Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0351/16
Data do Acordão:10/04/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO ESPECIAL SOBRE O CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - No caso de introdução irregular no consumo, é de admitir que o prazo da caducidade do direito à liquidação se conte apenas do conhecimento do facto tributário pela AT (cfr. art. 214.º do CAC, aplicável analogicamente, em solução que, depois, mereceu consagração legal no CIEC, primeiro no n.º 4 do art. 7.º, aditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro e, hoje, no n.º 3 do art. 9.º do actual CIEC.
II - Tendo o procedimento de inspecção durado quase três anos, não pode considerar-se que esse conhecimento só tenha ocorrido com a elaboração do relatório final, antes devendo considerar-se adquirido, pelo menos, no termo do prazo para concluir a inspecção fixado no art. 36.º do RCPIT.
III - O prazo de caducidade do direito à liquidação suspende-se com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, mas esse efeito suspensivo cessa, e o prazo conta-se do seu início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação (art. 46.º, n.º 1, da LGT).
IV - Ainda antes da alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, determinava a aplicação supletiva do RCPIT à DGAIEC «no que não for incompatível com a natureza dos procedimentos de inspecção de que está legalmente incumbida», motivo por que deve a acção de fiscalização realizada pelos serviços aduaneiros no entreposto fiscal de uma empresa depositária autorizada conformar-se com o disposto no art. 36.º daquele Regime.
Nº Convencional:JSTA00070338
Nº do Documento:SA2201710040351
Data de Entrada:03/17/2016
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:DIRGER DAS ALFÂNDEGAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N1 N4 ART46 N1 ART10.
CIEC99 ART9 N3.
RCPIT ART36 N2 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01086/09 DE 2010/02/10.; AC STAPLENO PROC01475/15 DE 2016/09/21.
Referência a Doutrina:SÉRGIO VASQUES - IMPOSTOS ESPECIAIS DE CONSUMO 2001 PAGS317-318.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 323/10.0BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A………, S.A.” (adiante Recorrente) recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) que, enquanto depositária autorizada, lhe foi efectuada com referência ao período de 1 de Outubro de 2003 a 4 de Agosto de 2004, na sequência de uma acção de inspecção ao seu entreposto fiscal, que concluiu pela introdução irregular no consumo de diversas mercadorias (bebidas alcoólicas).

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que sintetizou nas seguintes conclusões:

«1.ª- O direito de liquidar o imposto (IABA) e respectivos juros compensatórios encontrava-se caducado há muito na medida em que os factos tributários ocorreram no período (inspeccionado pela Alfândega de Peniche) de 01-10-2003 a 04-08-2004 e a liquidação apenas foi notificada à recorrente em 11-09-2009.

2.ª- Não tem lugar nos presentes autos a consideração de qualquer facto suspensivo do prazo de caducidade, por um lado, porque a acção de fiscalização iniciou-se em 04-08-2004, sendo que o conhecimento dos factos se terá realizado, no limite, no decurso deste mês de Agosto de 2004 (e não quando do relatório da acção de fiscalização do ano de 2007); por outro lado, porque as operações de saída de produtos do entreposto fiscal de produção da impugnante encontram-se devidamente sinalizados à alfândega de controlo (Peniche) através da documentação prevista na lei (DAA’s, se para outros entrepostos fiscais; DIC’s se para consumo e DAU’s, se para exportação), o que não foi sequer posto em causa pela autoridade aduaneira; e por outro lado ainda, porque a acção inspectiva deveria ter demorado 6 meses (prazo-regra – art. 36.º, 2, do RCPIT) e não quase 3 anos (!), data da elaboração do relatório de “varejo” (25-06-2007), razão pela qual tem aqui plena aplicação (também) o artigo 46.º, 1, da LGT que manda desconsiderar qualquer efeito suspensivo.

3.ª- Não tendo havido qualquer prorrogação do prazo da inspecção (fiscalização) efectuada, é forçoso concluir-se que o procedimento, iniciado em 04-08-2004 deveria ter-se concluído em 04-02-2005.

4.ª- A Acção n.º 198/2004 da Alfândega de Penicheque teve como objectivo a verificação do cumprimento do regime fiscal relativo à produção, recepção, detenção, expedição, circulação e introdução no consumo de bebidas espirituosas e produtos intermédiosconstitui uma acção de fiscalização / inspecção sujeita ao RCPIT como claramente decorre do estatuído no art. 3.º do Dec-lei 413/98, de 31/12 (que aprovou o RCPIT) e art. 2.º, 8, da Lei 41/98 de 04/08 (lei de autorização da LGT).

5.ª- Foram ainda violados pela Alfândega de Peniche os direitos de defesa e de participação da Impugnante consagrado nos arts. 20.º, 268.º, 4, 267.º, 5, da CRP e 60.º, 7, LGT uma vez que não apreciou, nem valorou, nenhuma das muitas questões e elementos novos e essenciais colocados pela Impugnante, relativos aos pressupostos e métodos de apuramento e liquidação dos tributos impugnados, em sede de audição prévia, pelo que a sentença incorreu em omissão de pronúncia.

6.ª- Foi ainda violada a lei – arts. 268.º, 3. da CRP e 77.º da LGT – dado que a fundamentação da liquidação se apresenta muito incompleta e com graves erros e omissões.

7.ª- Preceitos jurídicos violados: arts. 20.º, 267.º, 5, e 268.º, 3 e 4, da CRP; arts. 45.º, 1, 46.º, 1; 60.º, 7, e 77.º da LGT; art. 36.º do RCPIT e doutrina do acórdão do STA n.º 0935/08, de 28/01/2009, e os arts. 3.º do Dec-Lei 413/98, de 31/12 e 2.º, 8, da Lei 41/98, de 04/08.

Nestes termos e nos mais de Direito, cujo suprimento se impetra a V. Exa. deverá a presente sentença ser revogada e substituída por outra que atenda e confira procedência à impugnação apresentada.».

1.4 A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido e rematando com a formulação de conclusões do seguinte teor:

«1. À data da análise dos factos apurados era o Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro (que se manteve em vigor até 31 de Dezembro de 2010), e em termos de competências da Alfândega o art. 18.º da Portaria n.º 349/2007, de 30 de Março (que se manteve em vigor até 31 de Dezembro de 2011).

2. Legislação esta perfeitamente do conhecimento da Recorrente, considerando que é detentora do Estatuto de Depositário Autorizado desde 1 de Janeiro de 1993, sob o NIEC PT01500024286, estando assim sujeito ao regime geral de produção, detenção, circulação e controlo dos produtos sujeitos a impostos especiais sobre o consumo, de acordo com o CIEC.

3. Sendo do seu conhecimento que uma das obrigações do estatuto do Depositário Autorizado é a de prestar-se a varejos e outros controlos determinados pela autoridade aduaneira, conforme o disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 24.º do CIEC, já anteriormente estipulado na alínea d) do n.º 1 do art. 13.º do Decreto-Lei n.º 52/93 de 26 de Fevereiro.

4. Citando Sérgio Vasques “...O depositário deve apresentar os produtos sempre que tal lhe seja solicitado, obrigação elementar ao controlo da natureza e situação fiscal das mercadorias; devendo também sujeitar-se a varejos sempre que necessário, isto é, à fiscalização física das existências em entreposto, bem como aos demais controlos levados a cabo pelas autoridades aduaneiras, seja a inspecção de instalações, documentos vários, registos informáticos e contabilísticos”.

5. Considerando as especificidades em termos de competências atribuídas às Alfândegas, o Varejo constitui um controlo típico das áreas aduaneiras e fiscal de primeiro nível (Circular 5/2007 Série III), ao qual não se aplica o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), a par, aliás, de outros controlos da mesma natureza como a verificação de bagagens, a conferência de carga e descarga, a verificação documental de índole aduaneira e fiscal e a verificação física na área dos procedimentos aduaneiros e dos procedimentos fiscais.

6. O diploma que aprova o RCPIT, o Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, dispõe no art. 3.º que este regime é aplicável à DGAIEC supletivamente, no que não for incompatível com a natureza dos procedimentos de inspecção de que está legalmente incumbida.

7. E o art. 1.º do RCPIT refere expressamente que regula o procedimento de inspecção tributária, sem prejuízo de legislação especial, pelo que aquele regime apenas se aplica aos actos de inspecção.

8. As inspecções estão atribuídas às divisões operacionais - Divisão Operacional do Norte (DON) e Divisão Operacional do Sul (DOS) e à Divisão de Planeamento e Controlo (DPC) da Direcção de Serviços Antifraude (DSAF) de acordo com a alínea l) do n.º 2 do art. 8.º da Portaria n.º 349/07, de 30 de Março, conjugada com a alínea b) do ponto 6.3 e com o ponto 6.2 do Despacho n.º 7624/2007, e alfândegas nas condições estabelecidas pela alínea iv) da alínea b) do art. 18.º da mesma Portaria.

9. As acções de natureza inspectiva englobam as inspecções, as auditorias e as auditorias prévias pertencentes à área Antifraude. Não estando nelas englobado o Varejo.

10. Com a devida vénia, salvo melhor opinião, entende a Recorrida, que em sede de Varejo e à data, não eram aplicáveis as normas do RCPIT.

11. O facto de, em 30 de Setembro de 2014, através da Lei n.º 75-A/2014, o RCPIT ter sofrido alterações passando a designar-se Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), passando a englobar a parte Aduaneira e tendo sido revogado o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, vem reforçar o nosso entendimento.

12. Em 04/08/2004, foi realizado um varejo à Recorrente no âmbito das competências da Alfândega verificando-se que não possuía a contabilidade de existências organizada em sistema de inventário permanente com saldo à vista, com indicação da sua proveniência, destino e elementos relevantes para o cálculo do imposto, que satisfizesse as necessidades de controlo do entreposto fiscal.

13. Face ao descalabro das contas correntes apresentadas, que não continham os elementos necessários ao cálculo de imposto, violando o estipulado na alínea b) do n.º 2 do art. 24.º do CIEC, foram as mesmas reconstituídas, e rectificados os respectivos saldos, a fim de se possibilitar a sua leitura e respectiva análise, em conformidade com o estipulado no CIEC. Só depois desta reconstituição foi possível concluir o procedimento executado, cujo relatório foi a despacho do Exmo. Senhor Director em 25/06/2007.

14. O relatório do Varejo fundamentou a instauração do Processo de Conferência Final (PCF) n.º 121/2007, de 3 de Julho de 2007, onde foram efectuados todos os procedimentos inerentes à liquidação e cobrança da dívida determinada em sede do controlo.

15. No âmbito do PCF, foi a Recorrente notificada para o exercício do direito de audição, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT. Tendo, a seu pedido, sido prorrogado o prazo concedido por mais dez dias.

16. A Recorrente exerceu o direito de audição em 29 de Janeiro de 2008, nosso registo de entrada n.º 1537. Com a concessão de um prazo adicional, a empresa beneficiou no total, de 28 dias para exercer o direito concedido, o que ultrapassa o limite máximo previsto no art. 60.º da LGT.

17. No âmbito do exercício do direito de audição não foram apresentados factos novos que alterassem os fundamentos da liquidação, conforme notificação efectuada à empresa em 11/09/2009 (ofício n.º 8196).

18. Na sequência da notificação de dívida a Recorrente interpôs Reclamação Graciosa, tendo sido notificada pela Direcção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DSIEC), para exercer a audição prévia, direito este que não exerceu.

19. Pelo exposto, salvo melhor interpretação, conclui-se, não ter havido violação dos direitos de defesa e de participação, ao invés do afirmado pela Recorrente.

20. Considerando que a Alfândega teve o pleno conhecimento dos factos e das irregularidades em 22/06/2007, data da conclusão do procedimento; considerando que o relatório do Varejo fundamentou a instauração do PCF, em 03/07/2007; considerando que, no âmbito do PCF, foram executados os procedimentos inerentes ao apuramento e liquidação do IEC, tendo a dívida sido notificada à Recorrente, através do ofício n.º 8196 de 11/09/2009; verifica-se assim a existência de um hiato de tempo entre o conhecimento pleno dos factos e a liquidação e notificação da dívida, de 2 anos, 2 meses e 20 dias.

21. Nos termos do art. 329.º do Código Civil, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder ser exercido, o que só se verifica através do seu conhecimento pelo titular.

22. Tendo sido com o terminus do relatório (22/06/2007) que a Alfândega teve o perfeito conhecimento dos factos e irregularidades detectadas, por conseguinte, só a partir desta data é que é possível à Administração efectivar os procedimentos para a liquidação do imposto em dívida, a qual é exigível e exequível nos termos do n.º 1 do art. 7.º, conjugado com o n.º 1 do art. 3.º, ambos do CIEC.

23. Pelo que, atendendo ao prazo previsto no n.º 1 do art. 45.º da LGT, a notificação foi validamente notificada à Recorrente.

24. A notificação de dívida consubstanciou-se nos elementos apresentados no direito de audição, o qual, teve por fundamento o relatório do varejo. A notificação de dívida discrimina todos os factos constatados nos pontos n.ºs. 3, 3.1 a 3.5, assim como as normas violadas do CIEC. No ponto n.º 4, alude-se o valor da dívida apurada, sendo os seus cálculos demonstrados nos mapas anexos ao direito de audição e à notificação de dívida, no ponto n.º 6 são demonstrados os juros compensatórios, nos pontos n.ºs 15.1 a 15.2 é dada a resposta ao direito de audição, sendo os últimos pontos (16 a 20) relativos a procedimentos de pagamento, meios de defesa e consulta do processo.

25. A notificação de dívida foi elaborada em conformidade com o preceituado no art. 77.º da LGT, conjugado com o art. 10.º do CIEC, e arts. 35.º e ss do CPPT e art. 125.º do CPA.

26. Na notificação de dívida foi dado a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do acto o que permitiu à Recorrente conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto notificado.

27. Salientando-se que a Administração pauta-se pelo estrito cumprimento dos princípios constitucionalmente plasmados, assim como pelos princípios consagrados no CPA, na LGT e no CPPT.

28. Considerando toda a matéria de facto e de direito alegada, reiteramos a posição proferida pela Meritíssima Juiz [do Tribunal] «a quo», na Douta Sentença».

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso, com fundamento na caducidade do direito à liquidação, revogada a sentença e anulada a liquidação impugnada, assim se tendo por prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] 2. No caso dos autos, não se encontrando previsto no C.I.E.C. aprovado pelo Dec-Lei n.º 566/99, de 12/7, prazo inferior ao de 4 anos, é o previsto no art. 45.º n.º 1 da L.G.T. que resulta ser aplicável.
O imposto em causa, conforme consta do acórdão citado na sentença recorrida, é imposto de obrigação única, a que é de aplicar o previsto no art. 45.º n.º 4 da L.G.T. quanto ao termo inicial a considerar.
De acordo com o que consta no ponto 3 do probatório, o mesmo reporta-se ao período de 1/10/2003 a 4/8/2004 (fls. 32).
Sobre aquilo que se pode considerar liquidação consta o ponto 8 da matéria de facto, em termos de ter sido proferido despacho em que se consideraram correctos todos os elementos inseridos em relatório de varejo e em que se concordou com os cálculos e apuramentos efectuados quanto a perdas ocorridas no dito período, estes cálculos e apuramentos dizem, assim, já respeito a operações de liquidação propriamente dita que não aos factos tributáveis ocorridos no dito período.
Quanto à caducidade de impostos liquidados pelas alfândegas, por factos ocorridos após a vigência da L.G.T., o S.T.A. pronunciou-se já por várias vezes em termos de ser de aplicar o disposto nos seus artigos 45.º e 46.º da L.G.T.
Tal o ocorrido pelos acórdãos proferidos nos acórdãos de 27-2-08 e de 21-5-08, nos recursos n.ºs 836/05 e 218/05, conforme constam em www.dgsi.pt em que apenas é excepcionado o caso de ter sido desencadeado procedimento repressivo (penal), de acordo com legislação comunitário nessa parte uniformizada.
É certo que no acórdão citado na sentença recorrida se admitiu tal suspensão associada ao conhecimento tido pela alfândega. Contudo, nesse caso ocorreu o dito procedimento repressivo, o que no caso ora em apreciação não resulta ter ocorrido.
De acordo ainda com o já referido ponto 3 do probatório, o varejo decorreu de 4-8-04 a 25-6-07 nas instalações do entreposto da recorrente.
O mesmo integra o conceito de “inspecção externa” tal como previsto ainda no art. 13.º al. b) do R.C.P.I.T., de cuja revogação são de ressalvar os factos e os efeitos anteriormente produzidos, segundo o previsto na parte final do art. 12.º n.º 1 da L.G.T. e no 12.º n.º 1, parte final, do C. Civil.
Assim sendo, é de contar o prazo de caducidade desde os factos, e suspendendo-se o mesmo, mas limitado ao prazo de seis meses durante o qual decorreu a referida inspecção, conforme defende o recorrente.
Alcançando-se que o termo final do prazo de caducidade ocorreu na data de 4-2-2009, à data da liquidação, efectuada a 10-9-2009, aquele estava já ultrapassado».

1.6 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. A impugnante é uma Sociedade Anónima que tem como objecto social principal a actividade de comercialização por grosso de bebidas alcoólicas, CAE 046341 (cf. print visão do Comerciante a fls. 46 do Processo Administrativo Tributário de ora em diante designado de PAT).

2. Em 1/1/1993 a impugnante constitui-se como “Depositário Autorizado” é titular do entreposto fiscal de produção em Portugal (EFP) n.º PT50002428601 (antigo n.º 39945640), com autorização para as categorias 4001 (Todos os vinhos - de mesa e espumantes), 5001 (Produtos Intermédios) e 6002 (Bebidas Espirituosas) (cf. Print. de identificação de operadores a fls. 61 e 62 do PAT).

3. Entre 4/8/2004 e 25/6/2007, os funcionários aduaneiros da Alfândega de Peniche realizaram uma acção de Varejo (acção n.º 198/2004) às instalações do entreposto fiscal de Produção (EFP) n.º PT50002428601, pertencente à impugnante, para verificação do cumprimento do regime fiscal relativo à produção, recepção, detenção, circulação e introdução no consumo de “Bebidas Espirituosas” da qual resultou o relatório de varejo constante de fls. 32 a 35 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta o seguinte:

“(...)

Conclusões
• Do exposto anteriormente, pode-se concluir que foram detectadas muitas irregularidades no cumprimento do regime fiscal relativo à produção, recepção, detenção, expedição, circulação e introdução no consumo de Bebidas Espirituosas, bem como no cumprimento das obrigações de selagem previsto no CIEC e em legislação complementar, devidamente descritas no ponto seguinte.
• Foi apurada uma dívida em sede de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) de 55.674,29 Euros, a que acresce IVA à taxa normal e juros compensatórios.
Irregularidades
1. Preenchimento incorrecto ou não preenchimento das casas 4, 5, 6, 9, 10 e 11 de vários DAA, contrariando o disposto no n.º 1 do artigo 33.º do CIEC, tal conduta constitui uma contra-ordenação fiscal de introdução irregular no consumo, prevista e punida pelas alínea a) do n.º 2 do artigo 109.º do RGIT e uma violação do dever de cooperação previsto no art. 111.º do RGIT.
2. A não referência na casa 23 em vários DAA, de qualquer menção à quantidade e modelo de estampilhas especiais e/ou ausência destas, através dos códigos *SBEB e *NBEB, respectivamente, nos termos do disposto no n.º 20.º da Portaria n.º 701/2003, de 1 de Agosto, conjugada com a aplicação do art. 67.º do CIEC, conduz à prática de contra-ordenação fiscal de introdução irregular no consumo, prevista e punível nos termos das alíneas a) e p) do n.º 2 do artigo 109.º do RGIT.
3. A exportação de bebidas espirituosas seladas com a estampilha especiais, prevista na Portaria n.º 701/2003, de 1 de Agosto, sem a prévia inutilização das respectivas estampilhas nos termos do disposto no n.º 14 desta Portaria, conduz à prática de contra-ordenação fiscal aduaneira, punível nos termos das alíneas b) e p) do n.º 2 do artigo 109.º do RGIT.
4. A circulação de produtos em regime suspensivo entre entrepostos fiscais de produção é proibida, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 66.º do CIEC, assim no dia 15/03/2004 ao recepcionar e armazenar 27.000 litros de aguardente bagaceira com 53,7% no seu entreposto fiscal de produção, tendo expedido este produto para Espanha sem sofrer qualquer processo de transformação ou produção, contrariando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 66.º do CIEC, por não se tratar de matéria-prima ou produto não acabado conduz à prática de contra-ordenação fiscal aduaneira, prevista e punida pelo n.º 1 do art. 109.º por remissão da alínea d) do art. 96.º, e pela alínea p) n.º 2 do artigo 109.º, todos do RGIT.
5. Na DIC n.º 2003/0041082 referente às introduções no consumo do mês Outubro de 2003, constou-se a introdução irregular no consumo de 442 garrafas de Aguardente Engarrafada e 2.491 garrafas de licores, por não possuírem as respectivas estampilhas especiais previstas na Portaria n.º 701/2003, de 1 de Agosto, violando o disposto no art. 67.º do CIEC. Ao introduzir no consumo estas bebidas espirituosas, a partir de 1 de Outubro de 2003, sem terem apostas estampilhas especiais, obrigatórias nos termos do n.º 30.º da referida Portaria, conduz à prática de contra-ordenação fiscal aduaneira, prevista e punida pelo n.º 1 do art. 109.º por remissão da alínea b) do art. 96.º do RGIT.
6. O processamento de DIC com incorrecções, erros, omissões e inexactidões, quer nas quantidades de estampilhas especiais quer nos modelos declarados, conduz à prática de contra-ordenação fiscal de introdução irregular no consumo, prevista e punível nos termos da alínea a) e p) do n.º 2 do artigo 109.º do RGIT e uma violação do dever de cooperação previsto no art. 111.º do RGIT.
7. A partir 1 de Junho de 2004, a empresa persistiu na emissão de DIC globais mensais, apesar de ter sido revogado o processamento simplificado mensal de DIC, referentes a produtos à taxa positiva. Assim, estas introduções no consumo que ocorreram nestes meses encontram-se todas fora do prazo estipulado no n.º 1 do art. 8.º do CIEC, a empresa fiscalizada entrou em contra-ordenação fiscal aduaneira, punível nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 109.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho.
8. A partir de Abril de 2004, a empresa não cumpriu com a obrigatoriedade do envio das DIC por via electrónica (Vd. n.º 8 do Despacho Normativo n.º 25/2003, de 29 de Maio, na redacção que lhe foi dada pelo Despacho Normativo n.º 17/2004, de 26 de Março), não cumprindo assim com as formalidades na introdução no consumo, incorrendo na introdução irregular no consumo prevista e punida pelo n.º 1 do art. 109.º por remissão da alínea a) do art. 96.º, ambos do RGIT.
9. A empresa apresentou perdas de produtos tributáveis em percentagens superiores às franquiadas, nos termos do disposto no art. 38.º do CIEC, praticando uma introdução irregular no consumo, punível nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 109.º do RGIT.
10. A empresa não manteve actualizada uma contabilidade de existências, organizada em sistema de inventário permanente com saldo à vista, com indicação da sua proveniência, destino e os elementos relevantes para o cálculo, que satisfaça as necessidades do contrato do entreposto fiscal, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 24.º do CIEC, bem como o não cumprimento da declaração prevista na alínea f) do n.º 1 do art. 22.º do mesmo diploma legal o que consubstancia a prática de uma introdução irregular no consumo, punível nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 109.º do RGIT.
11. A contabilidade de existências apresenta muitas deficiências, incorrecções, inexactidões, erros e omissões, ao nível de indicação de datas, da proveniência e do destino, além de não mencionar o grau alcoólico em algumas delas, aspecto fundamental para o cálculo do IEC. Também foram detectadas mercadorias sem as respectivas contas correntes, violando assim o dever de cooperação nos termos do art. 111.º do RGIT.
12. A empresa não mantinha actualizada a conta corrente das estampilhas especiais, de acordo com o modelo constante no anexo IV da Portaria n.º 701/2003, de 1 de Agosto, nos termos no disposto no n.º 15 desta, por remissão do n.º 2 do art. 67.º do CIEC, e por conseguinte a não prestação de informação legalmente prevista ao serviço fiscalizador, conduz à prática de contra-ordenação fiscal aduaneira, punível nos termos da alínea c) e o) do n.º 2 do artigo 109.º do RGIT.
13. A empresa não apresentou prova da utilização de várias estampilhas especiais previstas art. 67.º do CIEC e instituídas por aplicação da Portaria n.º 701/2003, de 1 de Agosto. Esta situação foi calculada com base nas diferenças para menos, entre o saldo contabilístico e as existências de estampilhas especiais em entreposto, o que consubstancia uma introdução irregular no consumo prevista e punida pela alínea p) do n.º 2 e n.º 1, ambos do art. 109.º, este último por remissão da alínea b) do art. 96.º do RGIT.
14. Ao serem também detectadas a presença de mais estampilhas especiais, aquando do inventário realizado a 4 de Agosto de 2004, calculadas entre o saldo contabilístico e as existências de estampilhas especiais em entreposto fiscal, consubstancia a introdução irregular no consumo de bebidas espirituosas sem as respectivas estampilhas especiais apostas, violando assim as regras de selagem previstas na Portaria n.º 701/2003, de 1 de Agosto conjugada com a aplicação do art. 67.º do CIEC, o que também consubstancia uma introdução irregular no consumo prevista e punida pela alínea p) do n.º 2 e n.º 1 ambos do art. 109.º, este último por remissão da alínea b) do art. 96.º do RGIT.
Montantes Propostos p/ cobrança (€) - Mapa do Apuramento em anexo
IABA = 55.674,29 € IVA = 10.578,12 € Juros Compensatórios = 8.313,32 €
(…)”

4. Em 3/7/2007 foi instaurado o Processo de conferência final (PCF) n.º 121/2007, no âmbito do qual a Alfândega de Peniche enviou à impugnante em 2/1/2008, por carta postal registada com aviso de recepção, o ofício constante de fls. 26 a 35 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto: “ Direito de Audição, Processo de Conferência Final n.º 121/2007, Cobrança “a posteriori” de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) A…………., S.A. (...)”

5. Em 14/1/2008 a impugnante enviou à Alfândega de Peniche, por carta postal registada acompanhada de aviso de recepção, o requerimento constante de fls. 36 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual informa que não conseguiu localizar o relatório da acção de fiscalização que deu origem ao (PCF) n.º 121/2007, pelo que requer o envio de cópia do mesmo para que possa exercer o direito de audição prévia.

6. Em 17/1/2008 a Alfândega de Peniche procedeu ao envio à impugnante por carta postal registada acompanhada de aviso de recepção, do Relatório da acção de varejo n.º 198/2004 e concedeu o prazo de 10 (dez) dias para a impugnante exercer o seu direito de audição prévia (cf. ofício a fls. 37 do PAT).

7. Em 28/1/2008 a impugnante exerceu o direito de audição prévia nos termos constantes do requerimento a fls. 40 e 41 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, no qual consta o seguinte:
(…)
-DAAS:
(i) O preenchimento obedeceu ao procedimento usualmente observado na empresa; porém, é um facto que nas exportações não é necessária a utilização de estampilhas lapso já há muito corrigido na empresa. (ii) Quanto ao envio de aguardente para Espanha. Tratou-se de uma aguardente adquirida num leilão realizado em Setúbal. Devido à quantidade ser muito significativa, armazenou-se o produto em instalações emprestadas por outra empresa. Esta aguardente foi vendida para Espanha, tratando-se, pois, de uma lícita transacção intracomunitária, razão pela qual não é devido IEC, nem IVA. (iii) Relativamente a S. Tomé. tratou-se de uma exportação “com selos” dado que assim foi solicitado pelos adquirentes, crendo-se que para certificarem a origem e qualidade do produto em S. Tomé.
(...)
- DIC (s) Em algumas DIC não foram na altura mencionados os números de estampilhas; porém, a DIC faz menção à quantidade de unidades, tendo sido apenas omitida, por lapso, a numeração e o modelo.
- Taxas de rendimento
Compulsados a V/notificação e o Relatório do Varejo, a empresa não consegue perceber o Mapa de apuramento respectivo e, assim poder exercer cabalmente a sua participação na decisão que se pretende tomar.
Com efeito e desde logo, não se lobriga (i) como foi efectuado o varejo físico, concretamente como se determinaram os volumes e o grau alcoólico e a que temperaturas; (ii) como se conseguiu medir o álcool (coluna (i) a duas casas decimais (?); (iii) como foi efectuada a conversão em álcool puro?; (iv) como determinaram as composições dos produtos analisados?; (v) na coluna 2 (litros de álcool rectificado) o que se pretende representar?; (vi) na coluna 5, as “perdas” (?) como foram calculadas?; que métodos e instrumentos de medição foram utilizados pela equipa de fiscalização?
- Contabilidade de existências
(i) Crê-se que nos saldos contabilísticos não se apuram garrafas, mas valores, pelo que temos dificuldade em interpretar e esclarecer sobre este ponto; (ii) o que se pretende dizer com “saldos contabilísticos” rectificados? (iii) as rectificações nos saldos contabilísticos foram efectuadas pela equipa de fiscalização? (iv) na coluna 7 (capacidades) referem-se garrafas; porém as embalagens têm sempre uma capacidade superior à do líquido que incorporam. Consequentemente pergunta-se se o apuramento teve como base as capacidades das embalagens, ou as quantidades do produto; (v) na coluna 8 fica-se sem saber como foram apurados / determinados os graus alcoólicos; (vi) por exemplo, na amêndoa amarga como foi encontrada uma diferença negativa a partir de zeros?
- Estampilhas especiais
Neste ponto a empresa procedeu as rectificações necessárias mas não pode prestar esclarecimentos precisos, dado que a pessoa que tinha a seu cargo este sector já não se encontra na empresa e esta não dispõe de elementos e informação suficientes e seguros para apreciação dessa Alfândega
(…)”.

