Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02144/18.3BEPRT
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
ADICIONAL
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I- Como resulta da interpretação sufragada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2019, tirado em Plenário e por unanimidade, o artigo 135.º-B, n.º 2, do CIMI, não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade nem por violação do princípio da capacidade contributiva.
II- Sobre a decisão das questões de constitucionalidade das normas a última palavra é sempre do Tribunal Constitucional.
Nº Convencional:JSTA000P25864
Nº do Documento:SA22020050602144/18
Data de Entrada:11/20/2019
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 2144/18.3BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade supra identificada recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal por ela deduzida a uma execução fiscal instaurada para cobrança de dívida proveniente de adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) do ano de 2017.

1.2 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A. O Tribunal a quo andou mal ao julgar improcedente a oposição à execução fiscal, por entender que o adicional de IMI não é inconstitucional, não violando nem o princípio da igualdade tributária, nem o princípio da capacidade contributiva.

B. O adicional ao IMI consubstancia um imposto que incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português, de que as pessoas singulares ou colectivas sejam titulares, substituindo a anterior verba n.º 28 de imposto do selo.

C. Com o imposto do selo e com o adicional de IMI, o Legislador pretende taxar as grandes fortunas imobiliárias, ou seja, o património de elevado ou muito elevado.

D. O TC entendeu que a verba 28.1 do Imposto do Selo era constitucional por não distinguir ou individualizar os sujeitos passivos por recurso a outro critério que não seja a titularidade dos valores patrimoniais, nomeadamente, pela titularidade de terrenos para construção de edifícios para habitação de elevado valor patrimonial tributário.

E. Pelo que, o Governo (entenda-se o legislador), por forma a manter um imposto que tributasse as grandes fortunas imobiliárias, mas que não tivesse os vícios legais e constitucionais do imposto do selo imputados pelo Acórdão do TC supra referido, revogou a verba 28.1, de imposto do selo, e criou o adicional ao IMI.

F. Contudo, a formulação da incidência subjectiva e objectiva do adicional ao IMI contém um vício de delimitação.

G. Salvo o devido respeito por melhor opinião, este novo imposto, designado de “adicional ao IMI”, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, visto que (i) delimita a sua aplicação com base em valorações económico-financeiras e na natureza do titular de valores patrimoniais, bem como (ii) porque atinge indiscriminadamente contribuintes com e sem força contributiva necessária para suportar o imposto.

H. O adicional ao IMI, apesar no caso das pessoas singulares apenas incidir sobre o património que excede o valor de € 600.000,00 euros, já no caso das pessoas colectivas, atinge todo o seu património imobiliário sujeitando-o à aplicação da taxa do adicional ao IMI, desconsiderando, o legislador, totalmente a circunstância das empresas terem, ou não, possibilidade para procederem ao respectivo pagamento.

I. Assim sendo, o legislador, uma vez mais, de forma precipitada, equivocada e nem sequer demonstrada, pretendeu identificar de forma automática, um sujeito passivo com capacidade contributiva excepcional, ou acima da média, numa pessoa colectiva.

J. Ou seja, este legislador, que criou o adicional ao IMI, entendeu que o sujeito passivo pessoa singular tem capacidade contributiva para ser tributado por este imposto, desde que seja titular de património com valor patrimonial tributário superior a € 600.000,00 euros; já um sujeito passivo que seja pessoa colectiva não merece esta diferenciação, considerando-se que tem sempre capacidade contributiva desde que seja titular de prédio(s) urbano(s) habitacionais, ou terrenos para construção.

K. Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar o raciocínio ínsito na sentença recorrida, pois, o Tribunal a quo compadria o tratamento diferenciador que o Legislador fez às pessoas colectivas e às pessoas singulares com base no facto de todo o património detido por uma pessoa colectiva ser explorado por aquela, com vista à obtenção do lucro.

L. O raciocínio do Tribunal a quo não é desprovido de lógica, contudo, foge da ratio legis da criação de tal imposto, não tendo qualquer cabimento para averiguar da existência de violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, por se basear no facto de as pessoas colectivas deterem imóveis sempre com o objectivo de obtenção do lucro.

M. O que devia ser considerado era a capacidade contributiva, a qual não é possível apurar meramente mediante a verificação da titularidade de imóveis, até porque o imposto em causa apenas pretende tributar aqueles imóveis com valor patrimonial tributário elevado, conforme é referido pelo Tribunal a quo.

N. A dívida pública portuguesa deixou de ser considerada como lixo, pelas agências de rating (de classificação de risco de crédito), no início do segundo trimestre de 2017, pelo que, também por este ponto, se suscita a questão da necessidade de manter um imposto que consiste num agravamento da colecta quanto ao património imobiliário, se a ratio legis do mesmo consiste na superação de uma crise económica e financeira, que os organismos oficiais, competentes na matéria, já consideram ultrapassada.

O. Apesar de o adicional ao IMI ter sido alargado ao conjunto do património de cada contribuinte, não garantiu uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento, visto que faz uma separação entre pessoas colectivas e pessoas singulares.

P. Contrariamente às pessoas singulares e heranças indivisas, em que apenas são tributados os grandes patrimónios imobiliários (pois o adicional apenas incide sobre o conjunto de imóveis cujo valor patrimonial tributário exceda o montante de € 600.000,00 euros), as empresas imobiliárias não têm qualquer protecção, sendo o adicional ao IMI mais um imposto a incidir sobre a sua matéria-prima.

Q. Apesar de o Legislador não querer criar um novo imposto para as empresas, as pessoas colectivas na área da promoção imobiliária verificam efectivamente, com a criação deste imposto, a sua carga fiscal agravada.

R. O que é de injustiça gritante por uma dupla razão: (i) por serem pessoas colectivas relativamente às pessoas singulares, e (ii) por o seu sector de actividade (promoção imobiliária) estar a ser excluído da isenção beneficiada pelos restantes agentes económicos.

S. O adicional ao IMI apenas deveria incidir subjectivamente sobre as pessoas singulares que acumulam património imobiliário ou sobre as pessoas que, inseridas no sector da promoção imobiliária, não desenvolvem, em concreto, a sua actividade, mas tão só parqueiam imóveis para uso e fruição dos titulares do seu órgão de administração e gerência.

T. A expectativa jurídica decorrente de um terreno para construção não corresponde a qualquer direito absoluto ou consumado de edificação, visto que a mesma pode ficar frustrada por qualquer motivo, incluindo de natureza legal, e nunca vir a ser edificado qualquer prédio ou, mesmo, vir a ser edificado um prédio com fins que não sejam habitacionais.

U. Termos em que se encontra claramente fora do objecto previsional do conceito de tributação de bem habitacional de elevado valor, os terrenos para construção, sendo esse o caso dos imóveis da Recorrente.

V. Assim sendo, e tratando-se meramente de uma expectativa jurídica, e não de um facto tributário, andou mal o legislador quando incluiu na incidência objectiva do adicional ao IMI de terrenos para construção.

W. Por conseguinte, verifica-se que o adicional ao IMI é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade tributária e capacidade tributária, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos demais de Direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser anulada a sentença recorrida e substituída por Acórdão que julgue procedente a Oposição à Execução Fiscal, declarando a inconstitucionalidade do adicional de IMI, por violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, e, consequentemente, ordene a extinção do processo de execução fiscal em causa».

1.3 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.4 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia e remeteu os autos a este Supremo Tribunal, que considerou ser o competente para conhecer do recurso.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procurador-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que julgue procedente a oposição, com a seguinte fundamentação: «[…]

A douta decisão recorrida mostra-se correcta. Fez correcta análise e interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada e apoiada em pertinente jurisprudência e doutrina que cita, não sendo passível de quaisquer censuras.
Em abono do doutamente decidido chamamos, aqui, à colação o teor do doutamente decidido por este Colendo STA no recente acórdão proferido no processo n.º 02143/18.5BEPRT, de 17.12.2019, 2.ª sec. e cujo sumário se transcreve, por a situação aí decidida ser igual à aqui em discussão.
Assim:
I- Como resulta da interpretação sufragada no acórdão do Tribunal Constitucional nº 299/2019, tirado em Plenário e por unanimidade, o artigo 135º-B, nº 2, do CIMI não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade nem por violação do princípio da capacidade contributiva.
II- Sobre a decisão das questões de constitucionalidade das normas a última palavra é sempre do Tribunal Constitucional».

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

«1) A actividade da sociedade A……….., Lda. é a promoção e comercialização de empreendimentos imobiliários, compra e venda e revenda de imóveis adquiridos para esse fim, promover e contratar obras de construção, remodelação ou beneficiação de imóveis, venda a retalho de materiais de construção, construção civil e obras públicas, compra de imóveis para arrendamento e gestão de imóveis próprios, prestação de serviços relacionados com a gestão e administração de imóveis, condomínios e espaços comerciais e de consultoria de gestão e empresas e patrimónios; peritagens e avaliações imobiliárias e comercialização e importação de materiais de construção civil – cfr. certidão permanente de fls. 22 dos autos.

2) Foi instaurado pelo Serviço de Finanças do Porto 5 o processo de execução n.º 3190200801155598 em nome de A………, Lda., por dívidas de adicional de IMI do ano de 2017 no montante de € 63.863,09 – cfr. certidão de dívida de fls. 6 dos autos».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu sentença na qual considerou que não se verificavam as inconstitucionalidades invocadas como fundamento da oposição – ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
A Impugnante recorreu dessa sentença, mantendo que se verifica a ilegalidade abstracta da liquidação, subsumível à referida alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, com fundamento na inconstitucionalidade das normas dos arts. 135.º-A e 135.º-B do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) – com base nas quais a liquidação foi efectuada –, alegando que as referidas normas violam i) o princípio fundamental da igualdade [art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)], por considerar que do recorte normativo da incidência subjectiva do tributo resulta uma diferença de tratamento entre pessoas singulares e pessoas colectivas que não é juridicamente fundamentada, ii) o princípio da capacidade contributiva (art. 104.º, n.º 3, da CRP), por entender que este tributo «não respeita a diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide, atingindo indiscriminadamente contribuintes com e sem a força contributiva necessária para suportar o imposto, quer porque as diferenciações que introduz entre os que são abrangidos e excluídos do seu âmbito de incidência não são proporcionais, sendo inadequadas para satisfazer o fim visado pela norma, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de maior valor em termos que satisfaçam “o princípio da equidade social na austeridade».
Assim, a questão a apreciar e decidir é a de saber se se há-de qualificar como ilegal (invalidade derivada ou consequente) o acto de liquidação do adicional ao IMI, impugnado em sede de oposição à execução fiscal, com fundamento em ilegalidade abstracta [art. 204.º, n.º 1, alínea a), do CPPT], por serem inconstitucionais as normas com base nas quais foi efectuada aquela liquidação, o que passa por averiguar da conformidade constitucional dos arts. 135.º-A e 135.º-B do CIMI.

2.2.2 REMISSÃO

As questões que cumpre apreciar e decidir foram já apreciadas por este Supremo Tribunal Administrativo – em recursos em tudo idênticos, pois as partes são as mesmas, as sentenças recorridas são do mesmo teor, apenas se referindo a dívidas de períodos diferentes, e as alegações são em tudo idênticas às dos presentes autos – no acórdão proferido em 17 de Dezembro de 2019, no processo n.º 2143/18.5BEPRT (() Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0fc38ffbfcc2e97f802584f000404193.), citado pela Procuradora-Geral-Adjunta no parecer referido em 1.5.
Quer em obediência ao disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, quer porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, usando da faculdade concedida no n.º 5 do art. 663.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, remetemos para a fundamentação adoptada no referido acórdão.

2.2.3 CONCLUSÕES

Consequentemente, o recurso não será provido, formulando-se as seguintes conclusões, decalcadas do citado acórdão de 17 de Dezembro de 2019:

I - Como resulta da interpretação sufragada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2019, tirado em Plenário e por unanimidade, o artigo 135.º-B, n.º 2, do CIMI, não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade nem por violação do princípio da capacidade contributiva.

II - Sobre a decisão das questões de constitucionalidade das normas a última palavra é sempre do Tribunal Constitucional.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente, que ficou vencida, [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].

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Dispensamos a junção do acórdão para que remetemos, uma vez que se encontra disponível no sítio indicado e dele foram notificadas a Recorrente e a Recorrida.

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Lisboa, 6 de Maio de 2020. – Francisco Rothes (relator) - Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz.