Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0318/11
Data do Acordão:09/21/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
RECURSO JUDICIAL
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
PRAZO
FÉRIAS JUDICIAIS
Sumário:I - A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
II - Porque esse prazo não respeita a acto a praticar num processo judicial, antes constituindo um prazo de caducidade de natureza substantiva, não lhe é aplicável o regime dos prazos processuais.
III - No entanto, terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC.
IV - O facto de o requerimento de interposição de recurso judicial da decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária dever ser apresentado no serviço de finanças, não obsta a que se considere acto a praticar em juízo, pois, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.
Nº Convencional:JSTA00067133
Nº do Documento:SA2201109210318
Data de Entrada:04/04/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:CCIV66 ART279 E
RGIT01 ART3 B ART80 N1
CPPTRIB99 ART38 N1 ART39 N3
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART60 N1
LOFTJ03 ART12
ETAF02 ART7
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC23463 DE 1999/04/28 IN AP-DR DE 2001/06/26 PAG186; AC STA PROC24625 DE 2000/05/24 IN AP-DR DE 2002/12/23 PAG2135; AC STA PROC23404 DE 1999/05/19 IN AP-DR DE 2001/06/26 PAG195; AC TCAS PROC3151/09 DE 2009/07/15; AC STA PROC991/06 DE 2007/01/17 IN AP-DR DE 2008/02/14 PAG112; AC TC 473/2001 IN DR IIS DE 2001/11/28 PAG19788; AC TCAS PROC6428/02 DE 2002/04/09; AC TCAS PROC822/05 DE 2006/01/10; AC TCAS PROC821/05 DE 2006/01/17; AC STA PROC23466 DE 1999/04/28 IN AP-DR DE 2001/06/26 PAG188
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VI 6ED PAG346.
JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 2ED PAG484 PAG485.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 Em processo de contra-ordenação instaurado pelo Serviço de Finanças de Penacova foi aplicada uma coima a A… (adiante Arguido ou Recorrente) pela prática de uma infracção ao disposto nos art. 44.º, do Código do Imposto de Selo, punível pelo art. 114.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por ter entregue o imposto retido em Março de 2007 no dia 23 de Abril de 2007, quando a lei impunha essa entrega até ao dia 20 desse mês e ano.
1.2 O Arguido recorreu dessa decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
1.3 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra rejeitou o recurso por considerar que, «atenta a data da confirmação da notificação da decisão de aplicação da coima remetida ao recorrente (2010.07.14)» ( As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.) estava já precludido o prazo para recorrer dessa decisão quando, em 26 de Agosto de 2010, deu entrada o requerimento de interposição de recurso judicial.
1.4 Inconformado com essa sentença, o Arguido dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. Vem o presente recurso da douta decisão que rejeitou o recurso por alegada intempestividade, entendendo-se que foi efectuado um errado julgamento.
2. Em processo de contra-ordenação fiscal, os termos dos prazos de interposição de recursos ou impugnações judiciais de decisões administrativas que terminam em férias transferem-se para o primeiro dia útil seguinte ao termo destas, independentemente de o acto dever ser praticado perante autoridades administrativas, que servem de intermediários para recepção dos requerimentos de interposição.
Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida, proferindo-se douto acórdão que julgue o recurso como tempestivamente apresentado».
1.5 O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando por que lhe seja negado provimento, mediante alegações que resumiu em conclusão do seguinte teor:
«[…] o prazo de impugnação da decisão de aplicação da coima é um prazo substantivo, peremptório e de caducidade, não se lhe aplicando a regra a que se refere o artº 279º, alínea e), 2ª parte do C. Civil, ou seja, de que, terminando em férias judiciais, a prática do acto se transfere para o primeiro dia útil após o termo destas».
1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto remeteu para a resposta ao recurso.
1.7 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.8 A questão suscitada no presente recurso é a de saber se o termo do prazo de interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, quando recaia em período de férias judiciais, se deve transferir para o primeiro dia útil seguinte.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
No despacho recorrido, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra fixou a factualidade com interesse para a decisão a proferir nos seguintes termos:
«Dos elementos documentais constantes de fls. 8, 16, resulta que o talão de aceitação do correio registado respeitante à notificação da decisão ao recorrente ocorreu em 2010.06.16, conforme fls. 37.
O requerimento de interposição do recurso de impugnação judicial referente à decisão do Chefe do Serviço de Finanças deu entrada nos respectivos serviços de finanças de Penacova em 26 de Agosto de 2010, conforme se comprova de fls. 38 e seguintes. Sendo que a liquidação da taxa de justiça inicial devida ocorreu em 25.08.2010, conforme resulta de fls. 52 dos autos.
Contudo, o documento junto a fls. 54 referente à pesquisa histórica dá-nos a informação que a notificação para pagamento voluntário ocorreu em 2010.07.05 que foi recebido em 2010.07.04, confrontando o teor de fls. 57».
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2.2 DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
O Juiz do Tribunal a quo, considerando que estava já precludido o prazo para recorrer da decisão administrativa de aplicação da coima quando deu entrada o requerimento de interposição de recurso judicial, rejeitou o recurso judicial.
O Recorrente insurgiu-se contra essa decisão, mediante recurso jurisdicional endereçado a este Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que aquele prazo, porque terminou em período de férias judiciais, devia transferir-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do disposto na alínea e) do art. 279.º do Código Civil (CC).
Não há dissentimento relativamente ao prazo, ao seu dies a quo e à forma da sua contagem:
· nos termos do disposto no n.º 1 do art. 80.º do RGIT, «As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação»;
· o termo inicial do prazo é após a sua notificação, que no caso se deve considerar efectuada em 14 de Julho de 2010 (Data em que, de acordo com os factos estabelecidos na decisão recorrida, que não vêm postos em causa, o Arguido tomou conhecimento da notificação da decisão administrativa de aplicação da coima.
É certo que aí também se estabeleceu que «o talão de aceitação do correio registado respeitante à notificação da decisão ao recorrente ocorreu em 2010.06.16», sendo que o Ministério Público, como alega na resposta ao recurso, quando da apresentação do recurso judicial a juízo, parece ter relevado essa data como sendo a da notificação. No entanto, deste último facto não podemos extrair tal conclusão, pois a notificação da decisão de aplicação da coima sempre terá que ser notificada por carta registada com aviso de recepção, apenas podendo considerar-se a notificação como efectuada na data em que o aviso se mostrar assinado (cf. arts. 38.º, n.º 1, e 39.º, n.º 3, do CPPT, aplicável ex vi do n.º 2 do art. 70.º do RGIT). No sentido da aplicação subsidiária do regime do CPPT em matéria de notificações na fase administrativa do processo contra-ordenacional tributário, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 11 ao art. 36.º, pág. 346. );
· a contagem deste prazo de 20 dias é a efectuar nos termos do art. 60.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO)(Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro.), aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados e que o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, se transfere para o primeiro dia útil seguinte.
O que, levando em conta que no ano de 2010 os dias 17, 24 e 31 de Julho e 7 de Agosto foram sábados e que os dias 18 e 25 de Julho e 1 e 8 de Agosto foram domingos, permite concluir que o termo do prazo se situa em 11 de Agosto de 2010, ou seja, em período de férias judiciais ( Na legislação em vigor à data – art. 12.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que aprova a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redacção dada pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto (disposição legal entretanto alterada pela Lei n.º 43/2010, de 3 de Setembro), aplicável aos tribunais tributários ex vi do art. 7.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 22 de Fevereiro –, as férias judiciais de Verão eram de 1 a 31 de Agosto.).
Daí que a questão suscitada no recurso seja unicamente a que deixámos enunciada em 1.7, qual seja a de saber se o termo do prazo de interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, quando coincida com período de férias judiciais, se deve transferir para o primeiro dia útil seguinte, por força do disposto na alínea e) do art. 279.º do CC.
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2.2.2 DO PRAZO DO RECURSO JUDICIAL DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA
Como deixámos já dito, é de vinte dias contados da notificação o prazo de que o arguido dispõe para interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima, sendo que este prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados (art. 80.º do RGIT e art. 60.º do RGCO, este aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT).
No caso sub judice, como também já vimos, o termo do prazo para a interposição do recurso judicial de aplicação da coima recaiu em férias judiciais.
De tudo isso deu conta o despacho recorrido.
É certo que tal prazo não tem a natureza de prazo processual ou judicial, pois não respeita à prática de um acto num processo judicial, o qual só se inicia com a introdução do processo em juízo, nos termos do n.º 1 do art. 62.º do RGCO. Trata-se de um prazo substantivo, de caducidade. Por esse motivo, não pode sustentar-se que lhe seja aplicável o regime dos prazos processuais (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2.ª edição, anotação 9 ao art. 80.º, págs. 484/485.).
Porém, como bem salientou o Recorrido, a decisão não atentou nos termos da alínea e) do 279.º do CC, que dispõe:
«O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo».
Na verdade, a apresentação do requerimento de interposição de recurso judicial de decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação fiscal é um acto a praticar em juízo. Tal recurso tem, sem margem para qualquer dúvida, natureza judicial pois trata-se de um pedido dirigido a tribunal e cuja decisão lhe está cometida em exclusividade.
O facto de, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 80.º do RGIT, o requerimento de interposição do recurso dever ser apresentado no serviço de finanças onde foi instaurado o processo de contra-ordenação em nada interfere com tal natureza. É que, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como mero receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.
«Esta solução prende-se com a razão de ser da transferência do prazo prevista no art. 279º, alínea e), do Código Civil, que não é o encerramento dos tribunais, que mesmo em férias continuam com os serviços de secretaria abertos ao público, mas com o facto de durante as férias não serem praticados actos processuais nos processos não urgentes.
Por isso, sendo o requerimento de interposição de recurso ou impugnação judicial dirigido ao tribunal, apesar de apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o recorrente e o tribunal, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste»(Idem, anotação 10 ao art. 80.º, pág. 485.).
Neste sentido se vem pronunciando uniformemente a jurisprudência desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Vide, para além dos sete referidos na anotação supra, os seguintes acórdãos:
- de 28 de Abril de 1999, proferido no processo com o n.º 23.463, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2001(http://www.dre.pt/pdfgratisac/1999/32320.pdf), págs. 186 a 188;
- de 28 de Abril de 1999, proferido no processo com o n.º 23.466, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1999/32320.pdf), págs. 188 a 191;
- de 19 de Maio de 1999, proferido no processo com o n.º 23.404, publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Junho de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1999/32320.pdf), págs. 195 a 201;
- de 3 de Novembro de 1999, proferido no processo com o n.º 23.465, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Julho de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1999/32340.pdf), págs. 360 a 369;
- de 24 de Maio de 2000, proferido no processo com o n.º 24.625, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Dezembro de 2002 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32222.pdf), págs. 2135 a 2137.).
Pretende o Ministério Público, na resposta ao recurso, que teria ocorrido uma alteração da jurisprudência, invocando em suporte da sua tese um único acórdão, do Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão de 15 de Julho de 2009, proferido no processo com o n.º 3151/09, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/13691df0bee976e180257600002d3cd6?OpenDocument.), que decidiu no sentido de que «ao contrário do sustentado na decisão recorrida se tal prazo terminar em férias judiciais, a prática do acto não se transfere para o primeiro dia útil após o termo destas, pois nos termos do artigo 279º, alínea e), 2ª parte do Código Civil, para que tal suceda é necessário que o acto sujeito a prazo tenha de ser praticado em juízo, o que não sucede no caso pois o artº 80º do RGIT refere que o recurso judicial das decisões administrativas que aplicam coimas é interposto “no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação”. Ora os Serviços de Finanças não têm férias judiciais e daí a não aplicação do normativo do artº 297º al. e) do C. Civil».
Esse acórdão vai em sentido contrário ao da jurisprudência, não só do Supremo Tribunal Administrativo, como do próprio Tribunal Central Administrativo Sul (Vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário daquele Tribunal:
- de 9 de Abril de 2002, proferido no processo com o n.º 6428/02, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/5826ac13ad290cc880256bae004c758b?OpenDocument;
- de 10 de Janeiro de 2006, proferido no processo com o n.º 822/05, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/d1e800ce117977a1802570f300425b24?OpenDocument;
- de 17 de Janeiro de 2006, proferido no processo com o n.º 821/05, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/e93f0b3968cf62da802570fa003e9491?OpenDocument.). Salvo o devido respeito, não apresenta argumentos que justifiquem a postergação dessa jurisprudência e, ao invés, louva-se num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo ( O acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Janeiro de 2007, proferido no processo com o n.º 991/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Fevereiro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32210.pdf), págs. 112 a 116, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ace751d2a1b96ca08025726d004f9cf2?OpenDocument.) que, sempre salvo o devido respeito, não fornece apoio algum àquela tese, pois a situação de facto a que se reporta não é de termo do prazo em período de férias judiciais, mas antes de termo do prazo em dia útil, sendo que a questão que aí se suscitava era a de o juiz da 1.ª instância, na contagem do prazo para a interposição do recurso judicial da decisão de aplicação da coima, não ter observado o disposto no art. 60.º, n.º 1, do RGCO, ou seja, não ter suspendido a contagem nos sábados, domingos e feriados.
Por outro lado, esse acórdão, por si só, não pode entender-se como uma alteração no sentido da jurisprudência que houvesse de ser considerada para os efeitos do disposto no n.º 3 do art. 8.º do CC ( Diz o art. 8.º, n.º 3, do CC: «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».).
Aliás, ainda que eventualmente se viesse a concluir não ser a interpretação que sustentamos a melhor, em face da uniformidade da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e da susceptibilidade dela gerar a confiança dos interessados na manutenção daquela posição, sempre seria de manter tal jurisprudência, por evidentes razões de sensatez e razoabilidade e porque não está em causa a necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes.
O Ministério Público, na resposta ao recurso, pretende ainda retirar argumento a favor da sua tese do facto de o Tribunal Constitucional, no seu acórdão com o n.º 473/2001, de 24 de Outubro de 2001 ( Proferido no processo com o n.º 371/2001 e publicado no Diário da República, II Série, n.º 276, de 28 de Novembro de 2001 (http://dre.pt/pdf2sdip/2001/11/276000000/1978819788.pdf), pág. 19.788.), ter decidido «[n]ão considerar inconstitucional, designadamente por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, o disposto nos artigos 59.º, n.º 3, e 60.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o 1.º dia útil após o termos destas».
Mas, contrariamente ao alegado pelo Ministério Público, esta jurisprudência constitucional em nada contende com a citada posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, pois, como é óbvio, não incorpora qualquer juízo sobre qual das teses em confronto faz a melhor interpretação da lei.
Por tudo o que ficou dito, concluímos que o prazo aqui em causa, porque terminava em período de férias judiciais, se transferiu para 1 de Setembro de 2010, primeiro dia útil seguinte ao termo destas. Em consequência, também é forçoso concluir pela tempestividade do recurso interposto da decisão administrativa de aplicação da coima aqui em causa.
O recurso merece, pois, provimento, não podendo manter-se o despacho recorrido, que decidiu em sentido diverso.
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2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I -A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
II -Porque esse prazo não respeita a acto a praticar num processo judicial, antes constituindo um prazo de caducidade de natureza substantiva, não lhe é aplicável o regime dos prazos processuais.
III -No entanto, terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC.
IV -O facto de o requerimento de interposição de recurso judicial da decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária dever ser apresentado no serviço de finanças, não obsta a que se considere acto a praticar em juízo, pois, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que não seja de rejeição do recurso judicial da decisão de aplicação da coima pelo mesmo motivo.
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Sem custas.
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Lisboa, 21 de Setembro de 2011. – Francisco Rothes (relator) – Valente TorrãoAntónio Calhau.