Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0184/03.6BTLRS 0382/16
Data do Acordão:05/10/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
Sumário:I – As deduções por reintegrações e amortizações, bem como por despesas de representação respeitantes às sucursais no estrangeiro de um sujeito passivo de IRC residente em Portugal devem efectuar-se de acordo com a lei tributária do país onde se localizam pois, sendo aí tributadas, têm de determinar nesse país o seu lucro tributável (calculado com base no resultado líquido apurado à luz da contabilidade organizada segundo as regras desse Estado e observando as regras contabilísticas e fiscais nele vigentes, que estão obrigadas a cumprir).
II – No entanto, todos os rendimentos obtidos por essas sucursais têm também de ser reflectidos na contabilidade da empresa sede e, nesta fase e sendo esta sediada em Portugal, todas as regras contabilísticas e fiscais a observar são as vigentes no nosso País para o apuramento do lucro tributável, razão por que os gastos (da empresa sede e suas sucursais) são dedutíveis apenas na medida em que estejam previstos na legislação fiscal nacional e com os limites que essa lei impõe a tais deduções.
III - O conceito de indispensabilidade dos custos a que se reportava o art. 23.º do CIRS refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportados no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário, motivo por que só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.
IV – São de considerar como custos fiscalmente dedutíveis para efeitos da determinação da matéria colectável em sede de IRC (art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável), porque respeitam ao dia-a-dia da actividade bancária e decorrem das inevitáveis ineficiências de qualquer organização, designadamente as motivadas por falhas humanas, ainda que não intencionais, os encargos suportados por uma sociedade que se dedica à actividade bancária e respeitantes ao pagamento indevido de cheques e ao atraso no cumprimento de ordens dos clientes.
V – Para efeitos de condenação em juros indemnizatórios (cfr. Art. 43.º, n.º 1, da LGT), o erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte.
VI - Nas impugnações judiciais deduzidas até 31 de Dezembro de 2003, a Fazenda Pública gozava de isenção de custas processuais, de acordo com o disposto no art. 3.º do RCPT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Dezembro, então em vigor.
Nº Convencional:JSTA000P30976
Nº do Documento:SA2202305100184/03
Data de Entrada:04/06/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E BANCO 1..., S.A.
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recursos jurisdicionais da sentença proferida no processo de impugnação judicial 184/03.6BTLRS
Recorrentes: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e “Banco 1..., S.A.” (Banco 1...)
Recorridas: as mesmas

1. RELATÓRIO

1.1 Proferida sentença pelo Tribunal Tributário de Lisboa – que, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por aquela sociedade, anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2000 na parte correspondente às correcções relativas a reintegrações e amortizações das sucursais em ..., ... e ... e a “Custos por Perdas Extraordinárias e Despesas de Representação” das mesmas sucursais e a custos a título de “outras perdas extraordinárias” (incorrecto pagamento de cheques), manteve a liquidação no que respeita às demais correcções e condenou a AT na restituição do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios –, dela recorreram o Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa, para o Tribunal Central Administrativo Sul, e a sociedade acima identificada, para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2 A Fazenda Pública e a Impugnante apresentaram a motivação dos respectivos recursos, com conclusões do seguinte teor:

1.2.1 recurso da Fazenda Pública

«A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por Banco 1..., SA, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (doravante “IRC”), respeitante ao exercício do ano de 2000, na importância de € 91.735,52.

B) O presente recurso prende-se com a análise da decisão contida na sentença, sobre as correcções efectuadas, em sede de inspecção tributária, e que respeitam as questões em que a Administração Tributária não obteve vencimento, ou seja, as correcções respeitantes à (i) não aceitação do valor declarado respeitante a Reintegrações e Amortizações das sucursais de ..., ... e ..., (ii) Custos a título de Outras Perdas Extraordinárias que não foram aceites, (iii) não aceitação dos valores declarados a título de Despesas de Representação das Sucursais, e por fim (iv) a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.

C) Encontrando na sentença idêntico fundamento para as questões supra identificadas como (i) e (iii) ou seja para as questões relativas a Reintegrações e Amortizações das Sucursais de ..., ... e ... e as Despesas de Representação das Sucursais, contra tal decisão apresentamos a seguinte argumentação:

D) Consideramos que o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado do exercício e das variações patrimoniais negativas e positivas não reflectidas no resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC.

E) Quer isto dizer que a análise levada a cabo pelo Tribunal a quo, fundamentada no primado do princípio da territorialidade, é seguramente válida e correcta para a determinação da tributação do lucro emergente dos estabelecimentos estáveis no país em que se inserem.

F) No entanto, independentemente das normas fiscais em vigor à data dos factos nos países onde se situem as sucursais, impõem-se à impugnante a correcção fiscal de acordo com as normas vigentes em Portugal uma vez que, é aqui que é tributado pela actividade global.

G) E, em nossa opinião assim se nos afigura ser, porquanto das normas invocadas em sede de sentença de que ora se recorre, ou seja n.º 1 e 3 dos artigos 7.º das convenções para eliminação de dupla tributação resulta que:

H) “Os lucros de uma empresa de um Estado Contraente só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua actividade no outro Estado contraente por meio de um estabelecimento estável aí situado”.

I) Ora, de tal norma resulta que no caso de existência de estabelecimento estável situado num Estado Contraente, os lucros daí emergentes serão aí tributados de acordo coma forma prevista no n.º 3.

J) Ou seja, na determinação do lucro de um estabelecimento estável, e somente para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado onde o mesmo se situa, é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para realização dos fins prosseguidos por esse estabelecimento estável.

K) Razão pela qual, e tendo presente que não é a tributação devida aos Estados onde a impugnante detinha estabelecimentos estáveis que está aqui em questão, nada na legislação em vigor à data dos factos obsta a que se entenda que para efeitos de tributação dos rendimentos globais a ocorrer em Portugal haverá que atender as normas previstas em sede de CIRC.

L) E assim sendo, pugna-se por decisão que se conforme com as correcções efectuadas e que se relacionam com a necessária adequação aos normativos previstos no CIRC das situações em apreço referentes as sucursais da impugnante existentes em outros Estados.

M) Por outro lado, e no que respeita aos Custos não aceites emergentes de Outras Perdas Extraordinárias, consideramos que a decisão tomada pelo Tribunal a quo padece de erro de interpretação da norma contida no art. 23.º CIRC, porquanto entendemos que o incorrecto pagamento de cheques por parte de uma sociedade que, como a aqui impugnante, se dedica a actividade bancária, não consubstancia um custo ou perda comprovadamente indispensável para a realização e manutenção da fonte produtora da impugnante.

