Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01439/16
Data do Acordão:02/28/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:RGIT
REGIME GERAL
CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO
DEVOLUÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:I - É aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário, regulado pelo RGIT, a norma do art. 73.º, n.º 2, do RGCO, em que se permite aos tribunais superiores aceitar recursos da sentença, ou do despacho referido no art. 64.º do mesmo RGCO, quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, mesmo em casos em que o valor da coima é inferior a ¼ da alçada do tribunal tributário.
II - Não cabe no conceito de sentença ou despacho proferido ao abrigo do art. 64.º do RGCO, o despacho que, na sequência do trânsito em julgado da sentença que absolveu o arguido, ordenou que a este fosse devolvida a taxa de justiça por ele paga ao abrigo do art. 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP.
Nº Convencional:JSTA000P22983
Nº do Documento:SA22018022801439
Data de Entrada:12/19/2016
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1- Relatório:
A……….. e Fazenda Pública recorreu da decisão da Autoridade Administrativa e Aduaneira que lhe aplicou uma coima de 168,50 Euros e por decisão do TAF do Porto de 30/11/2015 foi julgado procedente o seu recurso sendo a mesma absolvida da prática da contra-ordenação de que vinha acusada.

Em 31/05/2016 a mesma A……… requereu nos autos de contra-ordenação, por referência aos processos que indicou, a devolução da taxa de justiça paga por si e com o fundamento na sua absolvição.

Por despacho judicial de fls. 62 a 66 datado de 30/06/2016 foi decidido “Pelo exposto, defere-se a restituição da taxa de justiça”.

Reagiu o Mº Pº interpondo recurso para este STA onde formula as seguintes conclusões:
1- O STJ fixou jurisprudência no sentido de “Sendo proferida decisão favorável ao recorrente em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, não há lugar à restituição da taxa de justiça paga nos termos do artº 8º nº 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais”.
2- Os tribunais devem fundamentar as divergências relativas às decisões que fixam jurisprudência quando a não apliquem.
3- A decisão recorrida deveria ter indeferido a devolução da taxa de justiça.
4- Porquanto a mesma não colide nem com o direito ao recurso por denegação de justiça.
5- Nos termos do artº 446º nº 2 do CPP, aplicável por força do artº 3º b) do RGIT e 41 nº 1 do RGCO o presente recurso é obrigatório para o Ministério Público
6- Termos em que deverá o recurso ser procedente e a decisão recorrida ser substituída por outra que aplique a jurisprudência fixada

O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Com interesse para a decisão a proferir, há que considerar o seguinte circunstancialismo factual e processual:

Matéria assente na sentença que consta dos autos:

1) A Autoridade Tributária e Aduaneira instaurou contra a recorrente o processo de contra-ordenação nº 3174201306079164 (fls. 1 e segs)

2) No âmbito do qual lhe aplicou uma coima de 168,50 Euros pela falta de pagamento do imposto único de circulação do ano de 2011 relativo ao veículo automóvel de matrícula ………. (fls. 10);

Matéria que resulta do desenvolvimento processual a ter em conta:

a) A sociedade arguida recorreu da decisão administrativa da aplicação da coima para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (cfr. fls. 15 a 17);

b) Em 30 de Outubro de 2015, a Arguida e Recorrente pagou a taxa de justiça do montante de uma UC (€ 102,00), tendo junto aos autos o comprovativo do pagamento (fls. 46);

c) Por decisão de 30 de Novembro de 2015, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou o recurso judicial procedente e, em consequência, absolveu a Arguida da prática da infracção por que foi acusada (cfr. fls. 48 a 50);

d) Por requerimento de 1 de Junho de 2016, a Arguida requereu ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a devolução da taxa de justiça referida em c) (cfr. fls. 64);

e) Pronunciando-se sobre o requerimento, o Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto promoveu o indeferimento, com fundamento no acórdão de fixação de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 6 de Março de 2014, no processo 5570/10.2 TBSTS-APL-A.S1 (cfr. fls. 60);

f) Em 30/06/2016, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu despacho em que, aderindo ao voto de vencido lavrado no acórdão dito em 7), que transcreveu, entendeu ser de devolver a taxa de justiça à Arguida, o que ordenou (cfr. fls. 62 a 66).

3- DO DIREITO:
DECIDINDO NESTE STA
Seguiremos de perto o acórdão do STA de 21/02/2018 tirado no recurso nº 1398/16 relativo à mesma arguida e cujas circunstâncias factuais são muito próximas.
O tribunal recorrido deferiu o pedido de devolução da taxa de justiça, no entendimento de que, por um lado, o requerente não podia ser prejudicado por ter procedido ao pagamento das taxas em momento anterior ao devido, e por outro, que essa devolução se impunha por força do princípio da proporcionalidade, tendo em conta o benefício específico do serviço prestado.

