Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0635/17
Data do Acordão:03/14/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
RECURSO JURISDICIONAL
ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - Como excepção ao n.º 4 do art. 280.º do CPPT, o n.º 5 do mesmo artigo permite o recurso de sentença proferida em processo que, ainda que de valor inferior ao da alçada dos tribunais tributários, perfilhe «solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior».
II - Se, relativamente a uma das questões apresentadas como fundamento do recurso, não existir oposição entre a sentença recorrida e o acórdão invocado como fundamento (para que exista oposição, é necessário tanto uma identidade jurídica como factual, entendidas como concretização da mesma “hipótese normativa”, a aferir pela análise das decisões em confronto), o recurso não pode ser admitido quanto a essa questão.
III - Se das 4 sentenças apresentadas como em contradição com a sentença recorrida quanto a uma dada questão apenas 2 decidiram essa questão, o recurso não pode ser admitido.
Nº Convencional:JSTA00070600
Nº do Documento:SA2201803140635
Data de Entrada:05/29/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NÃO ADMITIR RECURSO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART280 N4 N5.
LOFTJ ART24.
LGT ART105.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0634/17 DE 2018/03/07.; AC STAPLENO PROC0912/09 DE 2010/07/07.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 609/16.0BEPNF

1. RELATÓRIO

1.1 A………… (a seguir Executada, Oponente ou Recorrente), invocando o n.º 5 do art. 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença que julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal que foi instaurada contra ela para cobrança de dívida de Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2011, do montante de € 963,79.

1.2 O recurso que foi admitido, para subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I- O presente recurso, por força de limitações legais, versa sobre Oposição de Acórdão relativamente ao mesmo fundamento de direito.

II- A decisão ora posta em crise, julgou improcedente a oposição à execução fiscal apresentada pela oponente, ora recorrente, por entender, conforme melhor resulta da fundamentação de direito de fls., que:
a) A oponente está mais a impugnar a legalidade da dívida do que a invocar a sua ilegitimidade quando alega que, em 2011, não era proprietária nem tinha a posse do veículo na data de vencimento do tributo (IUC) e que não é responsável pelo pagamento da dívida;
E, ainda, em reforço da suscita[da] argumentação e/ou raciocínio decisório, que,
b) Por força da aplicação e interpretação do art. 3.º, n.º 1 do CIUC no âmbito da nova redacção introduzida pelo D.L. 41/2016 de 1 de Agosto, a incidência subjectiva de IUC não depende da presunção do registo automóvel, e que, portanto, não há qualquer presunção de propriedade do veículo decorrente do registo automóvel ou qualquer presunção de incidência subjectiva na determinação do sujeito passivo do IUC.

III- QUANTO À QUESTÃO VERTIDA SOB A ALÍNEA A) que antecede, a recorrente invoca como Acórdão Fundamento, [o] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.07.2015, já transitado em julgado, in processo n.º 0606/15 disponível em www.dgsi.pt, (cujo entendimento jurisprudencial se revela unânime, basta que, e para tanto, se atente à basta jurisprudência que serviu de estudo à recorrente e que aqui apenas se enuncia a título de exemplo, a saber, Acórdão do STA de 16.12.2015, in Processo n.º 0281/15, Acórdão do STA de 24.02.2016, in Processo n.º 677/16, Acórdão do STA de 27.02.2013, in Processo n.º 695/12, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

IV- Do Acórdão Fundamento resulta que, citando:
I- Constitui fundamento admissível da oposição à execução fiscal a ilegitimidade substantiva do oponente fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originam [cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT].
II- Esta excepção à impossibilidade de discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade concreta da liquidação que deu origem à dívida exequenda quando a lei faculta meio de impugnação judicial desse acto, apenas é admitida relativamente aos tributos sobre a propriedade cujo elemento definidor da incidência subjectiva é a posse, fruição ou propriedade de bens.

V- Do referido Acórdão Fundamento mais se afere que a oposição à execução fiscal é o meio adequado à extinção da execução e é pelo pedido que se afere a adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado.