8. Em 10/9/2009 a Alfândega de Peniche emitiu a informação e despacho constantes de fls. 47 a 57 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte:
“(…)
3.1 - Por conseguinte e atendendo ao exposto, é atinente tecer as seguintes considerações:
3.1.1 - Quando foi efectuada a acção de natureza fiscalizadora, os funcionários aduaneiros foram acompanhados pelo Director Financeiro da empresa, o Sr. ………….
Na sua presença foi elaborado o Auto de Inventário (a folhas n.ºs 10 a 14 do processo), relativo às mercadorias existentes no Entreposto de Produção, tendo o mesmo sido assinado por todos os intervenientes, considerando-se que todos os elementos nele insertos estão correctos.
3.1.2 - Os cálculos e os apuramentos efectuados e apresentados nos mapas de apuramento anexos ao relatório da acção de fiscalização e ao ofício para o exercício do direito de audição, consubstanciaram-se no Auto de Inventário, nos documentos contabilísticos e na taxa de rendimento apresentada pela empresa.
3.1.3 - No último parágrafo do ofício do direito de audição enviado à empresa, é mencionado que:
O Processo poderá ser consultado pelos interessados durante o período normal de funcionamento (9h às 12.30h e das 14h às 17.30h), conforme estipulado no n.º 2 do art. 101.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro e republicado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro.
a) - Este parágrafo tem por escopo a possível análise do processo e/ou esclarecimento de qualquer dúvida que possa subsistir por parte do sujeito passivo.
- Os factos mencionados em sede de exercício do direito de audição não alteraram os pressupostos elencados no direito de audição (n/ ofício n.º 13071, de 31/12/2007), não obstando por isso, ao prosseguimento do processo.
(…)”.
9. Em 30/9/2009, a impugnante dirigiu ao Director da Alfândega de Peniche a reclamação graciosa do processo de conferência final n.º 121/2007, nos termos constantes de fls. 64 a fls. 69 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual constam os seguintes fundamentos:
- Caducidade da dívida;
- Violação do direito de defesa por falta de apreciação dos elementos de defesa apresentados;
- Violação do direito de fundamentação;

10. Em 19/1/2010, a Divisão dos Impostos sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas e o Tabaco enviou por carta registada com aviso de recepção o ofício constante de fls. 92 a 108 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, a comunicar que por despacho de 15/1/2010 do Director-Geral foi indeferida a reclamação graciosa n.º 7/2009 da Alfândega de Peniche, Proc. PCF/121/2007.

11. Em 11/2/2010 a presente impugnação foi enviada por correio registado ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (cf. envelope a fls.44 dos autos em suporte de papel)».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Vem o presente recurso interposto para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que, julgando improcedente a impugnação judicial, manteve a liquidação de IABA efectuada.
A Recorrente discorda da sentença no que se refere às seguintes questões:
i) caducidade do direito de liquidação, por a notificação da liquidação ter ocorrido (em 11 de Setembro de 2009) mais de 4 anos após a prática dos factos tributários (que ocorreram entre 1 de Outubro de 2003 e 4 de Agosto de 2004) e inexistir causa de suspensão da caducidade do direito (conclusões 1.ª a 4.ª),
ii) violação do direito de participação, por falta de apreciação das «muitas questões e elementos novos e essenciais colocados pela Impugnante, relativos aos pressupostos e métodos de apuramento e liquidação dos tributos impugnados, em sede de audição prévia» (conclusão 5.ª) e
iii) falta de fundamentação, por esta se apresentar «muito incompleta e com graves erros e omissões» (conclusão 6.ª).
Impõem-se, desde já, duas observações: primeira, porque na conclusão 5.ª a Recorrente invoca também a omissão de pronúncia, haverá também que verificar se a sentença enferma desse vício; segunda, apesar de a Recorrente autonomizar as questões da violação do direito de participação e da falta da fundamentação, afigura-se-nos que o vício que pretende assacar ao acto impugnado com a respectiva alegação é, como procuraremos demonstrar adiante, se for caso disso (Isto é, se a apreciação do recurso exigir o conhecimento da questão.), a falta de fundamentação por a AT, a seu ver, não ter considerado no discurso fundamentador as questões por ela Contribuinte suscitadas em sede de audiência prévia.


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2.2.2 DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA

A Recorrente assaca à sentença nulidade por omissão de pronúncia. Embora a formulação da conclusão 5.ª seja algo equívoca, pois dela parece resultar que a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia decorre do facto de que a AT «não apreciou, nem valorou, nenhuma das muitas questões e elementos novos e essenciais colocados pela Impugnante, relativos aos pressupostos e métodos de apuramento e liquidação dos tributos impugnados, em sede de audição prévia», a verdade é que, conjugando essa conclusão com o teor das alegações, maxime as vertidas sob os n.ºs 24 a 30, verifica-se que a Recorrente pretende que a sentença não apreciou o vício por ela invocado na petição inicial, de violação «[d]os direitos de defesa e de participação da Impugnante consagrado nos arts. 20.º, 268.º, 4, 267.º, 5, da CRP e 60.º, 7, LGT», vício que considera decorrer do facto de que a AT «não apreciou, nem valorou, nenhuma das muitas questões e elementos novos e essenciais colocados pela Impugnante, relativos aos pressupostos e métodos de apuramento e liquidação dos tributos impugnados, em sede de audição prévia».
Com esta leitura, podemos desde já adiantar que a sentença não enferma da nulidade que a Recorrente lhe assaca e que, como é sabido, só pode ocorrer quando a sentença tenha deixado de se pronunciar sobre questão cujo conhecimento se lhe impunha, por lhe ter sido suscitada e a sua decisão não resultar prejudicada pela solução dada a outra (cfr. art. 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conjugado com o art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Na verdade, lida a sentença, verificamos que nela se abordou, aliás de modo autonomizado, a questão da «ilegalidade por violação da audiência prévia, porque não foram consideradas as suas alegações nessa sede».
Poderá o tratamento dado à questão não ter sido o ajustado, designadamente por não ter apreciado toda a argumentação aduzida pela Recorrente; mas, como a jurisprudência tem vindo a dizer repetida e uniformemente, há omissão de pronúncia quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Poderá também a sentença não ter feito correcto julgamento da questão, mas essa discussão situa-se já no âmbito da validade material da sentença e não no da sua validade formal, que é onde se colocam as nulidades.


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2.2.3 DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

