Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0742/14
Data do Acordão:08/06/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:ILEGALIDADE DA PENHORA
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Verifica-se a nulidade da sentença por excesso de pronúncia se nesta se conhece questão que não foi suscitada nem é do conhecimento oficioso (art. 125.º, n.º 1, do CPPT).
II - A execução fiscal, nos casos em que foi admitida liminarmente a oposição, não deve prosseguir contra o oponente antes de esgotado o prazo que a lei lhe concede para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (cfr. art. 169.º, n.ºs 1, 7 e 10 do CPPT).
III - Do mesmo modo, não deve prosseguir a execução fiscal enquanto não estiver decidida a requerida dispensa de prestação da garantia, admitida pelo n.º 4 do art. 52.º da LGT e pelo art. 170.º do CPPT.
IV - É ilegal a penhora ocorrida antes de ter sido proferido despacho que decida um anterior pedido de isenção de prestação da garantia.
Nº Convencional:JSTA00068863
Nº do Documento:SA2201408060742
Data de Entrada:06/23/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART169 N1 N7 N10 ART286 N2 ART125 N2 ART170 ART195 ART199 ART276.
LGT98 ART52 N4 ART103 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0667/10 DE 2010/10/06.; AC STA PROC0784/10 DE 2010/11/03.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO AREAS EDITORA 6ED VOLII PAGS363-364.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 2203/13.9BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A………… (a seguir Executado, Reclamante ou Recorrido), invocando o disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou judicialmente dos actos de penhora do saldo de uma sua conta bancária e de 1/6 do seu vencimento, ordenado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-2, alegando que esta diligência foi efectuada antes de ser decidido o pedido de dispensa de prestação de garantia por ele formulado na sequência da admissão da oposição que deduziu à execução fiscal instaurada contra ele para reposição de dinheiro.
A final pediu ao Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa para: «

a) Deferir o pedido de dispensa de garantia;
b) Declarar inadmissíveis as penhoras de vencimento e de saldo bancário levadas a cabo;
c) Declarar a suspensão do processo executivo».

1.2 A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa proferiu sentença na qual, julgando procedente a reclamação, decidiu nos seguintes termos: «

1) Anulo o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-2, que determinou a penhora do vencimento do executado/reclamante;
2) Anulo a decisão proferida pelo Director de Finanças Adjunto de 19/09/2013, devendo ser substituída por outra que deverá ter em consideração todos os requisitos legais decorrentes do disposto no art. 52.º, n.º 4, da LGT;
3) Nestes termos, até à prolação da nova decisão administrativa sobre o pedido de dispensa de prestação da garantia, a execução fiscal dos autos fica suspensa nos termos legais».

1.3 A Fazenda Pública não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Aqui como adiante, porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão em tipo normal.): «

4.1 Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a reclamação judicial procedente, anulando a decisão da Administração Tributária que determinou a penhora de 1/6 do vencimento do executado nos autos executivos n.º 3247201301104217, bem como determinou a anulação da decisão proferida pelo órgão de execução fiscal de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, nos mesmos autos executivos, e que determinou a suspensão dos referidos autos executivos até à prolação de nova decisão pela Administração Tributária que verse sobre tal pedido de dispensa de garantia.

4.2 Entendeu o Tribunal “a quo”, em síntese e no que à questão (i)legalidade da penhora de vencimentos, em questão nos autos de reclamação, diz respeito, que tal penhora é ilegal, por violação do disposto no artigo 169.º, n.ºs 1, 7 e 10, uma vez que a Administração Tributária efectuou a penhora de 1/6 do vencimento do então executado, encontrando-se pendente um pedido de dispensa de prestação de garantia por este aduzido juntamente com a oposição judicial, também esta oportunamente apresentada.

Ora,

4.3 É entendimento da Representação da Fazenda que a penhora, enquanto acto de trâmite do processo executivo, não fica prejudicado com a falta de pronúncia da Administração Tributária sobre o peticionado pedido de dispensa de prestação de garantia, sendo tal acto válido e plenamente eficaz após a sua notificação ao executado, pois nenhum prejuízo comporta para este.

4.4 Se, posteriormente, recair decisão de indeferimento sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia, o processo executivo segue a sua normal tramitação; se sobre ele incidir despacho de deferimento, o processo executivo é suspenso, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 169.º do CPPT, sendo devolvido ao executado o montante pecuniário entretanto penhorado, acompanhado de eventuais juros legalmente determinados.

