Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0884/12 |
Data do Acordão: | 09/12/2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | NULIDADE DE CITAÇÃO DEFESA REVERSÃO |
Sumário: | I – Nos termos do n.º 4 do art. 22.º da LGT, a fim de permitir aos chamados à execução fiscal por reversão reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente a liquidação que deu origem à dívida exequenda, a citação daqueles deve incluir os elementos essenciais da liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.
II – A irregularidade decorrente da falta de comunicação desses elementos quando da citação só constituirá nulidade da citação, a conhecer mediante arguição pelos interessados dentro do prazo da oposição e na execução fiscal (com eventual reclamação da decisão para o tribunal, nos termos do art. 276.º do CPPT), se puder prejudicar a defesa do citado (cfr. Art. 198.º do CPC e arts. 165.º, n.º 1, alínea a), e 203.º, n.º 1, do CPPT). III – O que releva para efeito de saber se deve ser atendida a arguição de nulidade é a possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a existência de um prejuízo efectivo, pelo que uma vez apurada essa possibilidade de prejuízo passa a competir à exequente demonstrar factos que permitam concluir que o prejuízo acabou por não ocorrer. IV – Estando demonstrado (por decisão judicial transitada em julgado) que foi o revertido que, na qualidade de representante da sociedade originária executada, procedeu à autoliquidação que deu origem à dívida exequenda (tendo sido ele, nessa qualidade, quem apresentou a declaração e apurou o montante do imposto a entregar ao Estado, bem como que, ao invés de proceder à entrega, se apropriou do mesmo), o que ele bem sabia, não pode proceder a arguição da nulidade da citação em que este esgrime como fundamento o desconhecimento dos elementos respeitantes à liquidação. |
Nº Convencional: | JSTA00067772 |
Nº do Documento: | SA2201209120884 |
Data de Entrada: | 08/09/2012 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF BRAGA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL |
Legislação Nacional: | LGT98 ART22 N4 ART37 N1 CPPTRIB99 ART203 N1 ART276 ART2 ART131 CPC96 ART198 N4 CIVA08 ART41 ART27 |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC0780/11 DE 2011/09/21; AC STA PROC01037/11 DE 2011/12/20; AC STA PROC0569/11 DE 2012/04/19; AC STA PROC026503 DE 2002/04/10; AC STA PROC0599/12 DE 2012/07/11 |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG139 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | 1. RELATÓRIO
1.1 O Serviço de Finanças de Viana do Castelo fez prosseguir, mediante reversão, contra A…… (adiante Executado por reversão, Reclamante ou Recorrente) uma execução fiscal instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). 1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a reclamação improcedente. Isto, em síntese, porque considerou que 1.3 O Reclamante não se conformou com essa sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: 2.º - A citação ao revertido e aqui recorrente não incluiu a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão, nem os elementos essenciais da respectiva liquidação, designadamente, a incidência, a determinação da matéria colectável, liquidação em sentido técnico e a aplicação da taxa legal de imposto à matéria colectável apurada, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º da Lei Geral Tributária. 3.º - A folhas 4 da sentença, ponto 8 da matéria de facto provada, menciona-se quais os elementos que acompanharam a citação, sendo certo que do rol ali indicado não constam os elementos essenciais da liquidação nem os fundamentos nos termos legais. 4.º - O conhecimento dos elementos a que se refere o n.º 4 do artigo 22.º da LGT permitiria que o executado, como revertido, discutisse a legalidade das liquidações, nos mesmos termos da devedora originária. 5.º - Não tendo sido notificado desses elementos, fica o responsável subsidiário impedido de o fazer, pelo que a falta desses elementos tem como consequência a nulidade da citação. 6.º - A omissão destes elementos, e que, igualmente, deveriam constar da citação, é causadora de prejuízo para a defesa do revertido. 7.º - No procedimento de reversão fiscal é chamada à execução um terceiro na qualidade de responsável subsidiário pela dívida exequenda, pelo que, este não tem a obrigação de conhecer todos os aspectos que fundamentam essa dívida. 8.º - Tratando-se de um caso de reversão, a liquidação que originou a dívida exequenda pode ter na sua génese uma autoliquidação ou uma liquidação oficiosa. 9.º - Estas irregularidades, isto é, a falta de fundamentação e indicação ao responsável subsidiário, saliente-se novamente – na qualidade de revertido – são susceptíveis de determinar a nulidade da citação, dado que, objectivamente, prejudicam a defesa daquele, nos termos do artigo 198.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º CPPT. Neste sentido se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 00599/07, in www.dgsi.pt. 10.º - Para existir essa nulidade, não é imprescindível que o citado alegue e prove a existência de um efectivo prejuízo na sua defesa, bastando, para tal, a mera possibilidade de aquele poder vir a ocorrer. 11.º - Como defesa do executado não se poderá considerar apenas a possibilidade de dedução de oposição, mas sim o uso de todas as faculdades que a lei atribui ao executado/revertido no processo executivo, nomeadamente a possibilidade de reclamação graciosa ou impugnação judicial dos actos tributários que constituem a dívida exequenda. Neste sentido se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 05763/12, in www.dgsi.pt. 12.º - Tal como decorre do n.º 4 do artigo 23.º da LGT, a reversão é precedida da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação (sublinhado nosso). O que significa que a fundamentação deve ser contextualizada e consentânea com a citação. 13.º - Não se diga, portanto, como fez o Tribunal a quo, ressalvado o devido respeito que é muito, que o reclamante podia ter requerido a notificação dos elementos considerados insuficientes com base no artigo 37.º, n.º [sic] CPPT!! 14.º - O regime de sanação da insuficiência da comunicação de decisões em matéria tributária, previsto no artigo 37.º do CPPT, é de aplicação no âmbito do procedimento tributário, que não do processo judicial tributário, como é o processo de execução fiscal (artigo 103.º da LGT). 15.º - Com efeito, o supra referido artigo 37.º do CPPT refere-se a actos tributários (rectius liquidações) e não a complementar notificações e/ou citações, não servindo, então, como forma de suprir as deficiências de comunicação de actos processuais, como bem entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 01037/11, in www.dgsi.pt. Em igual sentido, se pronunciou este Venerando Tribunal, nos Acórdãos n.º 062/07 de 28/02/2007, 0586/10 de 03/11/2010 e 0154/11 de 07/09/2011, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. 16.º - Como resulta do artigo 20.º da Lei Fundamental, o princípio do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, exige, in casu, que a citação para uma execução contenha todos os elementos essenciais que permitam ao cidadão (no caso em apreço – revertido) compreender o procedimento que lhe é movido, em ordem a garantir a sua defesa. 17.º - Desta forma, a sentença sob recurso fez uma incorrecta interpretação das disposições legais ínsitas nos artigos 22.º n.º 4 e 23.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 198.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT». Concluiu o Recorrente pedindo «a revogação da decisão proferida em 1ª Instância, substituindo-a por outra que declare o acto de citação nulo, por ter ficado o responsável subsidiário impedido de discutir a legalidade das liquidações nas mesmas condições do devedor originário». 1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.5 A Fazenda Pública não contra alegou. 1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, em síntese, porque considera que os anexos remetidos ao ora Reclamante com o ofício para citação «integram a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão». Mais considera que se mostra afastada a possibilidade de prejuízo para a defesa do Reclamante em razão da eventual deficiência da citação no que se refere à origem da dívida exequenda, uma vez que ele a conhecia perfeitamente, como resulta da sentença crime por que foi condenado. 1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo. 1.8 As questões a apreciar e decidir são (i) se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que não se verificava a nulidade da citação por falta de comunicação ao citando – chamado à execução fiscal por reversão na qualidade de responsável subsidiário – dos elementos essenciais da liquidação, em violação do disposto no n.º 4 do art. 22.º da LGT; na negativa, (ii) se poderia considerar-se sanada essa nulidade por o ora Recorrente não ter usado a faculdade que lhe é concedida pelo n.º 1 do art. 37.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: « Considero provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos: 1 - Contra a sociedade B……, LDA.”, NIPC ……, foi instaurado e corre termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo o Processo de Execução Fiscal n.º 2348200501054821, destinado à cobrança coerciva de 5.555,24 €, respeitante a dívidas de IVA, referentes ao período 0506T - Cfr. fls. 1 do Processo de Execução Fiscal. 2 - Serve de base à execução referida no ponto anterior a certidão de dívida de fls. 2 do processo de execução fiscal e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 3 - Por sentença transitada em julgado, em 02 de dezembro de 2008, proferida no processo que correu termos pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo sob o n.º 21/07.2IDVCT,o Reclamante foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal - Cfr. fls. 23 a 30 do Processo de Execução Fiscal. 4 - Na matéria de facto provada na referida sentença consta o que, por ter interesse, para aqui se extrai: “Prov. – I. Por determinação do arguido A……, no período a que respeitam o 1.ºT2004, 2.ºT2004, 3.ºT2004, 2.ºT2005, 2.ºT2006 e 3.ºT2006 a arguida sociedade cobrou aos seus clientes não só o preço inerente aos serviços que lhes prestou e vendas que lhes efectuou, bem como o IVA correspondente aos mesmos no valor respectivo de € 7.696,22; € 5.909,38, € 4.185,63, € 5.555,24, € 9.862,68 e € 9.466,64, num total de € 42.675,64. Prov. J. – Enviadas à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA a declaração periódica relativa a estes trimestres, não foram as mesmas acompanhadas do respectivo meio de pagamento .” 5 - Por despacho do Chefe de Finanças, datado de 30 de maio de 2011, foi ordenada a reversão da execução contra A……, ora Reclamante - Cfr. fls. 66 a 68 do Processo de Execução Fiscal. 6 - Por ofício com a referência n.º 5349, foi remetida ao executado, ora Reclamante, nota de citação com o teor de fls. 69 do Processo de Execução Fiscal. 7 - O referido ofício foi acompanhado dos anexos constantes de fls. 67 e 68 do Processo de Execução Fiscal. 8 - Do anexo de fls. 67, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, extrai-se, por ter interesse, o seguinte: 9 - O aviso de recepção que acompanhou a referida carta foi assinado pelo próprio Reclamante, em 16 de junho de 2011 - Cfr. fls. 70 do Processo de Execução Fiscal. 10 - Através de requerimento que deu entrada no Serviço de Finanças, em 18 de julho de 2011, o Reclamante arguiu a nulidade de citação e requereu nova citação - Cfr. fls. 72 e ss. do Processo de Execução Fiscal. 11 - Na mesma data o executado deduziu oposição à execução fiscal - Cfr. fls. 85 do Processo de Execução Fiscal. 12 - Por despacho datado de 27 de setembro de 2011, o Chefe de Finanças indeferiu a pretensão do requerente, ora Reclamante - Cfr. fls. 77 do Processo de Execução Fiscal. 13 - Desse despacho foi notificado o Reclamante que, em 10 de outubro de 2011, remeteu ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo, via CTT, a petição inicial dos presentes autos de reclamação de ato do órgão de execução fiscal - Cfr. fls. 71 e 72 do Processo de Execução Fiscal. * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR A…… recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a reclamação por ele deduzida contra o indeferimento da nulidade da citação arguida perante o Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo com fundamento em violação do disposto no n.º 4 do art. 22.º da LGT, por, com a citação, não lhe terem sido facultados os elementos essenciais da liquidação que deu origem à dívida exequenda, designadamente a natureza, fundamentos, data da notificação à devedora originária, o que tudo considera prejudicar o seu direito de defesa. 2.2.2 DA NULIDADE DA CITAÇÃO Como é sabido, os chamados à execução fiscal por reversão podem reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente a liquidação que deu origem à dívida exequenda nos mesmo termos do devedor principal, motivo por que a citação daqueles deve incluir os elementos essenciais da liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais. É o que resulta do disposto no n.º 4 do art. 22.º do CPPT, que dispõe: «As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais». Bem se compreende que o legislador tenha consagrado essa exigência pois o revertido pode não conhecer, nem a tal está obrigado, esses elementos que lhe permitirão exercer o seu direito de defesa através do meio ou meios processuais adequados aos pedidos que entenda formular e às causas de pedir em que os fundamente. «1. Sem prejuízo do disposto no artigo 195.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei. Será que a referida falta de comunicação com a citação ao revertido, ora Recorrente, se a liquidação que deu origem à dívida exequenda era uma liquidação oficiosa ou uma autoliquidação é susceptível de prejudicar a defesa daquele e, por isso, constitui nulidade da citação? 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Nos termos do n.º 4 do art. 22.º da LGT, a fim de permitir aos chamados à execução fiscal por reversão reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente a liquidação que deu origem à dívida exequenda, a citação daqueles deve incluir os elementos essenciais da liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais. II - A irregularidade decorrente da falta de comunicação desses elementos quando da citação só constituirá nulidade da citação, a conhecer mediante arguição pelos interessados dentro do prazo da oposição e na execução fiscal (com eventual reclamação da decisão para o tribunal, nos termos do art. 276.º do CPPT), se puder prejudicar a defesa do citado (cfr. art. 198.º do CPC e arts. 165.º, n.º 1, alínea a), e 203.º, n.º 1, do CPPT). III - O que releva para efeito de saber se deve ser atendida a arguição de nulidade é a possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a existência de um prejuízo efectivo, pelo que uma vez apurada essa possibilidade de prejuízo passa a competir à exequente demonstrar factos que permitam concluir que o prejuízo acabou por não ocorrer. IV - Estando demonstrado (por decisão judicial transitada em julgado) que foi o revertido que, na qualidade de representante da sociedade originária executada, procedeu à autoliquidação que deu origem à dívida exequenda (tendo sido ele, nessa qualidade, quem apresentou a declaração e apurou o montante do imposto a entregar ao Estado, bem como que, ao invés de proceder à entrega, se apropriou do mesmo), o que ele bem sabia, não pode proceder a arguição da nulidade da citação em que este esgrime como fundamento o desconhecimento dos elementos respeitantes à liquidação. * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso. Custas pelo Recorrente. |