Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0884/12
Data do Acordão:09/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:NULIDADE DE CITAÇÃO
DEFESA
REVERSÃO
Sumário:I – Nos termos do n.º 4 do art. 22.º da LGT, a fim de permitir aos chamados à execução fiscal por reversão reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente a liquidação que deu origem à dívida exequenda, a citação daqueles deve incluir os elementos essenciais da liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.

II – A irregularidade decorrente da falta de comunicação desses elementos quando da citação só constituirá nulidade da citação, a conhecer mediante arguição pelos interessados dentro do prazo da oposição e na execução fiscal (com eventual reclamação da decisão para o tribunal, nos termos do art. 276.º do CPPT), se puder prejudicar a defesa do citado (cfr. Art. 198.º do CPC e arts. 165.º, n.º 1, alínea a), e 203.º, n.º 1, do CPPT).

III – O que releva para efeito de saber se deve ser atendida a arguição de nulidade é a possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a existência de um prejuízo efectivo, pelo que uma vez apurada essa possibilidade de prejuízo passa a competir à exequente demonstrar factos que permitam concluir que o prejuízo acabou por não ocorrer.

IV – Estando demonstrado (por decisão judicial transitada em julgado) que foi o revertido que, na qualidade de representante da sociedade originária executada, procedeu à autoliquidação que deu origem à dívida exequenda (tendo sido ele, nessa qualidade, quem apresentou a declaração e apurou o montante do imposto a entregar ao Estado, bem como que, ao invés de proceder à entrega, se apropriou do mesmo), o que ele bem sabia, não pode proceder a arguição da nulidade da citação em que este esgrime como fundamento o desconhecimento dos elementos respeitantes à liquidação.

Nº Convencional:JSTA00067772
Nº do Documento:SA2201209120884
Data de Entrada:08/09/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART22 N4 ART37 N1
CPPTRIB99 ART203 N1 ART276 ART2 ART131
CPC96 ART198 N4
CIVA08 ART41 ART27
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0780/11 DE 2011/09/21; AC STA PROC01037/11 DE 2011/12/20; AC STA PROC0569/11 DE 2012/04/19; AC STA PROC026503 DE 2002/04/10; AC STA PROC0599/12 DE 2012/07/11
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG139
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 O Serviço de Finanças de Viana do Castelo fez prosseguir, mediante reversão, contra A…… (adiante Executado por reversão, Reclamante ou Recorrente) uma execução fiscal instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).
O Executado por reversão pediu ao Chefe daquele Serviço que declarasse a nulidade da citação que lhe foi efectuada e a repetição do acto, com o fundamento de que, contrariamente ao que impõe o n.º 4 do art. 22.º da Lei Geral Tributária (LGT), não lhe foi facultada «toda a fundamentação e todos os elementos que possam contribuir para uma correcta defesa do interessado», irregularidade que, porque susceptível de prejudicar a sua defesa, constitui nulidade da citação, de acordo com o disposto no art. 165.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Esse pedido foi indeferido porque o Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, concedendo embora que «a falta desses elementos das liquidações […] poderá impedir que este possa reclamar ou impugnar as liquidações», considerou que sempre o Revertido poderia ter ultrapassado essa dificuldade através do mecanismo previsto no art. 37.º do CPPT, ou seja, requerendo certidão que contivesse os elementos em falta; mais considerou que «o responsável subsidiário já se socorreu de um dos meios para o qual foi citado, tendo para o efeito apresentado oposição contra a reversão».
O Executado por reversão reclamou para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs. do CPPT, pedindo que a decisão de indeferimento da nulidade fosse anulada. Mantém que a falta de indicação, quando da citação, dos elementos respeitantes à liquidação, incluindo a respectiva fundamentação, datas em que foi efectuada e notificada ao devedor originário determinam a nulidade da citação. Mais argumenta com a inaplicabilidade do disposto no art. 37.º do CPPT, por estarmos, não perante acto em matéria tributária, mas perante um acto processual.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a reclamação improcedente. Isto, em síntese, porque considerou que
· a citação foi acompanhada de um anexo no qual são referidos «a natureza do imposto que está em dívida [IVA], o período de tributação [2005-04-01 2005-06-30], data de pagamento voluntário e respectivo valor, é indicada a certidão bem como o documento de origem fazendo-se referência à sigla PF que significa “pagamento em falta”», pelo que, ao contrário do por ele alegado, é de considerar que «o Reclamante ficou a conhecer os elementos essenciais da liquidação em cobrança coerciva, de modo a, querendo, apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial», conclusão reforçada pelo facto de, na oposição à execução fiscal que deduziu na sequência daquela citação, «ter identificado de forma correcta a dívida em apreço» e ter mesmo invocado a caducidade do direito à liquidação com o argumento de que esta deveria ter sido notificada por carta registada, uma vez que foi efectuada com base na declaração do contribuinte;
· acresce que o Reclamante «conhece bem a origem da dívida em cobrança coerciva pois foi julgado e condenado pelo crime de abuso de confiança fiscal por falta de entrega nos cofres do estado dos montantes de IVA deduzidos, tendo remetido as declarações periódicas referentes a vários trimestres, incluindo o 2.º trimestre de 2005, não acompanhadas do respectivo meio de pagamento»;
· por outro lado, contrariamente ao que sustenta o Reclamante, sem prejuízo da possibilidade de arguir a nulidade da citação, sempre podia ter usado a faculdade que lhe é concedida pelo art. 37.º do CPPT no que se refere à dedução da impugnação judicial.

1.3 O Reclamante não se conformou com essa sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1.º - Este recurso tem na sua génese a sentença que julgou improcedente a Reclamação contra Actos do Órgão de Execução Fiscal deduzida pela ora recorrente contra o despacho do Chefe de Finanças de Viana do Castelo que indeferiu a arguição de nulidade da citação do reclamante.

2.º - A citação ao revertido e aqui recorrente não incluiu a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão, nem os elementos essenciais da respectiva liquidação, designadamente, a incidência, a determinação da matéria colectável, liquidação em sentido técnico e a aplicação da taxa legal de imposto à matéria colectável apurada, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º da Lei Geral Tributária.

3.º - A folhas 4 da sentença, ponto 8 da matéria de facto provada, menciona-se quais os elementos que acompanharam a citação, sendo certo que do rol ali indicado não constam os elementos essenciais da liquidação nem os fundamentos nos termos legais.

4.º - O conhecimento dos elementos a que se refere o n.º 4 do artigo 22.º da LGT permitiria que o executado, como revertido, discutisse a legalidade das liquidações, nos mesmos termos da devedora originária.

5.º - Não tendo sido notificado desses elementos, fica o responsável subsidiário impedido de o fazer, pelo que a falta desses elementos tem como consequência a nulidade da citação.

6.º - A omissão destes elementos, e que, igualmente, deveriam constar da citação, é causadora de prejuízo para a defesa do revertido.

7.º - No procedimento de reversão fiscal é chamada à execução um terceiro na qualidade de responsável subsidiário pela dívida exequenda, pelo que, este não tem a obrigação de conhecer todos os aspectos que fundamentam essa dívida.

8.º - Tratando-se de um caso de reversão, a liquidação que originou a dívida exequenda pode ter na sua génese uma autoliquidação ou uma liquidação oficiosa.
Em todo o caso, sempre teria a Administração Fiscal a obrigação legal de dar a conhecer ao revertido qual a natureza dessas liquidações, e não somente como se fez na citação, a indicação da proveniência, do período tributário, data limite de pagamento, tributo e valor.

9.º - Estas irregularidades, isto é, a falta de fundamentação e indicação ao responsável subsidiário, saliente-se novamente – na qualidade de revertido – são susceptíveis de determinar a nulidade da citação, dado que, objectivamente, prejudicam a defesa daquele, nos termos do artigo 198.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º CPPT. Neste sentido se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 00599/07, in www.dgsi.pt.