Como resulta da matéria de facto dada como assente, o período a que se refere a liquidação é o compreendido entre 1 de Outubro de 2003 e 4 de Agosto de 2004 e a notificação da liquidação ocorreu em 11 de Setembro de 2009, ou seja, mais de 4 anos após o termo desse período, motivo por que a ora Recorrente suscitou na petição inicial a questão da caducidade do direito à liquidação, esgrimindo a violação do disposto no art. 45.º, n.º 1, da LGT.
A sentença recorrida não atendeu essa argumentação, pois considerou que o prazo da caducidade só se iniciou em 25 de Junho de 2007, data em que foi elaborado o relatório de varejo, motivo por que só se esgotaria em 25 de Junho de 2011 e, por outro lado, que há ainda a considerar que o prazo se suspendeu, nos termos do n.º 1 do art. 46.º da LGT, «com a notificação ao contribuinte, dos termos legais da inspecção, o que aconteceu em 2/1/2008».
Quanto à alegação da Impugnante, de que porque a inspecção se iniciou em 4 de Agosto de 2004 e só terminou em 22 de Junho de 2007, sem que tenha havido qualquer acto de prorrogação do prazo legal para a duração da inspecção, que é de seis meses, foi violado o disposto no art. 36.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro, considerou a sentença que sempre deverá ter-se presente que a única consequência para a ultrapassagem do prazo legal de inspecção é cessar o efeito suspensivo do prazo de caducidade durante o decurso da inspecção, contando-se o prazo como se não tivesse havido causa suspensiva, e, em todo o caso, que «a operação de varejo, realizada em 2004, é uma operação de controlo regular, que não está abrangida no processo inspectivo constante do RCPIT e aos limites aí estabelecidos para a sua realização».
A tudo isto opõe a Recorrente que o prazo se deve contar da data em que ocorreram os factos tributários, motivo por que, referindo-se estes ao período entre 1 de Outubro de 2003 e 4 de Agosto de 2004, a caducidade do direito à liquidação se consumou, relativamente a todos eles, em 4 de Agosto de 2008, tanto mais que se não verificou causa de suspensão alguma, pois tendo a inspecção ultrapassado o prazo de seis meses previsto no n.º 1 do art. 46.º da LGT, sem que tenha sido deferida qualquer prorrogação do mesmo, cessa o eventual efeito suspensivo dela decorrente.
Mais contesta que se utilize como dies a quo a data da elaboração do relatório, uma vez que esta ocorreu mais de três anos após o início da inspecção, em flagrante violação do disposto no art. 36.º do RCPIT, que fixa como regra o prazo de seis meses, a contar da notificação do seu início, para a conclusão da inspecção.
Vejamos com quem está a razão, tendo presente que a versão do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC) a que nos referiremos é a que foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, que estava em vigor à data, e que veio a ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, que aprovou o novo CIEC.
Damos por adquirido que a lei aplicável para aferir da caducidade do direito à liquidação é, no caso, em que está em causa o IABA resultantes de operações internas (Se o imposto fosse resultante de importação de bens, o regime aplicável seria diverso.), a prevista no art. 45.º da LGT (Com desenvolvida exposição sobre o tema, vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 10 de Fevereiro de 2010, proferido no processo n.º 1086/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5c815cd8c2a55454802576cb004c418c.), cujo n.º 1 dispõe: «O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».
Damos também por adquirido que, nos termos do n.º 4 do art. 45.º da LGT, o prazo de caducidade se conta a partir da data em que o facto tributário ocorreu, no caso dos impostos de obrigação única.
Sendo certo que estamos perante uma situação de introdução irregular no consumo, circunstância que não obsta à tributação em IABA (De acordo com o disposto no art. 10.º da LGT, segundo o qual o carácter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição, titularidade ou transmissão de bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis, também o CIEC prevê a exigibilidade do imposto relativamente a situações de irregularidade, ou seja, situações em que não tenham sido observadas as formalidades legalmente previstas.), a sentença andou bem quando, seguindo a posição adoptada pelo acórdão de 10 de Fevereiro de 2010, proferido n.º 1086/09 (Referido supra na nota 3.), considerou que, porque não é possível determinar com exactidão o momento em que teve lugar a introdução em consumo, em que ocorreu o facto tributário, o prazo de caducidade, atenta a impossibilidade do exercício do direito à liquidação enquanto a Administração dele não toma conhecimento [cfr. art. 329.º do Código Civil (CC)], deve contar-se do momento em que a Administração verificou a irregularidade, devendo ter-se esta como sendo a data em que ocorreu o facto tributário, solução que, antes de 1 de Janeiro de 2009, se impunha por paralelismo com o disposto no art. 214.º do Código Aduaneiro Comunitário (Cfr. SÉRGIO VASQUES, Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2001, págs. 317/318.) e, depois, mereceu consagração legal, primeiro no n.º 4 do art. 7.º do CIEC – que dispunha: «No caso de não ser possível determinar, com exactidão, o momento em que ocorreu a introdução no consumo, o momento a considerar para efeitos de exigibilidade do imposto é o da constatação dessa introdução pela autoridade aduaneira» –, norma que foi aditada pelo art. 88.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009) e, hoje, no n.º 3 do art. 9.º do actual CIEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.
Já quanto ao momento em que Administração tomou conhecimento da introdução no consumo, se não podemos subscrever a tese da Recorrente, que diz que esse conhecimento terá ocorrido, no limite, durante o mês de Agosto de 2004 (a inspecção iniciou-se no dia 4 desse mês), também não podemos concordar com a sentença, que reporta esse conhecimento à data em que foi concluído o relatório da inspecção e elaborado o auto de notícia, ou seja, 22 de Junho de 2007.
A nosso ver, a tese da sentença quanto ao conhecimento do facto tributário tem de compaginar-se com as regras de duração da acção inspectiva. Explicando: porque a acção inspectiva teve o seu início em 4 de Agosto de 2004, o conhecimento do facto tributário, se não houver elementos que permitam concluir ter ocorrido antes, deve ter-se por adquirido no termo do prazo legal para a conclusão da mesma. A não ser assim, a AT pouco incentivo teria para concluir as acções de fiscalização dentro dos prazos legais para o efeito, pois sempre poderia, desde que dentro dos limites da prescrição, contornar os prazos de caducidade, bastando-lhe para tal jogar com a data de elaboração do relatório da inspecção, que está na sua exclusiva disponibilidade. Ora, o legislador não pode ter querido um resultado tão perverso (cfr. art. 9.º, n.º 3, do CC).
Assim, sendo que os prazos para a acção de fiscalização impunham a conclusão do relatório de inspecção no prazo de seis meses, com a possibilidade de duas prorrogações de três meses cada (cfr. art. 36.º, n.ºs 2 e 3, do RCPIT) – possibilidade que, no caso, não foi utilizada –, temos de concluir que o conhecimento dos factos tributários pela Administração ocorreu em 4 de Fevereiro de 2005, termo do prazo para a conclusão do procedimento de inspecção, sendo com início nessa data que se conta o prazo de caducidade do direito à liquidação.
Assim, na ausência de causas suspensivas do prazo, o mesmo terminaria em 4 de Fevereiro de 2009.
Será que, como argumenta a sentença, se deverá considerar que o prazo se suspendeu, nos termos do art. 46.º, n.º 1, da LGT («O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspecção».), com a notificação à ora Recorrente da ordem de serviço ou do despacho no início da acção de inspecção (Cuja data, aliás, não estabeleceu nos factos provados. Em todo o caso, não há dúvidas quanto ao excesso do prazo, uma vez que a inspecção se prolongou por mais de 34 meses.)? Não, pois, como bem salientou a Recorrente, no caso e por força da parte final do mesmo preceito, esse efeito suspensivo cessou em virtude da duração da inspecção ter excedido o prazo de seis meses após a notificação (Vide, por todos, o seguinte acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 1475/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/df4402bd33c860cb8025803b00322712.).
Assim, somos a concluir, com a Recorrente e com o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, que quando a notificação da liquidação foi efectuada à ora Recorrente já estava esgotado o prazo da caducidade do direito de liquidar.
Finalmente, diremos que não encontramos apoio legal para a tese sustentada na sentença e defendida pela Recorrida, de que as regras do RCPIT não são aplicáveis às inspecções a cargo da DGAIEC. Se é certo que só com a Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, o RCPIT, que passou então a denominar-se Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária e Aduaneira, passou a regular directamente o procedimento de inspecção aduaneira, a verdade é que o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro (que aprovou o RCPIT), desde sempre estipulava a aplicação subsidiária deste Regime à DGAIEC «no que não for incompatível com a natureza dos procedimentos de inspecção de que está legalmente incumbida».
Ora, não vislumbramos em que é que o art. 36.º do RCPIT seria incompatível com a natureza dos procedimentos de inspecção a cargo da DGAIEC.
Por tudo o que ficou dito, o recurso merece provimento.
Em consequência, a impugnação judicial será julgada procedente e anular-se-á a liquidação impugnada com fundamento na invocada caducidade do direito à liquidação, assim ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - No caso de introdução irregular no consumo, é de admitir que o prazo da caducidade do direito à liquidação se conte apenas do conhecimento do facto tributário pela AT (cfr. art. 214.º do CAC, aplicável analogicamente, em solução que, depois, mereceu consagração legal no CIEC, primeiro no n.º 4 do art. 7.º, aditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro e, hoje, no n.º 3 do art. 9.º do actual CIEC.
II - Tendo o procedimento de inspecção durado quase três anos, não pode considerar-se que esse conhecimento só tenha ocorrido com a elaboração do relatório final, antes devendo considerar-se adquirido, pelo menos, no termo do prazo para concluir a inspecção fixado no art. 36.º do RCPIT.
III - O prazo de caducidade do direito à liquidação suspende-se com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, mas esse efeito suspensivo cessa, e o prazo conta-se do seu início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação (art. 46.º, n.º 1, da LGT).
IV - Ainda antes da alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, determinava a aplicação supletiva do RCPIT à DGAIEC «no que não for incompatível com a natureza dos procedimentos de inspecção de que está legalmente incumbida», motivo por que deve a acção de fiscalização realizada pelos serviços aduaneiros no entreposto fiscal de uma empresa depositária autorizada conformar-se com o disposto no art. 36.º daquele Regime.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida, e julgando procedente a impugnação judicial, em anular a liquidação impugnada.

Custas pela Recorrida.


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Lisboa, 4 de Outubro de 2017 – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Casimiro Gonçalves.