Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0627/16
Data do Acordão:06/28/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CUSTO
MENOS VALIAS
INDISPENSABILIDADE DE CUSTOS
Sumário:I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
II - Assim, um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).
III - Não pode a AT desconsiderar na formação do lucro tributável a menos-valia resultante da venda de participações sociais duma sociedade que se dedica à mesma actividade do sujeito passivo, se não põe em causa que a aquisição e venda dessas participações se insere no escopo societário e se não põe em causa a realidade dos preços de aquisição e de venda nem a sua conformidade aos valores de mercado. Não pode, designadamente, desconsiderar essa menos-valia com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade (cfr. art. 23.º do CIRC na referida redacção) baseada numa inexigível e até impossível falta de identificação dos “proveitos futuros decorrentes dessa menos-valia”.
IV - Ademais, esse entendimento da indispensabilidade reconduz-se à exigência de uma relação de causalidade necessária e directa entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência.
Nº Convencional:JSTA00070259
Nº do Documento:SA2201706280627
Data de Entrada:05/19/2016
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIRC01 ART23 N1.
CONST76 ART104 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0107/11 DE 2011/11/30.; AC STA PROC0779/12 DE 2014/11/24.
Referência a Doutrina:MOURA PORTUGAL - A DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS NA JURISPRUDÊNCIA FISCAL PORTUGUESA PÁG243 PÁG276.
TOMÁS TAVARES - DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA PARCIAL ENTRE CONTABILIDADE E O DIREITO FISCAL NA DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL DAS PESSOAS COLECTIVAS CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL N396 PÁGS131-133 PÁG136.
RUI MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC PÁG87.
VITOR FAVEIRO - ESTATUTO DO CONTRIBUINTE NO ESTADO SOCIAL DE DIREITO PÁG848.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 205/04.5BEBRG

1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “A………………, S.A.” (a seguir Recorrente ou Impugnante) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na parte que em julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 1999, após a Administração tributária (AT) ter feito correcções à matéria tributável declarada, designadamente por não ter aceitado como perda do exercício uma verba respeitante à menos-valia decorrente da alienação de participações sociais.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A) O Tribunal a quo concluiu que a alienação, pela Impugnante, das participações que detinha no capital da B………… correspondeu a um acto normal de gestão, perfeitamente compreensível no quadro fáctico dado como provado, ou seja, que não se tratou de uma operação anómala ou abusiva, motivada por um fim de economia fiscal, com o que a ora Recorrente, obviamente, concorda,

B) Porém, naquilo que designou como segundo patamar da sua análise, o Tribunal a quo entendeu que «a pergunta que se impõe é saber quais os ganhos ou proveitos que a A……………… retirou com a alienação da B…………..».

C) Afirmando, sem qualquer fundamentação, que os proveitos ou ganhos a que se refere não são o preço recebido pela Impugnante em razão de tal alienação.

D) Colocada nestes termos, a interrogação do Tribunal a quo não faz qualquer sentido, desde logo porquanto a alienação de um bem do activo imobilizado (não corrente) não é, por definição, instrumental relativamente à realização de quaisquer proveitos no futuro, é tão só a troca de um bem pelo seu valor de mercado.

E) Mais, quando uma empresa que decide alienar uma «ferramenta» indispensável à continuidade de uma actividade económica deixa de a poder exercer, deixa, portanto, de obter no futuro os rendimentos (correntes) que seria o normal resultado do prosseguimento dessa actividade.

F) O Tribunal a quo parece pretender introduzir no nosso ordenamento fiscal, em matéria de dedutibilidade de custos, um critério de causalidade adequada; um gasto só seria dedutível na medida em que lhe possa ser associado directamente a obtenção de um proveito.

G) A exigência da prova de uma relação directa entre o negócio realizado (alienação de participações sociais por preço inferior ao da sua aquisição) e a concreta obtenção de proveitos futuros pela alienante não tem qualquer suporte legal nem faz, racionalmente, qualquer sentido.

H) Provada – como ficou – a indispensabilidade (o propósito empresarial) da perda realizada com a alienação das acções em causa, nada mais há a exigir para que se conclua pela dedutibilidade fiscal de tal gasto.

I) Uma menos-valia realizada (descrita num dos exemplos do n.º 2 do art. 23.º do CIRC) é em princípio indispensável para a organização (por preenchimento da cláusula geral do art. 23.º do CIRC).

J) O ónus da prova da não indispensabilidade desta menos-valia realizada competia à AT.

K) A sentença é ilegal ao assumir, erroneamente que o ónus da prova da indispensabilidade da menos-valia compete ao contribuinte – quando é justamente o contrário.

L) E é ilegal porque a AT não provou a ausência de relação de indispensabilidade da menos-valia em causa: não provou o desvio desta operação (compra e venda da B………….) face à capacidade da empresa; não demonstrou a inexistência de razões para a redução substancial do património da sociedade (bem pelo contrário, as razões da desvalorização económica da participação são válidas e justificáveis).

M) A sentença recorrida entendeu, bem ao invés, que o contribuinte, em dever de colaboração, traçou com elevado grau de concretização todo o decurso dos factos (motivo da compra, desvalorização e da ulterior venda da dominada B………….), não podendo a AT intrometer-se nessa liberdade de gestão empresarial.

N) Por todos estes motivos, a sentença recorrida deve ser revogada, concluindo-se pela total procedência da impugnação».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou o recurso.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença (na parte recorrida, entenda-se) e julgada procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação da liquidação impugnada (também nessa parte), com a seguinte fundamentação:

«[…] Resultam como questões a decidir, em resumo, a da legalidade do decidido quanto à apreciação efectuada a propósito do n.º 2 do art. 23.º do C. do I.R.C. para efeitos do art. 23.º do C. do I.RC., bem como ainda quanto à repartição do ónus da prova que lhe foi imputada como sendo aplicável quanto ao destino da operação (compra e venda da B…………….).
Ora, remontando os factos a 1999, é aplicável a versão da dita norma do art. 23.º n.º 1 era a seguinte no que interessa aplicar: “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os seguintes: (...) i) menos-valias realizadas”.
No seu n.º 2 apenas estavam excluídas as “despesas ilícitas”.
Também no art. 24.º do C.I.R.C., se previa como regra:
- “ concorrem para a formação do lucro imputável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”.
Conforme já foi expressa na sentença recorrida, citando a doutrina do prof. Rui Duarte Morais, então, tal como sucedia com a norma do artigo 23.º do Código da Contribuição Industrial (quanto à expressa menção a certos e determinados factos qualificáveis como proveitos ou ganhos), não se definia aí o sentido absoluto dos conceitos de custos ou perdas.
Os mesmos eram, pois, de entender no sentido comum, incluindo todos os gastos ou depreciações de valor que fossem indispensáveis suportar para a realização dos proveitos, ou para a manutenção da respectiva “fonte produtora”.
A dedutibilidade fiscal do custo dependia apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa, sendo a indispensabilidade de entender de acordo com a teoria da especialidade das pessoas colectivas, segundo o qual as operações societárias que se inserissem na sua capacidade e em respeito ao escopo societário eram de aceitar – cfr. António Moura Portugal, A dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 108 a 127, em que analisa a jurisprudência até então produzida.
É certo que, de acordo com o entendimento de certa jurisprudência, seria necessário existir ainda uma relação causalidade necessária entre os custos e os próprios proveitos da empresa. Contudo, tal entendimento foi posteriormente afastado pelo acórdão do S.T.A. de 24-9-14, no proc. 779/12, acessível em www.dgsi.pt o qual decidiu que, apenas sendo prosseguidos outros fins, é de afastar a dita indispensabilidade.
Assim sendo de considerar, resulta prejudicado o conhecimento da questão do ónus de prova de imputar à A.T.».

1.5 Os Conselheiros adjuntos tiveram vista.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que, no apuramento da matéria tributável da ora Recorrente em sede de IRC do ano de 1999, não podia relevar como perda o montante correspondente à menos-valia resultante da alienação de participações sociais, por a Impugnante não ter demonstrado a indispensabilidade da mesma para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (como exigido pelo art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como assentes os seguintes factos:

«1. A Impugnante foi notificada do documento de cobrança n.º 2003 8310017867, referente à liquidação adicional de IRC, relativa, ao ano de 1999, no montante global de € 748.913,94, com data de limite de pagamento voluntário de 10.12.2003 (cfr. doc. 1 junto com a Petição Inicial (PI)).

2. A Impugnante é uma sociedade anónima, que tem por objecto social o comércio de automóveis, peças e acessórios, reparação e assistência e estação de serviço desde 18.06.1993 (cfr. fls. 28 do Processo Administrativo (PA) apenso).

3. Desde 1995 que a A…………. detinha a concessão ………… para a região do Minho, excluindo Barcelos e Esposende (cfr. depoimento das testemunhas ……… e …………..).

4. Em 1997, a B………. detinha a concessão da ………. para o concelho de Barcelos e Esposende (cfr. depoimento das testemunhas ……….. e ………..).

5. Na mesma data referida em 4., a B………. era também concessionária da ……….. (cfr. RIT e artigo 45 da PI e depoimento da testemunha ………………).

6. Em 1997, a Impugnante adquiriu as participações sociais da sociedade B……….., S.A. por 600.000.000$00, passando a deter por essa via a concessão da …………. para o concelho de Barcelos e Esposende (cfr. fls. 34 do PA apenso - RIT e artigo 31 e 39 da PI).