10.º - Para existir essa nulidade, não é imprescindível que o citado alegue e prove a existência de um efectivo prejuízo na sua defesa, bastando, para tal, a mera possibilidade de aquele poder vir a ocorrer.

11.º - Como defesa do executado não se poderá considerar apenas a possibilidade de dedução de oposição, mas sim o uso de todas as faculdades que a lei atribui ao executado/revertido no processo executivo, nomeadamente a possibilidade de reclamação graciosa ou impugnação judicial dos actos tributários que constituem a dívida exequenda. Neste sentido se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 05763/12, in www.dgsi.pt.

12.º - Tal como decorre do n.º 4 do artigo 23.º da LGT, a reversão é precedida da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação (sublinhado nosso). O que significa que a fundamentação deve ser contextualizada e consentânea com a citação.

13.º - Não se diga, portanto, como fez o Tribunal a quo, ressalvado o devido respeito que é muito, que o reclamante podia ter requerido a notificação dos elementos considerados insuficientes com base no artigo 37.º, n.º [sic] CPPT!!

14.º - O regime de sanação da insuficiência da comunicação de decisões em matéria tributária, previsto no artigo 37.º do CPPT, é de aplicação no âmbito do procedimento tributário, que não do processo judicial tributário, como é o processo de execução fiscal (artigo 103.º da LGT).

15.º - Com efeito, o supra referido artigo 37.º do CPPT refere-se a actos tributários (rectius liquidações) e não a complementar notificações e/ou citações, não servindo, então, como forma de suprir as deficiências de comunicação de actos processuais, como bem entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 01037/11, in www.dgsi.pt. Em igual sentido, se pronunciou este Venerando Tribunal, nos Acórdãos n.º 062/07 de 28/02/2007, 0586/10 de 03/11/2010 e 0154/11 de 07/09/2011, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

16.º - Como resulta do artigo 20.º da Lei Fundamental, o princípio do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, exige, in casu, que a citação para uma execução contenha todos os elementos essenciais que permitam ao cidadão (no caso em apreço – revertido) compreender o procedimento que lhe é movido, em ordem a garantir a sua defesa.

17.º - Desta forma, a sentença sob recurso fez uma incorrecta interpretação das disposições legais ínsitas nos artigos 22.º n.º 4 e 23.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 198.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT».

Concluiu o Recorrente pedindo «a revogação da decisão proferida em 1ª Instância, substituindo-a por outra que declare o acto de citação nulo, por ter ficado o responsável subsidiário impedido de discutir a legalidade das liquidações nas mesmas condições do devedor originário».

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, em síntese, porque considera que os anexos remetidos ao ora Reclamante com o ofício para citação «integram a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão». Mais considera que se mostra afastada a possibilidade de prejuízo para a defesa do Reclamante em razão da eventual deficiência da citação no que se refere à origem da dívida exequenda, uma vez que ele a conhecia perfeitamente, como resulta da sentença crime por que foi condenado.

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 As questões a apreciar e decidir são

(i) se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que não se verificava a nulidade da citação por falta de comunicação ao citando – chamado à execução fiscal por reversão na qualidade de responsável subsidiário – dos elementos essenciais da liquidação, em violação do disposto no n.º 4 do art. 22.º da LGT; na negativa,

(ii) se poderia considerar-se sanada essa nulidade por o ora Recorrente não ter usado a faculdade que lhe é concedida pelo n.º 1 do art. 37.º do CPPT.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

« Considero provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:

1 - Contra a sociedade B……, LDA.”, NIPC ……, foi instaurado e corre termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo o Processo de Execução Fiscal n.º 2348200501054821, destinado à cobrança coerciva de 5.555,24 €, respeitante a dívidas de IVA, referentes ao período 0506T - Cfr. fls. 1 do Processo de Execução Fiscal.

2 - Serve de base à execução referida no ponto anterior a certidão de dívida de fls. 2 do processo de execução fiscal e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3 - Por sentença transitada em julgado, em 02 de dezembro de 2008, proferida no processo que correu termos pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo sob o n.º 21/07.2IDVCT,o Reclamante foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal - Cfr. fls. 23 a 30 do Processo de Execução Fiscal.

4 - Na matéria de facto provada na referida sentença consta o que, por ter interesse, para aqui se extrai:

“Prov. – I. Por determinação do arguido A……, no período a que respeitam o 1.ºT2004, 2.ºT2004, 3.ºT2004, 2.ºT2005, 2.ºT2006 e 3.ºT2006 a arguida sociedade cobrou aos seus clientes não só o preço inerente aos serviços que lhes prestou e vendas que lhes efectuou, bem como o IVA correspondente aos mesmos no valor respectivo de € 7.696,22; € 5.909,38, € 4.185,63, € 5.555,24, € 9.862,68 e € 9.466,64, num total de € 42.675,64.

Prov. J. – Enviadas à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA a declaração periódica relativa a estes trimestres, não foram as mesmas acompanhadas do respectivo meio de pagamento .”

5 - Por despacho do Chefe de Finanças, datado de 30 de maio de 2011, foi ordenada a reversão da execução contra A……, ora Reclamante - Cfr. fls. 66 a 68 do Processo de Execução Fiscal.

6 - Por ofício com a referência n.º 5349, foi remetida ao executado, ora Reclamante, nota de citação com o teor de fls. 69 do Processo de Execução Fiscal.

7 - O referido ofício foi acompanhado dos anexos constantes de fls. 67 e 68 do Processo de Execução Fiscal.

8 - Do anexo de fls. 67, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, extrai-se, por ter interesse, o seguinte:
“[…]
N.º PROCESSO: 2348200501054821;
PROVENIÊNCIA: IVA;
CERTIDÃO: 2005/0192834;
ID. DOC. ORIGEM: 05102100036005255543 PF
PER. TRIB. 2005-04-01 2005-06-30
D. LIMITE PAG. VOL. 2005-08-16
TRIBUTO: IVA
TIPO: IMPOSTO/CONTR/TAXA/OUTROS – COM
VALOR: 5.555,24
[…]”

9 - O aviso de recepção que acompanhou a referida carta foi assinado pelo próprio Reclamante, em 16 de junho de 2011 - Cfr. fls. 70 do Processo de Execução Fiscal.

10 - Através de requerimento que deu entrada no Serviço de Finanças, em 18 de julho de 2011, o Reclamante arguiu a nulidade de citação e requereu nova citação - Cfr. fls. 72 e ss. do Processo de Execução Fiscal.

11 - Na mesma data o executado deduziu oposição à execução fiscal - Cfr. fls. 85 do Processo de Execução Fiscal.

12 - Por despacho datado de 27 de setembro de 2011, o Chefe de Finanças indeferiu a pretensão do requerente, ora Reclamante - Cfr. fls. 77 do Processo de Execução Fiscal.

13 - Desse despacho foi notificado o Reclamante que, em 10 de outubro de 2011, remeteu ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo, via CTT, a petição inicial dos presentes autos de reclamação de ato do órgão de execução fiscal - Cfr. fls. 71 e 72 do Processo de Execução Fiscal.
[…]
Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A…… recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a reclamação por ele deduzida contra o indeferimento da nulidade da citação arguida perante o Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo com fundamento em violação do disposto no n.º 4 do art. 22.º da LGT, por, com a citação, não lhe terem sido facultados os elementos essenciais da liquidação que deu origem à dívida exequenda, designadamente a natureza, fundamentos, data da notificação à devedora originária, o que tudo considera prejudicar o seu direito de defesa.
Insiste o Recorrente que a falta de indicação, quando da citação, dos elementos respeitantes à liquidação, incluindo a respectiva fundamentação, datas em que foi efectuada e notificada ao devedor originário, porque implicam prejuízo do seu direito de defesa, determinam a nulidade da citação. Mais argumenta com a inaplicabilidade do disposto no art. 37.º do CPPT, por estarmos, não perante acto em matéria tributária, mas perante um acto processual.
Daí que tenhamos enunciado as questões a apreciar e decidir nos termos em que o fizemos no ponto 1.8, como sendo as de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que não se verificava a nulidade da citação por falta de comunicação ao citando – chamado à execução fiscal por reversão na qualidade de responsável subsidiário – dos elementos essenciais da liquidação, em violação do disposto no n.º 4 do art. 22.º da LGT, e, na negativa, se deve considerar-se sanada essa nulidade por o ora Recorrente não ter usado a faculdade que lhe concede o n.º 1 do art. 37.º do CPPT.

2.2.2 DA NULIDADE DA CITAÇÃO

Como é sabido, os chamados à execução fiscal por reversão podem reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente a liquidação que deu origem à dívida exequenda nos mesmo termos do devedor principal, motivo por que a citação daqueles deve incluir os elementos essenciais da liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais. É o que resulta do disposto no n.º 4 do art. 22.º do CPPT, que dispõe: «As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais». Bem se compreende que o legislador tenha consagrado essa exigência pois o revertido pode não conhecer, nem a tal está obrigado, esses elementos que lhe permitirão exercer o seu direito de defesa através do meio ou meios processuais adequados aos pedidos que entenda formular e às causas de pedir em que os fundamente.
Também a jurisprudência se tem vindo a pronunciar una voce no sentido de que a citação, em processo de execução fiscal, do responsável subsidiário, deve conter, para além dos elementos exigidos na citação do executado originário, os elementos essenciais da liquidação que deu origem à dívida exequenda, incluindo a respectiva fundamentação (Entre muitos outros e por mais recentes, vide os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 780/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 1587 a 1593 também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6ecf982bafef3dd08025791a00498902?OpenDocument;
- de 20 de Dezembro de 2011, proferido no processo com o n.º 1037/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f243ba2a246ce607802579810053dbce?OpenDocument;
- de 19 de Abril de 2012, proferido no processo com o n.º 569/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/da25a6a9659b5868802579f4005415dc?OpenDocument.).
No caso sub judice o órgão de execução fiscal deu a conhecer ao revertido, ora Recorrente, que a dívida exequenda tinha origem em IVA respeitante ao período de tributação entre 1 de Abril de 2005 e 30 de Junho de 2005 (2.º trimestre), do montante de € 5.555,24 e cujo prazo voluntário para pagamento tinha terminado em 16 de Agosto de 2005 (cfr. facto provado sob o n.º 8).
É certo que não lhe comunicou que a dívida exequenda tinha origem numa autoliquidação, o que se nos afigura constituir um elemento essencial da liquidação, tanto mais que só assim estaria justificado o motivo por que não lhe fora comunicada a fundamentação desse acto. Na verdade, sendo o pagamento do imposto efectuado na sequência da autoliquidação efectuada pelo próprio contribuinte, como é a regra em sede de IVA (cfr. arts. 27.º e 41.º do Código do IVA (CIVA) (Referimo-nos à versão do CIVA resultante da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Janeiro. Anteriormente, àqueles artigos correspondiam os arts. 26.º e 40.º.)), para que o revertido possa exercer o seu direito de defesa importa que lhe seja comunicado tal facto, a fim de o mesmo saber que a fundamentação do acto não lhe deverá ser fornecida pela AT, como sucederá no caso de liquidação oficiosa, mas só poderá ser obtida junto do devedor originário.
Podemos, pois, concluir que na comunicação efectuada ao ora Recorrente foi omitida uma informação relevante, qual seja a respeitante à origem da dívida exequenda: autoliquidação ou liquidação oficiosa. Será que a omissão dessa formalidade constitui nulidade da citação?
Como tem vindo a esclarecer a jurisprudência, a irregularidade decorrente da falta de comunicação dos elementos a que alude o n.º 4 do art. 22.º da LGT quando da citação só constituirá nulidade da citação, a conhecer mediante arguição pelos interessados dentro do prazo da oposição (equivalente à contestação em processo declarativo) e na execução fiscal (com eventual reclamação da decisão para o tribunal, nos termos do art. 276.º do CPPT), se puder prejudicar a defesa do citado (cfr. art. 198.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT e arts. 165.º, n.º 1, alínea a) e 203.º, n.º 1, do CPPT).
Na verdade, dispõe o art. 198.º do CPC, na parte que ora nos interessa considerar:

«1. Sem prejuízo do disposto no artigo 195.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
2. O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
[…]
4. A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado».

Será que a referida falta de comunicação com a citação ao revertido, ora Recorrente, se a liquidação que deu origem à dívida exequenda era uma liquidação oficiosa ou uma autoliquidação é susceptível de prejudicar a defesa daquele e, por isso, constitui nulidade da citação?
Como se refere no acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Abril de 2002 (Proferido no processo com o n.º 26.503, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Março de 2004 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2002/32220.pdf), págs. 1011 a 1018, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9138de2e682c91e580256b9f003453fc?OpenDocument.), em face do n.º 4 do art. 198.º do CPC, «o que releva para efeito de saber se deve ser atendida a arguição de nulidade é a possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a existência de um prejuízo efectivo, como se depreende da utilização daquela expressão e não de outra como «quando tenha prejudicado a defesa do citado» ou, simplesmente «prejudicar a defesa do citado» ou outra semelhante»; pelo que para existir essa nulidade «não é exigível ao citado que alegue e prove a existência de um concreto prejuízo para a sua defesa, bastando que se apure que, no caso, não é de afastar a possibilidade de ter ocorrido tal prejuízo.
No entanto, em face das razões de economia e de aproveitamento dos actos processuais que estão subjacentes ao regime de relevância de irregularidades de citação previsto naquele n.º 4 do art. 198.º do CPC, o que relevará não será uma mera possibilidade abstracta de prejuízo, a apreciar em face do tipo de falta praticada na efectivação da citação, mas sim a possibilidade de a falta ter prejudicado o citado no exercício dos seus direitos processuais.
Isto não significa, obviamente, que uma resposta negativa à questão da possibilidade de prejuízo seja dada em abstracto, se ele for inconcebível. O que excluem estes princípios de ordem pragmática, é que seja suficiente para concluir pela existência de nulidade uma resposta positiva a essa questão da possibilidade, que baste que seja abstractamente concebível a existência de prejuízo, mesmo que se demonstre que ele, apesar de possível, no caso concreto, acabou não ocorrer.
Nestes termos, é de concluir
˗ que não se pode considerar afastada a relevância da falta por não ter sido alegado e provado que houve prejuízo, pois basta a possibilidade de ele ocorrer;
˗ mas, se for de afastar a possibilidade de este prejuízo ter ocorrido no caso concreto, isto é, se for de concluir que ele não existiu, será de concluir pela não existência da nulidade» (No mesmo sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 7 ao art. 165.º, pág. 139.).
Ou seja, o que releva para efeito de saber se deve ser atendida a arguição de nulidade é a possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a existência de um prejuízo efectivo, pelo que uma vez apurada essa possibilidade de prejuízo passa a competir à exequente demonstrar factos que permitam concluir que o prejuízo acabou por não ocorrer. Como ficou dito no citado acórdão, «se é certo que […] para existir nulidade não é necessário que o citado alegue e prove a existência de prejuízo, também é de entender que se se fizer prova de que o prejuízo não existiu a arguição de nulidade não deve ser atendida».
Regressando ao caso sub judice: é certo que o Serviço de Finanças de Viana de Castelo, quando da citação do revertido, ora Recorrente, não lhe comunicou que a liquidação na origem da dívida exequenda era uma autoliquidação.
Em abstracto, afigura-se-nos manifesta a possibilidade de tal omissão prejudicar a defesa do citado, pois, assistindo-lhe o direito de reclamar ou impugnar essa liquidação, ficaria sem saber se devia buscar a fundamentação desse acto junto da AT, caso se tratasse de uma liquidação oficiosa, ou junto da sociedade originária executada, caso estivesse perante uma autoliquidação. Aliás, nesta última situação, a impugnação judicial poderia até estar dependente de reclamação graciosa prévia, nos termos do disposto no art. 131.º do CPPT.
No entanto, no caso concreto, afigura-se-nos que ficou demonstrado que tal prejuízo não existiu. Na verdade, está demonstrado, por decisão judicial transitada em julgado (cfr. factos provados sob os n.ºs 3 e 4), que foi o ora Recorrente quem, na qualidade de representante da sociedade originária executada, procedeu à autoliquidação que deu origem à dívida exequenda, tendo sido ele, nessa qualidade, que apresentou a declaração e apurou o montante do imposto a entregar ao Estado (bem como que, ao invés de proceder à entrega, se apropriou do mesmo). Ou seja, nunca poderia proceder a arguição da nulidade da citação com fundamento no desconhecimento pelo ora Recorrente da fundamentação da liquidação, uma vez que foi ele mesmo quem apresentou a declaração e procedeu ao apuramento do IVA, de que resultou imposto a entregar ao Estado, não podendo pois esgrimir com o desconhecimento da fundamentação dessa autoliquidação.
Nem se diga que o ora Recorrente, quando da citação, não tinha como saber se a dívida exequenda era a que tinha origem nessa autoliquidação ou se se tratava de liquidação oficiosa. Na verdade, com a citação foi-lhe comunicado qual o período a que se referia o imposto, o respectivo montante e qual o termo do prazo para o seu pagamento voluntário, elementos em face dos quais era inequívoco para o citando que a dívida exequenda tinha origem na autoliquidação que ficou demonstrado ter sido por ele efectuada na qualidade de representante da sociedade originária devedora.
Em face da origem da dívida exequenda – autoliquidação – também perde relevância a argumentação aduzida relativamente à eventual caducidade do direito de liquidar que o Recorrente pretende ter ficado inibido de sindicar em face da falta de comunicação das datas em que foi efectuada a liquidação e notificada sociedade originária devedora.
Ficou, pois, demonstrado que da referida irregularidade quando da citação do ora Recorrente não resultou qualquer prejuízo para a sua defesa, motivo por que não pode considerar-se verificada a nulidade da citação e, consequentemente, o recurso não pode ser provido, sendo de confirmar a sentença recorrida (Neste sentido, decidiu este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 11 de Julho de 2012, proferido no processo com o n.º 599/12, do mesmo Recorrente, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f66cb9a617a770d080257a4000556ad7?OpenDocument.).
Resulta assim prejudicado o conhecimento da questão enunciada em (ii) no ponto 1.9.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Nos termos do n.º 4 do art. 22.º da LGT, a fim de permitir aos chamados à execução fiscal por reversão reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente a liquidação que deu origem à dívida exequenda, a citação daqueles deve incluir os elementos essenciais da liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.

II - A irregularidade decorrente da falta de comunicação desses elementos quando da citação só constituirá nulidade da citação, a conhecer mediante arguição pelos interessados dentro do prazo da oposição e na execução fiscal (com eventual reclamação da decisão para o tribunal, nos termos do art. 276.º do CPPT), se puder prejudicar a defesa do citado (cfr. art. 198.º do CPC e arts. 165.º, n.º 1, alínea a), e 203.º, n.º 1, do CPPT).

III - O que releva para efeito de saber se deve ser atendida a arguição de nulidade é a possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a existência de um prejuízo efectivo, pelo que uma vez apurada essa possibilidade de prejuízo passa a competir à exequente demonstrar factos que permitam concluir que o prejuízo acabou por não ocorrer.

IV - Estando demonstrado (por decisão judicial transitada em julgado) que foi o revertido que, na qualidade de representante da sociedade originária executada, procedeu à autoliquidação que deu origem à dívida exequenda (tendo sido ele, nessa qualidade, quem apresentou a declaração e apurou o montante do imposto a entregar ao Estado, bem como que, ao invés de proceder à entrega, se apropriou do mesmo), o que ele bem sabia, não pode proceder a arguição da nulidade da citação em que este esgrime como fundamento o desconhecimento dos elementos respeitantes à liquidação.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 12 de Setembro de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.