O Ministério Público insurge-se contra o julgado, sustentando que a decisão recorrida contraria o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/2014, publicado no DR, 1ª série, de 14 de Abril de 2014, que uniformiza a jurisprudência no sentido de que «Sendo proferida decisão favorável ao recorrente em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não há lugar à restituição da taxa de justiça paga nos termos do artigo 8º, nºs 7 e 8, do Regulamento das Custas Processuais» e que viola o disposto no artigo 8º, nºs 7 e 8º, do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Vejamos antes de mais a questão da admissibilidade do recurso (INTERPOSTO AO ABRIGO DO ART. 73.º, N.º 2, DO RGCO) para «melhoria da aplicação do direito» ou «promoção da uniformidade da jurisprudência».
Na verdade, porque o valor da causa não atinge 1/4 do valor da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e porque não foi aplicada sanção acessória, não é permitido o recurso ao abrigo do disposto no art. 83.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT, normas legais que dizem, respectivamente, o seguinte: «O arguido, o representante da Fazenda Pública e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória» e «Se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de direito, é directamente interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».
No entanto, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar há muito, mesmo em casos em que o valor da coima é inferior à alçada e não há aplicação de sanção acessória, o recurso pode ser admitido ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 73.º do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, «quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência».
Note-se ainda que, apesar de o art. 73.º, n.º 2, do RGCO se referir apenas a sentença, se tem vindo a entender que se a decisão recorrida tiver sido proferida por despacho, ao abrigo da faculdade concedida pelo art. 64.º, n.º 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, não há razão para não estender a admissibilidade desse recurso aos despachos, pois, como dizem JORGE LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS (Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2.ª edição, pág. 505 e segs.), «não existe nenhuma diferença de natureza entre as duas decisões», sendo que «a alternativa da decisão por despacho ou sentença não radica na complexidade das questões a decidir pelo que aquele n.º 2 do dito art. 73.º se deve aplicar indiferentemente a ambas as decisões».
Foi ao abrigo dessa disposição legal que o Ministério Público interpôs e a Juíza do Tribunal a quo recebeu o recurso. Há, no entanto, que verificar se estão reunidos os requisitos da aceitação do mesmo por este Supremo Tribunal Administrativo.

Desde logo, cumpre ter presente que a decisão recorrida não é uma sentença nem sequer um despacho proferido ao abrigo do n.º 2 do art. 64.º do RGCO; é, isso sim, um despacho proferido após o trânsito em julgado da decisão judicial do recurso da decisão administrativa que aplicou uma coima, despacho que se refere, exclusivamente, à devolução da taxa de justiça, paga nos termos do art. 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP.
Na verdade, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, «[n]o recurso judicial da aplicação da coima só há lugar ao pagamento da taxa de justiça se a coima não estiver paga [Pensamos que é no sentido de “quando a coima não tenha sido previamente paga” que deve ser interpretada a expressão «quando a coima não tenha sido previamente liquidada».)], sendo o momento para pagar após a notificação da data designada para a audiência de julgamento ou do despacho que dispensar a audiência, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma (cfr. art. 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP)» (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 8 de Fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 1058/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e4d8f2ef0bc397f2802580c600395163;
- de 24 de Janeiro de 2018, proferido no processo n.º 1289/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1527dda1fba123d18025822400407a2c.).
Na sequência do trânsito em julgado da decisão judicial que a absolveu, a Arguida pediu a devolução da taxa de justiça já paga, pedido que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deferiu.
Ora, o referido despacho, ora recorrido, não pode ser qualificado como sentença nem como despacho judicial proferido nos termos do art. 64.º do RGCO, motivo por que não cabe na previsão do n.º 2 do art. 73.º do RGCO, onde apenas podem subsumir-se decisões judiciais que se reconduzam a uma daquelas categorias e, por isso, integrem decisões finais que conheçam do recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação da coima (Neste sentido, os seguintes acórdãos
- da Relação do Porto, de 6 de Maio de 2009, proferido no processo n.º JTRP00042541;
- da Relação de Évora, de 28 de Setembro de 2009, proferido no processo n.º 226/08.9TBMRA-A.E1
Ainda no mesmo sentido, os despachos do Presidente da Relação de Lisboa de 22 de Abril de 2003, proferido no processo n.º 14/03-5, do Vice-Presidente da mesma Relação, de 22 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1754/07.).
Tal interpretação do n.º 2 do art. 73.º do RGCO – que, reiteramos, apenas alude a “aceitar o recurso da sentença” – não enferma de inconstitucionalidade alguma, designadamente por violação das garantias de defesa que o art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa consagra para o processo penal e que sejam extensíveis ao processo de contra-ordenação, como tem vindo a decidir o Tribunal Constitucional (Vide, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- n.º 659/2006, de 28 de Novembro de 2006, proferido no processo n.º 637/2006, publicado no Diário da República n.º 6/2007, Série II de 9 de Janeiro de 2007, págs. 539 a 542 (https://dre.pt/application/file/a/2109195), também disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060659.html;
- n.º 522/2008, de 29 de Outubro de 2008, proferido no processo n.º 253/08, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080522.html.).

Aqui chegados, consideramos tal como decidido no recente acórdão, supra referido, deste STA, que não é de admitir o recurso, por falta de verificação dos respectivos pressupostos, o que prejudica o conhecimento da questão nele suscitada.

4. DECISÃO

Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em não admitir o recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.