N) Assim, atento ao necessário rigor interpretativo que se deve colocar na análise da norma contida no art. 23.º do CIRC, considerando o carácter aberto das situações nela enquadráveis, pugnamos aqui por decisão que se conforme com a correcção efectuada pela AT e que assim sendo determine que o pagamento indevido de cheques por parte de entidades bancárias não configura encargos que um Banco deva suportar com vista à obtenção de proveitos, uma vez que a situação descrita consubstancia antes custos que deve suportar para colmatar procedimentos incorrectos da impugnante, pelo que não integram o conceito de indispensabilidade, mas antes de risco do próprio negócio.

O) Por fim, foi a AT condenada ao pagamento de juros indemnizatórios. Ora tal decisão surge no seguimento das outras questões de que aqui se recorre, pelo que desde logo, aqui pugnando pela correcção das alterações levadas a cabo pela AT em sede de inspecção tributária, não podemos deixar de, da mesma forma, requerer a reapreciação de tal condenação.

P) Desde logo, porque estamos convictos de que as correcções efectuadas em sede de inspecção tributária não padecem dos vícios que lhe são assacados pela impugnante, e por outro lado, mesmo que se considere que de facto se verificam tais erros interpretativos, que como já vimos não resultam da violação directa de qualquer norma por parte dos serviços da AT, os mesmos não são passíveis de consubstanciarem erro dos serviços que resultem, necessariamente, na condenação ao pagamento de juros enquanto medida compensatória da impugnante.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser reconhecida a legalidade das correcções efectuadas e em consequência revogada a douta sentença na parte que determinou a anulação parcial dos actos tributários impugnados».

1.2.2 recurso da Impugnante

«a) A regra, em sede de IRC, deve ser a de excluir do cômputo do lucro tributável todos os custos incorridos na obtenção do rendimento, salvo se forem manifestamente dispensáveis;

b) O conceito de indispensabilidade deve ser visto no plano da ligação dos custos com a actividade desenvolvida, abrangendo, assim, todos os actos que, em abstracto, se encaixem num perfil lucrativo e de desenvolvimento da actividade normal da empresa;

c) O cumprimento de uma ordem de aquisição é um acto necessário à satisfação dos clientes, e por conseguinte, para a manutenção da fonte produtora e automaticamente, para a realização dos proveitos;

d) Ocorrendo um lapso no cumprimento de ordens dadas pelos clientes, os custos incorridos na reparação da situação – que visam, ainda, a prossecução da actividade normal da empresa e, também, assegurar que é ainda possível manter os clientes – não podem os mesmos deixar de ser fiscalmente aceites;

e) Por tudo o exposto, conclui-se que a liquidação em causa padece de vício de violação do disposto no art. 23.º do Código do IRC, ao não aceitar como custos do exercício os encargos suportados com o cumprimento satisfatório das ordens de bolsa dadas pelos clientes.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por decisão judicial que anule as correcções ao lucro tributável da Recorrida, do exercício de 2000, no montante de € 55.798,94, tudo com as demais consequências legais, nomeadamente a liquidação de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da Lei Geral Tributária, assim se fazendo a verdadeira e costumada JUSTIÇA!»

1.3 Apenas a Impugnante contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença na parte recorrida pela AT, com conclusões do seguinte teor:

«a) Os argumentos da Fazenda Pública não procedem, pelo que a sentença recorrida deve ser mantida;

b) Na verdade, como entendeu a sentença recorrida, o princípio da territorialidade, que é uma das regras gerais do IRC, versado igualmente nas convenções sobre dupla tributação internacional subscritas pelo Estado Português, em especial com os Estados Unidos, a França e o Reino Unido, impõe que as regras sobre reintegrações, amortizações e despesas de representação das sucursais no estrangeiro das empresas nacionais sejam as vigentes nos Estados da localização dos estabelecimentos estáveis e não no país da sede;

c) O pagamento dos cheques é uma perda extraordinária incorrida no exercício da actividade normal da Banco 1..., cabendo no conceito de custo de exercício adoptado pelo art. 23.º, n.º 1, do CIRC».

1.4 Remetidos os autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, o Desembargador relator proferiu decisão a considerar aquele Tribunal incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso que lhe foi dirigido pela AT e declarando este Supremo Tribunal Administrativo como tribunal competente para esse efeito.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto remeteu para o parecer proferido pela Procuradora-Geral-Adjunta junto do Tribunal Central Administrativo Sul, a qual se pronunciou no sentido de que seja negado provimento ao recurso da Fazenda Pública e concedido provimento ao recurso da Impugnante. Isto, após enunciar os termos dos recursos, com a seguinte fundamentação: «[…]

[…] entendemos ter a sentença a quo feito uma boa interpretação e aplicação do disposto no art. 23.º do CIRC, quando anulou a liquidação relativamente ao valor declarado respeitante a reintegrações e amortizações das sucursais de ..., ... e ...; aos custos de outras perdas extraordinárias; e dos valores declarados a título de despesas de representação das sucursais.
Uma vez que, nos termos do art. 23.º do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, sendo que, no fundo, o que a lei exige é a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Sendo assim, a questão de fundo, é a apreciação da alegada indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, sendo que o referido art. 23.º do CIRC enuncia, exemplificativamente, nas suas diversas alíneas, várias categorias concretas de encargos dedutíveis.
Posto, isto, somos de opinião que quanto aos custos supra referidos, face à matéria do probatório, impõe-se considerar aquelas despesas como imprescindíveis à manutenção da fonte produtora, dada a manifesta e comprovadas adequação e conveniência à actividade e tutela da impugnante e manter a decisão recorrido nesta parte.
Porém, a sentença vem também questionada na parte em desconsiderou como custos dedutíveis, os prejuízos em operações financeiras, apuradas em resultado do não cumprimento de ordens da bolsa, no montante de € 55.798,94, sendo que € 5.448,71 refere-se ao diferencial de preços que não foram debitados aos clientes na aquisição de acções da EDP, e € 50.350,23 são relativas a regularização de erros ocorridos na OPV da A....
A AT considerou que essa perda não pode ser havida como custo para efeitos da determinação da matéria tributável, e o Juiz do Tribunal a quo deu-lhe razão, aceitando os argumentos aduzidos.
Não concordamos com o assim decidido.
A reposição nas contas dos clientes dos valores que deveriam ter sido depositados, mas que, por erro dos serviços, não foram efectuados, mais não constitui do que o cumprimento da obrigação de reembolso que para ela decorria do contrato celebrado com os seus clientes.
Com tal atitude a Recorrente evitou existir um dano para os clientes, dano houve, sim, na esfera jurídica da Recorrente, consistente na perda sofrida pela necessidade de repor nas contas dos seus clientes os montantes que lhe cabiam por força das relações económicas estabelecidas.
Em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, tanto mais que, por imperativo constitucional cfr. art. 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. O que significa que devem excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os custos incorridos na obtenção do rendimento.
A jurisprudência tem vindo a entender que a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte e que os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo.
Só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.
Ora, como referiu a Impugnante na petição inicial, o cumprimento de uma ordem de aquisição é um acto necessário à satisfação dos clientes, de conduz para manutenção da fonte produtiva e necessariamente para a realização de proveitos, já que as operações em causa geraram proveitos para a impugnante, na medida em que manteve no seio da Instituição os clientes, os quais constituem uma fonte geradora de receitas.
O que significa que a perda patrimonial sofrida, não só está associada à sua actividade, como se afigura indispensável à prossecução da mesma.
Por tudo o que ficou dito, afigura-se-nos que o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, ao manter a liquidação de IRC na parte em que se refere à correcção do lucro tributável motivada pela desconsideração da perda originada pelos custos suportados na reparação de situações em que ocorreu lapso no cumprimento das ordens de bolsa dadas pelos clientes, fez incorrecto julgamento.
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do recurso da Fazenda Pública, procedendo porém, o recurso apresentado pela Banco 1... SA».