7. Por carta datada de 07.10.1997, a ……….. comunicou à Impugnante a alteração do Pacto Social, com o teor que se transcreve:
“De acordo com a correspondência trocada e na sequência da reunião efectuada nas nossas instalações, vem a ………….. reiterar a posição transmitida na referida reunião e que se traduz no seguinte:
1. A ………… manifesta a intenção de manter o Contrato de Concessão com a firma B………., S.A. caso estejam reunidos os seguintes pressupostos:
a) A Firma não ser propriedade de qualquer outra firma concessionária de automóvel, podendo, no entanto, ter sócios comuns com qualquer outra empresa do ramo;
b) Trabalhar a marca …………… em exclusivo.
2. Em alternativa conceder a concessão a uma empresa que, não provocando qualquer descontinuidade ao nível de negócio, garanta as condições apontadas em 1.
Em qualquer das situações, que deverá ser indicada por V. Exas., contamos dispor num curto espaço de tempo, das instalações já objectivo de discussão e aprovação, ainda que em diferente localização”
(cfr. fls. 366 do suporte físico dos autos)

8. Em 1997, a B……….. renunciou à concessão da ………….. (cfr. RIT e depoimento das testemunhas ……………, ………… e ………..).

9. Após a renúncia da ………. pela B…………, [a] …………. atribuiu a concessão de Barcelos e Esposende gratuitamente à A………….. (cfr. depoimento da testemunha ………..).

10. A Impugnante em 1999 alienou as participações sociais da B…………. por 200.099.090$00 (cfr. fls. 34 do PA apenso – RIT e depoimento da testemunha ………………)

11. O Impugnante considerou como custo do exercício o montante de 1.201.902$00, relativo a quatro documentos internos com a referência A.0.12079, que se referem a “Viagem ao estrangeiro em 1999”, “Estadia em Portugal em 1999”, “Estadia em Espanha 1999” e “Viagens com estadia aos Açores – 08/09” (cfr. fls. 35 do PA apenso - RIT).

12. Em 1999, o Director Financeiro da A………………… deslocou-se a Estugarda na Alemanha, para conhecer a realidade da marca ………… (cfr. depoimento da testemunha ……………….).

13. No mesmo ano referido em 12., o mesmo Director deslocou-se a Espanha (Madrid), aos Açores e ainda a Setúbal, para conhecer a realidade da marca ………….., bem como fazer prospecção de negócios (cfr. depoimento da testemunha …………….).

14. Por carta datada de 23.09.2003, a Impugnante foi notificada do Projecto de Conclusão do Relatório de Inspecção, elaborado em 12 de Setembro de 2003 (cfr. fls. 6 a 15 do PA apenso).

15. Em 08.10.2003, a impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Braga, requerimento para efeito do exercício do direito de audição prévia (cfr. fls. 58 a 94 do PA apenso).

16. Por carta datada de 20.10.2003, a Impugnante foi notificada do teor do Relatório de Inspecção Tributária, exarado em 10.10.2003, cujo conteúdo se transcreve na parte em que releva:
“I-2. Descrição suscita das conclusões da acção de inspecção
(…)
Em sede de IRC:
O prejuízo para efeitos fiscais declarado pelo sujeito passivo para o ano de 1999 no montante de 389.166,01 € e entretanto já corrigido para 388.542,51 € em análise interna será corrigido para um lucro tributável no montante de 1.621.250,08 €.
(…)
III Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
(…)
B. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
b.1) O sujeito passivo considerou como variação patrimonial do exercício o valor de 399.900.100 € (1.994.693,29 €).
Verificamos que essa variação patrimonial negativa é referente à alienação por 200.099.900$ de uma participação financeira (199.900 acções) na sociedade B…………., S.A, cujo valor de aquisição, em 1997, foi de 600.000.000$.
Nos termos do artigo 24.º e 23.º do Código sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) este valor não é aceite como custo fiscal pois não se trata de uma despesa comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nem para a manutenção da fonte produtora.
b.2) O sujeito passivo considerou como custo do exercício do montante de 1.201.902$ (5.995,06 €) relativo a quatro viagens que registou na conta 622212 – despesas de representação, com base no documento com o n.º interno A.0.12.079, cujos documentos da agência de viagens referem: “Viagem ao estrangeiro 1999”; “Estadia em Portugal 1999 “; “Estadia em Espanha 1999” e “Viagens com estadia aos Açores - 08/99”.
Nos termos do artigo 23.º do C’IRC, estes custos não são aceites como custo fiscal uma vez que não se vislumbra que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto nem para a manutenção da fonte produtora.
Deste modo acrescemos ao prejuízo para efeitos fiscais declarado pelo sujeito passivo o valor de 5.995, €.
b.3) O sujeito passivo considerou como custo do exercício o montante de 2.281.545$ (11.380,30 €) relativo a IVA contido nos três documentos identificados no quadro abaixo elaborado, e que se referem a rescisões de três contratos de leasing de viaturas ligeiras de passageiros.
(…)
IX. Direito de audição – Fundamentação
O sujeito passivo foi notificado pelo ofício n.º 50813025 de 23/09/2003 para nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar de Procedimentos da Inspecção Tributária, exercer o direito de audição no prazo de 10 dias.
Esse direito de audição foi exercido, tendo o respectivo documento sido recepcionado dia 08/10/2003, ficando registado com o n.º de entrada 45829.
O sujeito passivo nesse exercício de audição vem argumentar:
(...)
1.3. Correcção a variação patrimonial negativa:
a) Nos pontos 47 a 133 do documento de exercício de direito de audição, o sujeito passivo pretende demonstrar que a variação patrimonial que não foi aceite para efeitos fiscais o deve ser.
b) O sujeito passivo vem referir resumidamente que “... se a alienação não tivesse sido efectuada em 1999, a menos-valia teria ainda assumido piores proporções…”; “quanto ao que … está materialmente em causa quando se gera uma menos-valia ... quando se vende um bem que se comprou – existem sempre três grandezas: um custo, um proveito e um lucro (positivo ou negativo)”; “… quanto à indispensabilidade da menos-valia para a realização dos proveitos… em geral… parece que as menos-valias nunca seriam indispensáveis à formação dos proveitos nem à manutenção da fonte produtora: pelo contrário decorrem da destruição da fonte produtora, o que implica uma diminuição da capacidade para gerar proveitos…, este raciocínio não colhe ... o artigo 23.º não permite discutir se as menos-valias são elevadas ou reduzidas”; “... quanto à indispensabilidade da menos-valia para a realização dos proveitos, ... no nosso caso em particular e não fosse a venda da participação na B…………….. e se mesmo assim se tivesse mantido o mesmo nível de investimento – há quatro anos que a A………. teria um nível de endividamento superior ao efectivo.., teria ocasionado um custo financeiro acrescido ... e a participação social na B………….. teria hoje um valor inferior”; “... recentemente, o legislador, porventura por entender que as menos-valias em partes sociais poderiam constituir uma porta para a evasão fiscal, veio estabelecer condicionantes à relevância das mesmas como custo fiscal ... mas isso é para o tempo em que a lei vigora (a partir de 2003)”; “... se a Administração Fiscal tem entendido (pensa-se que com toda a generalidade,) que as menos-valias constituem custos para efeitos fiscais ... não pode sob pena de violação do referido princípio da igualdade, tratar a situação em apreço de forma diferente”.
