Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01394/12
Data do Acordão:03/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:NOTIFICAÇÃO
DIREITO DE AUDIÊNCIA
INSPECÇÃO
CARTA REGISTADA
DEVOLUÇÃO DE CARTA REGISTADA
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - A notificação para o exercício do direito de audiência relativamente ao projecto de conclusões do relatório, imposta pelo art. 60.º, n.º 1, do RCPIT, pode ser efectuada por carta registada, ainda que não se demonstre a impossibilidade da notificação por contacto pessoal, pois o n.º 2 do art. 38.º do RCPIT estabelece, não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos actos, mas uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços, sendo que a notificação pessoal é aí prevista por exclusivas razões de ordem prática (o funcionário encarregado da inspecção estará nas instalações do sujeito passivo) e não em ordem a prosseguir uma forma mais solene de comunicação.
II - Em face do disposto no art. 43.º, n.º 1, do RCPIT, não há que convocar o disposto no art. 39.º, n.º 5, do CPPT (a norma prevista naquele preceito encontra-se numa relação de especialidade relativamente à prevista neste) em ordem a indagar dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples.
III - O Supremo Tribunal Administrativo, ainda que revogue a decisão em consequência da qual foi considerada prejudicada alguma questão, não pode conhecer desta ao abrigo do n.º 2 do art. 715.º do CPC se o tribunal a quo não fixou a factualidade pertinente para o conhecimento da mesma.
Nº Convencional:JSTA00068170
Nº do Documento:SA22013031301394
Data de Entrada:12/06/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL - IRS
Legislação Nacional:RCPIT98 ART38 ART39 ART43 N1 ART60 N1 ART49 N2 ART62 N2 ART13 B
CPPTRIB99 ART39 N5 ART38
CCIV66 ART9 N2
LGT98 ART60 N1 E N4
CPC96 ART715 N2 ART749 ART762 N1 ART726 ART729 ART730
ETAF02 ART26 N1 B
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC017/12 DE 2012/01/31
Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO - INTRODUÇÃO AO ESTUDO E AO DISCURSO LEGITIMADOR 1983 PAG182 E PAG189.
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG373
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 425/07.0BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorre da sentença proferida pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida por A……… (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrido) com fundamento em falta de notificação para o exercício de audiência prévia relativamente ao projecto de conclusões do relatório de inspecção, anulou as liquidações adicionais de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que tiveram origem e foram fundamentadas no mesmo relatório, por considerar que aquela omissão constitui vício que se repercute na legalidade daqueles actos tributários.

1.2 A Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. É através de carta registada, enviada para o domicílio fiscal do contribuinte, que este deve ser notificado para o exercício do direito de audição prévia no procedimento de inspecção tributária – que se inclui no procedimento tributário –, conforme determinado no art. 60.º, n.ºs 1 e 4 da LGT e no art. 60.º, n.º 1 do RCPIT.
B. Mesmo na ausência daqueles normativos específicos, a notificação para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de relatório de inspecção tributária, por respeitar a acto interlocutório ou preparatório, sempre teria de se fazer nos termos prescritos pelo n.º 3 do art. 38.º do CPTT – através de carta registada.
C. As regras gerais sobre notificações, contidas no CPPT, cedem perante as regras particulares sobre a mesma matéria atinentes ao procedimento de inspecção tributária e que estão contidas no RCPIT.
D. Tal é o caso do art. 43.º, n.º 1 do RCPIT, onde se prevê uma presunção distinta da que está contida no art. 39.º, n.º 1 do CPPT, e pela qual se consideram notificados os sujeitos passivos contactados para o seu domicílio fiscal por carta registada, em caso da sua devolução.
E. Não tendo o inspeccionado ilidido de forma objectiva e comprovada aquela presunção, deve considerar-se ter sido devidamente notificado para exercer o direito de audição prévia, inexistindo preterição de formalidade essencial no procedimento inspectivo.
F. Resulta pois merecer censura a errónea interpretação e aplicação do Direito promovida na sentença recorrida, devendo ser decretada a sua revogação.

Nestes termos e nos demais que o mui douto Colectivo entender por bem convocar, propugna a Representação da Fazenda Pública dever ser julgado procedente este recurso jurisdicional, revogando-se a sentença do Tribunal a quo, com o que se fará Justiça!».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença.
Para tanto, começou por delimitar as questões a decidir como sendo as de saber (i) «se é através de carta registada enviada para o domicílio do contribuinte, pessoa singular, que deve ser efectuada a notificação para efeitos do exercício do direito de audição prévia quanto ao projecto de relatório de inspecção tributária, conforme previsto no art. 38.º n.º 3 do C.P.P.T., a que há que dar prevalência em detrimento do previsto no art. 43.º, n.º 2 do R.C.P.I.T.» e (ii) «se é de considerar válida a presunção de notificação daquela norma constante, no caso da dita carta vir devolvida, e não tendo o inspeccionado ilidido de forma objectiva e comprovada a mesma». Depois, deixou expressa a sua posição nos seguintes termos:

«2. Quanto à primeira questão, a notificação por carta registada a enviar para o domicílio do contribuinte parece ser a forma que resulta aplicável quanto à conclusão do relatório de inspecção, de acordo com o previsto no art. 60.º n.ºs 1 al. e) e 4 da L.G.T., pois para tal se destinava o relatório que consta ter sido remetido.
Nada em particular parece ser de reconhecer em face de se tratar de notificação a efectuar a pessoa singular, segundo o que resulta ainda previsto no art. 60.º da L.G.T. quanto aos contribuintes, sejam eles pessoas singulares ou colectivas, segundo o previsto ainda no 18.º n.º 3 da L.G.T. a que naquela disposição decerto se quer referir – neste sentido LGT An. e Com. de Diogo Leite de Campos e outros, 2012, Encontro da Escrita, p. 503.
Com efeito, quando no art. 38.º n.ºs 1 e 2 do R.C.P.I.T. se refere que aquele poderá ser ainda efectuada pessoalmente, e que quanto às pessoas singulares só será de efectuar por carta registada não sendo possível utilizar aquela forma, parece não resultar que a mesma tivesse de ser efectuada sempre dessa forma mais solene.
3. Não se estipula nas referidas normas da L.G.T. em que termos funciona a presunção de notificação.
Há, pois, que recorrer ao previsto nos arts. 39.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P.T., e 43.º n.ºs 1 a 3 do R.C.P.I.T. em que se regulam os termos em que pode funcionar a presunção de notificação por carta registada, com o que parece resultar ainda assegurado o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhe disserem respeito, segundo o que resulta previsto no n.º 5 do art. 267.º da C.R.P.
É certo que, segundo previsto nessas normas há que reconhecer uma aparente disparidade:
Nas ditas disposições do art. 39.º, está contemplado que quanto à notificação por carta registada que ocorra ao 3.º dia posterior ao do registo, ou no 1.º dia útil seguinte, sendo aquele não útil, e que a mesma só pode ser ilidida mediante requerimento do interessado quanto à data da efectiva notificação.
E no disposto no art. 43.º do R.C.P.I.T. para que tal presunção de notificação ocorra é necessário que a devolução de carta registada remetida para o domicílio do contribuinte tenha lugar mediante a “indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta” – n.º 1. Para tal, prevê-se ainda que “a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter, de forma clara, a identificação do remetente” – assim, seu n.º 2; e que ocorra “mediante a exibição da comunicação dos serviços postais em causa” – cfr. ainda o n.º 3.
Ora, ainda que a referida disparidade seja de resolver a favor do que mais restritivamente resulta desta última disposição, podendo haver casos em que a presunção de notificação não possa funcionar, tal não será o caso dos autos.
Com efeito, tendo a devolução ocorrido com a indicação de “não reclamado”, o que “tem ínsito, à face do Regulamento dos Correios, que permitam o seu levantamento (a “reclamação” da carta nos correios), competindo aos destinatários a prova de que tais avisos não foram facultados” – neste mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa em C.P.P.T. An. e Com., 2010, vol. I, p. 387, nota 692, citando o acórdão do STA de 12-5-10, no proc. n.º 130/12 –, é possível presumir ainda a notificação como efectuada.
Certo é que, contrariamente ao que tinha sido alegado pelo impugnante, que invocou que tal aviso não ocorreu, ou ocorreu tardiamente, nada mais resultou a propósito provado.
E, sendo ao mesmo que incumbia ainda tal, pois só de justo impedimento se tratava, o que seria essencial ainda considerar para que se pudesse afastar a dita presunção, conforme ainda se defende a seguir na última citada atrás obra.
4. De notar é ainda estar-se face a situação diferente da que foi apreciada no acórdão que tem sido citado nos autos e que foi proferido a 31-1-12 no recurso n.º 017/12, em que, conforme consta do respectivo teor acessível em www.dgsi.pt, aquela devolução ocorreu mediante a menção de que o contribuinte “não atendeu”.
E crê-se sido tal que levou a que se tivesse enveredado pela solução constante dos pontos I e II do respectivo sumário de acórdão.
Mesmo assim, tal não foi impeditivo a que julgasse ainda como não preterido o direito de participação, pelas razões constantes dos pontos seguintes, o que igualmente poderá ser o caso dos presentes autos em que outras participações foram asseguradas ao impugnante no procedimento, conforme ainda resulta alegado.
A ser de mandar considerar tal, poderá ainda ser caso de aplicar o disposto no art. 60.º n.º 3 da L.G.T.» (Porque usamos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.).

1.5 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a da saber se a Juíza do Tribunal a quo fez errado julgamento quando considerou que foi preterido o direito de audiência prévia sobre o relatório de inspecção que esteve na origem das liquidações adicionais impugnadas, o que passa por indagar se o recorrido foi, ou pode considerar-se como tendo sido, notificado para o exercício daquele direito e, na eventualidade de se verificar a preterição dessa formalidade legal, a mesma pode ou não ter-se como suprida.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Atenta a prova documental produzida nos autos, dão-se como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:
A) Com base nas Ordens Internas n.º OI 200600619, OI 200600620, OI 200600621 e OI 200600946, o impugnante foi alvo de acções inspectivas tributárias externas, de âmbito geral, que incidiram sobre os exercícios de 2002 a 2005 – fls...
B) A coberto do registo n.º C00291, em 14/11/2006, foi remetido ao impugnante o projecto de relatório, abrangendo todos os assinalados exercícios – fls. 814.
C) A carta remetida ao impugnante com vista à sua notificação para audiência prévia foi devolvida ao remetente com a indicação “Não reclamado”, em 07/12/2006 – fls. 802, 850 e 859.
D) Em 30/11/2006, foi elaborado o relatório final, de fls. 58 a 162 do p.a., que se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Foram emitidas em nome do impugnante as liquidações de IRS e juros compensatórios dos anos de 2002 a 2005 – fls. 99 a 105».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou procedente a impugnação judicial instaurada pelo ora Recorrido contra as liquidações adicionais de IRS que lhe foram efectuadas com referência aos anos de 2002 a 2005, com fundamento no primeiro dos vícios invocados pelo Impugnante: a violação do direito de audiência prévia por falta de notificação para o exercício desse direito relativamente ao relatório da inspecção tributária, vício este que considerou repercutir-se na legalidade daquelas liquidações. Consequentemente, considerou prejudicadas as demais questões suscitadas pelo Impugnante.
A Fazenda Pública insurge-se contra esse julgamento, sustentando que, contrariamente ao que entendeu a sentença, deve considerar-se que o Contribuinte foi validamente notificado para o exercício do direito de audiência, uma vez que a forma utilizada para a notificação foi a prevista na lei – ou seja, carta registada remetida para o domicílio fiscal – e que a devolução da carta se deveu exclusivamente ao facto de o Contribuinte não a ter levantado no posto dos correios, apesar de avisado para o efeito.
Ou seja, não existe dissídio quanto à necessidade de notificar o Contribuinte para o exercício do direito de audiência sobre o projecto de conclusões do relatório (O princípio da participação, que mereceu consagração no art. 267.º, n.º 5, da Constituição da República («O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará […] a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito»), está regulado, para as relações jurídico-tributárias, pelo art. 60.º da LGT, em cujo n.º 1, alínea e), se estipula que «[a] participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: […] e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária».), mas tão-só quanto à forma como foi efectuada essa notificação e, concomitantemente, quanto à regularidade da notificação.
Daí que tenhamos enunciado como questão a apreciar e dirimir a de saber se pode considerar-se que o ora Recorrido foi notificado para exercer o direito de audiência relativamente ao projecto de conclusões do relatório de inspecção tributária, o que passa por indagar (i) se essa notificação pode efectuar-se por carta registada, na afirmativa, (ii) em que circunstâncias pode considerar-se efectuada a notificação quando a carta remetida ao contribuinte para esse efeito vem devolvida.
Só respondida essa questão poderemos aferir se a Juíza do Tribunal a quo fez errado julgamento, decisão que tem como pressuposto que o ora Recorrido não foi nem pode considerar-se como tendo sido notificado, uma vez que não foi observada a forma legal prescrita para essa notificação – que considerou ser a «notificação pessoal», a menos que esta se revele impossível, o que a AT não alegou nem demonstrou, como tudo lhe competia –, nem se comprova que tenha chegado ao conhecimento do notificando. Considerou ainda a sentença recorrida que, mesmo que a notificação houvesse de se feita por carta registada, para que o Contribuinte pudesse considerar-se validamente notificado teria a AT que demonstrar ter-lhe enviado nova carta registada.
Poderemos ainda, eventualmente (i.e., caso venhamos a concluir que se verifica a falta de notificação válida da proposta de conclusões do relatório da inspecção tributária), ter que indagar se pode considerar-se sanada a preterição da formalidade legal.


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2.2.2 DA FORMA A QUE DEVE OBEDECER A NOTIFICAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUDIÊNCIA SOBRE O PROJECTO DE CONCLUSÕES DO RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA

Toda a argumentação aduzida na sentença sob escrutínio assenta no pressuposto de que a notificação para o exercício do direito de audiência sobre o projecto de conclusões do relatório da inspecção tributária é a efectuar por carta registada com aviso de recepção, modalidade que considerou reconduzir-se a notificação pessoal. Isto, se bem interpretamos a sentença, porque a Juíza do Tribunal a quo considera que, de acordo com o disposto no art. 38.º do Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), a notificação em sede de procedimento externo de inspecção só pode ser feita por via postal quando não se mostrar possível a notificação pessoal, sendo que a esse propósito nada foi alegado e, muito menos, demonstrado. Por outro lado, na tese da sentença, mal se compreenderia que o RCPIT, enquanto lei regulamentar, concedesse a possibilidade de a notificação se efectuar de forma menos solene que a imposta pelo art. 38.º, n.º 1, do CPPT, norma que considera ser aplicável porque estava em causa a participação do interessado num acto susceptível de alterar a sua situação tributária e porque a aplicação subsidiária do CPPT é «demandada pelo Art. 39.º do RCPIT». Finalmente, considera ainda a sentença que, mesmo a aceitar-se que a notificação pudesse ser por carta registada simples, não poderia considerar-se validamente efectuada, uma vez que, em face da devolução da primeira carta, não foi enviada uma segunda, como o impõe o art. 39.º, n.º 5, do CPPT (A sentença invoca em suporte desta sua tese a doutrina do acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Janeiro de 2012, proferido no processo com o n.º 17/12, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/341b9ab076cf8bd9802579a5004aa189?OpenDocument.).
A Fazenda Pública discorda desse entendimento, sustentando que a lei se basta com a notificação por carta registada, como resulta inequivocamente do disposto no n.º 4 do art. 60.º da LGT e, por isso, que a notificação há-de ter-se como validamente efectuada face ao disposto no n.º 1 do art. 43.º do RCPIT.
A nosso ver, a razão está do lado da Recorrente. Vejamos:
Antes do mais, afigura-se-nos que a notificação para o exercício do direito de audiência sobre o projecto de conclusões do relatório, imposta pelo art. 60.º, n.º 1, do RCPIT ( Diz o art. 60.º, n.º 1, do RCPIT: «Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação».), não tem que ser efectuada por contacto pessoal, contrariamente ao que sustenta a Juíza do Tribunal a quo com base no art.º 38.º, n.º 2, do RCPIT.
É certo que este último preceito, depois de no n.º 1, dizer que «[a]s notificações podem efectuar-se pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada», estipula no n.º 2 que «[n]o procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de notificação pessoal».
No entanto, ao contrário do que, prima facie, pode sugerir a sua leitura, deste artigo não resulta que a notificação para o exercício do direito de audiência relativamente ao projecto de conclusões do relatório só possa efectuar-se por via postal quando se revele impossível a notificação pessoal (Note-se que a lei processual tributária, contrariamente à lei processual civil, não faz equivaler a notificação pessoal a notificação efectuada por carta registada com aviso de recepção, reservando aquela denominação para as notificações por contacto pessoal. Neste sentido, e para maior desenvolvimento, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 3 ao art. 38.º, pág. 373.).
Desde logo, na interpretação do art. 38.º do RCPIT, como de todas as normas legais, o elemento literal, constituindo ponto de partida e limite (Com a função de «eliminar aqueles sentidos que não tenha qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182 e 189).), não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à «unidade do sistema», nos termos do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil (CC).
Na verdade, na tarefa hermenêutica, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico) e que se atente nas demais disposições que regulam as notificações, designadamente em sede do procedimento de inspecção, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretanda (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Idem, págs. 175 a 192.).
A notificação pessoal a que se refere o art. 38.º do RCPIT surge no seu n.º 1 como uma possibilidade – não como uma imposição –, como resulta inequivocamente da expressão «podem» que nela é usada. A norma do n.º 1 do art. 38.º do RCPIT surge, assim, não como preceptiva, mas como permissiva.
Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo, ao dizer que «[n]o procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de notificação pessoal» estabelece uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços, e não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos actos, pelo que o uso da notificação postal, ainda que a notificação pessoal seja possível ou não se faça a demonstração da sua impossibilidade, não resulta irregularidade alguma que possa qualificar-se como preterição de uma formalidade essencial.
Na verdade, o n.º 2 do art. 38.º do RCPIT não tem como propósito impor para o procedimento externo de inspecção uma forma mais solene de notificação que relativamente ao procedimento interno de inspecção, imposição essa que não teria razão de ser.
Por outro lado, dentro do próprio procedimento externo de inspecção há actos relativamente aos quais a lei prevê expressamente a notificação por via postal. São os casos do início do procedimento inspectivo e do relatório da inspecção, cuja comunicação ao contribuinte está expressamente prevista seja efectuada por mera «carta-aviso» e por carta registada simples, como resulta do disposto nos arts. 49.º, n.º 2, e 62.º, n.º 2, do RCPIT, tudo respectivamente.
Ora, relativamente a estes casos – que constituem o início e o termo do procedimento e, por isso, são susceptíveis de lesarem de modo mais intenso direitos e interesses legítimos do contribuinte –, a sua comunicação justificaria a utilização de uma forma pelo menos tão solene como a respeitante aos demais actos praticados em sede do procedimento. Porque nesses casos o legislador se bastou com a notificação por via postal, podemos concluir com segurança que não foram motivos relativos à segurança na comunicação que presidiram à opção pela notificação pessoal no n.º 2 do art. 38.º do RCPIT.
O motivo por que o legislador manifestou a preferência pela notificação pessoal no procedimento de inspecção externa não tem a ver com a maior idoneidade desse meio de efectuar a comunicação do acto, mas é meramente de ordem prática: o procedimento de inspecção diz-se externo, de acordo com o art. 13.º, alínea b), do RCPIT, «quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso»; ora, se o funcionário incumbido do procedimento está nas instalações do sujeito passivo, hipótese mais comum, não faz sentido que envie cartas para notificá-lo, a menos que a lei o imponha expressamente. O procedimento mais económico, mais prático, mais célere e que em nada diminui as garantias quanto à comunicação dos actos é a notificação pessoal.
Sendo, como é, meramente de ordem prática e relativa à boa organização dos serviços a razão por que o legislador optou pela notificação pessoal em sede do procedimento de inspecção externo, concluímos que nada obsta a que a notificação para o exercício do direito de audiência relativamente ao projecto de conclusões do relatório seja efectuada por via postal e que a regularidade da utilização dessa forma de notificação não fica dependente da alegação e demonstração da impossibilidade da notificação pessoal.
Salvo o devido respeito, também não podemos concordar com a Juíza do Tribunal a quo quando considera que, a não ser a notificação pessoal a forma para a comunicação em causa, sempre para o efeito se imporia a notificação por carta registada com aviso de recepção, mediante aplicação do art. 38.º do CPPT, uma vez que «em matéria de notificação para audiência prévia, o RCPIT não poderia dar aos contribuintes menores garantias do que as reconhecidas no CPPT, sob pena de poder ser assacada àquela norma do RCPIT inconstitucionalidade orgânica» e, aliás, que a natureza regulamentadora do RCPIT, impunha que, nos termos do referido art. 38.º do CPPT, se utilizasse na notificação a carta registada com aviso de recepção «quando esteja em causa ato susceptível de alterar a situação tributária do sujeito passivo».
Desde logo, se é certo que as alterações à matéria colectável se deverão considerar actos susceptíveis de alterarem a situação dos contribuintes, motivo por que a sua notificação se deve fazer por carta registada com aviso de recepção, já não se nos afigura possível sustentar que o projecto de conclusões do relatório de fiscalização tenha essa susceptibilidade, tanto mais, que esse projecto não é mais do que isso mesmo: um projecto que pode, ou não, vir a constituir o relatório e só deste último poderá resultar a alteração da matéria colectável que, essa sim, pode alterar a situação tributária do contribuinte.
Assim, da utilização da carta registada para notificar o contribuinte para o exercício do direito de audiência sobre àquele projecto não resulta, relativamente ao disposto no art. 38.º do CPPT, compressão alguma das garantias dos contribuintes. Trata-se de realidades diversas a que o legislador deu tratamento diverso.
Por outro lado, também não podemos acompanhar a sentença recorrida na afirmação de que a forma que o legislador escolheu para notificar o contribuinte para o exercício do direito de audiência sobre aquele projecto foi a carta registada com aviso de recepção.
Essa forma foi a prevista no art. 60.º, n.º 4, da LGT, que dispõe: «O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte».
Temos, pois, como certo que carta registada remetida para o domicílio fiscal do contribuinte, constitui a forma prevista na lei (a par com a notificação pessoal) para a notificação do contribuinte para o exercício do direito de audiência sobre o projecto de conclusões do relatório da inspecção.
A sentença recorrida, que decidiu em sentido diverso, não pode manter-se, motivo por que será revogada, como decidiremos a final.

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2.2.3 DA VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria considerou ainda que, mesmo a admitir-se que a notificação era a efectuar por via postal, nunca poderia considerar-se que a mesma fora validamente efectuada, uma vez que a carta remetida ao Contribuinte para notificação foi devolvida e, ademais, não foi remetida a segunda carta a que alude o n.º 5 do art. 39.º do CPPT e que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo reclama ser exigível nos casos em que é devolvida a carta registada remetida para notificação, haja ou não exigência do aviso de recepção.
Assente que ficou que a notificação podia ser efectuada por carta registada, não faz sentido esgrimir com a devolução da carta em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada, uma vez que essa devolução apenas ocorreu porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para o efeito, não a foi levantar na estação dos correios onde a carta ficou depositada.
Na verdade, o art. 43.º, n.º 1, do RCPIT, diz: «Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta».
Só assim não seria, admitimos, caso não se demonstrasse que foi deixado o aviso ao destinatário, mas da factualidade que foi dada como assente – e só dessa nos podemos servir, uma vez que esta Supremo Tribunal Administrativo funciona como tribunal de revista – resulta que o ora Recorrido foi avisado para esse efeito.
Na verdade, a fórmula estandardizada que foi referida na alínea C) dos factos provados – “Não reclamado” – significa que foi deixado aviso para levantamento da correspondência na estação, e ignorado, no prazo concedido, pelo avisado. O não recebimento da correspondência é, pois, imputável ao destinatário.
Não há sequer, contrariamente ao que parece sustentar a Juíza do Tribunal a quo, que invocar aqui o disposto no n.º 5 do art. 39.º do CPPT, pela simples razão de que, no que respeita à presunção de notificação no caso em que esta é a efectuar por carta registada, o RCPIT dispõe de norma própria, o que parece significar que o legislador quis optar por um regime diferente, porventura menos rigoroso, do que o estabelecido no CPPT para a generalidade dos actos em matéria tributária (lex specialis derrogat legi generali).
Nem se diga que o CPPT, porque é ulterior ao RCPIT, terá derrogado o regime neste previsto. Desde logo, porque art. 7.º do CC dispõe, no seu n.º 3, que «[a] lei geral não derroga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador».
Depois, porque o RCPIT, após a entrada em vigor do CPPT, conheceu alterações e o art. 43.º, n.º 1, do RCPIT, manteve-se inalterado.
Finalmente, porque está garantida ao destinatário a possibilidade de ilidir a presunção, afastando assim qualquer dúvida quanto à conformidade constitucional desta solução.


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2.2.4 CONHECIMENTO DOS DEMAIS VÍCIOS INVOCADOS NA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL

Revogada que foi a sentença que julgou procedente a impugnação judicial com o primeiro dos fundamentos invocados pelo Impugnante, cumpriria agora conhecer dos demais fundamentos invocados e que a sentença deu expressamente como prejudicados em face da solução que deu à questão da falta de notificação para o exercício do direito de audiência. Assim o determina o disposto no art. 715.º, n.º 2, do CPC (Diz o art. 715.º, n.º 2, do CPC: «Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhecerá no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários».), norma que é aplicável ao recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal Administrativo por força do disposto nos artigos 749.º e 762.º, nº 1 e do preceituado no artigo 726.º, todos do CPC.
Acontece, porém, que não se encontra fixada nos autos a matéria de facto pertinente para conhecer dessas questões, o que bem se compreende porque a sentença recorrida as considerou prejudicadas. Ora, como é sabido, este Supremo Tribunal Administrativo, enquanto tribunal ad quem dos recursos interpostos das decisões proferidas pelos tribunais tributários não tem competência em matéria de facto [cfr. art. 26.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Nos termos do art. 26.º, n.º 1, alínea b), do ETAF: «Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer: […] b) Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito; […]».)].
Assim, para conhecer das referidas questões, impõe-se que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser fixada a base factual necessária, tudo como prescrevem os arts. 729.º e 730.º do CPC.

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2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A notificação para o exercício do direito de audiência relativamente ao projecto de conclusões do relatório, imposta pelo art. 60.º, n.º 1, do RCPIT, pode ser efectuada por carta registada, ainda que não se demonstre a impossibilidade da notificação por contacto pessoal, pois o n.º 2 do art. 38.º do RCPIT estabelece, não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos actos, mas uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços, sendo que a notificação pessoal é aí prevista por exclusivas razões de ordem prática (o funcionário encarregado da inspecção estará nas instalações do sujeito passivo) e não em ordem a prosseguir uma forma mais solene de comunicação.
II - Em face do disposto no art. 43.º, n.º 1, do RCPIT, não há que convocar o disposto no art. 39.º, n.º 5, do CPPT (a norma prevista naquele preceito encontra-se numa relação de especialidade relativamente à prevista neste) em ordem a indagar dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples.
III - O Supremo Tribunal Administrativo, ainda que revogue a decisão em consequência da qual foi considerada prejudicada alguma questão, não pode conhecer desta ao abrigo do n.º 2 do art. 715.º do CPC se o tribunal a quo não fixou a factualidade pertinente para o conhecimento da mesma.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí, após o pertinente julgamento da matéria de facto relevante, prosseguirem com o conhecimento das demais causas de pedir invocadas.

Sem custas.


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Lisboa, 13 de Março de 2013. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.