1.6 Cumpre apreciar e decidir se a sentença fez correcto julgamento

i) quando considerou ilegais as correcções decorrentes da não aceitação dos valores declarados respeitantes a reintegrações e amortizações das sucursais de ..., ... e ... e a despesas de representação dessas Sucursais (recurso da Fazenda Pública),

ii) quando considerou ilegais as correcções decorrentes da não aceitação como perdas do valor respeitante a dois cheques indevidamente pagos pela Impugnante (recurso da Fazenda Pública),

iii) quando condenou a AT no pagamento de juros compensatórios relativamente ao imposto que considerou ter sido pago em excesso por força das correcções que foram declaradas ilegais (recurso da Fazenda Pública) e

iv) quando considerou legais as correcções decorrentes da desconsideração dos custos declarados respeitantes a reparação das situações de prejuízos para os clientes em operações financeiras, resultantes do não atempado ou do não correcto cumprimento de ordens para aquisição em bolsa de valores (recurso da Impugnante).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Tribunal Tributário de Lisboa efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com relevância para a decisão da presente acção de impugnação, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, considero provados os seguintes factos:


A)
Ao abrigo da ordem de serviço n.º ...02, a impugnante foi alvo de uma acção de inspecção levada a efeito pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT); (cfr. fls. 23 dos autos)

B)
Notificada para o exercício do direito de audição prévia, a impugnante deu entrada do mesmo, nos Serviços de Inspecção Tributária (DSPIT) em 09.09.2002; (cfr. fls. 101 a 119 dos autos)

C)
Pelo ofício n.º ...77 de 07.10.2002 foi notificada das conclusões do relatório de inspecção tributária; (cfr. fls. 22 a 93 dos autos)

D)
Das conclusões do relatório inspectivo a impugnante impugnou as seguintes correcções:
«(…) 3.1 - Exercício de 2000
3.1.1 - Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas
3.1.1.1 - Reintegrações e amortizações não aceites como custos (Art. 33.º, n.º 1) Eur 151.265,80 (Esc. 30.326.070) – O Sujeito passivo acresceu no campo 207 da declaração mod.22, o montante de Eur 1.828.357,28 (Esc. 366.552.725) referente a amortizações não aceites, resultante de uma soma algébrica que inclui uma parcela negativa de Eur 93.260,04 (Esc.18.696.959) referente às amortizações das sucursais, conforme flh. 2 do Anexo 1.
Esta parcela negativa resulta do somatório das diferenças; apuradas entre o valor das amortizações registado nos balancetes das sucursais e o montante constante dos mapas de amortizações elaborados de acordo com a legislação fiscal portuguesa. Nas sucursais de ..., ... e ... essa diferença é negativa, no montante de Eur 17.679.72 (Esc. 3.544.466). Eur 130.616,71 (Esc. 26.186.299) e Eur 2.969,37 (Esc. 595.305), respectivamente, uma vez que o valor constante dos balancetes, segundo as taxas locais permitidas, é de Eur 256.164,18 ( Esc. 51.3556.308), Eur 1.083868,72 (Esc.217.296.169) e Eur 1.296,85 (Esc.259.193). O total dos mapas de amortizações, calculadas de acordo com o Dec. Reg. 2/90, de 2 de Janeiro, ascende a Eur 273.843,91 (Esc. 54.900.774), Eur 1.209.497,45;Esc. 243.482.468) e Eur 4.262,22 (Esc. 854.498), para ..., ... e ..., respectivamente, (flh. 1 do Anexo 1).
Esta situação consubstanciou uma dedução de Eur 151.265,80 (Esc. 30.326.070) ao resultado líquido contabilístico que não poderá ser aceite como custo dado que, nos termos do n.º 3 do Art. 1.º do Dec. Reg. n.º 2/90 de 2 de Janeiro, conjugado com o n.º 1 do Art. 23.º do CIRC apenas relevam para efeitos fiscais as amortizações quando contabilizadas como custos ou perdas do exercício a que respeitam (cf. Anexo 1)
(…)
3.1.1.4- Custos não aceites (Art. 23.º)
(…)
Outras perdas extraordinárias – Eur 187.643,58
EUR 26.186,89 (Esc. 5.250.000) – Valor contabilizado a débito da c/ 67199 – Outras Perdas Extraordinárias (cf. Anexo 4). Referente a dois cheques (2.250 cts e 3.000 cts) sacados sob a Banco 1... e apresentados à compensação pelo Banco 2... em 24/8/99. Em 25/8/99 a Agência, com base no fax recebido do titular da conta, procedeu à devolução informática dos mesmos por motivo de cancelamento por extravio. No entanto as informações sobre a devolução não chegaram ao banco tomador por não terem sido assumidas pelo sistema. Em face do exposto a verba foi regularizada por resultados.
(…)
Outros prejuízos em operações financeiras – EUR 55.798,94
Eur 5.448,71 (Esc. 1.092.368) – Esta verba decompõe-se em Eur 4.416.78 (Esc.885.485). Eur 974.48 (Esc.195.366)e Eur 57,45 (Esc. 11.518):
Qualquer destes valores é referente a custos suportados com aquisição de acções na sessão de bolsa de 13/4/2000. Tendo em vista regularizar a compra por conta de terceiro que, deveria ter ocorrido em 1999, a preços inferiores e não ocorreu por lapso da Banco 1.... Por esta razão o diferencial de preço não foi debitado aos clientes, sendo pois a Banco 1... a suportar o custo e procedeu ao seu registo na c/72857 – Outros prejuízos em Operações Financeiras (cf. Anexo 5).
Eur 50.350,23 (Esc. 10.094.314) – Prejuízo resultante da regularização de erros ocorridos na OPV da A....
O erro resultou da digitação de código errado ou ausência de preenchimento de campos, referentes a dados adicionais, pelo que os clientes viram as suas carteiras creditadas por defeito, ou seja com um número de acções inferior às que teriam direito. Sendo o erro da Banco 1... tornou-se necessário que esta adquirisse em bolsa 36.520 acções por valor superior ao da OPV e suportasse o respectivo prejuízo, que registou na c/72857 – Prejuízos em Operações Financeiras (cf. Anexo 5).
Ambas as situações atrás descritas consubstanciam custos suportados para colmatar procedimentos incorrectos ou um deficiente controlo interno, pelo que, não satisfazendo o requisito da indispensabilidade, não são fiscalmente dedutíveis, nos termos do art. 23.º do CIRC.
(…)
Utilização de Provisões – EUR 14.469,13
Eur. 14.469,13 (Esc. 2.900.800) – Em 1/1/2000 a Banco 1... detinha um saldo na c/613 – Provisões para Outros Riscos e Encargos, no montante de Eur. 7.005.926,93 (Esc.1.404.562.242) integralmente tributado, via acréscimo ao Q. 07 efectuado pelo sujeito passivo nos exercícios da respectiva constituição. Em 2000 efectuou uma utilização no montante de Eur. 16.739,82 (Esc. 3.356.032) com posterior dedução ao Q. 07, considerando desta forma a verba como custo fiscal. Da análise documental às várias utilizações concluiu-se que Eur. 2.270,69 (Esc. 455.232) foram utilizados para fins considerados como custo fiscal e o remanescente, no montante de Eur.14.469,13 (Esc. 2.900.800) subdivide-se em:
- EUR. 13.547,59 (Esc. 2.716.047) – Trata-se de cheques sacados sobre a Banco 1... e apresentados à compensação, mas que, apesar de não terem cobertura, a Banco 1... pagou por diferentes razões: ou se tratou de devolução fora do prazo; ou a devolução não chegou ao banco tomador; ou não devolvido por anomalia informática ao banco tomador ou simplesmente a devolução não foi efectuada ou ainda extravio de documentos, (cf. Anexo 6).
- Eur. 921,54 (Esc. 184.753) – Não foram apresentados documentos referentes a esta utilização.
Estas verbas consubstanciam custos suportados para colmatar procedimentos incorrectos ou um deficiente controlo interno, pelo que, não satisfazendo o requisito da indispensabilidade, não são fiscalmente dedutíveis, nos termos do art. 23.º do CIRC.
(…)
3.1.1.6 – Tributação Autónoma das despesas de Representação (Art. 4.º do Dec. Lei n.º 192/90).
Eur – 6.511,42 (Esc. 1.305.422) – A Banco 1... procedeu à tributação autónoma, de Eur 40.358,48 (Esc. 8.091.149), referente a despesas de representação incorridas na Banco 1... Continente, no montante de Eur 630.601,30 (Esc. 126.424.210) (c/ 74123). No entanto, e conforme decorre da conjugação da alínea a) do n.º 1 do Art. 3.º, n.º 1 do Art. 4.º, e Art. 17.º, todos do CIRC, deveria ter considerado como base de cálculo para essa tributação as despesas de representação relativas à globalidade da actividade, no montante de Eur 732.342, (Esc. 146.821.426), o que determinaria uma tributação autónoma no valor de Eur 46.869,90 (Esc. 9.396.571). Assim, é efectuada uma correcção à tributação autónoma efectuada no Q. 10 da Decl. Mod. 22, no montante de Eur 6.511,42 (cf. Anexo 8). Nos termos do n.º 3 do art. 4.º do Dec.-Lei 192/90, de 9 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 42.º da Lei 3-B/2000 de 4/4 (O.E. para 2000). Conjugado com a al. a) do n.º 1 do art. 3.º, do CIRC.
(…)» (cfr. Doc.... junto com a PI)