c) Relativamente a todos os argumentos apresentados pelo sujeito passivo temos apenas a referir que os mesmos tecem considerações teóricas acerca das menos-valias fiscais não nos apresentando qualquer facto novo.
d) A longa dissertação sobre conceitos de mais e especialmente menos-valias, bem como as respectivas explicações sobre a forma de as interpretar com correcção, que agradecemos, merecem o nosso maior respeito e aplauso. Não obstante, não deixamos de achar curioso o facto de em ponto algum da justificação se fazer qualquer alusão aos verdadeiros motivos da alegada indispensabilidade (artigo 23.º do CIRC) do custo contabilizado relativo à menos-valia.
e) Foi por demais explicado a representantes da empresa (nomeadamente Director Financeiro), no decorrer da acção inspectiva qual o motivo que condiciona a não indispensabilidade do custo tal como ela é apontada. E é por isso que nos surpreende esta tentativa de lição sobre menos-valia, a qual diga-se está muito bem preparada, pecando apenas pela parcialidade com que natural e compreensivelmente é apresentada.
f) É preciso recordar que quando em 1997 a A………… adquiriu a participação na B……….. por 600.000.000$ esta possuía a concessão da ………. para o concelho de Barcelos e que quando em 1999 a alienou por 200.000.000$ aquela concessão já não era pertença da B…………..
g) Mas então qual é o problema? (Dirá a exponente!) É que a referida concessão da ………. passou para a posse da A……….. não influenciando os resultados fiscais. E porque será que tal aconteceu? Apenas porque nessa altura a A………. era dona da B……….., e talvez por estratégia de negócio interessava passar tal concessão para a primeira. Caso contrário a referida concessão poderia eventualmente ter sido negociada com outra empresa que a pagaria adequadamente, gerando uma mais-valia elevada.
h) É obvio que o valor de tal concessão é elevado e ao ser transferida, por qualquer que seja o método, para a A…………., tal concessão vai reflectir-se no valor das acções que uma e outra empresa, quiçá até em valores iguais de sinal contrário. E é certo que a A………… não referiu para efeitos fiscais tal ganho. Porque deveria então reflectir a correspondente perda (obtida na alienação da participação na B………..)? Parece que afinal, tudo terá ficado em substância a mesma – a A……….. era detentora de participação da B………… e não detinha a concessão da …………. para o concelho de Barcelos; a concessão da …………. para o concelho de Barcelos passou para a A………. e esta alienou a participação na B………… aos detentores do seu capital (passando com a alienação da partição social a serem proprietários destas empresas as mesmas pessoas).
i) O que a A………… perdeu na alienação da participação na B…………., afinal não perdeu, pois a concessão passou a fazer parte do património da A…………., sem qualquer reflexo fiscal, nem e noutro lado.
j) Se a B………….. tivesse alienado a concessão …………. a um terceiro teria proporcionado um proveito que certamente condicionada a existência de uma mais-valia na alienação da participação da A……….na mesma.
k) É claro que se pode sempre dizer que a B……….. mais tarde ou mais cedo iria perder a concessão porque a ………… lha iria tirar por este ou aquele motivo, mas a verdade é que não foi assim. A concessão passou, e não é relevante a que título ou com que artifício, de uma empresa para a outra pelas mãos dos mesmos donos. Como resultado disso pretende-se obter uma vantagem fiscal que consiste em pagar menos impostos à custa de reflectir nos resultados da A………. um prejuízo que na substância não existe no cômputo do negócio.
l) É de todo uma injustiça para que paga imposto e é também na nossa opinião, ilegal face ao código do IRC.
m) Assim, reafirmamos o que já foi dito no projecto de conclusões do relatório. A obtenção de tal custo não é indispensável à formação do rendimento, nem à manutenção da fonte produtora do rendimento, tal como é claramente referido no artigo 23.º do CIRC.
1.4. Correcção a despesas de representação:
a) Nos pontos 134 a 143 do documento de exercício de direito de audição, o sujeito passivo indica que”… os custos em causa foram suportados a propósito de deslocações do novo Director da A……….... que se deslocou à Alemanha ... para contactos com quadros da ………… ... no interior do país ... e em Espanha para contactos com outros concessionários ... nos Açores, onde a A……….. pensava vir a instalar-se...”
b) Apesar das indicações que referimos no ponto anterior o sujeito passivo não faculta qualquer elemento que prove as efectivas deslocações e a finalidade das mesmas que indica serem a base da consideração como despesas de representação dos valores aqui em causa.
c) Assim, por não ser possível ver ficar a necessidade destes valores para a realização de proveitos sujeitos a imposto mantemos a correcção efectuada nos termos do artigo 23.º do CIRC.”
(cfr. fls. 26 a 49 do PA apenso – RIT)

17. Em 21.10.2904, foi emitido o Despacho com o teor que se transcreve:
“Concordo com as conclusões do presente relatório e com as correcções nele propostas. Procedimentos necessários.”
(cfr. fls.25 do PA apenso)

18. A presente Impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Braga em 26.02.2004. (fls. 3 do suporte físico)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de fiscalização, e no que ora nos interessa considerar (Na impugnação judicial foi suscitada uma outra questão, relativa à correcção decorrente da não aceitação pela como custo de determinadas despesas de representação, mas a mesma foi decidida favoravelmente à Impugnante e, nessa parte, a sentença transitou em julgado.), a AT entendeu que a sociedade ora recorrente, com referência ao exercício do ano de 1999, no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC, tinha relevado negativamente, de modo indevido, a diferença (menos-valia) entre os preços por que, em 1997, adquiriu (Esc. 600.000.000$00) e, em 1999, vendeu (Esc. 200.099.090$00) as participações sociais que detinha numa outra sociedade. Segundo a AT, a ora recorrente não logrou demonstrar a indispensabilidade desse custo para a obtenção de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.
Consequentemente, a AT procedeu à correcção do lucro tributável declarado e à liquidação adicional do IRC que considerou em falta.
A Recorrente impugnou judicialmente essa liquidação e a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na parte que respeita à referida correcção, julgou improcedente a impugnação. Depois de enunciar a lei, a jurisprudência e a doutrina em torno da indispensabilidade como requisito para a relevância fiscal de um custo, salientou a sentença que a AT «não põe em causa a efectividade da existência da menos-valia, nem sequer o seu valor», apenas a não aceitando como componente negativa do lucro tributável porque «não se trata de um custo indispensável para a formação dos proveitos», porque «não se trata de uma despesa comprovadamente indispensável para a realização do proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».
De seguida, considerou que é sobre a AT que recai o ónus da demonstração da «existência de uma desconexão fáctica e económica dos gastos com a organização da empresa, que uma vez conseguida, fará impender sobre o sujeito passivo a obrigatoriedade de apresentar uma explicação acerca de congruência económica de tais gastos, para que sejam considerados».
Prosseguiu com o relato dos pertinentes pontos do relatório dos Serviços de Inspecção Tributária e, procedendo à análise dos mesmos e da prova produzida, concluiu, relativamente à operação em causa, de alienação das participações sociais da B…………, que «tratou-se de um acto de gestão da A………..», parecendo aceitar uma motivação empresarial desse acto.
No entanto, entendeu que se impunha ainda “elevar” a análise «para o seguinte patamar», que definiu, expressamente, como sendo o de «analisar o nexo de causalidade entre a menos valia realizada e os proveitos a alcançar pela Impugnante». Nesse “patamar”, depois de reiterar que, porque a Impugnante «tem como objecto social o comércio de automóveis, peças e acessórios, reparação e assistência e estação de serviço», é de entender que a «compra das participações sociais de B……….. foi integrada no âmbito destas actividades, desde logo porque aumentou o universo do comércio automóvel na “posse” da A………….», logo adiantou que «não parece poder entender-se o mesmo no que respeita à alienação das participações sociais». E, tentando explicar, deixou dito o seguinte, que transcrevemos integralmente, na tentativa de que melhor se compreenda a questão que cumpre apreciar e decidir:
«Com efeito, a alienação da B…………. gerou para a A………… uma menos-valia no valor de 399.900.100$00 (1.994.693,29 €).
A pergunta que se impõe é saber quais são os ganhos ou proveitos que a A…………… retirou com a alienação da B…………
Aqui, parece ser de concordar com a Inspecção Tributária, no sentido da alienação da B…………. não ter um reflexo nos rendimentos da A………….., sendo assim de concluir que não se trata de custos indispensáveis.
A alienação da B…………… foi um acto de gestão da A…………. que entendeu que aquele era o melhor momento para tal, atendendo a que esperava uma maior desvalorização da mesma. Como refere Rui Morais na passagem supra transcrita [(A sentença refere-se a uma citação que efectuou da seguinte obra: RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pág. 83 e segs.)], os sujeitos passivos são livres na sua forma de gerir as empresas e os encargos tidos por convenientes para a prossecução de determinada actividade económica. Daí que os tribunais ou a administração tributária não possam sindicar as opções de administração/gestão das empresas. Ora, o que cabia à Impugnante demonstrar, e não logrou conseguir, era que tal opção de venda das participações sociais se repercutiu nos proveitos da sociedade. Era imperioso que fosse capaz de estabelecer uma conexão entre o custo realizado e o proveito que lhe adveio desse custo. E não podemos considerar aqui como proveito, o montante da alienação.
Fazendo apelo ao Estudo de Tomás de Castro Tavares e confrontando os três sentidos possíveis em termos da interpretação da regra constante do art. 23.º do CIRC (indispensabilidade como sinónimo de absoluta necessidade, ou com o significado de conveniência, ou identificando-se com a noção de interesse societário) diremos parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo art. 23.º do CIRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram directamente proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa (cfr. Tomás de Castro Tavares, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, in Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 7 a 177).
No entanto, se ao momento da realização do custo ele não se revelar desde logo útil para o rendimento da empresa, não se pode considerar como custo para efeitos de dedução ao lucro tributável.
Conclui-se pois que, apesar da Impugnante traçar com elevado grau de concretização todo o decurso dos factos, a realidade é que não logrou demonstrar que com a realização daquela menos-valia se mostrava indispensável para os proveitos ou ganhos para a empresa, não tendo sido capaz de estabelecer a congruência económica das operações, na medida em que não identificou em que se traduziu o “suposto” proveito obtido.
Improcede assim a alegação da Impugnante quando à variação patrimonial negativa».
Ou seja, a sentença parece ter aceitado que a compra e a venda das participações sociais se inserem no escopo societário da Recorrente – e bem se compreende que assim seja, pois a sociedade Recorrente e a sociedade cujas participações ela adquiriu em 1997 e vendeu em 1999 têm idêntico objecto social – e não questiona (Se o questionasse, deveria talvez ter lançado mão do procedimento do art. 63.º do CPPT respeitante à utilização de normas antiabuso ou até, em face das relações entre as sociedades, ao mecanismo dos preços de transferência previsto no art. 57.º do CIRC.) que os preços de compra e de venda correspondam à realidade e até aos valores de mercado.
Apesar disso, a sentença entendeu que a AT andou bem ao desconsiderar a menos-valia na formação do lucro tributável, uma vez que a Impugnante não logrou demonstrar a relação entre a alienação das participações sociais e os seus rendimentos, que «a realização daquela menos-valia se mostrava indispensável para os proveitos ou ganhos para a empresa», «na medida em que não identificou em que se traduziu o “suposto” proveito obtido», sendo assim de concluir que «não se tratam de custos indispensáveis».
A Impugnante discorda da sentença e dela recorre para este Supremo Tribunal Administrativo. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, a Recorrente entende, em síntese, que foi feito errado julgamento, quer quanto ao conceito de indispensabilidade ínsito no art. 23.º do CIRC (sempre na redacção aplicável, que é a anterior à republicação do Código pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho) [cfr. conclusões as A) a I)], quer quanto ao ónus da prova da indispensabilidade da menos-valia [cfr. as conclusões J) a M)].
São essas, pois, as questões que urge apreciar e decidir.

2.2.2 DA INDISPENSABILIDADE COMO REQUISITO DA RELEVÂNCIA FISCAL DA PERDA POR MENOS-VALIA

O que temos de indagar é se a correcção que deu origem à liquidação impugnada podia ou não ser efectuada com o fundamento que o foi, i.e., ao abrigo do disposto no art. 23.º do CIRC, por a AT considerar que não estava verificado um dos requisitos de que essa norma fazia depender a caracterização de um custo como custo fiscal: a indispensabilidade.
Dizia o art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável à data:
«1- Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(…)
i) Menos-valias realizadas;
(…)»
Em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável (Nos termos do n.º 1 do art. 17.º do CIRC, «O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código».), tanto mais que, por imperativo constitucional [cfr. art. 104.º, n.º 2 («A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».), da Constituição da República Portuguesa (CRP)], a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. O que significa que devem excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os custos incorridos na obtenção do rendimento.
Há, no entanto, que ter presente que o legislador, na ponderação de motivos que considerou relevantes (E que se prendem com os fins extra-fiscais prosseguidos pelo Direito Fiscal, com os princípios da legalidade fiscal e da segurança jurídica, bem como com o princípio da soberania fiscal e com fins de prevenção e combate à evasão fiscal.), não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais (Adoptando um modelo de dependência parcial, que tomando como ponto de referência as normas contabilísticas e o resultado contabilístico, sujeita-o a ajustes extra-contabilísticos para cumprimento das normas fiscais) e entendeu que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável «os [custos ou perdas] que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. o já referido art. 23.º, n.º 1, do CIRC).
No caso sub judice não está em causa a comprovação da efectividade do custo, mas apenas a sua indispensabilidade. Impõe-se-nos, pois, indagar em que consiste essa indispensabilidade, uma vez que a lei, não obstante a enunciação exemplificativa das várias categorias concretas de encargos dedutíveis – entre as quais se incluem «as menos-valias realizadas» – constantes das diversas alíneas do referido art. 23.º, exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).
Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Entre muitos outros, fazendo um exaustivo tratamento do tema, vide o acórdão de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 107/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c0debd9869a94ea78025795f003be743?OpenDocument.).
Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).
Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2001, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.
«A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.
A esta luz, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito» (Cfr. acórdão de 15 de Junho de 2012 do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, proferido no processo n.º 29 2012 - T, disponível em
http://www.caad.org.pt/userfiles/file/P29%202012T%20-%202012-06-15%20-%20JURISPRUDENCIA%20-%20Decisao%20Arbitral.pdf. ).
Ou seja, a AT não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação economicamente infrutífera ou até ruinosa.
O que significa que, nos termos do citado art. 23.º do CIRC, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social. A utilização daquele preceito legal para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado circunscreve-se às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros. Dito de outro modo, «se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável» (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.).
A aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa.
Ora, tendo em conta que a actividade da ora Recorrente consiste, para além do mais, na comercialização de automóveis (cfr. n.º 2 dos factos provados), afigura-se-nos inquestionável que o custo respeitante à aquisição de participações sociais de uma sociedade que se dedica também àquela actividade, constitui um acto de gestão, inserindo-se sem margem para dúvida na actividade exercida e, à luz das regras da experiência, potencialmente gerador de proveitos. Não pode sequer considerar-se existir, no momento relevante para aferir da indispensabilidade, qualquer dúvida quanto à correlação do custo com a actividade da ora Recorrente (Se a AT tiver dúvidas, em face de um determinado custo, quanto à sua correlação com o escopo social do contribuinte, deverá solicitar a colaboração deste (que é que está em melhor situação para o efeito), indicando qual a motivação inerente e o objectivo prosseguido com o custo em causa. Trata-se aqui, contrariamente ao que parece entender o Juiz a quo, não de uma questão de repartição de ónus da prova, mas antes de um «dever de motivação ou “explicação acerca da congruência económica da operação”» (cfr. ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade…, pág. 276, bem como VÍTOR FAVEIRO, Estatuto do Contribuinte: A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra, 2002, pág. 848).). Ora, se assim é relativamente ao custo no momento da aquisição das participações sociais, não vislumbramos como possa ser de outro modo quando essas participações sociais são alienadas, quer daí resulte uma mais-valia (uma variação patrimonial positiva) ou uma menos-valia (uma variação patrimonial negativa). Note-se que o momento dessa alienação é um acto de gestão, cuja bondade não fica sujeita à sindicância da AT.
Poderia questionar-se a realidade do valores por que foram efectuadas a aquisição e a alienação das participações e os motivos subjacentes a estas operações perante as relações entre as duas sociedades, mas não foi esse o caminho seguido pela AT, que, como ficou dito na sentença, invocou um único motivo para afastar a relevância fiscal da menos-valia: a falta de demonstração da indispensabilidade da mesma «para os proveitos ou ganhos para a empresa», «na medida em que não identificou em que se traduziu o “suposto” proveito obtido».
Salvo o devido respeito, não é possível esgrimir a indispensabilidade, assim entendida, para desconsiderar a relevância fiscal da menos-valia.
Desde logo, afigura-se-nos que, a sustentar-se tal tese, nunca uma menos-valia realizada poderia relevar negativamente na determinação do lucro tributável pois é da sua natureza a falta de relação directa com proveitos. Como bem salientou a Recorrente, a venda de um bem do activo imobilizado «não é, por definição, instrumental relativamente à realização de quaisquer proveitos no futuro, é tão só a troca de um bem pelo seu valor de mercado». Aliás, foi o próprio legislador que fez constar da lista exemplificativa de custos ou perdas fiscalmente relevantes do n.º 1 do art. 23.º do CIRC as «menos-valias realizadas», o que deita por terra a argumentação ensaiada na sentença.
Salvo o devido respeito, é absurdo pretender estabelecer uma ligação directa entre uma menos-valia e quaisquer proveitos ou ganhos, não fazendo sentido a indagação sobre «o nexo de causalidade entre a menos valia realizada e os proveitos a alcançar pela Impugnante», que a sentença – depois de expressamente reconhecer que a alienação das participações sociais constitui um acto de gestão, uma escolha da gestão da sociedade em que a AT «não se pode intrometer» – erigiu em “segundo patamar da análise” da indispensabilidade.
Por outro lado, o entendimento da indispensabilidade perfilhado pela sentença reconduz-se à exigência de uma relação de causalidade necessária e directa entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência (Para além da doutrina e jurisprudência já citadas, o acórdão de 24 de Setembro de 2014 da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 779/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6c3dfbcbec2b7f7f80257d5f005091ec?.), como acima deixámos dito.
Não importa, sequer, averiguar sobre quem incumbe o ónus da demonstração da indispensabilidade, pois esta, tal como a entendemos (decorrente de um acto normal de gestão, determinada por um propósito empresarial), não é questionada nos autos.
Em suma, não podemos subscrever a tese da sentença, de que «o que cabia à Impugnante demonstrar, e não logrou conseguir, era que tal opção de venda das participações sociais se repercutiu nos proveitos da sociedade» e de «[e]ra imperioso que [a Impugnante] fosse capaz da estabelecer uma conexão entre o custo realizado [leia-se, a menos-valia realizada] e o proveito que lhe adveio desse custo».
Ao assim entender, e ao decidir no sentido da improcedência da impugnação judicial com base nesse entendimento, pronunciando-se pela legalidade da respectiva correcção ao lucro tributável, a sentença, nessa parte, enferma de erro de julgamento. Deve, pois, ser revogada, como pedido pela Recorrente.
Em jeito de nota final, diremos que, se a AT tinha algum motivo para suspeitar de que os valores reais por que foram celebrados os referidos negócios de aquisição e alienação das participações sociais não são os declarados ou que algum destes foi efectuado com o intuito de manipular ilegitimamente a matéria tributável, designadamente em função das relações especiais entre as sociedades, deveria ter escolhido outro caminho que não o da desconsideração da menos-valia realizada com fundamento na falta de verificação da indispensabilidade exigida pelo art. 23.º do CIRC.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
II - Assim, um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).
III - Não pode a AT desconsiderar na formação do lucro tributável a menos-valia resultante da venda de participações sociais duma sociedade que se dedica à mesma actividade do sujeito passivo, se não põe em causa que a aquisição e venda dessas participações se insere no escopo societário e se não põe em causa a realidade dos preços de aquisição e de venda nem a sua conformidade aos valores de mercado. Não pode, designadamente, desconsiderar essa menos-valia com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade (cfr. art. 23.º do CIRC na referida redacção) baseada numa inexigível e até impossível falta de identificação dos “proveitos futuros decorrentes dessa menos-valia”.
IV - Ademais, esse entendimento da indispensabilidade reconduz-se à exigência de uma relação de causalidade necessária e directa entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e, julgando a impugnação judicial procedente também nessa parte, anular a liquidação impugnada.

Custas pela Fazenda Pública.


Lisboa, 28 de Junho de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.