VI- Pelo que, e no caso em apreço, afigura-se que a fórmula utilizada pela oponente, ora recorrente, na formulação do pedido (“… deve ser julgada procedente a presente oposição, com a consequente extinção da execução relativamente à oponente”), não permite referenciar e/ou concluir, como na decisão ora posta em crise, que a oponente pretendia mais a impugnação do tributo do que extinção da execução, fundada na ilegitimidade da oponente, quando esta se relaciona com a dívida exequenda e com respectivo título, e não com a incidência do tributo.

VII- É pois nestes termos e com os fundamentos acima indicados que deve ser revogada a decisão ora posta em crise e ser proferido Acórdão no sentido preconizado nos citados Acórdãos Fundamento.

VIII- QUANTO À QUESTÃO ENUNCIADA SOB ALÍNEA B) que antecede, tal entendimento/decisão colide directa e frontalmente com as decisões proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no âmbito dos processos n.ºs 391/15.9BEPNF, 393/15.5BEPNF, 39/14.9BEPNF e 607/16.4BEPNF, já transitadas em julgado, que versam sobre a mesma matéria fundamental de direito – aplicação e interpretação do art. 3.º, n.º 1 do CIUC – e que aqui se invocam como Acórdãos Fundamentos, devendo ser este o entendimento a perfilhar na decisão recorrida, e ora a sindicar por este Douto Tribunal Superior.

IX- Ora e conforme decorre dos Acórdãos Fundamento, Decisões proferidas no âmbito dos procs. 391/15.9BEPNF e 393/15.5BEPNF repete-se, em oposição com o acórdão recorrido, motivados de forma brilhante por recurso a Jurisprudência deste Douto Tribunal e da mais reconhecida Doutrina de Direito, a alteração introduzida ao art. 3.º, n.º 1 do CIUC, não se apresenta como norma verdadeiramente interpretativa, mas inovadora, pelo que é afastada a sua aplicabilidade ao caso em apreço, como melhor resulta da argumentação constante do Acórdão Fundamento, o qual se permite dar por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais, evitando-se, desta forma, a sua desnecessária e fastidiosa repetição.

X- Ainda sobre a mesma matéria, o Acórdão Fundamento, Decisão proferida no âmbito do proc. n.º 39/14.9BEPNF e proc. n.º 607/16.4BEPNF igualmente, em oposição com a decisão recorrida, proferida após a entrada em vigor da alteração legislativa supra citada, limita-se a fazer a correcta aplicação da lei no tempo, prevalecendo-se da anterior redacção do art. 3.º, n.º 1 do CIUC, por aplicável aos factos tributários em análise, que ocorreram em data anterior à data de publicação da alteração introduzida pela já citada Lei.

XI- Na decisão recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
A) Em 11/03/2014, o Serviço de Finanças de Penafiel instaurou contra a oponente o PEF n.º 1856201401080148, para execução da dívida exequenda de IUC de 2011, do veículo com a matrícula ………, no valor de € 875,00 e dos respectivos juros compensatórios, no valor de € 88,79, com data limite de pagamento voluntário em 06/11/2013 (fls. 19 a 23).
B) No ano de 2011, a propriedade do veículo com a matrícula ……… estava registada em nome da oponente (fls. 19 a 23)
C) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 26/05/2008, o veículo com a matrícula ……… foi vendido à B…………, Ld.ª, pessoa colectiva n.º ………, com sede em ………, Sebolido, Penafiel (fls. 10 a 13).
D) A matrícula ……… foi cancelada em 21/12/2012 (fls. 19, 20 e 56 verso).

XII- Ora, em face dos factos dados como provados, a nova redacção do art. 3.º, n.º 1 do CIUC introduzida pelo DL. n.º 41/2016 de 1 de Agosto, não é aplicável ao caso em apreço, uma vez que o citado diploma legal entrou em vigor apenas a 02.08.2016 e os factos tributários em análise ocorreram em data anterior (2011) à sua publicação (2016) , impondo-se a aplicação do art. 3.º do CIUC com a redacção aplicável à data dos factos, como ocorre nos Acórdãos Fundamento acima enunciados, não se atribuindo à citada norma legal natureza interpretativa mas natureza inovadora.

XIII- A aplicação da nova redacção do art. 3.º ao caso em apreço, como decidido na Sentença recorrida, colide directamente com o princípio da irretroactividade das leis fiscais, nomeadamente, em matéria de incidência tributária, um dos elementos essenciais dos impostos (art. 103.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, 12.º, n.º 1 da LGT e 12.º, n.º 1 do CC).

XIV- Assim como, o entendimento perfilhado na sentença recorrida colide ainda com o princípio da equivalência que enforma o CIUC, o qual incide sobre os custos ambientais e viários que cada indivíduo provoca na comunidade, sendo os reais poluidores os utilizadores/possuidores, os que efectivamente usam e conduzem os veículos, o que não se reconduz à aqui recorrente, conforme melhor resulta da matéria de facto dada como provada na decisão ora posta em crise.

XV- Acresce que, e como decorre dos mais elementares princípios de direito, e da unânime e pacífica Jurisprudência dos Tribunais Superiores, a presunção de propriedade derivada de registo admite prova em contrário, pois estamos, face a uma presunção “iuris tantum” (nos termos do art. 350.º, n.º 1 do CC, como também nos termos do art. 73.º da LGT). Além do mais, não tem o registo automóvel natureza constitutiva de direitos, mas tão só presuntiva e declarativa, com função de publicidade do acto, bem como, a venda de veículos automóveis negócio não formal, uma vez que, não depende da observância de qualquer formalidade, podendo fazer-se a sua prova por qualquer meio admitido em direito – o que a oponente, ora recorrente, logrou alcançar, ao afastar a presunção do registo, basta que, para tanto, se atente à matéria de facto dada como provada.

Nestes termos e com os fundamentos acima indicados deve ser revogada a decisão ora posta em crise e ser proferido Acórdão no sentido preconizado nos citados Acórdãos Fundamento, sendo que, o entendimento preconizado na decisão recorrida está em oposição frontal com aqueles outros, a qual viola o disposto nos art. 103.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, 12.º, n.º 1 da LGT e 12º, n.º 1 do CC, art. 1.º do CIUC, art. 29.º do D.L. n.º 54/75 de 12 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 39/2008 de 11 de Agosto, ex vi art. 7.º do C. Registo Predial, art. 350.º, n.º 1 do CC, art. 73.º da LGT, e viola ainda diversos princípios de direito, nomeadamente, o princípio da irretroactividade das leis fiscais, o princípio da equivalência e da igualdade tributária, da adequação, da proporcionalidade, da justiça, assim como, aplica e interpreta erradamente a norma ínsita no art. 3.º, n.º 1, do CIUC e o art. 204.º, al. b) do CPPT» (Porque usamos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.).

1.3 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no qual, após enunciar o regime do recurso por oposição de julgados consagrado no n.º 5 do art. 280.º do CPPT, sustentou que o recurso merece provimento, devendo revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por «acórdão declaratório da procedência da oposição», com a seguinte fundamentação:

«[…] Apreciação do caso concreto

1.ª Questão fundamental de direito: interpretação da norma constante do art. 204.º n.º 1 al. b) CPPT por forma a determinar se está incluída na sua previsão situação em que o oponente não era proprietário, no período a que respeita a dívida exequenda, do bem que a originou

Liminarmente, afirma-se a inexistência de qualquer antagonismo de solução jurídicas entre os acórdãos [( Leia-se, entre a sentença recorrida e o acórdão fundamento.)] em confronto.
Em consonância com o acórdão fundamento (acórdão STA 8.07.205 processo n.º 606/15), o acórdão recorrido [(Leia-se, a sentença recorrida.)] apreciou o fundamento invocado pelo oponente (tal como supra enunciado); a improcedência da oposição foi determinada pelo facto de, no entendimento do tribunal, a dívida exequenda não radicar em imposto cujo sujeito passivo fosse o proprietário ou possuidor do veículo que a originou, antes o titular inscrito no registo de propriedade automóvel.

2.ª Questão fundamental de direito: interpretação da norma constante do art. 3.º n.º 1 CIUC (na redacção do art. 3.º DL n.º 41/2016, 1 Agosto) por forma a determinar se contém presunção legal susceptível de elisão

A sentença recorrida pronunciou-se explicitamente no sentido de que a norma constante do art. 3.º n.º 1 CIUC (na redacção conferida pelo art. 3.º DL n.º 41/2016, 1 Agosto) não contém qualquer presunção de propriedade do veículo ou qualquer presunção de incidência subjectiva na determinação do sujeito passivo do IUC.
As sentenças fundamento pronunciaram-se antagonicamente, no sentido de que a norma constante do art. 3.º n.º 1 CIUC (na redacção inicial conferida pela Lei n.º 22-A/2007, 29 Junho) consagra uma presunção legal, susceptível de elisão, de que o titular do registo é o proprietário do veículo automóvel, (art. 73.º LGT).
É irrelevante que as sentenças proferidas em 16.10.2016 (processo n.º s 39/14.9 BEPNF) e em 21.04.2017 (processo n.º 607/16.4BEPNF) não tenham convocado para a fundamentação jurídica a redacção do art. 3.º n.º 1 CIUC conferida pelo art. 3.º DL n.º 41/2016, 1 Agosto, na medida em que para a verificação do pressuposto do conhecimento do mérito do recurso interessa a regulamentação aplicável e não as normas concretamente consideradas cuja interpretação e aplicação fundaram as decisões antagónicas
Neste contexto verifica-se antagonismo de soluções jurídicas, determinante da intervenção do tribunal superior para solução do conflito de jurisprudência,

2. Conflito de jurisprudência

Deve ser resolvido no sentido da adesão à doutrina das sentenças fundamento

Argumentário

1.º A alteração introduzida no art. 3.º n.º 1 CIUC pelo art. 3.º DL n.º 41/2016, 1 Agosto (apesar de classificada como interpretativa pela lei de autorização legislativa: art. 169.º al. a) Lei n.º 7-A/2016, 30 Março - Lei OGE 2016) tem natureza inovadora e não interpretativa (cf. desenvolvimento na fundamentação das sentenças proferidas em 19.01.2017 nos processo n.ºs 391/15.9BEPNF e 393/15.9BEPNF).
2.º Em consequência, aplica-se apenas aos factos tributários ocorridos após o início da vigência da alteração em 2 Agosto 2016 (art. 12.º n.º 1 CCivil).
3.º Tendo o facto tributário ocorrido em 2011 é aplicável a norma constante da redacção originária do art. 3.º n.º 1 CIUC, a qual contém uma presunção no sentido de que são proprietários dos veículos sujeito a incidência do IUC as pessoas singulares ou colectivas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, ilidível pelos motivos seguintes:
- estando plasmada em norma de incidência tributária, admite sempre prova em contrário (art. 350.º n.º 2 CCivil; art. 73.º LGT)
- o registo automóvel não tem natureza constitutiva, antes meramente declarativa tendo por função dar publicidade à situação jurídica dos veículos, favorecendo a segurança do comércio jurídico (art. 1.º n.º 1 Código de Registo da Propriedade Automóvel).
4.º No caso concreto, apesar de registada em nome da recorrente no ano 2011, esta demonstrou a transferência da propriedade do veículo por contrato de compra e venda celebrado em data anterior a 26.05.2008 (factos provados als. B) e C))».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deu como provados os seguintes factos:

«A) Em 11/03/2014, o Serviço de Finanças de Penafiel instaurou contra a oponente o PEF n.º 1856201401080148, para execução da dívida exequenda de IUC de 2011, do veículo com a matrícula ………, no valor de € 875,00 e dos respectivos juros compensatórios, no valor de € 88,79, com data limite de pagamento voluntário em 06/11/2013 (fls. 19 a 23).

B) No ano de 2011, a propriedade do veículo com a matrícula ……… estava registada em nome da oponente (fls. 19 a 23).

C) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 26/05/2008, o veículo com a matrícula ……… foi vendido à B…………, Ld.ª, pessoa colectiva n.º ………, com sede em, ………, Sebolido, Penafiel (fls. 10 a 13).

D) A matrícula ……… foi cancelada em 21/12/2012 (fls. 19, 20 e 60 verso)».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A ora Recorrente deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel oposição à execução fiscal que contra ela foi instaurada para cobrança de IUC do ano de 2011 respeitante ao veículo com a matrícula ………, invocando a alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, alegando que o veículo a que se refere o imposto em cobrança coerciva foi por ela vendido em ano anterior àquele a que se refere a dívida exequenda.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que erigiu como «única questão a decidir a do mérito da ilegitimidade da oponente», julgou a oposição improcedente.
Após salientar que a oposição à execução fiscal apenas pode ter como fundamentos os que constam do rol do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, considerou, em síntese, que «[a] oponente invoca, em síntese, a sua ilegitimidade e a inexigibilidade da dívida alegando que em 2010 não era proprietária, nem tinha a posse do veículo sobre que incidiu a dívida de IUC de 2010, pelo que não é responsável pelo seu pagamento», o que se reconduz à invocação da «sua ilegitimidade e a inexigibilidade da dívida, nos termos do art. 204.º, n.º 1, alíneas b) e i), do CPPT». Depois, embora manifestando a sua discordância quanto ao entendimento da jurisprudência quanto ao alcance daquela alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, entendeu que «não podia deixar de a apreciar» à luz daquele entendimento e que, apesar de considerar que «[q]uando a oponente alega que não é proprietária do veículo e que não o tem em seu poder desde que o vendeu à B………… está mais impugnar a legalidade da dívida do que a invocar a falta de posse que sustentaria a sua ilegitimidade», «ainda assim não tem razão».
De seguida, apreciando se a Oponente seria ou não a proprietária do veículo à data do nascimento da dívida do IUC, após tecer diversos considerandos sobre a regra de incidência subjectiva do IUC, concluiu: «Por isso, a oposição tem de improceder, porquanto, por um lado, a dívida exequenda não está dependente da propriedade e posse do veículo – só depende do veículo estar registado em nome da executada – e como tal não pode dizer-se que está em causa a ilegitimidade da oponente (art. 204º. n.º 1. alínea b), do CPPT), por outro lado, estando o veículo registado em nome da executada à data da liquidação da dívida e não padecendo ela de qualquer ilegalidade não há fundamento legal para não lhe ser exigido o pagamento da dívida (art. 204º, n.º 1, alínea a) do CPPT)».
A Recorrente, não se conformando com a sentença, dela veio recorrer para este Supremo Tribunal.
Atendendo a que o valor da causa – € 939,79 (cfr. a sentença, a fls. 82) –, porque não ultrapassa um quarto do valor da alçada para os tribunais judiciais de 1.ª instância, lhe cerceava o recurso ao abrigo do n.º 1 do art. 280.º do CPPT, como decorre do n.º 4 do mesmo artigo, na redacção aplicável (À data da instauração do presente processo judicial de oposição, em 11 de Abril de 2014 (cfr. fls. 18), o n.º 4 do art. 280.º do CPPT dispunha: «Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1.ª instância».
Assim, porque o valor da alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância em processo civil foi fixada em € 5.000,00, pelo n.º 1 do art. 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro – Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) – na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a que corresponde o art. 31.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto – LOFTJ de 2008 –, para os processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2008 (arts. 11.º e 12.º deste Decreto-Lei), a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é de € 1.250,00.
Ulteriormente, o valor da alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância foi fixado em € 5.000,00 pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2015, que conferiu nova redacção ao art. 105.º da Lei Geral Tributária, no qual se passou a estabelecer que «A alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância» e à norma contida no n.º 4 do art. 280º do CPPT, que passou a estabelecer que «Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1.ª instância».), a Oponente apresentou o recurso ao abrigo do disposto no n.º 5 do mesmo art. 280.º, que dispõe: «A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior».
Nesse recurso a Recorrente suscita as duas seguintes questões, com base na alegação das seguintes oposições de julgados:
1.ª – se está incluída na previsão da norma da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT a situação em que o oponente não era proprietário do veículo no período a que respeita a dívida exequenda, questão que considera que foi decidida em contradição com o decidido no acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Julho de 2015, proferido no processo n.º 606/15 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d6f5a238b258ce0d80257e81005488a0.);
2.ª – se a norma do art. 3.º, n.º 1, do CIUC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, contém presunção legal susceptível de ilisão em ordem à determinação do sujeito passivo do imposto, questão que considera ter sido decidida pela sentença recorrida em sentido divergente das 4 sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel de que juntou cópias.
No entanto, a apreciação dessas questões ficará dependente da prévia verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso ao abrigo do n.º 5 do art. 280.º do CPPT.
Iremos remeter para o recente acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo – proferido no dia 7 do corrente mês, no processo n.º 634/17 – em que as questões suscitadas (aliás, pela mesma Recorrente e com referência à execução fiscal onde está a ser cobrado IUC respeitante o mesmo veículo, mas ao ano de 2010) são as mesmas.

2.2.2 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Passamos a citar o referido acórdão:
«Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido, e em primeiro lugar há que saber se se encontram respeitados os critérios de admissibilidade do recurso a que alude o artigo 280.º, n.º 5 do CPPT.
[…]
Este recurso que nos vem dirigido, porque de valor inferior à alçada […], apenas é consentido pelo legislador desde que se mostrem preenchidos os critérios, ou requisitos, expressamente previstos no referido n.º 5, ou seja:
- desde que tenha sido perfilhada solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito;
- que se verifique ausência substancial de regulamentação jurídica;
- desde que essa decisão esteja em oposição com mais de três sentenças proferidas pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal de igual grau;
- ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
Com o presente recurso o recorrente coloca duas questões que foram tratadas na sentença recorrida, a saber:
a) A oponente está a impugnar a legalidade da dívida mais do que a invocar a sua ilegitimidade quando alega que, em 2010 [2011, no presente processo], não era proprietária nem tinha a posse do veículo na data de vencimento do tributo (IUC) e que não é responsável pelo pagamento da dívida;
b) Por força da aplicação e interpretação do art. 3.º, n.º 1 do CIUC no âmbito da nova redacção introduzida pelo D.L. 41/2016 de 1 de Agosto, a incidência subjectiva de IUC não depende da presunção do registo automóvel, e que, portanto, não há qualquer presunção de propriedade do veículo decorrente do registo automóvel ou qualquer presunção de incidência subjectiva na determinação do sujeito passivo do IUC.
Relativamente à primeira questão invoca a oposição com um acórdão deste Supremo Tribunal datado de 08.07.2015, proferido no recurso n.º 0606/15, relativamente à segunda questão invoca a oposição com 4 sentenças, que junta, do mesmo tribunal.
Quanto à primeira questão, apesar de equacionada na sentença recorrida, podemos com segurança dizer que o Sr. Juiz do Tribunal a quo não retirou qualquer consequência impeditiva do exercícios dos direitos de defesa invocados pela recorrente, ou seja, não deixou de apreciar as questões, principalmente a questão essencial que a recorrente invoca a seu favor, qual seja a de alegar e provar a não propriedade e posse do veículo, apesar de o Sr. Juiz a quo lhe ter dado um diferente enquadramento jurídico.
A este propósito escreveu-se na sentença recorrida:
«A oposição só pode ter por fundamento algum dos motivos constantes do art. 204.º, n.º 1, do CPPT.
A oponente invoca, em síntese, a sua ilegitimidade e a inexigibilidade da dívida alegando que em 2010 [2011, no presente processo] não era proprietária, nem tinha a posse do veículo sobre que incidiu a dívida de IUC de 2010 [2011, no presente processo], pelo que não é responsável pelo seu pagamento.
A Fazenda Pública entende que a oponente não tem razão.
A Digna Magistrada do Ministério Público pugna pela improcedência da oposição.
Vejamos.
A oponente quando alega que em 2010 não era proprietária do veículo, nem tinha a sua posse e que não é responsável pelo pagamento da dívida, está a invocar a sua ilegitimidade e a inexigibilidade da dívida, nos termos do art. 204.º, n.º 1, alíneas b) e i), do CPPT.
Porém, não tem razão.
Pese embora entendamos que a ilegitimidade prevista no art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT se reporte aos casos de reversão contra possuidores, previstos no art. 158.º do CPPT, atendendo que a jurisprudência tem vindo a alargar a interpretação às situações de posse referidas naquele artigo, o Tribunal não pode deixar de a apreciar.
Quando a oponente alega que não é proprietária do veículo e que não o tem em seu poder desde que o vendeu à B………… está mais impugnar a legalidade da dívida do que a invocar a falta de posse que sustentaria a sua ilegitimidade.
Mas, ainda assim, não tem razão».
Após se debruçar sobre a questão de mérito, saber se a oponente seria ou não a proprietária do veículo à data do nascimento da dívida do IUC, remata-se, em jeito de conclusão, na sentença recorrida:
«Por isso, a oposição tem de improceder, porquanto, por um lado, a dívida exequenda não está dependente da propriedade e posse do veículo – só depende do veículo estar registado em nome da executada – e como tal não pode dizer-se que está em causa a ilegitimidade da oponente (art. 204º. n.º 1. alínea b), do CPPT), por outro lado, estando o veículo registado em nome da executada à data da liquidação da dívida e não padecendo ela de qualquer ilegalidade não há fundamento legal para não lhe ser exigido o pagamento da dívida (art. 204º, n.º 1, alínea i) do CPPT)».
Como daqui bem se percebe, a presente oposição não findou por erro na forma de processo ou por inadmissibilidade de fundamentos próprios da oposição, o que se decidiu foi precisamente o contrário, ou seja, decidiu-se pela improcedência de mérito da pretensão deduzida pela recorrente.
E, se assim foi, não há qualquer contradição no que toca à primeira questão com o invocado acórdão deste Supremo Tribunal, na verdade, na sentença recorrida apreciou-se a questão de mérito trazida aos autos pela recorrente, porém, não se lhe deu razão por se ter concluído que o sujeito passivo da obrigação de pagamento do imposto não era o efectivo proprietário mas antes o sujeito activo constante do registo de propriedade.
Assim, nesta parte, não se admite o recurso por faltar a oposição com o acórdão indicado.

Quanto à segunda questão.
Analisadas atentamente as quatro sentenças do TAF de Penafiel, que servem de fundamento à questão identificada pela recorrente, podemos surpreender que apenas nas sentenças datadas de 19.01.2017 se coloca a questão dos efeitos produzidos pela alteração introduzida no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC decorrente do artigo 169.º, al. a), da Lei n.º 7-A/2016, de 30.03 e artigo 3.º do DL n.º 41/2016, de 01.08.
Já nas sentenças datadas de 16.10.2016 e de 21.04.2017, não se pondera a referida questão da relevância da “alteração legislativa” ocorrida com a referida Lei e DL.
Aliás, nessas sentenças interpreta-se o texto do referido artigo 3.º, n.º 1, do CIUC com referência à redacção anterior às modificações ocorridas por força daquela Lei e DL, sem que em momento algum se faça qualquer referência a esta mesma Lei e DL.
Podemos, assim, concluir que também no tocante a esta questão o recurso não pode ser admitido por não preencher um dos critérios legalmente previstos, o da oposição da sentença recorrida com mais de três sentenças proferidas pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal de igual grau; a questão apreciada na sentença recorrida apenas se encontra em directa e frontal oposição com as duas sentenças do TAF de Penafiel datadas de 19.01.2017.
Assim, teremos necessariamente que concluir que o presente recurso não é admissível relativamente a qualquer uma das duas questões colocadas».
Concordando em absoluto com esta fundamentação, também aqui se concluiu pela inadmissibilidade do recurso.
Note-se, finalmente, que o Supremo Tribunal Administrativo, nesta sede de apreciação da existência de oposição de julgados, ou seja, ainda em patamar prévio à apreciação do mérito da decisão recorrida, não pode efectuar nenhum juízo próprio sobre este, ao contrário do que pretende a Recorrente. Em tal patamar ou estádio, o Supremo Tribunal Administrativo não emite qualquer juízo sobre o acerto do julgado; antes, tem de tomar este como único ponto de partida para verificar se existe ou não oposição, atendo-se exclusivamente ao teor das decisões alegadamente contraditórias (Neste sentido, o seguinte acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Julho de 2010, proferido no processo n.º 912/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c6ac71cb67c074aa802577a0003f0dbb.).

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Como excepção ao n.º 4 do art. 280.º do CPPT, o n.º 5 do mesmo artigo permite o recurso de sentença proferida em processo que, ainda que de valor inferior ao da alçada dos tribunais tributários, perfilhe «solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior».
II - Se, relativamente a uma das questões apresentadas como fundamento do recurso, não existir oposição entre a sentença recorrida e o acórdão invocado como fundamento (para que exista oposição, é necessário tanto uma identidade jurídica como factual, entendidas como concretização da mesma “hipótese normativa”, a aferir pela análise das decisões em confronto), o recurso não pode ser admitido quanto a essa questão.
III - Se das 4 sentenças apresentadas como em contradição com a sentença recorrida quanto a uma dada questão apenas 2 decidiram essa questão, o recurso não pode ser admitido.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em não admitir o recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 14 de Março de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.