E)
Em resultado das correcções levadas a efeito pela acção de inspecção ao exercício ao ano 2000 foi emitida uma liquidação adicional n.º ...04, no montante de € 299.147,72, com data limite de pagamento de 27.11.2002; (cfr. fls. 142 dos autos)

E)
Das correcções resultou uma liquidação adicional de IRC do ano 1996 no montante de 8.163.258$00 PTE (€ 40.718,16); (cfr. fls. 1 dos autos)

F)
A impugnante efectuou o pagamento da dívida exequenda, em 09.09.2004, 29.11.2004 e 28.12.2004, nos serviços de tesouraria do Serviço de Finanças de Lisboa 3, no montante de € 43.442,81; (cfr. fls. 42 a 45 dos autos)».

Mais considerou o Tribunal Tributário de Lisboa que «[n]ão se provaram outros factos com relevância para a presente decisão».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT entendeu efectuar correcções ao lucro tributável declarado pela sociedade ora Recorrente, para além do mais que ora não importa considerar, por não aceitar os seguintes custos declarados, com a seguinte fundamentação:
i) amortizações e reintegrações das sucursais de ..., ... e ..., por a AT ter considerados que as taxas aplicadas aos bens do imobilizado, objecto de amortização, não respeitavam, como deviam respeitar, o Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro;
ii) despesas de representação com as mesmas sucursais, por a AT ter entendido que não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável das referidas sucursais “as despesas de representação escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%”;
iii) perdas por dois cheques pagos indevidamente, que a AT entendeu, por o seu pagamento ter sido indevido, que não podiam ser consideradas indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora;
iv) perdas resultantes do atempado incumprimento de ordens de compra em bolsa, que a AT considerou decorrerem de negligência do sujeito passivo e, por isso, que não podiam ser consideradas indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

2.2.1.2 A sociedade impugnou judicialmente a liquidação, sendo que, no que respeita às correcções que ora nos interessa, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação judicial procedente no que respeita às correcções acima referidas sob os n.ºs i) a iii) e improcedente quanto à correcção referida sob o n.º iv), condenando ainda a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios no que se refere às correcções em que a impugnação judicial foi julgada procedente.

2.2.1.3 Recorrem da sentença a Impugnante e a Fazenda Pública, cada uma relativamente às correcções em que ficou vencida e a Fazenda Pública também relativamente à condenação em juros indemnizatórios.

2.2.1.4 Cumpre verificar se a sentença recorrida fez errado julgamento no que se refere às correcções que acima enumerámos.
Por razões de ordem prática, iremos tratar em bloco as correcções acima referidas sob os n.ºs i) e ii), por um lado, e iii) e iv), por outro lado.

