação da coima, que nunca os fundamentos invocados na petição inicial poderiam ser conhecidos em sede de impugnação judicial, que só após a petição inicial ter sido incorporada no processo de contra-ordenação ficaram disponíveis os elementos para avaliar da caducidade do direito de recorrer e que da convolação não resultou prejuízo algum para a Recorrente.

1.6 O Tribunal Central Administrativo Norte julgou-se incompetente em razão da hierarquia e declarou como tribunal competente para conhecer do recurso jurisdicional o Supremo Tribunal Administrativo.

1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, mas que seja revogada a decisão na parte em que ordenou a devolução dos autos ao Serviço de Finanças de Paredes e substituída por outra que se limite a ordenar a comunicação da decisão proferida, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 70.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Considera o Procurador-Geral adjunto, em síntese, que a convolação foi correctamente determinada e que só após ter sido efectuada o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel passou a dispor dos elementos que lhe permitiram concluir pela intempestividade do recurso da decisão que aplicou a coima; que não pode conhecer-se das nulidades previstas no art. 63.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (Aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e com a mais recente alteração pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.) (RGIT) para além do termo do prazo para o recurso judicial previsto no art. 80.º do mesmo diploma legal.

1.8 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.9 Cumpre apreciar e decidir, sendo as únicas questões a dirimir, como procuraremos demonstrar, as de saber
i) se, após se ter ordenado a convolação da impugnação judicial em recurso da decisão de aplicação da coima, pode julgar-se caducado o direito de recorrer dessa decisão ou se, verificada a caducidade do direito de recurso, deve conhecer-se das questões nele suscitadas sob a forma de impugnação judicial [cfr. conclusões 1) a 5)]; na negativa,
ii) se a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de recorrer, o que passa por indagar se a nulidade assacada pela Recorrente à decisão administrativa – decorrente da alegada “falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia à decisão de aplicação da coima”, em violação do disposto no n.º 1 do art. 70.º do RGIT – é susceptível de ser conhecida (e, por isso, invocada) a todo o tempo, inclusive depois de esgotado o prazo do recurso judicial da decisão de aplicação da coima, fixado no art. 80.º do RGIT [cfr. conclusões 6) a 17)].

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel efectuou o julgamento da matéria de factos nos seguintes termos:

«Dos factos provados com base nos elementos de prova documental existentes nos autos, com relevância para a apreciação e decisão do incidente:

1.º - A sentença da qual pretendem recorrer os ora requerentes, foi-lhes notificada em 12.10.2012 - cf. doc. de fls.75 dos autos.

2.º - O recurso deu entrada neste Tribunal no dia 05.11.2012 - cf. doc. de fls. 89».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência da notificação de que lhe fora aplicada uma coima pela prática de um ilícito contra-ordenacional de natureza tributária, a Arguida fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel um articulado no qual, invocando «as disposições conjugadas dos artigos 99.º d) e 102.º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como do artigo 63.º n.º 1 al. c) do Regime Geral das Infracções Tributárias», disse que vinha «apresentar impugnação judicial» e, alegando a ausência de culpa, a falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia e o excesso na medida da coima, pediu a anulação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, considerando verificado o erro na forma do processo, ordenou a convolação dessa impugnação judicial em recurso da decisão administrativa de aplicação da coima.
Essa decisão transitou em julgado, o processo foi remetido à autoridade administrativa que aplicou a coima – o Serviço de Finanças de Paredes – e aí foi tramitado como recurso de decisão de aplicação da coima.
Remetido o processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a Juíza, verificando que na data em que foi apresentada a petição estava já ultrapassado o prazo legal para recorrer da decisão de aplicação da coima (() Note-se, desde já, que na data em que ordenou a convolação, o processo não lhe fornecia os elementos que lhe permitiram ajuizar da intempestividade da petição para o meio processual adequado, designadamente os respeitantes à notificação da decisão administrativa.), proferiu decisão nos seguintes termos: «julga-se extemporâneo o presente Recurso de Contra-Ordenação e, em consequência, mantém-se a decisão administrativa de aplicação da coima»; mais ordenou: «[a]pós o trânsito remeta os autos ao Serviço de Finanças de Paredes».
A Arguida não se conformou com o assim decidido e recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte, afirmando que o fazia «ao abrigo do disposto no art. 140.º, 142.º n.º 3 alínea d), 143.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos», o que, há desde já que referi-lo, com salvaguarda do devido respeito, não faz sentido.
É que, convém lembrá-lo, estamos no âmbito de um processo de contra-ordenação tributária, cuja regulamentação não é a dos processos tributários nem a dos processos administrativos, mas a do regime geral das contra-ordenações. Note-se que da enumeração feita no art. 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) dos diversos tipos de processo que integram o processo judicial tributário não consta o recurso judicial de actos de aplicação de coimas, que também não consta do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) como processo aí previsto ( Vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 16 ao art. 97.º, pág. 50: «O recurso judicial de actos de aplicação de coimas e sanções acessórias, que era previsto no art. 118.º do CPT como um dos tipos de processo tributário, não é indicado no presente art. 97.º. A omissão da indicação desse tipo de recurso nesta lista justifica-se por ter-se entendido deixar para um diploma próprio toda a regulamentação relativa aos processos contra-ordenacionais tributários, diploma que veio a ser o RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho».). Toda a regulamentação relativa aos processos de contra-ordenação tributária consta de um regime próprio: o já referido RGIT e tem como lei subsidiariamente aplicável, nos termos do disposto no seu art. 3.º, alínea b) São aplicáveis subsidiariamente:
[…]
b) Quanto às contra-ordenações e respectivo processamento, o regime geral do ilícito de mera ordenação social;
[…]».), o também já referido RGCO.

Assim, sempre salvo o devido respeito, na interposição do recurso jurisdicional da decisão judicial proferida no âmbito do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima não há que convocar as regras do CPTA, mas apenas o art. 83.º do RGIT1 - O arguido, o representante da Fazenda Pública e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
2 - Se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de direito, é directamente interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
3 - O recurso é interposto no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho, da audiência do julgamento ou, caso o arguido não tenha comparecido, da notificação da sentença».).
Dito isto, se bem interpretamos as alegações de recurso, a Recorrente não discorda de que o meio processual adequado seja o recurso da decisão de aplicação de coima, para o qual foi convolada a petição inicial. Aliás, eventual discordância seria agora irrelevante em termos processuais, uma vez que a decisão por que foi verificada a nulidade por erro na forma do processo e ordenada a convolação para o meio processual adequado transitou em julgado. A discordância da Recorrente com o decidido pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel reside na possibilidade de ser agora, após a convolação, declarada a caducidade da nova forma processual. Note-se que essa caducidade só veio a tornar-se patente depois de a petição inicial ter sido incorporada no processo de contra-ordenação (Nos termos dos arts. 80.º e 81.º do RGIT, a fase judicial do processo de contra-ordenação inicia-se com a apresentação do recurso judicial no serviço tributário onde o processo foi instaurado, que ulteriormente a remeterá ao tribunal tributário de 1.ª instância da respectiva área, a quem a petição deve ser dirigida, sendo que até ao envio dos autos ao tribunal a autoridade recorrida pode revogar a decisão de aplicação da coima.), do qual constam os elementos respeitantes à notificação da decisão administrativa que aplicou a coima. Só em face desses elementos, a Juíza pôde concluir que à data em que a petição inicial foi apresentada estava já esgotado o prazo previsto no art. 80.º, n.º 1As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação».), do RGIT para a interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima.
Pretende a Recorrente que, sob pena de denegação de justiça e de a convolação se revelar um acto inútil, não pode, depois de se ter convolado a impugnação judicial em recurso da decisão de aplicação da coima, julgar-se agora caducado o direito de recorrer dessa decisão ou que, se verificada a caducidade do direito de recurso, deve conhecer-se das questões suscitadas sob a forma de impugnação judicial.
Será essa a primeira questão a apreciar e decidir.
Pretende também a Recorrente que o vício que imputou à decisão administrativa que lhe aplicou a coima – a falta da notificação para o exercício do direito de defesa prevista no art. 70.º, n.º 1, do RGIT e que a Recorrente denominou “preterição do direito de audição prévia”, qualificada como nulidade insanável pelo art. 63.º, n.º 1, alínea c), do RGIT – é susceptível de ser conhecido e invocado a todo o tempo e, portanto, que não pode considerar-se caducado o direito de recorrer daquela decisão.
Será essa a segunda questão a conhecer.


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2.2.2 DA POSSIBILIDADE DE JULGAR CADUCADO O DIREITO DE RECORRER DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DA COIMA DEPOIS DE SE TER CORRIGIDO A FORMA PROCESSUAL DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL EM RECURSO JUDICIAL DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA

É certo que para efectuar a convolação imposta pelo art. 97.º, n.º 3 Ordenar-se-á a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei».), da Lei Geral Tributária e pelo art. 98.º, n.º 4 Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma de processo adequada, nos termos da lei».), do CPPT, é necessário que seja viável o prosseguimento do processo na forma processual adequada, designadamente que a respectiva petição tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos desta nova forma processual. Na verdade, porque a convolação se justifica por razões de economia processual e «visa obstar a que, por via de uma errada eleição da forma de processo, o tribunal deixe de se pronunciar sobre o mérito da causa» ( Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, 2012, anotação 2 ao art. 97.º, pág. 846.), não encontra justificação quando não for viável utilizar a petição para a forma de processo adequada, por qualquer razão que obste ao seu prosseguimento, pois, se no meio adequado não for possível proferir decisão sobre o mérito da causa, não haverá qualquer utilidade na correcção do erro na forma de processo. Ora, o princípio da economia processual impede a prática no processo de actos inúteis, como decorre do disposto no art. 130.ºNão é lícito realizar no processo actos inúteis».) do Código de Processo Civil (CPC) novo, que corresponde ao anterior art. 137.º.
Assim, no que concerne à tempestividade, deverá atender-se ao prazo previsto para utilização do meio processual adequado, pois, uma vez efectuada a convolação é apenas relativamente ao meio processual adequado que ela produzirá efeitos.
Tudo se passa, após a convolação, como se a petição tivesse sido apresentada no âmbito desse meio processual próprio. Assim, para efeito da convolação, será irrelevante que a petição seja intempestiva para o meio processual inadequado que foi indevidamente utilizado, pois o que é decisivo para o aproveitamento da petição em que a convolação se traduz é a tempestividade para o meio adequado (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 10 d) ao art. 98, págs. 91/92.). Do mesmo modo, não havendo nesta circunstância qualquer óbice à utilização do argumento a contrario, para aferir da caducidade do direito de acção é absolutamente inócuo que a petição inicial seja tempestiva para o meio processual inadequado e que foi indevidamente usado, pois essa aferição há-de fazer-se exclusivamente em face do meio adequado.
Assim, de nada serve à tese da Recorrente a afirmação de que a petição inicial era tempestiva para a impugnação judicial, uma vez que este meio processual foi considerado como não sendo o adequado à pretensão formulada por decisão que transitou em julgado.
Aliás, nenhum argumento favorável à tese da Recorrente poderá extrair-se da alegação de que não deveria ter sido efectuada a convolação, pois se aquando dessa decisão a Juíza tivesse elementos que lhe permitissem estabelecer a intempestividade da petição para o recurso judicial da decisão de aplicação da coima e, consequentemente, não tivesse ordenado que a impugnação judicial fosse convolada em recurso da contra-ordenação, o que teria acontecido, pura e simplesmente, seria o indeferimento liminar da petição inicial ou a anulação de todo o processado e consequente absolvição da Fazenda Pública da instância, consoante a acção tivesse ou não ultrapassado a fase liminar [cfr. art. 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC].
No caso, como deixámos já referido, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel não tinha no processo, à data em que foi proferida a decisão de convolação, elementos que lhe permitissem aferir da tempestividade da petição inicial para o meio processual adequado, motivo por que não podia senão ordenar essa convolação. «[O] tribunal só deve afastar a convolação se existirem elementos seguros para concluir pela intempestividade, isto é, se tiver a certeza que a convolação é inútil» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e loc. cit. ).
Mas, obviamente, a convolação assim ordenada não impede que, mais tarde, no âmbito da nova forma processual, o juiz venha a concluir pela intempestividade da petição inicial, depois de apurar novos elementos que sustentem esse juízo (Ibidem.).
Assim, em face dos elementos fornecidos pelos autos após a incorporação da petição inicial no processo contra-ordenacional, designadamente os respeitantes à notificação à Arguida da decisão administrativa da aplicação da coima, nada impedia que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel concluísse, como concluiu, pela intempestividade do recurso judicial daquela decisão.
O recurso não pode, pois, ser provido com o primeiro dos fundamentos invocados.


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2.2.3 DA SUJEIÇÃO DA ARGUIÇÃO DAS NULIDADES PREVISTAS NO ART. 63.º DO RGIT AO PRAZO DE RECURSO JUDICIAL FIXADO PELO ART. 80.º DO MESMO DIPLOMA

Sustenta a Recorrente que, tendo invocado como fundamento do recurso judicial a falta da notificação para o exercício do direito de defesa prevista no art. 70.º, n.º 1 O dirigente do serviço tributário competente notifica o arguido do facto ou factos apurados no processo de contra-ordenação e da punição em que incorre, comunicando-lhe também que no prazo de 10 dias pode apresentar defesa e juntar ao processo os elementos probatórios que entender, bem como utilizar as possibilidades de pagamento antecipado da coima nos termos do artigo 75.º ou, até à decisão do processo, de pagamento voluntário nos termos do artigo 78.º».), do RGIT, omissão qualificada pelo art. 63.º, n.º 1, alínea c) 1 - Constituem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação tributário:
[…]
c) A falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa;
[…]».), do mesmo diploma como nulidade insanável, esta pode ser invocada e conhecida a todo o tempo, sem sujeição ao prazo do art. 80.º, ainda do mesmo diploma; em consequência, sustenta que não pode considerar-se caducado o direito de recorrer daquela decisão.
Salvo o devido respeito, a tese da Recorrente não tem sustentação legal.
Desde logo, seria surpreendente que o legislador pretendesse um regime em que a decisão administrativa de aplicação pudesse ser atacada a todo o tempo, ainda que essa falta de limite temporal para o exercício do direito de recurso judicial ficasse limitada nos seus fundamentos às nulidades insanáveis elencadas no art. 63.º, n.º 1, do RGIT. Não podemos esquecer que estamos no domínio do direito sancionatório, onde as exigências da segurança e paz social requerem de modo particular a estabilidade das decisões. Salvo o devido respeito, não faria sentido que o arguido pudesse a todo o tempo, inclusive depois de executada a coima e eventual sanção acessória, vir atacar a legalidade da decisão administrativa por que estas foram aplicadas.
A Recorrente alicerça a sua tese nos arts. 133.º, n.ºs 1 e 2, alíneas d) e f) 1 - São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2 - São, designadamente, actos nulos:
[…]
d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
[…]
f) Os actos que careçam em absoluto de forma legal;
[…]».), e 134.º, n.º 2 A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal».), do Código do Procedimento Administrativo (CPA), no art. 58.º, n.º 1 A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo».), do CPTA e no art. 286.º A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal».) do Código Civil (CC), bem como na violação do princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei e dos princípios gerais do Direito da segurança e da certeza jurídicas.
Desde logo, podemos afastar liminarmente a aplicação do disposto no art. 286.º do CC, norma legal que se refere à nulidade do negócio jurídico e, por isso, inaplicável, quer directa quer subsidiariamente, à situação dos autos.
Consideremos a questão ao abrigo da nulidade prevista no art. 133.º do CPA como motivo de invalidade dos actos administrativos. Permitimo-nos aqui remeter para o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo 4597/11( Com texto integral disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/be4225fd4ff2bdc48025788b0048ad3a?OpenDocument.), cujo sumário foi citado pelo Procurador-Geral adjunto no seu parecer:
«Face ao disposto no art. 133.º CPA, a nulidade, enquanto motivo de invalidade dos actos administrativos, pressupõe a existência do acto, na produção e emissão do qual se detecta a preterição muito grave e evidente dos respectivos requisitos de validade, ao ponto de a lei expressamente cominar essa sanção. Ora, com uma amplitude que, nitidamente, não esta, o art. 63.º RGIT identifica nulidades do processo, na competente fase administrativa, de contra-ordenação tributário, as quais, apesar de poderem ser arguidas até decisão final de todo o processo, incluindo as fases de recursos judiciais e jurisdicionais, em virtude de serem insupríveis, ou seja, insusceptíveis de sanação, se reportam a vícios de natureza procedimental/processual, isto é, conexionados com a violação de ditames legais relativos a aspectos de cariz adjectivo e, sobretudo, de índole formal, cuja gravidade jamais se aproxima da que se detecta nos exemplos (de actos nulos), impressivamente, fornecidos, pelo legislador, nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 133.º CPA.
Por outro lado, além desta razão de cariz mais geral, ao nível dos princípios processuais, julgamos defensável que, acaso tivesse sido querido viabilizar a possibilidade de recurso judicial a todo o tempo, como proposto pela Rte, o determinante art. 80.º n.º 1 RGIT, à semelhança do que ocorre, no processo administrativo, com o art. 58.º n.º 1, CPTA, não teria deixado de prever essa, excepcional, faculdade. Ao invés, aí se inscreveu o prazo, único, de 20 dias, após a notificação das decisões de aplicação das coimas, para delas recorrer para o tribunal tributário de 1.ª instância, o que é indício, claro, objectivo, da vontade do legislador em fixar um privativo prazo para recorrer, independentemente dos casuísticos fundamentos invocados pelos arguidos, sendo certo que não desconhecia a estatuição normativa referente às apontadas nulidades insupríveis e a susceptibilidade de as mesmas serem arguidas pelos injungidos com coimas».
Na verdade, assim é: o motivo por que o legislador entendeu permitir que a impugnação dos actos administrativos nulos possa ocorrer a todo o tempo não ocorre relativamente às referidas nulidades insanáveis da decisão administrativa no processo de contra-ordenação tributária e, mesmo que assim não fosse, tão excepcional possibilidade por certo não deixaria de ter ficado expressamente consagrada no texto da lei, designadamente do citado art. 80.º do RGIT.
Resta-nos referir que não vislumbramos como a interpretação de que o prazo para deduzir recurso judicial da decisão de aplicação da coima é sempre de 20 dias a contar da notificação daquela decisão, independentemente dos fundamentos invocados no recurso, viola o princípio da igualdade ou os demais princípios jurídicos invocados pela Recorrente, que também não substanciou essa alegação.
Assim, resta concluir que o recurso também não pode ser provido com o segundo fundamento invocado, o que significa que a decisão recorrida, que rejeitou o recurso judicial por intempestividade, deve manter-se.
Finalmente, uma nota para dizer, anuindo ao que foi alegado pelo Procurador-Geral adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, que, após o trânsito, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel não tem que devolver os autos ao Serviço de Finanças de Paredes, mas apenas que comunicar a este serviço tributário a decisão final proferida no processo, como o impõe o art. 70.º, n.º 4, do RGCO.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Apesar de a lei (art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, CPPT) impor a sanação da nulidade por erro na forma do processo, o juiz deve-se abster de convolar para a forma processual tida por adequada ao pedido formulado se a petição inicial se mostrar extemporânea relativamente a este último, uma vez que, em obediência ao princípio da economia processual, estão genericamente proibidos os actos inúteis – cfr. art. 130.º do CPC novo.
II - Se os elementos de que o juiz dispunha à data não lhe permitiam concluir pela intempestividade da petição inicial para a forma processual adequada, impunha-se-lhe essa convolação, sem prejuízo de, ulteriormente, declarar a caducidade do direito de deduzir o meio processual próprio se, em face de novos elementos, verificar que esta ocorre.
III - Transitada em julgado a decisão que julgou verificado o erro na forma do processo e ordenou a convolação para a forma processual adequada, não pode voltar a discutir-se a questão da propriedade do meio processual utilizado.
IV - O art. 63.º do RGIT enumera nulidades do processo de contra-ordenação tributário na fase administrativa, as quais, apesar de poderem ser arguidas até decisão final de todo o processo, incluindo as fases de recursos judicial e jurisdicional, em virtude de serem insupríveis, se reportam a vícios de natureza procedimental/processual, isto é, conexionados com a violação de ditames legais de natureza adjectiva e, sobretudo, de índole formal, cuja gravidade jamais se aproxima da que se detecta nos exemplos de actos nulos que o legislador registou nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 133.º do CPA.
V - Se o legislador tivesse querido viabilizar a possibilidade de recurso judicial a todo o tempo, por certo não teria deixado de prever essa excepcional possibilidade no art. 80.º, n.º 1, do RGIT, à semelhança do que fez, no processo administrativo, com o art. 58.º, n.º 1, do CPTA.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida, com a ressalva de que, após o trânsito (e ao invés da ordenada devolução do processo à autoridade tributária), seja efectuada a pertinente comunicação ao Serviço de Finanças de Paredes.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado.