Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0822/12
Data do Acordão:10/17/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
LIQUIDAÇÃO
VALOR PATRIMONIAL
VALOR TRIBUTÁRIO
FUNDAMENTAÇÃO
CONTEÚDO DA NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - Os actos tributários estão sujeitos a fundamentação (art. 268º, nº 3, da CRP, art. 77º da LGT e art. 125º do CPA).
II - A fundamentação do acto de fixação do VPT, quer resulte de avaliação quer resulte de actualização, deve ser comunicada ao sujeito passivo do IMI a liquidar com base nessa matéria tributável.
III - Se o não tiver sido, e também a liquidação de IMI não der a conhecer a forma como foi determinado o VPT, aquela liquidação não pode ter-se por suficientemente fundamentada, tanto mais que o nº 2 do art. 77º da LGT impõe que a fundamentação dos actos tributários seja integrada, entre o mais, pelas operações de apuramento da matéria tributável.
Nº Convencional:JSTA00067848
Nº do Documento:SA2201210170822
Data de Entrada:07/16/2012
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IMI.
Legislação Nacional:CIMI03 ART1 ART113 N1 ART119 N1 ART120 N1 ART14.
CPPTRIB99 ART134 ART36 N1.
LGT98 ART77 N6 ART74 N1.
DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART16 ART17 ART18.
CPA91 ART125.
CONST76 ART268 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC036/12 DE 2012/04/19; AC STA PROC0659/12 DE 2012/09/19
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A……, S. A., identificada nos autos, deduziu impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, do acto de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), relativo ao ano de 2005, na parte referente aos prédios inscritos na matriz urbana da Freguesia de Paranhos (Porto) sob os artigos 10389 (fracções A, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AP, AQ, AR, AU, AX, AZ, B, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BI, BJ, BL, C, D, E, F, G, I, J, L, M, N, O, Q e U) e 11967, alegando, em síntese, que o acto padece de falta de fundamentação e de erro sobre os pressupostos de facto e de direito no lançamento e liquidação do imposto.

1.1. Naquele Tribunal decidiu-se julgar improcedente a impugnação judicial, por não provada e absolver-se a Fazenda Pública do pedido.

2. Não se conformando, a A……., S. A., veio interpor recurso para este STA, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:
“1.ª Vai o presente recurso interposto da douta sentença de fls. 63/77 que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação do IMI, reportado ao ano de 2005 e aos prédios inscritos na matriz urbana da freguesia de Paranhos (Porto) sob os artigos 10389 e 11967.
2.ª A Recorrente restringe o âmbito do presente recurso à (por si) invocada falta de fundamentação legalmente exigida para o acto tributário impugnado, que a douta sentença recorrida julgou não existir (cfr. fls. 73),
3.ª — considerando que o «documento de cobrança» de fls. 13 contém os «elementos (...) suficientes para permitir que a impugnante compreenda as razões subjacentes à liquidação ora impugnada» (fls. 72).
4.ª — No que interessa à decisão do presente recurso, foram dados por provados os factos constantes das alíneas A), B), C) e D), a fls. 64/65.
5.ª — A questão a decidir pode resumir-se assim: está devidamente fundamentado o acto tributário notificado nos termos que se observam no documento de fls. 13?
6.ª — Aquele acto tributário reporta-se ao IMI de 2005 e foi feita idêntica notificação à ora Recorrente relativamente ao IMI de 2003 e de 2004 [cfr. fls. 65, alíneas B) e C),
7.ª – o que significa que as notificações da fundamentação do lançamento e liquidação do IMI de 2003 (primeiro ano de aplicação do imposto) e de 2004 foram feitas nos mesmos termos em que o foi a notificação do IMI de 2005,
8.ª – ou seja, através de documento igual ao de fls. 13, com idênticos dizeres (nem mais, nem menos), eventualmente com diferenças nos valores patrimoniais tributários, nas taxas aplicadas e nas colectas apuradas, o que é, para o caso, irrelevante.
9.ª — O documento de fls. 13 refere a localização dos prédios, os respectivos artigos matriciais, os valores patrimoniais tributários, a data da liquidação, a taxa aplicada e a colecta correspondente. Mais nada. Nenhuma explicação. Nenhuma declaração fundamentadora.
10.ª — Decidiu a douta sentença recorrida que o documento de fls. 13 cumpria — em termos «que são suficientes para permitir que a impugnante compreenda as razões subjacentes à liquidação ora impugnada» (fls. 72) — os requisitos de fundamentação do acto administrativo/tributário exigidos pela Constituição de 1976 (art. 268.º/3), pela Lei Geral Tributária (art. 77.°) e pelo Código de Procedimento Administrativo (art. 125.º).
11.ª — Citou os Acs. deste Supremo Tribunal, de 05-05-2010 e de 20-02-2008, dados nos processos, n.ºs 0181/09 e 0765/07, respectivamente. O primeiro só se encontra publicado, em www.dgsi.pt, com a data de 23-04-2009, e em nenhum deles é tratada qualquer matéria de imposto municipal sobre imóveis (IMI).
12.ª — O imposto municipal sobre imóveis (IMI) é um imposto novo, muito diferente do tributo que veio substituir (a contribuição autárquica) especialmente em matéria de lançamento/avaliação do valor patrimonial tributário dos imóveis.
13.ª — É de todo incompreensível e inaceitável que a AT se tenha limitado, desde o primeiro ano, a liquidar e cobrar este novo imposto através, simplesmente, da emissão de notificações que desde sempre (imposto de 2003 e de anos seguintes) deixaram o contribuinte no desconhecimento de quais os cálculos que a levaram a apurar o valor patrimonial tributário que lhe foi sendo notificado (cfr. dizeres do documento de fls. 13).
14.ª — Traduz este comportamento — invariavelmente adoptado desde o começo da aplicação do IMI — o mais completo desprezo pelos direitos do contribuinte, designadamente pelo direito à fundamentação expressa e acessível dos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, numa actuação que é exactamente a oposta da que vem apontada no n.° 2 do art. 266.º da CRP, a que a AT está subordinada.
15.ª — Os dizeres do documento de fls. 13 (e de idêntico documento emitido pela AT para o IMI dos anos precedentes — 2003 e 2004), jamais podem ser entendidos como indicadores das razões que estiveram na base da actuação seguida, no caso, pela AT, e dos pressupostos de facto e de direito que conduziram ao acto praticado.
16.ª — O que só pode significar que não foi observado, no caso, o direito à fundamentação do acto.
17.ª - Situação que a douta sentença recorrida não corrigiu, antes confirmou.
18.ª – Em sentido contrário pronunciou-se, recentemente, este Supremo Tribunal no Ac. de 19-04-2012, dado no proc. nº. 36/12, e o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em várias decisões, algumas delas já transitadas em julgado, como pode ver-se nos processos de impugnação judicial n.ºs 1715/05, 1716/05, 1718/05, 1719/05, 1068/07, 1070/07, 1071/07 e 1133/09, entre outros.
19.ª – É , deste modo, manifesto o erro em que incorre a douta sentença sob recurso ao «concluir pela inexistência do invocado vício de forma por falta de fundamentação» (fls. 73).
20.ª – Julgando como julgou, a douta sentença de fls. 63/77 fez errada interpretação e aplicação das normas que, no desenvolvimento destas alegações, foram, no lugar próprio, identificadas nomeadamente das normas dos arts. 268.º/3 da CRP 77.º/1 e 2 da LGT e 125/1.° do CPA. Nestes termos e nos mais, de Direito, aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, para que se possa cumprir a LEI e fazer JUSTIÇA”.

3. Não houve contra-alegações.

4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos provaram-se os seguintes factos:
“A) A impugnante foi notificada do documento de cobrança n.° 2005 008464703, da liquidação de IMI, do ano de 2005, emitida em 24/02/2006, referente, entre outros, aos prédios inscritos na matriz urbana da freguesia de Paranhos (Porto), sob os artigos 10389 (fracções A, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AP, AQ, AR, AU, AX, AZ, B, BB, BC, BD, BE, BF, BG, BI, BJ, BL, C, D, E, F, G, 1, J, L, M, N, O, Q e U) e 11967, da qual consta, para além do mais, a “descrição dos prédios — Município/Freguesia/Artigo”, o “Valor Patrimonial Tributário”, a “Taxa” e a “Colecta” – cfr. doc. de fls. 16 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
B) Em 22/03/2005, a impugnante deduziu impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IMI do ano de 2003 - cfr. doc. de fls. 17/18 do processo administrativo apenso.
C) Em 27/07/2005, a impugnante deduziu impugnação judicial da liquidação de IMI do ano de 2004 - cfr. doc. de fls. 19 do processo administrativo apenso.
D) A presente impugnação judicial foi apresentada neste Tribunal em 27/07/2006. - cfr. doc. de fls. 2/12 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
E) Da Informação datada de 24/11/2008, emitida pelo Serviço de Finanças do Porto - 3, consta, para além do mais, o seguinte:
“(…)
4. O valor patrimonial tributário dos prédios referidos na petição foi encontrado por aplicação do n.° 5 do artigo 16° do DEC-LEI n.° 287/2003, para os prédios urbanos arrendados que o deixaram de estar em 31-12-1988, tendo sido aplicado ao valor patrimonial resultante da renda, o coeficiente correspondente ao ano a que respeita a última actualização.
5. O valor considerado para efeitos de aplicação da portaria n.° 1337/2003, teve por base os elementos fornecidos pelo sujeito passivo.
6. Assim, na aplicação informática do IMI não constava a indicação de que os prédios se encontravam arrendados, nem o sujeito passivo apresentou a participação a que se refere o artigo 18.° do Dec-Lei n.° 287/2003, de 12 de Novembro, pelo que nos termos do n.° 4 do supra citado artigo, foi tributado pelo regime geral mencionado no artigo 16.° daquele diploma legal.
7. A alteração do valor patrimonial foi consignada através da portaria n°1337/2003, não tendo por isso obrigatoriedade de notificação e fundamentação. (...)” - cfr. doc. de fls. 25/26 do processo administrativo apenso.
FACTOS NÃO PROVADOS
Para além dos supra descritos, não se provaram outros factos, mormente que os prédios sobre os quais incidiu a liquidação de IMI ora impugnada se encontravam arrendados em 31 de Dezembro de 1988 (artigo 19.° da petição inicial)”.


2.2. Das questões a apreciar e decidir
Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente contra o acto de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativo a 2005, referente a dois prédios inscritos na matriz urbana da freguesia de Paranhos sob os artigos 10389 e 11967.
Para tanto, ponde ler-se na sentença recorrida, entre o mais:
1.Quanto ao vício de violação de lei, por indeterminação da taxa, suscitado pelo Ministério Público,
· Concluiu-se pela sua improcedência, por entender não se verificar no caso a legada indeterminação;
2. Quanto ao vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, porquanto o imposto foi lançado e liquidado com base no Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, quando na verdade deveria tê-lo sido com base no art. 16º, nº 4, do mesmo diploma, por os prédios se encontrarem arrendados em 31 de Dezembro de 1988,
· Conclui-se pela sua improcedência, por a prova carreada para o processo ser manifestamente insuficiente para demonstrar tal facto;
3. Quanto ao vício de falta de fundamentação,
Pode ler-se entre o mais, que:
· “Em consonância com o disposto no artigo 268°, n.° 3 da CRP, que impõe a fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o artigo 77.°, n.° 1 da LGT preceitua:
· “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de fiscalização tributária.
· “(…) a fundamentação só será suficiente na medida em que permita a um destinatário normal reconstituir o itinerário cognoscitivo - valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, ou seja, quando aquele possa conhecer as razões de facto e de direito que o autor do acto tomou em consideração para decidir daquela forma e não doutra, de modo a poder lançar mão dos correspondentes meios administrativos ou contenciosos de impugnação (vide, entre muitos outros, o Acórdão do STA de 05/05/2010, proferido no processo n.° 0181/09).
· “A fundamentação do acto é suficiente se, as razões nele expressas são aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal reconstitua o iter cognoscitivo - valorativo da decisão; é clara quando tais razões permitem compreender qual foi o referido iter cognoscitivo - valorativo do acto; e por fim, é congruente quando a decisão surge como a conclusão lógica e necessária de tais razões.
· Ora, analisando o documento de cobrança, constatamos que nele é feita menção expressa da localização do prédio, do artigo matricial, do valor patrimonial, do ano a que respeita, da taxa aplicável, da inexistência de isenção e da colecta correspondente a cada um dos prédios.
· Afigura-se-nos, pois, que tais elementos são suficientes para permitir que a impugnante compreenda as razões subjacentes à liquidação ora impugnada.
Vide, nesse sentido o acórdão do STA de 20/02/2008, proferido no processo n.° 0765/07.
Contra este entendimento se insurge a recorrente, circunscrevendo o âmbito do recurso ao alegado vício de falta de fundamentação, por entender que o acto impugnado não permitia compreender o critério utilizado pela Administração Tributária para a actualização do valor patrimonial dos prédios objecto de IMI, tal como, aliás, decidido por Este Supremo Tribunal no Acórdão de 19/4/2012, proc. nº 36/12.
Em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do presente recurso [cfr. os arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, e o art. 2º, alínea e), do CPPT], a questão central a decidir prende-se com o problema de saber se a Mmª Juíza “a quo” incorreu em erro ao julgar improcedente a impugnação judicial por não verificado o alegado vício de falta de fundamentação do acto de liquidação do IMI relativo aos prédios inscritos na matriz da freguesia de Paranhos, sob os artigos 10389 e 11967 e do ano de 2005.

2.2. Da falta de fundamentação da liquidação impugnada

A questão suscitada nos autos resume-se a saber se os elementos constantes do documento de cobrança remetido à ora recorrente, por que foi notificada da liquidação, são ou não suficientes para dar cumprimento às exigências legais de fundamentação, designadamente se a declaração fundamentadora deve ou não integrar os motivos por que o VPT foi fixado no montante referido.
Segundo a impugnante o acto de liquidação “não se encontra minimamente fundamentado, sem qualquer explicação relativa às operações efectuadas para o pagamento da matéria tributável, tanto mais indispensável quanto se tratava de um imposto novo, estrutural e profundamente diferente do que veio substituir que, até à presente data, jamais foi explicado ao sujeito passivo.”
A Fazenda Pública, por sua vez, sustentou na primeira instância que o acto impugnado se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que do documento de cobrança consta a localização do prédio, o artigo matricial, o valor patrimonial, a taxa aplicada e a colecta que lhe corresponde, argumentação que foi aceite pela sentença recorrida.
Vejamos.
Assim recortada a questão verifica-se que a mesma já foi tratada por este Supremo Tribunal Administrativo, em especial, no Acórdão de 19/4/2012, proc nº 36/12, e, mais recentemente, no Acórdão de 19 de Setembro de 2012, proc nº 659/12.
Como se trata de questão em tudo idêntica porque assente nos mesmos pressupostos de facto e de direito e uma vez que concordamos com o decidido no referido Acórdão, tendo, aliás, aí intervindo como adjunta, limitar-nos-emos a remeter para o texto do mesmo, com as devidas adaptações, como se segue.
“Como é sabido o IMI, nos termos do art. 1.º do respectivo Código (CIMI), «incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português».
De acordo com o disposto no art. 113.º, n.º 1, do mesmo Código, «[o] imposto é liquidado anualmente, […] com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita».
O pagamento do imposto é a efectuar «em duas prestações, nos meses de Abril e Setembro, desde que o seu montante seja superior a (euro) 250» (cfr. art. 120.º, n.º 1, do CIMI), sendo que, para efeito da respectiva cobrança, dispõe o art. 119.º do CIMI que «[o]s serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança» (n.º 1), sendo que, se tal documento não for recebido, o contribuinte «deve solicitar em qualquer serviço de finanças uma 2.ª via» (n.º 3).
O mesmo art. 119.º determina, no seu n.º 1, que a nota de cobrança deve conter a «discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios».
Das normas referidas resulta que tem razão a Recorrente quando afirma que a lei não exigiu que a fundamentação da fixação do VPT constasse da nota de cobrança a enviar a enviar ao contribuinte. E bem se compreende que não tenha feito essa exigência.
Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável – a avaliação do prédio (art. 14.º do CIMI) – que termina com o acto de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto. Este acto, como é sabido, é um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa excepção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (cfr. art. 134.º do CPPT) e que se encontra «em sintonia com o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os actos da avaliação directa são directamente impugnáveis» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume II, anotação 5 ao art. 134.º, pág. 433.).
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[t]ratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vício deste acto para efeitos de impugnação contenciosa » (Ibidem.).
O que significa, para além do mais, que o sujeito passivo do IMI deverá ser notificado da avaliação e do resultado da mesma – a fixação do VPT – antes de ser efectuada e notificada a liquidação do imposto.
É certo que, transitoriamente, o VPT pode resultar, não de avaliação, mas de actualização, de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Dezembro, por que se operou a reforma da tributação do património imobiliário, nomeadamente mediante a aprovação do CIMI. Neste diploma legal foi previsto um regime transitório de actualização dos valores patrimoniais tributários até que esteja concluída a avaliação geral dos prédios urbanos, para a qual foi fixado um prazo de dez anos (Actualmente, tendo por base a emergência de medidas que se conformem com o “Memorando de Entendimento com a Troika” e a necessidade de controlar o défice e descontrolo das contas públicas, o Governo determinou, através da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, a aprovação de alterações ao referido Decreto-Lei, tendo em vista a regulamentação do regime da Avaliação Geral de Prédios Urbanos e avançando, assim, com a avaliação de todos os prédios, ainda não avaliados, no âmbito do CIMI.).
Mas, ainda nesse caso, o sujeito passivo do IMI deverá ser notificado do resultado da actualização – em que influem diversos factores, designadamente o facto de estarem ou não arrendados –, o qual, nos termos do art. 20.º pode dar lugar a reclamação (n.ºs 1 a 3), a requerimento para a determinação do VPT através das regras do CIMI (n.º 4) ou mesmo a impugnação judicial (n.º 5).
Em suma, seja qual for o modo por que foi obtido o VPT – por avaliação ou por actualização ao abrigo do regime transitório –, sempre o mesmo deverá ser notificado ao sujeito passivo do IMI antes da liquidação do imposto. Aliás, a LGT faz depender a eficácia da decisão do procedimento da sua notificação (cfr. art. 77.º, n.º 6), exigência reafirmada pelo n.º 1 do art. 36.º do CPPT, que dispõe: «Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados».”
Aplicando o exposto ao caso em análise, impõe-se esclarecer, em primeiro lugar, que não está em causa, ao contrário do decidido pela Mmª Juíza “a quo”, averiguar se o documento de cobrança cumpre as exigências legais.
Tal como ficou consignado no Acórdão atrás mencionado, o problema reside em averiguar se ele cumpre as exigências de fundamentação quando funciona como documento de liquidação.
E a verdade é que foi neste sentido que a Impugnante alegou que nunca lhe foram dados a conhecer os motivos de facto e de direito que levaram à fixação dos valores constantes do documento de cobrança, que não permitem compreender ficando sem compreender as razões subjacentes à liquidação impugnada.
Segundo argumenta ainda a recorrente, tais exigências de fundamentação impõem-se com maior premência no caso em apreço, por as reformas da tributação do património imobiliário ter introduzido alterações no modo de determinar o VPT.
Assim sendo, tal como consignado no referido Acórdão, de 19 de Setembro de 2012, “caso o sujeito passivo tivesse já sido notificado dos motivos por que o VPT fora fixado naquela concreta quantia, seria dispensável naquela nota – que, como vimos, apenas tem que respeitar os requisitos do art. 119.º, n.º 1, do CIMI –, como o próprio parece reconhecer no item 12.º da petição inicial. Mas, caso o sujeito passivo nunca tenha sido notificado das razões por que o VPT – a matéria tributável sobre a qual incide o IMI – foi fixado, então impõe-se que o seja naquele momento, como resulta do n.º 2 do art. 77.º da LGT, que estabelece que «A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Se o sujeito passivo não tiver já sido notificado do modo como foi apurada a matéria tributável – como foi achado o VPT – então deverá sê-lo quando for notificado da liquidação, sob pena de, no desconhecimento dos motivos por que se chegou ao VPT, não ficar em condições de conhecer os motivos subjacentes à liquidação e, consequentemente, não poder optar conscienciosamente entre a aceitação do acto ou a reacção, graciosa ou contenciosa, contra o mesmo.
Foi isso que se decidiu no Acórdão desta Secção proferido em 19 de Abril p.p. no processo com o n.º 36/12 (Acórdão ainda não publicado no jornal oficial mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e3a0aa2f6cd8752802579f40032c15f?OpenDocument.), em cujo sumário pode ler-se: «A liquidação de IMI que não dá conta alguma da forma como foi determinado o valor patrimonial tributário não pode ter-se por suficientemente fundamentada, a menos que se demonstrasse que a AT anteriormente tinha procedido à pertinente comunicação dos motivos por que esse valor foi fixado no montante considerado naquele acto». Na verdade, nesse processo, como no ora sob exame, tendo o Recorrente alegado que nunca antes de ter sido notificado da liquidação do IMI lhe foram comunicadas as razões da fixação da matéria tributável (o VPT) e não se tendo feito prova desse facto (que nem sequer foi impugnado) – sendo que o non liquet desfavorece a AT, pois sobre ela recai o ónus da respectiva prova (cfr. art. 74.º, n.º 1, da LGT) –, considerou-se verificada a insuficiência da fundamentação da liquidação”.
É esta, por conseguinte, a tese que se continua a defender. Torna-se necessário que a AT notifique de alguma forma o contribuinte das razões de facto e de direito (fundamentação) que presidiram à fixação do VPT, o que não aconteceu no caso em apreço.
Com efeito, não preenche as exigências de fundamentação, ainda que tratando-se de actos de massa, as afirmações conclusivas constantes do documento de cobrança de fls. 16 dos autos.
Importa desde logo realçar, por exemplo, que o resultado pode ser diferente consoante os prédios se encontrem ou não arrendados.
Do regime do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro (arts. 15º, nº 4, 17º, nº1, e 18º ) resulta que o legislador estabeleceu dois regimes diferenciados de actualização dos valores patrimoniais: um para os prédios não arrendados e outro para os prédios arrendados.
Assim, a actualização dos valores patrimoniais dos prédios não arrendados é efectuada com base nos coeficientes de correcção monetária correspondentes à desvalorização do valor nominal dos prédios causada, os quais foram aprovados e publicados na Portaria n.° 1337/2003, de 5 de Dezembro.
No entanto, se tais prédios estiveram arrendados após 1970 e deixaram de o estar antes de 31 de Dezembro de 1988, o valor patrimonial actualizado apura-se mediante a multiplicação do coeficiente de actualização correspondente ao último ano em que o prédio esteve arrendado, pelo valor patrimonial resultante dessa última renda (n.° 5 do artigo 16°).
Relativamente aos prédios que já não se encontravam arrendados em 2003, mas que ainda o estavam em 31/12/1988, o seu valor patrimonial foi sendo actualizado até à data de entrada em vigor do Código da Contribuição Autárquica, em 1989, pelo que o coeficiente de actualização a aplicar é o de 1988, multiplicando-se pelo valor patrimonial que resultou da renda declarada com referência a esse ano (n.° 4 do artigo 16.°).
Por último, para os prédios urbanos que se encontravam arrendados à data da entrada em vigor do CIMI, estabeleceu-se um regime transitório especial, com a indexação do valor de incidência do imposto a um factor de capitalização da renda que impedisse que o valor do imposto a pagar fosse superior ao da renda recebida.
A lei condicionou a aplicação deste regime transitório especial à verificação cumulativa dos pressupostos enunciados no citado artigo 17.° do Decreto-Lei 287/2003, pelo que a não verificação de um dos requisitos aí previstos, determina a actualização do valor patrimonial em conformidade com o regime geral instituído no artigo 16.° do Decreto-Lei n.° 287/2003.
Em suma, a verdade é que sem a fundamentação externada não é possível saber se o valor patrimonial tributário indicado decorre da aplicação dos coeficientes constantes da Portaria n.º 1337/2003, de 05/12, porque se considerou tratar-se de um prédio urbano não arrendado (art. 16.º, n.ºs 1 a 4) ou apenas arrendado até Dezembro de 1988 (art. 16.º, n.º 5), ou se foi determinado de acordo com os arts. 37.º a 46.º do CIMI, ou se a tributação resulta da aplicação do regime transitório previsto no art. 16.º, n.º 5, por não apresentação, por parte do contribuinte, da participação prevista no art. 18.º do DL 287/2003, e da aplicação dos coeficientes a que alude a Portaria n.º 1337/2003, de 05/12, aos últimos valores de rendas declarados.
É verdade que lei impõe aos contribuintes uma obrigação de participação de que conste a última renda recebida e a identificação fiscal do contribuinte (art. 18º, nº 1), sob pena de se cair na aplicação do regime geral (nº4 do art. 18º). No entanto, a verificar-se que na realidade os prédios se encontram arrendados, a liquidação não deixa de ser ilegal por erro nos pressupostos de facto.
Ora, por aqui se vê da necessidade de a AT fazer preceder a notificação da cobrança do imposto de outra notificação de onde constem explicitadas as razões que determinaram o apuramento de um determinado VPT, para que o contribuinte fique a saber como é que tal valor foi alcançado e disponha de elementos para o impugnar se assim o entender. No entanto, tal exigência deve igualmente ser encarada pela AT como profiláctica no sentido de poder contribuir para a transparência das relações com os contribuintes e diminuir ou reduzir o recurso à via judicial.
Por tudo o quanto vai exposto, temos como certo que a recorrente tem razão quando alega que o acto impugnado não permite compreender qual critério utilizado pela AT para apurar o VPT de € 58 218, 77 e não outro qualquer, sendo que o documento de cobrança, de fls. 16 dos Autos, seguramente não permite saber desde logo com base em que disposições legais foi apurado. Impõe-se, desta forma, concluir que o acto tributário sindicado está insuficientemente fundamentado, o que consubstancia vício de forma que determina a sua anulação.
A sentença recorrida que decidiu em sentido contrário deve ser revogada, dando-se provimento ao recurso.

III- DECISÃO

Face ao exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, revogar a sentença recorrida, dando provimento ao presente recurso, devendo, nesta sequência, anularem-se as liquidações de IMI em causa.

Sem custas.
Lisboa, 17 de Outubro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.