2.2.2 DAS REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES DAS SUCURSAIS NO ESTRANGEIRO E DAS DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO COM AS MESMAS SUCURSAIS

A nosso ver, as correcções por reintegrações e amortizações das sucursais no estrangeiro e das despesas de representação com as mesmas sucursais podem ser tratadas conjuntamente, pois ambas gravitam em torno da mesma questão, qual seja a de saber como se processa – rectius, como se processava em 2000 – a tributação dos rendimentos obtidos fora do território português, em estabelecimento estável, por um sujeito passivo de IRC residente em Portugal. Vejamos:
A AT procedeu a correcções da matéria tributável declarada pelo sujeito passivo com referência ao ano de 2000 porque entendeu que as amortizações e reintegrações efectuadas nas sucursais (estabelecimentos estáveis) de ..., ... e ..., não observaram o estipulado no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, como o impunha o art. 29.º do CIRC, na redacção aplicável (Referimo-nos à redacção anterior à que foi dada ao CIRC pelo Decreto-Lei n.º 198/2011, de 3 de Julho.), não podendo, pois, ser aceites na parte em que, por força da aplicação das taxas em vigor nos Estado Unidos, em França e na Grand Cayman, excederam a aplicação das taxas máximas previstas no referido Decreto Regulamentar; e também procedeu a correcções porque considerou aplicável às despesas de representação das sucursais de ..., ... e ... o disposto no art. 41.º, n.º 1, g) do CIRC, na redacção que este preceito tinha em 2000, ou seja, considerou como não dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável das referidas sucursais “as despesas de representação escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%”.
O sujeito passivo deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional, designadamente na parte que teve origem nas referidas correcções; quanto a estas, sustentou, em síntese, que a AT pretende que apenas podem ser aceites como custo os valores das amortizações e reintegrações calculados com base nas taxas em vigor no ordenamento jurídico-tributário português e já não com base na taxas previstas nos países onde se situam as referidas sucursais, bem como pretende impor às respectivas despesas de representação relativas a essas sucursais os limites impostos pela lei nacional, ignorando que é com base na legislação desses países que são calculados os impostos a pagar pelas sucursais. Assim, considerou que, ao efectuar as referidas correcções com base na prevalência das regras contabilísticas e fiscais portuguesas sobre as regras contabilísticas e fiscais dos países onde os rendimentos foram obtidos, a AT violou a distribuição do poder de tributar feita pelas Convenções para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e cada um, dos países em causa (Estados Unidos da América, República Francesa, Reino Unido e Grão-Ducado de Luxemburgo), as quais, consagrando o princípio da territorialidade, atribuem ao Estado da fonte o poder de tributar os lucros do estabelecimento estável. Sustenta, em consequência, que na determinação do lucro do estabelecimento estável, deve ser permitida a dedução de todas as despesas que tiverem sido efectuadas por esse estabelecimento, de acordo com a legislação do Estado em que o mesmo se situe, incluindo nesta as normas contabilísticas e fiscais.
O Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa deu razão à Impugnante. Considerou, em síntese, que, atento ao princípio da territorialidade da tributação, que constitui regra do CIRC e está também contido nas convenções para evitar a dupla tributação respectivas, as normas a aplicar em relação às questionadas reintegrações e amortizações e despesas de representação das sucursais serão as vigentes à data nos países em que se situem os estabelecimentos estáveis, o que, disse, bem se compreende porque a actividade do estabelecimento estável se desenvolve e se integra na realidade económica do país onde está localizado, «que é diferente de país para país e diferente também da existente em território nacional». Em consequência, anulou a liquidação na parte respeitante às correcções por reintegrações e amortizações das sucursais no estrangeiro e das despesas de representação com as mesmas sucursais.
A Fazenda Pública discorda do assim decidido pelo Tribunal Tributário de Lisboa e mantém que «todos os componentes que concorrem para o resultado contabilístico, incluído as amortizações e as despesas de representação, devem ser ajustadas segundo as regras vigentes em Portugal». Salienta que «a análise levada a cabo pelo Tribunal a quo, fundamentada no primado do princípio da territorialidade, é seguramente válida e correcta para a determinação da tributação do lucro emergente dos estabelecimentos estáveis no país em que se inserem», mas «independentemente das normas fiscais em vigor à data dos factos nos países onde se situem as sucursais, impõe-se à impugnante a correcção fiscal de acordo com as normas vigentes em Portugal uma vez que, é aqui que é tributado pela actividade global». Salienta ainda que daí «não decorre nenhum prejuízo para as sociedades sujeitas a tais situações, porquanto as mesmas têm ao seu dispor mecanismos que permitem eliminar, ou atenuar, a dupla tributação de rendimentos, sendo que in casu, verificando-se que o regime tributário em vigor nos Estados em que se situam as sucursais é mais vantajoso para a diminuição da tributação devida em tais locais, há um óbvio benefício para a impugnante».
Cumpre apreciar e decidir estas questões.
Sobre as mesmas, em situação factualmente semelhante, já se pronunciou este Supremo Tribunal no acórdão proferido em 11 de Maio de 2016, no processo com o n.º 351/14 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/95665a5393ed006980257fb7005260ff.), em cujo sumário deixou dito o seguinte:
«[…]
II- Quando uma sociedade comercial sediada em território português possui uma sucursal fora deste território, as operações efectuadas por esse estabelecimento estável têm de ser reflectidas na contabilidade da empresa sede e, em consequência, os rendimentos obtidos por esse estabelecimento têm de ser reflectidos no resultado da actividade global da empresa, sendo tomados em conta na determinação do lucro tributável desta para efeitos do IRC devido em Portugal, dado o princípio da universalidade – que determina que as entidades residentes são tributadas pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional. É o que decorre da norma contida no artigo 4.º, n.º 1, do CIRC.
III- Todavia, em regra, o estabelecimento estável é também tributado em imposto sobre o rendimento no país onde este está situado, o que gera uma situação de dupla tributação internacional dos rendimentos. Razão por que o CIRC, na redacção vigente à data dos factos (1994 e 1995) previa, como mecanismo para atenuar essa dupla tributação, a aplicação do método de imputação ordinária, em conformidade com as normas contidas nos artigos 58.º, n.º 1, alínea b), 71.º, n.º 2, al. b), e 73.º, todos do CIRC.
IV- Desses preceitos legais resulta que, para efeitos da tributação prevista no art. 4.º, n.º 1, do CIRC, os rendimentos obtidos fora do território nacional são necessariamente englobados na sua totalidade, e esse englobamento é feito pelas importâncias ilíquidas do imposto pago no estrangeiro, originado tal pagamento um crédito de imposto que é dedutível ao IRC liquidado em Portugal, em conformidade com o disposto no art. 73.º do CIRC.
V- O englobamento desses rendimentos pela importância ilíquida do imposto pago, tendo como desígnio assegurar a tributação da totalidade do rendimento obtido pelas entidades que tenham sede ou direcção efectiva em território português, impõe-se ao sujeito passivo, independentemente do uso do crédito que a lei lhe reconhece, e, por conseguinte, não é um regime facultativo, mas, antes, um regime obrigatório, já que se impõe ainda que não seja possível deduzir (total ou parcialmente) o crédito de imposto, designadamente por ausência de colecta.
[…]».
O entendimento vertido neste aresto – e seguido também no, mais recente, acórdão de 12 de Maio de 2021, proferido no processo com o n.º 160/08.2BELRS (284/16) (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/1bd0d2a2dce288fc802586d50029b641.) – é também aplicável à situação sub judice, atento o princípio da universalidade da tributação contida no mencionado art. 4.º, n.º 1 do CIRC. Como nele ficou dito, «as entidades residentes, bem como as entidades não residentes com estabelecimento estável em território português, estão sujeitas a tributação em sede de IRC sobre os rendimentos obtidos a nível mundial, sendo o imposto apurado com base no lucro contabilístico, após aplicação das correcções decorrentes das normas fiscais. Pelo que, mantendo todos os estabelecimentos a mesma unidade jurídica, mesmo quando a maior parte das funções seja desempenhada num só, todos estão debaixo do controlo da empresa que os criou.
E ainda que implantados fora do território nacional e de estarem obrigados a cumprir a legislação fiscal do país onde estão localizadas quanto a obrigações contabilísticas e fiscais, o certo é que todas as operações efectuadas pelas sucursais (estabelecimentos estáveis) devem ser integradas na contabilidade da empresa que representam.
Deste modo, apesar de a sucursal ser obrigada a ter a sua contabilidade organizada de acordo com as regras onde se localiza geograficamente, estando, por isso, obrigada a cumprir todas as regras nacionais do Estado da sua localização relativas à contabilidade, apuramentos de resultados, correcções para efeitos fiscais e pagamento de impostos, o certo é que esta contabilidade tem de ser, depois, integrada na contabilidade nacional segundo as regras estabelecidas pelo Plano Oficial de Contabilidade vigente em Portugal.
Por conseguinte, as sucursais, sendo tributadas em imposto sobre o rendimento no Estado onde estão localizadas, têm de determinar nesse país o seu lucro tributável (calculado com base no resultado líquido apurado à luz da contabilidade organizada segundo as regras desse Estado e com observância das regras contabilísticas e fiscais nele vigentes, que estão obrigadas a cumprir), aí podendo deduzir todas as despesas que a legislação desse Estado aceite como dedutíveis para o apuramento do lucro tributável que aí é sujeito a tributação.
Ou seja, nesse Estado, as sucursais têm de observar as regras de determinação do rendimento colectável aí vigentes, designadamente no que toca à natureza e âmbito dos gastos dedutíveis, não lhes sendo aplicáveis as regras (contabilísticas e fiscais) vigentes no Estado da residência da empresa sede. E é dessa forma que é apurado o imposto que aí é devido e pago, e que virá a constituir o referido crédito de imposto.
Todavia, dado o supra citado princípio da universalidade – que determina que as entidades residentes são tributadas pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional – e visto que a sucursal está sob controlo da empresa que a criou, todos os rendimentos obtidos pela sucursal têm também de ser reflectidos na contabilidade da empresa sede, aí sendo englobados pelo seu montante ilíquido para apuramento do resultado da actividade global da empresa e determinação do seu lucro tributável para efeitos do IRC devido no Estado da residência desta.
Porém, nesta fase, todas as regras contabilísticas e fiscais a observar são as vigentes em Portugal para o apuramento do lucro tributável da empresa sede residente neste país.
E foi o que aconteceu no caso em análise. A Administração Fiscal aceitou que para determinação do lucro tributável da impugnante se impunha considerar a totalidade dos seus rendimentos ilíquidos, incluindo os obtidos pelas sucursais, e que eram dedutíveis todos os gastos incorridos pela empresa e sucursais para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC em Portugal, desde que previstos na legislação fiscal nacional e com os limites que essa lei impõe a tais deduções».
Ou seja, contrariamente ao que entenderam a Impugnante e a sentença recorrida, não ocorre violação de CDT alguma, designadamente as celebradas com os países em causa.
Na verdade, como impõem as CDT, as sucursais, como estabelecimentos estáveis que são [cfr. art. 5.º, n.º 2, alínea b), do CIRC], nos países onde estão sediadas foram tributadas de acordo com as regras de determinação do rendimento colectável aí vigentes, designadamente no que toca à natureza e âmbito dos gastos dedutíveis, sendo dessa forma que foi apurado o imposto que aí é devido e pago e que constituirá um crédito de imposto, dedutível ao IRC liquidado em Portugal, em conformidade com o disposto no art. 73.º do CIRC.
Mas, no apuramento do resultado da actividade global da empresa e determinação do seu lucro tributável para efeitos do IRC devido no nosso País (estado da residência da Impugnante) não podem deixar de observar-se as regras contabilísticas e fiscais vigentes em Portugal.
A sentença não pode, pois, manter-se no segmento em que subscreveu entendimento diverso.

2.2.3 DAS PERDAS POR ERROS DO SUJEITO PASSIVO («procedimentos incorrectos ou um deficiente controlo interno»)

Por razões de ordem prática, vamos também tratar conjuntamente as correcções relativas aos custos incorridos pelo sujeito passivo pelo pagamento indevido de cheques e pelo não oportuno cumprimento de ordens de clientes para aquisição de títulos, tanto mais que ambos radicam em erros do sujeito passivo e no desenvolvimento da sua actividade e a razão por que a AT entendeu desconsiderar tais perdas é a mesma, qual seja a não indispensabilidade dos mesmos “para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, em violação da exigência formulada no art. 23.º do CIRC.
Se bem alcançamos a fundamentação dessas correcções, a mesma assenta no pressuposto de que os referidos custos foram «custos suportados para colmatar procedimentos incorrectos do Banco ou um deficiente controlo interno, pelo que, não seguindo o requisito da indispensabilidade, não são fiscalmente dedutíveis».
Ou seja, se bem interpretamos a fundamentação aduzida pela AT – e tendo em conta que a incorrecção imputada aos procedimentos, i.e., à mecânica por que o sujeito passivo exerce a actividade empresarial, não se refere a ilegalidade alguma, nem sequer a uma conduta dolosa, mas apenas a uma menos apurada técnica de gestão e/ou de execução –, esta pretende que não são susceptíveis de dedução fiscal os custos que derivem de uma menor eficiência na prossecução daquela actividade. No limite, apenas os custos imputáveis a procedimentos “correctos” e eficientes seriam fiscalmente dedutíveis.
A sentença recorrida deu razão à Impugnante no que respeita à primeira dessas correcções, mas já não quanto à segunda. Vejamos porquê:
Quanto à primeira, o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa considerou, em síntese, que «atendendo […] ao volume de operações efectuadas com cheques não deixa de consubstanciar um custo anormal para a actividade bancária, apesar do alegado controlo referido pela impugnante, pelo que entendemos dever ser atendido, o montante em causa, como custo por perda extraordinária», tanto mais que se trata de um risco da actividade insusceptível de ser segurado.
Ou seja, atendendo ao diminuto valor dos cheques em causa no cômputo das operações efectuadas através desse título de crédito no âmbito da actividade bancária desenvolvida pelo sujeito passivo e ao carácter excepcional da situação, o Juiz concluiu que «o pagamento indevido de dois cheques numa situação anormal que nem a própria inspecção tributária consegue atribuir a negligência à situação em concreto e, mormente por as empresas seguradoras não assumirem contratualmente o risco de tal facto, nada obsta pelas razões apontadas, a que o valor desse pagamento seja considerado como custo ou perda para efeitos fiscais».
Já no que respeita aos custos incorridos pelo sujeito passivo pelo não oportuno cumprimento de ordens de clientes para aquisição de títulos (e necessidade de, para as cumprir, ter ulteriormente adquirido os títulos em causa por um valor superior), o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa manteve a correcção efectuada pela AT. Isto, em síntese, porque entendeu que, atenta a importância que assume na actividade do sujeito passivo a satisfação dos pedidos dos clientes para aquisição de acções aquando das ofertas públicas de venda, «não será razoável admitir que a impugnante tenha descurado a solicitação de alguns dos seus clientes quando a sua preocupação primordial é a manutenção dos mesmos» e que, «[p]or outro lado, também não será muito ortodoxo, efectuar aquisições com data posterior, por solicitações anteriores ou posteriores de clientes, atribuindo o diferencial do preço como custo do exercício para a manutenção ou angariação de clientes», motivo por que «[s]e a intenção primordial da impugnante é a satisfação dos clientes, promovendo operações já realizadas, deverá a própria instituição suportar esse custo e não considerá-la como custo fiscal, ainda que que mais tarde venha a obter lucros sobre as mesmas, atendendo à especificidade do custo contabilístico e custo fiscal».
Por isso, a AT recorre relativamente à desconsideração da primeira das referidas correcções e a Impugnante relativamente à manutenção da segunda.
Salvo o devido respeito, em ambas as situações não se justificam as correcções operadas pela AT, inexistindo motivo para não aceitar a relevância fiscal das referidas perdas sofridas pelo sujeito passivo. Vejamos:
Em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, tanto mais que, por imperativo constitucional (cfr. art. 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».), a tributação das empresas deve incidir, fundamentalmente, sobre o rendimento real. O que significa que devem excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os custos incorridos na obtenção do rendimento.
Há, no entanto, que ter presente que o legislador, na ponderação de motivos que considerou relevantes (E que se prendem com os fins extrafiscais prosseguidos pelo Direito Fiscal, com os princípios da legalidade fiscal e da segurança jurídica, bem como com o princípio da soberania fiscal e com fins de prevenção e combate à evasão fiscal.), não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais (Adoptando um modelo de dependência parcial, que tomando como ponto de referência as normas contabilísticas e o resultado contabilístico, sujeita-o a ajustes extracontabilísticos para cumprimento das normas fiscais.) e entendeu que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável «os [custos ou perdas] que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. o art. 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção em vigor em 2000).
No caso sub judice não está em causa a comprovação da efectividade dos custos, que ninguém discute, mas apenas a sua indispensabilidade.
Desde há muito se encontra arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).
A indispensabilidade deve ser entendida como a ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte, ao interesse da empresa, a aferir caso a caso. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.
Note-se também – porque com relevo para a decisão, atenta a argumentação aduzida pela AT –, que a qualificação de um custo como indispensável não depende do estabelecimento de um nexo causal entre o custo e o benefício, seja do tipo objectivo, porque pode não haver benefício, seja do tipo subjectivo, porque boas decisões e boas práticas de gestão nem sempre se traduzem em bons resultados. A aceitação do custo com base no estabelecimento de uma relação causal directa entre custo e benefício corresponde a uma concepção de indispensabilidade que a associava à eficiência na gestão empresarial. Este entendimento da indispensabilidade também não pode ser aceite, pois não só implicaria a desconsideração de custos com potencialidade abstracta para a obtenção e proveitos, mas também por «abrir a porta a uma perigosa sindicância a posteriori da dedutibilidade do custo, em função dos respectivos resultados. Ou seja, à consagração de um poder geral de intromissão na gestão da sociedade» (Cfr. ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, ob. cit., págs. 242 e seguintes.).
Como ficou dito no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Junho de 2018 (Proferido no processo com o n.º 1402/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/ffed307943544ebb802582bf004bd81d.), «[o] conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportados no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário» e, assim, «[s]ó quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados».
Em face deste entendimento da indispensabilidade e tendo presente em que consiste a actividade da Impugnante, podemos concluir que a perda patrimonial por ela sofrida quer com o pagamento indevido de cheques quer com a ulterior aquisição de acções para suprir o incumprimento de ordens de clientes, não só está associada à sua actividade, como se afigura indispensável à prossecução da mesma. Tais encargos não se revelam manifestamente desconexos ou estranhos ao exercício da actividade bancária exercida pela Impugnante, pois relacionam-se com o pagamento de cheques e com a responsabilidade pelo cumprimento de ordens dos clientes. Assim, ainda que estejamos perante “custos suportados para colmatar procedimentos incorrectos do Banco ou um deficiente controlo interno”, é evidente que tais custos são atinentes ao dia-a-dia da actividade bancária e decorrem das inevitáveis ineficiências de qualquer organização, designadamente as motivadas por falhas humanas, ainda que não intencionais.
Por tudo o que ficou dito, afigura-se-nos que haverá que manter a sentença na parte em que decidiu em conformidade com a doutrina exposta e revogá-la na parte em entendeu em sentido diverso.

2.2.4 DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A Fazenda Pública recorre também da decisão quanto a juros indemnizatórios.
Não se limita a invocar que os mesmos não são devidos na parte respeitante àquelas correcções cuja legalidade considera terem sido mal julgadas pelo Tribunal Tributário de Lisboa, como poderíamos ser levados a crer pela leitura isolada na conclusão O) das alegações de recurso; sustenta também, na conclusão P), que, a considerar-se que as correcções operadas pela AT e ora em discussão são ilegais, essa ilegalidade resultará de «erros interpretativos», os quais «não resultam da violação directa de qualquer norma por parte dos serviços da AT», motivo por que «os mesmos não são passíveis de consubstanciarem erro dos serviços que resultem, necessariamente, na condenação ao pagamento de juros enquanto medida compensatória da impugnante». Isto é, enquanto a conclusão O) levaria a supor que a Fazenda Pública apenas põe em causa a condenação em juros indemnizatórios em consequência e na medida em que põe em causa o julgamento de anulação da liquidação – a Fazenda Pública alega aí que «tal decisão [de condenação em juros indemnizatórios] surge no seguimento das outras questões de que aqui se recorre, pelo que desde logo, aqui pugnando pela correcção das alterações levadas a cabo pela AT em sede de inspecção tributária, não podemos deixar de, da mesma forma, requerer a reapreciação de tal condenação» –, a conclusão P) permite concluir, sem margem para dúvida, que a Fazenda Pública também considera que não está verificado um dos pressupostos legais para a condenação em juros indemnizatórios, qual seja o erro imputável aos serviços, requerido pelo n.º 1 do art. 43.º da LGT.
Quanto a esta questão, diremos, em primeiro lugar e socorrendo-nos da doutrina, que «[o] erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte» (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, anotação 2 ao art. 43.º, pág. 342.). Ou seja, para estabelecer o erro imputável aos serviços, nos casos em que a liquidação foi efectuada pela AT e não resulta de erro na declaração efectuada pelo contribuinte, a lei não exige senão a procedência do meio impugnatório, gracioso ou contencioso.
Depois, porque a Fazenda Pública faz uma distinção, a nosso ver infundada e inadmissível, entre “erros de interpretação” e “violação directa” de normas: se a violação das normas por parte da AT não resultar de erros de interpretação estaremos caídos no domínio da violação voluntária e deliberada do princípio da legalidade, hipótese sobremaneira patológica e de que ora não cuidamos.
Salvo o devido respeito, deverá considerar-se como erro imputável aos serviços toda a actuação administrativa que origine uma definição ilegal da relação jurídica tributária para o contribuinte e da qual resulte uma liquidação superior à legalmente devida.
Assim, concluímos, com a sentença recorrida e sem prejuízo de dever levar-se em conta a alteração do julgado ora operada, que serão devidos juros indemnizatórios relativamente às correcções consideradas ilegais.

2.2.5 A CONDENAÇÃO EM CUSTAS

Atendendo a que a Fazenda Pública resultou vencida em ambos os recursos – se bem que no por ela interposto apenas parcialmente –, deveria a mesma suportar as respectivas custas, atento o disposto no art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT.
Há, no entanto, que ter em conta que a petição inicial foi apresentada em 21 de Fevereiro de 2003, conforme carimbo aposto na mesma.
Ora, no regime de custas anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária, de acordo com o disposto no art. 3.º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro (Como, aliás, já antes constava do art. 5.º do Regulamento das Custas nos Processos das Contribuições e Impostos e do art. 2.º da Tabela das Custas no Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 42.150, de 12 de Fevereiro de 1959.). É certo que as disposições que isentavam a Fazenda Pública de custas nos processos tributários foram revogadas pelo art. 4.º, n.ºs 4 e 5, do citado Decreto-Lei n.º 324/2003 – deixando a Fazenda Pública de beneficiar de isenção no Código das Custas Judiciais que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004, nos termos do art. 16.º desse diploma –, mas tal revogação só é aplicável aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (cfr. o n.º 1 do seu art. 14.º), produzindo apenas efeitos, no que respeita às custas judiciais tributárias, a partir da data da transferência dos tribunais tributários para a tutela do Ministério da Justiça (cfr. art. 15.º, n.º 2), o que ocorreu na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação (cfr. art. 18.º).
Assim, quando a impugnação judicial foi deduzida – 21 de Fevereiro de 2003 – a Fazenda Pública gozava de isenção de custas processuais ex vi do disposto no artigo 3.º do RCPT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Dezembro (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume I, nota 20 ao art. 15.º, págs. 211/212, e nota 8 ao art. 20.º, págs. 276 a 278.).
Por seu turno, a Recorrente “Banco 1..., S.A.” pagará custas na proporção em que ficou vencida no recurso interposto pela AT.

2.2.6 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - As deduções por reintegrações e amortizações, bem como por despesas de representação respeitantes às sucursais no estrangeiro de um sujeito passivo de IRC residente em Portugal devem efectuar-se de acordo com a lei tributária do país onde se localizam pois, sendo aí tributadas, têm de determinar nesse país o seu lucro tributável (calculado com base no resultado líquido apurado à luz da contabilidade organizada segundo as regras desse Estado e observando as regras contabilísticas e fiscais nele vigentes, que estão obrigadas a cumprir).

II - No entanto, todos os rendimentos obtidos por essas sucursais têm também de ser reflectidos na contabilidade da empresa sede e, nesta fase e sendo esta sediada em Portugal, todas as regras contabilísticas e fiscais a observar são as vigentes no nosso País para o apuramento do lucro tributável, razão por que os gastos (da empresa sede e suas sucursais) são dedutíveis apenas na medida em que estejam previstos na legislação fiscal nacional e com os limites que essa lei impõe a tais deduções.

III - O conceito de indispensabilidade dos custos a que se reportava o art. 23.º do CIRS refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportados no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário, motivo por que só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.

IV - São de considerar como custos fiscalmente dedutíveis para efeitos da determinação da matéria colectável em sede de IRC (art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável), porque respeitam ao dia-a-dia da actividade bancária e decorrem das inevitáveis ineficiências de qualquer organização, designadamente as motivadas por falhas humanas, ainda que não intencionais, os encargos suportados por uma sociedade que se dedica à actividade bancária e respeitantes ao pagamento indevido de cheques e ao atraso no cumprimento de ordens dos clientes.

V - Para efeitos de condenação em juros indemnizatórios (cfr. art. 43.º, n.º 1, da LGT), o erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte.

VI - Nas impugnações judiciais deduzidas até 31 de Dezembro de 2003, a Fazenda Pública gozava de isenção de custas processuais, de acordo com o disposto no art. 3.º do RCPT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Dezembro, então em vigor.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em

a) conceder parcial provimento ao recurso da Fazenda Pública e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte que se refere às correcções decorrentes das amortizações e reintegrações das sucursais de ..., ... e ... e das despesas de representação com as mesmas sucursais, mantendo a liquidação impugnada na parte respeitante a essas correcções;

b) conceder total provimento ao recurso da Recorrente “Banco 1..., S.A.” e, em consequência, revogar a sentença na parte respeitante à correcção decorrente da não aceitação dos custos incorridos pelo não oportuno cumprimento de ordens de clientes para aquisição de títulos e, em substituição, julgar a impugnação judicial procedente no que respeita a essa correcção, anulando-se a liquidação na parte que lhe respeita; e

quanto a custas e nos termos referidos supra em 2.2.5, em

c) condenar a Recorrente “Banco 1..., S.A.” por ter ficado parcialmente vencida quanto ao recurso da AT e na medida do vencimento (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT)

d) não condenar a Recorrente Fazenda Pública nas custas respeitantes a ambos os recursos, pois, apesar de ter ficado vencida em ambos (no por ela interposto apenas parcialmente), delas está isenta.


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Lisboa, 10 de Maio de 2023. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva.