Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0667/15
Data do Acordão:09/23/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO DE SELO
USUCAPIÃO
Sumário:I - Tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi erguida uma construção, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo.
II - Não sendo possível distinguir na liquidação sindicada os valores patrimoniais correspondentes ao terreno e ao imóvel aí construído, impõe-se a anulação total – e não apenas parcial - da liquidação.
Nº Convencional:JSTA00069341
Nº do Documento:SA2201509230667
Data de Entrada:05/26/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
DIR FISC - SELO.
Legislação Nacional:LGT98 ART11 N3 ART100.
CIS03 ART1 N1 N2 A N3 A ART2 N2 ART5 R ART13 N1.
TGIS N1.2.
CCIV66 ART8 N3.
DL 287/03 DE 2003/11/12.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01190/09 DE 2010/03/03.; AC STA PROC053/10 DE 2010/05/12.; AC STA PROC01676/13 DE 2014/05/21.; AC STA PROC01198/14 DE 2014/12/17.; AC STA PROC0716/14 DE 2015/02/12.; AC STA PROC01422/14 DE 2015/05/14.; AC STA PROC0353/15 DE 2015/06/17.; AC TCAN PROC01107/08.1BEBRG DE 2010/11/12.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 4 de Dezembro de 2014, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……………. e B……………., ambos com os sinais dos autos, contra a liquidação de Imposto no Selo n.º 1676618, datada de 06/06/2013 e no montante de €12 533,00, que lhes foi efectuada pela Administração tributária na sequência de escritura de justificação notarial de aquisição por usucapião de terreno no qual edificaram a expensas suas uma casa de habitação.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IS n.º 1676618, de 2013/06/06, no valor de €12.533,00, condenando a Fazenda Pública no pedido deduzido e anulando a liquidação na parte em que incida sobre o valor das benfeitorias realizadas pelos impugnantes, e devendo a Administração restituir os montantes que os impugnantes hajam pago a mais, nele incluídos os juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 100.º da LGT.
B. Para tanto considerou o Tribunal a quo que só o ato de aquisição do prédio originário (e não o ato de aquisição das benfeitorias neste realizadas) é que pode increver-se no âmbito de incidência objectiva do imposto de selo.
C. Ora, ressalvado o devido respeito, a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, traduzido na errada interpretação e aplicação do artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do artigo 5.º, alínea r) e do artigo 13.º, n.º 1, todos do CIS e, ainda, da Verba 1.2. da TGIS.
D. Porquanto para efeitos de incidência do IS é a realidade inscrita na matriz à data da escritura de justificação a relevante para efeitos de tributação, sendo que o valor tributável nas aquisições por usucapião é o valor patrimonial tributário do prédio adquirido no momento do nascimento da obrigação tributária, ou seja, da data de celebração da escritura de justificação notarial.
E. Na situação vertente, como inserto na escritura de justificação notarial, a inscrição na matriz era relativa ao prédio urbano, que compreende o terreno e a edificação, reportando-se o valor patrimonial a tal completa realidade.
F. De facto, tendo a liquidação impugnada origem na escritura pública de justificação notarial e tendo sido fixado nos termos do CIMI o VPT do prédio em causa em €125.330,00, o IS corresponde a 10% desse valor, conforme decorre do artigo 1.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), do artigo 5.º, alínea r), do artigo 9.º e do artigo 13.º, n.º 1, todos do CIS e, ainda, da Verba 1.2. da TGIS.
G. Com efeito, admitir o contrário, ou seja, que o IS deve incidir sobre o alegado valor do terreno onde está edificada a casa de habitação, seria desconsiderar o quadro normativo ínsito no CIS, onde se determina que a quantificação da obrigação tributária é efetuada a partir do valor do prédio tal como ele é descrito na escritura de justificação notarial e à data da sua celebração, em obediência aos artigos 5.º, n.º 1, al. r) e 13.º, n.º 1, ambos do CIS.
H. No caso em apreço, cfr. ponto A) dos factos provados, verifica-se que a escritura de justificação notarial teve por objeto o artigo 185, da freguesia de ………., concelho de Santa Maria da Feira, visando assegurar o registo do direito de propriedade sobre esse prédio urbano, e não sobre um qualquer prédio rústico, pelo que, é ao valor desse prédio urbano que se deve atender para efeitos de liquidação do IS pela transmissão fiscalmente ocorrida, sob pena de se negar ostensivamente a disciplina decorrente do quadro jurídico-normativo em vigor.
I. Outrossim, tenha-se presente que o CN e o CRP, respetivamente, nos artigos 92.º e 117.º-A, estabelecem que a justificação de direitos que devam constar da matriz só é admissível em relação aos direitos nela inscritos, donde deriva necessariamente que a aquisição por usucapião compreende tão-só os direitos reais inscritos na matriz à data da celebração da escritura pública de justificação.
J. Perante o exposto, com o devido respeito, afigura-se-nos que a douta sentença ora recorrida ao decidir de forma diversa violou o artigo 1.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), o artigo 5.º, alínea r), e o artigo 13.º, n.º 1, todos do CIS e, ainda, da Verba 1.2. da TGIS, devendo por isso ser revogada.
K. Não obstante, e sem prescindir, subsidiariamente, caso se considere que na situação em questão apenas o ato de aquisição do prédio originário é que é objeto de incidência em IS, sempre se dirá que, como consta da douta sentença, no Relatório, os impugnantes pediram a anulação da liquidação impugnada, bem como a condenação da administração a reembolsar os impugnantes de todas as quantias que entretanto hajam pago acrescidas de juros contados desde o momento do pagamento até à data do efetivo e integral reembolso, contudo verifica-se que a presente impugnação judicial, efetivamente, foi apenas parcialmente procedente, posto que, a sentença só anulou parcialmente a liquidação, ou seja, na parte em que incida sobre o valor das benfeitorias realizadas pelos impugnantes, razão pela qual a decisão final da sentença, ao invés de considerar a impugnação procedente e condenar a Fazenda Pública no pedido deduzido, não podia deixar de considerar a procedência parcial da impugnação.
L. Desta forma, salvo sempre o devido respeito, face à decidida anulação parcial da liquidação impugnada, decorrente do entendimento sufragado na sentença de que só o ato de aquisição do prédio originário é objeto de incidência de tributação em IS, tendo decidido anular a liquidação na parte em que incida sobre o valor das benfeitorias realizadas pelos impugnantes e, desse modo, tendo mantido a liquidação na parte correspondente ao valor da parcela de terreno onde foi edificada a casa de habitação, então não podia a sentença julgar procedente a impugnação, condenando a Fazenda Pública no pedido deduzido, incorrendo assim em erro de julgamento e devendo por isso ser revogada nesse segmento, julgando-se, em consequência, parcialmente procedente.
TERMOS EM QUE, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA.

2 – Contra-alegaram os recorridos, nos termos de fls. 101 a 104 dos autos, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o parecer de fls. 115/116 dos autos, no qual, louvando-se no acórdão deste STA de 12 de Fevereiro de 2015, proc. n.º 716/14, conclui que o recurso é de improceder, anulando-se totalmente a liquidação, e mantendo-se em todo o mais o decidido, incluindo quanto à impugnação ser totalmente improcedente, bem como quanto aos juros indemnizatórios, entendidos como devidos nos termos do art. 100.º da LGT.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -

4 – Questões a decidir
São as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a impugnação judicial deduzida contra liquidação de Imposto do Selo devido pela aquisição por usucapião de prédio no qual os impugnantes construíram a expensas suas uma habitação, anulando a liquidação sindicada na parte em que incida sobre o valor das benfeitorias realizadas pelos Impugnantes.
5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) No dia 16/08/2012, foi celebrada escritura pública de justificação, na qual os impugnantes declararam o seguinte:
“… donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de um prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, com a área coberta de cento e quarenta e dois metros quadrados e área descoberta de quatrocentos e cinquenta e oito metros quadrados, sito na Rua …………., n.º ….., lugar de …………., freguesia de ……, concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1895 … que o solo deste prédio veio ao poder dos justificantes, por contrato verbal de compra e venda, na qual foi vendedora, C…………….., viúva, residente no lugar de ….., freguesia de …….., deste concelho, em data indeterminada do ano de mil novecentos e setenta e um, contrato que nunca foi formalizado…Que posteriormente aí construíram a casa atrás referida a suas expensas, casa esta que ficou concluída no ano de mil novecentos e oitenta e sete … Que possuem o indicado bem há mais de vinte anos, colhendo dele todos os frutos que empregaram sempre em proveito próprio, tirando dele todas as utilidades e pagando as respectivas contribuições e impostos, posse essa exercida em nome próprio, sem a menor oposição de quem quer que fosse e sem interrupção desde o seu início, ostensivamente com o conhecimento da generalidade das pessoas, sendo, portanto, uma posse pacífica, contínua e pública, pelo que havia sido já adquirido o mencionado bem por usucapião, não tendo, todavia, dado o modo de aquisição, documento que lhe permita fazer prova do seu direito de propriedade para efeitos de registo predial”.
(doc 2 anexo à PI);
B) Em 1974 os Impugnantes requereram à Câmara Municipal o licenciamento para construção da sua casa de habitação, tendo sido concedida licença de utilização em 24/07/2006 (doc 4 anexo à PI);
C) Na sequência da finalização da construção, os Impugnantes elaboraram participação, dando origem em 1987 a inscrição do prédio urbano na matriz urbana da freguesia de …… sob o artigo urbano 1895 (doc 4 anexo à PI);
D) Com base na escritura mencionada em A) foi efectuada em 06/06/2013 a liquidação de imposto de Selo n.º 1676618 no montante de €12 533,00 com data limite de pagamento voluntário de 31/10/2013 e de acordo com a avaliação do prédio urbano efectuada em 27/12/2012 que atribui àquele o valor de €125 330,00 (docs. 1 e 5 anexos à PI);
E) Os Impugnantes liquidaram em 23/09/2013 a primeira de 10 prestações no montante unitário de €1253,30 (doc 1 anexo à PI)
F) Tendo apresentado a presente impugnação em 21/11/2013 (fls. 2 dos Autos).
6 – Apreciando.
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida.
A sentença recorrida, a fls. 61 a 72 dos autos, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelos ora recorridos contra liquidação de Imposto do Selo devido pela aquisição por usucapião de prédio, anulando-a na parte em que incida sobre o valor das benfeitorias realizadas pelos Impugnantes, e condenando a Administração a restituir os montantes que os impugnantes hajam pago a mais, neles incluídos os juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 100.º da LGT, no entendimento - suportado na jurisprudência uniforme deste STA e do TCAN, em especial os Acórdãos do STA de 12/05/2010, rec. n.º 53/10 e do TCAN de 12/11/2010, rec. n.º 01107/08.1BEBRG, que a sentença reproduz nos segmentos relevantes –, de que só o acto de aquisição do prédio originário (e não o acto de aquisição das benfeitorias neste realizadas) é que pode inscrever-se no âmbito de incidência objectiva do imposto do selo, julgando que a liquidação impugnada foi efectuada exorbitando das normas de incidência objectiva do Código do Imposto do Selo, pelo que, e na medida de tal exorbitância, deve a mesma ser anulada, deve apenas ser tributado o acto de aquisição da parcela de terreno e não o acto de aquisição de benfeitorias realizadas no mesmo imóvel pelos usucapientes (cfr. sentença recorrida, a fls. 65 a 72 dos autos).
Discorda do decidido a Fazenda Pública, imputando erro de julgamento quanto à matéria de direito à sentença recorrida, por errada interpretação e aplicação do artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do artigo 5.º, alínea r) e do artigo 13.º, n.º 1, todos do CIS e, ainda, da Verba 1.2. da TGIS, alegando que para efeitos de incidência do IS é a realidade inscrita na matriz à data da escritura de justificação a relevante para efeitos de tributação, sendo que o valor tributável nas aquisições por usucapião é o valor patrimonial tributário do prédio adquirido no momento do nascimento da obrigação tributária, ou seja, da data de celebração da escritura de justificação notarial. Subsidiariamente, alega a recorrente que a impugnação devia ter sido julgada apenas parcialmente procedente, pois a sentença só anulou parcialmente a liquidação, ou seja, na parte em que incida sobre o valor das benfeitorias realizadas pelos impugnantes, razão pela qual a decisão final da sentença, ao invés de considerar a impugnação procedente e condenar a Fazenda Pública no pedido deduzido, não podia deixar de considerar a procedência parcial da impugnação (cfr. as conclusões das alegações de recurso).
Vejamos.
Contrariamente ao alegado a título principal pela recorrente, a sentença recorrida nenhuma censura merece quando entendeu que, em casos como o dos autos - em que os impugnantes adquiriram sem título válido um prédio rústico no qual posteriormente edificaram a expensas suas casa de habitação -, o Imposto do Selo devido pela transmissão gratuita de bens a que a aquisição por usucapião de imóveis é equiparada apenas incide objectivamente sobre o prédio usucapido e não também sobre as benfeitorias nele realizadas.
É neste sentido a jurisprudência consolidada deste STA, ainda recentemente reafirmada no Acórdão proferido no passado dia 17 de Junho no rec. n.º 0353/15 – por nós subscrito -, e onde se consignou o seguinte:
«(…)
Este Supremo Tribunal Administrativo, como certamente a Fazenda Pública não desconhecerá, já se pronunciou por diversas vezes sobre questão similar à ora suscitada.
E, tem-lo feito ultimamente, sem divergências, sempre em sentido contrário à tese que a Fazenda Pública persiste, aliás sem sucesso, em sustentar.

Sendo já jurisprudência consolidada da Secção o entendimento de que, tendo sido adquirido por usucapião apenas o prédio rústico onde foi edificado um prédio urbano, só o valor daquele deve ser considerado para efeitos de incidência de imposto de selo – cf. neste sentido, para além dos acórdãos citados pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, e por mais recentes, os Acórdãos de 21.05.2014, recurso 1676/13, de 17.12.2014, recurso 1198/14, de 14.05.2015, recurso 1422/14 todos in www.dgsi.pt.
Não vemos razão para alterar tal jurisprudência que merece a nossa concordância e cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação também no caso vertente.
Por isso, porque a recorrente não aporta novos argumentos relevantes e considerando também o disposto no artº 8º, nº 3 do CC, tendo em vista promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito, remetemos para o que sobre tal matéria se disse nos Acórdãos 1190/09 de 03.03.2010 e 53/10 de 12.05.2010, publicados in www.dgsi.pt.
Como se sublinha naquele primeiro aresto, «revogado que foi, a partir de 1/1/2004, o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações pelo DL 287/2003, de 12/11, as transmissões gratuitas de imóveis passaram a ser reguladas pelo Código do Imposto de Selo, cujo artigo 1.º, no que aqui interessa, dispõe que o imposto de selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião, sendo sujeitos passivos do imposto neste caso os respectivos beneficiários [artigos 1.º, n.º 3, alínea a) e 2.º, n.º 2, alínea b) do CIS]. Constituindo o imposto encargo do adquirente dos bens, nos termos do preceituado no artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea a) do mesmo CIS. Por seu turno, no que toca ao nascimento da obrigação tributária, determina a alínea r) do artigo 5.º do CIS que esta se considera constituída nas aquisições por usucapião na data em que for celebrada a escritura de justificação notarial.
Sendo que, de acordo com o que dispõe o n.º 1 do artigo 13.º do CIS, o valor dos imóveis a atender nas transmissões a título gratuito é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI ou o determinado por avaliação, quanto aos prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial. Por último, estabelece o artigo 11.º, n.º 3 da LGT que “deve atender-se à substância económica dos factos tributários”. É no confronto com este quadro normativo que importa apurar se a liquidação impugnada se encontra ferida de ilegalidade.
Ora, de acordo com o probatório fixado, o que resulta é que no caso em apreço a AF tributou o prédio urbano integrado por edifício construído pelos impugnantes em terreno que estava na sua posse e que adquiriram por usucapião, considerando ter o mesmo lhes sido transmitido, quando não foi isso que sucedeu.
O que lhes foi efectivamente transmitido por usucapião foi, sim, um prédio rústico sobre o qual os mesmos edificaram aquele prédio urbano.»
Acresce dizer, citando também o Acórdão desta secção proferido no recurso 53/10 de 12.05.2010, que tratou de caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, que «mesmo que houvesse dúvidas sobre o sentido interpretativo das normas de incidência – e pensamos que não há – sempre seria de considerar a substância económica dos factos e, a esta luz, parece-nos indiscutível que edifício construído no terreno resultou do investimento de activos patrimoniais dos Impugnantes e, como tal, não se pode considerar que lhes foi transmitido e muito menos a título gratuito – cfr. Artº. 11º, nº 3 da LGT. Finalmente, refira-se que o facto de a norma do artº. 5º alínea r) do CIS estatuir que a obrigação tributária se considera constituída, nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial e de a norma do artº. 13º, n° 1 do CIS referir que o valor dos imóveis a considerar nas transmissões gratuitas ser o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, não permite, em nosso entender, extrair qualquer argumento no sentido de que o valor a considerar para efeitos de tributação é o valor de todo o prédio incluindo, portanto, o edifício que nele se acha implantado.
E não permite porque, previamente à questão do valor do bem imóvel a considerar, coloca-se, como prius lógico, a questão da determinação do bem imóvel que foi objecto da transmissão gratuita tributável...” Na realidade, o que está em causa não é simplesmente o valor a atender para efeitos de imposto de selo, ou o momento apenas em que esse valor deve ser atendido.
A questão que, antes de todas, importa equacionar, previamente a saber qual o valor a atender para efeitos de imposto de selo, é a questão de saber qual o objecto de incidência do imposto de selo devido no caso: o acto de aquisição do prédio usucapido, ou também o acto de aquisição das benfeitorias nesse prédio levadas a cabo pelos impugnantes, ora recorridos? E o certo é que só o acto de aquisição do prédio usucapido é que pode inscrever-se no âmbito de incidência objectiva do imposto de selo, e não o acto de aquisição das obras ou benfeitorias nesse prédio realizadas.»
No caso subjudice resulta manifesto do probatório (pontos A e B) que só o prédio rústico foi objecto de aquisição por usucapião, e, sendo assim, só o valor deste deve ser considerado na determinação do valor a atender para efeitos de imposto de selo.
Sendo que a Administração fiscal tributou o prédio urbano integrado por edifício construído pelos impugnantes em terreno que estava na sua posse e que adquiriram por usucapião, considerando que o mesmo lhes havia sido transmitido, quando não foi isso que sucedeu.
Neste contexto, como vem entendendo a já citada jurisprudência deste Tribunal, o acto de aquisição por usucapião de imóvel objecto dessa aquisição é, de facto, incidente de tributação em imposto de selo, não o sendo, porém, já o acto de aquisição de benfeitorias entretanto realizadas no mesmo imóvel pelo sujeito beneficiário da usucapião.
A decisão recorrida que assim entendeu deve, por isso, ser confirmada.» (fim de citação).

No que se refere à questão subsidiariamente suscitada pela recorrente, entendemos igualmente que carece de razão.
A procedência da impugnação foi total, e não meramente parcial, face ao pedido formulado pelos então impugnantes na sua petição de impugnação, porquanto estes fundamentaram que a liquidação do imposto do selo é ilegal no facto de que o bem imóvel que foi objecto de transmissão gratuita tributável foi o terreno, pelo que, o imposto do selo deve incidir apenas sobre o valor do terreno e não sobre o valor das benfeitorias realizadas pelos impugnantes (cfr. petição de impugnação, a fls. 8 dos autos). Ou seja, os impugnantes não puseram em causa que fosse devido Imposto do Selo pela aquisição por usucapião do terreno no qual edificaram a habitação, apenas puseram em causa que esta incidisse sobre as benfeitorias nele realizadas a expensas suas com a edificação da casa de habitação.
Sucede, porém, que, no caso dos autos, atendo aos termos em que a liquidação foi efectuada – incidindo sobre um prédio urbano, de valor patrimonial de € 125.330,00 (cfr. doc. 1 junto aos autos), não contendo qualquer referência a valores individuais de cada uma das parcelas componentes do todo, terreno e construção -, não é possível anular apenas parcialmente a liquidação sindicada, como consignado na sentença recorrida, pois que a liquidação teve como pressuposto o valor global das duas parcelas, de forma não discriminada, não sendo por isso possível apurar a parte sobre a qual deveria ter incidido o imposto e a parte sobre a qual não deveria ter incidido.
Ora, não sendo possível determinar qual o valor que compete a cada uma das parcelas, impõe-se a anulação da liquidação na totalidade, sem prejuízo de a Administração poder vir a efectuar nova liquidação, expurgada dos vícios que incorreu na que efectuou.
No mesmo sentido, o Acórdão deste STA do passado dia 12 de Fevereiro, rec. n.º 0716/14.
Haverá, pois, que revogar a sentença recorrida no segmento em que anulou a liquidação apenas parcialmente, pois que, in casu, não se afigura possível proceder à anulação meramente parcial da liquidação, havendo esta que ser totalmente anulada.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.

- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida salvo no que respeita à anulação parcial da liquidação, anulando-a totalmente.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 23 de Setembro de 2015. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro DelgadoDulce Neto.