4.5 E a validade da penhora, efectuada antes da decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia, nem tão pouco fica prejudicada pela falta de notificação da mesma ao executado.
Aliás, acerca desta questão já se pronunciou o STA, através do seu Ac. de 06/10/2010, proferido no processo n.º 0667/10 - 2.ª Secção, onde se refere, no seu sumário, que “... III - A notificação do despacho que indefere o pedido de isenção de prestação de garantia e ordena a penhora não tem necessariamente de proceder a concretização desta última diligência executiva:”, bem como no seu Ac. de 03/11/2010, proferido no âmbito do processo n.º 0784/10 - 2.ª Secção, onde se refere, no sumário, que “... II - Segundo decorre do n.º 3 do art. 169.º do CPPT, indeferido que seja o pedido de isenção de prestação de garantia, a execução prossegue os seus eventuais trâmites, nada obstando que se proceda de imediato à penhora, independentemente da notificação daquele despacho.”.

Por outro lado,

4.6 e porque o reclamante, ora recorrido, no seu petitório inicial aduziu um pedido judicial de deferimento da dispensa de prestação de garantia, o Ilustre Tribunal “a quo” conheceu de tal pedido, considerando que a decisão da Administração Tributária que decidiu o indeferimento do pedido de dispensa de garantia é ilegal, entendendo que, atenta a prova documental carreada para instrução do pedido da referida dispensa de prestação de garantia, a Administração Tributária deveria ter apreciado se a insuficiência dos bens do executado, ora recorrido, foi ou não da responsabilidade deste, o que não fez.

4.7 No que a esta questão diz respeito, e em conclusão, o Tribunal “a quo” decidiu anular a decisão proferida pelo Director de Finanças Adjunto de 12/09/2013, que indeferiu a, pelo então executado, peticionada dispensa de prestação de garantia, devendo tal decisão ser substituída, pela Administração Tributária, por outra que tenha em consideração todos os requisitos legais decorrentes do disposto no artigo 52.º, n.º 4, da LGT.

4.8 Determinou, ainda, que até à prolação de tal decisão por parte da Administração Tributária, a execução dos autos fica suspensa nos termos legais.

4.9 É entendimento desta Representação da Fazenda que, no que a este dispositivo da decisão ora em crise diz respeito, e salvo sempre melhor entendimento, o Ilustre Tribunal “a quo” extravasou os limites do objecto do processo de reclamação do acto do órgão de execução fiscal no qual foi proferida a decisão judicial ora em questão.

4.10 O objecto deste processo de Reclamação é, somente e tão só, o acto de penhora de vencimentos realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3247201301104217, e não também o acto da Administração Tributária pelo qual esta indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia também aduzido, pelo então executado e ora recorrido, no referenciado processo de execução fiscal.

4.11 Podemos facilmente constatar este mesmo facto através da leitura do cabeçalho da peça processual onde o então reclamante, e ora recorrido, fixa o objecto da reclamação em questão.
Aí é referido:
“A…………, titular do Cartão de Cidadão n.º (...) Executado nos autos à margem referenciados, e, neles, melhor identificado, tendo sido notificado da penhora de vencimentos realizada no âmbito do processo supra mencionado, (…)”.

4.12 E tanto assim é que o reclamante, ora recorrido, deduziu uma outra reclamação do órgão de execução fiscal cujo objecto, aí sim, é a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pelo então executado nos mesmos autos executivos, e que corre, ainda, os seus termos na 4.ª U.O. do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 2204/13.7BELRS.

4.13 Aliás, caso se admitisse que nos presentes autos de reclamação estivesse também em questão a apreciação da decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia, estaríamos perante uma situação de litispendência, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 580.º, do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT, uma vez que se verificaria uma repetição da mesma causa ainda não transitada em julgado.

4.14 Assim sendo, e salvo melhor entendimento, é entendimento da Representação da Fazenda que o Ilustre Tribunal “a quo”, com a decisão ora em crise incorreu em excesso de pronúncia ao conhecer de questões que não fazem parte do objecto do litígio em questão na presente Reclamação, sendo, por isso, a sentença ora em crise nula, nos termos do disposto na parte final da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex-vi o disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT, nulidade essa que, para todos os efeitos, se invoca, com todas as legais consequências daí decorrentes.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!».

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, pese embora no requerimento por que a Fazenda Pública interpôs o recurso não tenha requerido esse efeito e, pelo contrário, tenha referido que ao recurso deveria ser atribuído efeito meramente devolutivo.

1.5 O Reclamante apresentou contra alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «

1. Choca que a Recorrente fundamente a legalidade da penhora no argumento de que a mesma não comporta prejuízo para o Executado.

2. Como se expôs na douta sentença proferida pelo tribunal “a quo”, a ilegalidade do despacho reclamado implica uma tutela judicial efectiva, no sentido de evitar maiores prejuízos aos contribuintes.

3. Tendo, até, sido determinado o carácter urgente da reclamação.

4. O espírito do legislador foi garantir que o pedido de dispensa de garantia fosse apreciado com a maior brevidade possível, garantindo que as penhoras não teriam lugar sem que a real situação económica dos contribuintes fosse analisada.

5. Determina o n.º 4 do artigo 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “O pedido de dispensa de garantia será resolvido no prazo de 10 dias após a sua apresentação”.

6. Ou seja, a Recorrente deveria ter apresentado uma decisão quanto ao pedido formulado até 15-07-2013.

7. O Recorrido só foi notificado da decisão proferida em 26-09-2013.

8. No decurso destes 2 (dois) meses em que a Recorrente, em atropelo da lei, não se pronunciou quanto ao pedido de dispensa de garantia, o Recorrido apresentou vários requerimentos solicitando que fosse prestada informação quanto ao andamento do processo.

9. Sem nunca obter qualquer resposta.

10. Apesar de o pedido de dispensa de garantia e suspensão da execução se encontrar pendente e a aguardar uma decisão por parte da Recorrente, em Agosto de 2013 a Recorrente procedeu à penhora do vencimento e de saldo bancário titulado pelo Recorrido.

11. Assim, a 25-09-2013 (note-se, antes de ser notificado da decisão relativa ao pedido de dispensa de garantia), o Recorrido apresentou reclamação junto do Serviço de Finanças 2, pugnando pela inadmissibilidade das penhoras levadas a cabo.

12. E, a 07-10-2013, apresentou reclamação da decisão relativa ao pedido de dispensa de garantia.

13. Tal reclamação correu termos junto da 4.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número de processo 2204/13.7BELRS.

14. Tendo já sido proferida decisão que julgou totalmente procedente a reclamação judicial e que anulou o despacho reclamado de 12-09-2013, dispensando o reclamante da prestação de garantia.

15. O presente recurso é, assim, infrutífero.

16. No âmbito dos autos à margem referenciados o Recorrido reclamou do despacho que ordenou as penhoras.

17. E, no âmbito do processo n.º 2204/13.7BELRS, o Recorrido reclamou do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de garantia.

18. Em ambos, o Tribunal Tributário de Lisboa deu razão ao Recorrido.

19. O tribunal “a quo” não extravasou os limites do objecto do processo.

20. O pedido formulado pelo Recorrido foi o seguinte:

“Termos em que requer a V. Exa. se digne:
a) Deferir o pedido de dispensa de garantia;
b) Declarar inadmissíveis as penhoras de vencimento e de saldo bancário levadas a cabo;
c) Declarar a suspensão do processo executivo,
Tudo nos termos dos normativos supra referidos”.

21. O tribunal “a quo” cingiu-se, assim, ao pedido formulado pelo Recorrente.

22. A ilegalidade das penhoras realizadas tem correlação directa com o deferimento do pedido de dispensa de garantia.

23. O Recorrido reunia todos os requisitos para que lhe fosse concedida a dispensa de prestação de garantia – conforme ficou provado no âmbito do processo n.º 2204/13.7BELRS.

24. Ainda assim, e em atropelo do disposto n.º 4 do artigo 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Recorrente ordenou a penhora do vencimento e da conta bancária titulada pelo Recorrido.

25. A ilegalidade do acto de penhora é consequência da ilegalidade do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.

26. Precisamente porque a Recorrente não proferiu despacho quanto ao pedido de dispensa de prestação de garantia nos 10 dias previstos na lei, veio o Recorrido na reclamação do despacho que ordenou a penhora peticionar o deferimento do pedido de dispensa de garantia.

27. Pedido esse, recorde-se, que à data da apresentação da reclamação ainda não tinha merecido qualquer despacho por parte da Recorrente.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, vem requerer a V. Exas. se dignem negar provimento ao presente recurso, mantendo na íntegra a decisão proferida».

1.6 A Juíza do Tribunal a quo, pronunciando-se sobre a nulidade que a Recorrente assacou à sentença recorrida, sustentou que «não se verifica a nulidade invocada, pois a sentença cingiu-se aos pedidos formulados pelo reclamante» e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal ad quem.

1.7 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido parcial provimento ao recurso, declarando-se nula a sentença, por excesso de pronúncia, na parte em que apreciou a legalidade do indeferimento do pedido de dispensa de prestação da garantia, e negando-se provimento ao recurso na parte restante, assim se mantendo a sentença recorrida no segmento em que anulou os actos de penhora cuja legalidade o Reclamante questionava. Isto, com a fundamentação seguinte (As notas de rodapé foram transcritas no próprio texto, entre parêntesis rectos e com respeito pela numeração utilizada no original.):

«A sentença recorrida julgou procedente reclamação deduzida contra o despacho proferido pelo Chefe do SLF de Lisboa 2, que anulou o acto de penhora de 1/6 do vencimento do recorrido e saldo bancário, no entendimento de que antes de ser decidido o formulado pedido de dispensa de prestação de garantia não podia ter lugar a penhora, anulou o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia e determinou a suspensão do PEF até à prolação de nova decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia.
[…]
A recorrente, além do mais, imputa à sentença recorrida vício formal de excesso de pronúncia e consequente nulidade, uma vez que, em seu entender, conheceu do despacho do DF Adjunto de 12 de Setembro de 2013, que indeferiu pedido de dispensa de prestação de garantia sem que tal questão tivesse sido suscitada pela parte nos presentes autos. E, tanto assim é que o recorrido apresentou outra reclamação judicial desse despacho que correu termos em processo autónomo pelo TT de Lisboa.
O Tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o conhecimento oficioso de outras (artigo 608.º/2 do CPC).
O que o citado artigo proíbe é que se conheça de questões não suscitadas.
Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou de direito sobre que existem divergências, formuladas com base em alegadas razões de facto e de direito 1 [1 Acórdão do STA, de 29 de Abril de 2008, recurso n.º 18150, AP-DR, de 2001.11.30, página 1311].
Parece manifesto que a sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia, nos termos do estatuído no artigo 615.º/1/d) do CPC.
De facto, o recorrido, nos presentes autos não solicitou ao tribunal recorrido que apreciasse a legalidade do despacho de 12 de Setembro de 2013, que indeferiu pedido de prestação de garantia, pois o acto que se impugnou nos presentes autos é apenas o acto de penhora do vencimento do recorrido e do saldo bancário.
Como resulta de fls. 7, o pedido formulado pelo recorrido consiste em que o tribunal defira o pedido de dispensa de garantia, anule a penhora do vencimento e saldo bancário e declare a suspensão do PEF.
É tão certo que nos presentes autos não foi sindicada a legalidade do despacho do OEF que indeferiu pedido de dispensa de prestação de garantia que, como resulta dos autos, correu processo autónomo pelo TT de Lisboa onde se sindica tal acto (processo 2204/13.7BELRS), que mereceu provimento.
A sentença recorrida ao apreciar a legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, sem que tal lhe tenha sido pedido, incorreu no vício de excesso de pronúncia, determinante da sua nulidade.
Por força do disposto no artigo 684.º do CPC o STA deve a suprir a nulidade, declarar em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhecer dos outros fundamentos do recurso.
Deve, assim, revogar-se e considerar-se sem efeito a decisão recorrida no segmento em que aprecia a legalidade do acto que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.
Analisemos, agora, os sindicados actos de penhora do vencimento e saldo bancário.
Resulta do probatório que o recorrido em 05 de Julho de 2013 deduziu oposição à execução fiscal, tendo solicitado no mesmo requerimento, dispensa de prestação de garantia e de suspensão do PEF.
Em 12 de Setembro de 2013 tal pedido foi expressamente indeferido por despacho do Director de Finanças Adjunto.
Entretanto, em 22 de Agosto de 2013 e 3 de Setembro de 2013 foram penhorados o saldo bancário e 1/6 do vencimento do recorrido, actos devidamente notificados ao executado, por ofícios de 22 de Agosto de 2013 e 27 de Setembro de 2013, respectivamente, (fls. 16 dos autos e ponto 11 do probatório).
Ora, como refere o ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa 2 [2 Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, volume III, página 218] cuja doutrina subscrevemos, “Embora o n.º 7 (n.º 3 na redacção inicial) do art. 169.º do CPPT estabeleça que, se a garantia não for prestada no prazo respectivo, se procede de imediato à penhora, tem de afastar-se desta estatuição os casos em que tiver sido formulado pedido de isenção de prestação de garantia, enquanto não tiver sido proferida decisão de indeferimento.
Na verdade, a isenção de prestação de garantia é um substitutivo desta prestação, pelo que lhe devem ser atribuídos os mesmos efeitos, pois se assim não fosse inutilizar-se-ia o efeito primacial desta isenção, que corresponde a um direito dos contribuintes, reconhecido pelo artigo 52.º, n.º 4, da LGT.
No entanto, uma vez decidido o indeferimento do pedido de suspensão, deve aplicar-se o regime daquele n.º 7 do art. 169.º, procedendo-se à penhora logo que for notificado o despacho de indeferimento”.
Temos assim que entre o pedido de dispensa ou isenção de garantia e, pelo menos, do seu indeferimento o PEF esteve provisoriamente suspenso não sendo, pois, legal a efectivação das sindicadas penhoras 3 [3 neste sentido acórdão do STA, de 2 de Maio de 2012, proferido no recurso n.º 0408/12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt].
As impugnadas penhoras são, pois, manifestamente ilegais, como bem decidiu a sentença recorrida».

1.8 Entretanto, o Recorrido veio questionar o despacho de admissão do recurso, na parte em que fixou o efeito suspensivo, alegando tratar-se de erro de escrita, susceptível de correcção ao abrigo do disposto no art. 614.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Notificada do teor do requerimento, a Fazenda Pública nada disse.

1.9 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.10 As questões suscitadas pela Recorrente são as de saber se a sentença recorrida (i) enferma de nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que entendeu apreciar a questão da legalidade da decisão do Director de Finanças Adjunto de Lisboa, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação da garantia (cfr. conclusões 4.6 a 4.14); (ii) incorreu em erro de julgamento quando considerou ilegal a penhora por ter sido ordenada antes de decidido o pedido de dispensa de prestação da garantia formulado pelo Executado, ora recorrido (cfr. conclusões 4.2 a 4.5).
Há ainda que deixar uma nota no que respeita efeito do recurso e ao requerimento para correcção do alegado erro de escrita na fixação desse efeito.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade: «

1. No âmbito do processo disciplinar n.º 11/2011 que correu termos na Inspecção-Geral da Administração Interna, foi proferida decisão datada de 07/09/2011, em que foi determinada a reposição do montante de € 94.312,76, ao arguido, A…………, ora reclamante e ……….. da Autoridade Nacional de Protecção Civil - cfr. fls. 6 a 210 do processo executivo em apenso aos autos;

2. Em 20/10/2011, o ora reclamante foi notificado para proceder ao pagamento da quantia de € 94.312,76 - cfr. fls. 4 a 5 do processo executivo em apenso aos autos;

3. Em 04/06/2013, foi instaurado contra A………… processo de execução fiscal com n.º 3247201301104217, para pagamento da quantia exequenda no montante de € 94.312,76 - cfr. fls. 1 do processo executivo em apenso aos autos;

4. Em 11/06/2013, o ora reclamante foi citado no âmbito do processo de execução fiscal com n.º 3247201301104217, para cobrança coerciva da dívida supra referenciada - cfr. fls. 214 a 215 do processo executivo em apenso aos autos;

5. Em 05/07/2013, o ora reclamante deduziu oposição à execução fiscal, tendo solicitado ainda na mesma petição a dispensa de prestação de garantia e a suspensão do processo de execução fiscal. Para o efeito, juntou os seguintes meios documentais de prova: 1) Cópia da citação efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3247201301104217; 2) Cópia da certidão de dívida emitida pela ANPC; 3) Recibo “Resumo de Serviços Prestados – Maio de 2013” emitido pela ............., CRL, anunciando o executado como docente que auferiu, em Maio de 2013, o valor total de € 1.292,49; 4) Declaração de rendimentos Mod. 3 do ano de 2012, na qual o executado declarou no anexo B “Outras Prestações de Serviços” no valor total de € 21.309,10 - cfr. fls. 216 a 223 do processo executivo em apenso aos autos;

6. O ora reclamante deduziu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa Acção Administrativa Especial com o n.º 3291/11.8BELSB, sindicando a legalidade do acto administrativo que determinou a reposição do valor de € 94.312,76 - cfr. consulta efectuada no SITAF;

7. Em 12/08/2013, é remetida à Entidade (ANPC) que processava os vencimentos do executado, notificação por correio registado n.º RQ282703644PT, com vista à penhora de 1/6 do vencimento do executado, para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido no montante total de € 106.840,49 - cfr. fls. 271 do processo executivo em apenso aos autos e documentos anexos à informação de fls. 334 a 339 do processo executivo em apenso aos autos e fls. 17 dos autos;

8. Em 14/08/2013, 29/08/13 e em 13/09/2013, o ora reclamante endereça aos serviços da AT, requerimento, solicitando informação sobre o pedido de dispensa de garantia no âmbito do processo executivo - cfr fls. 248 a 249, fls. 272 a 273 e fls. 294 do processo executivo em apenso aos autos;

9. Em 26/09/2013, a mandatária do ora reclamante é notificada do despacho do Director de Finanças Adjunto, proferido em 12/09/2013, que indefere o pedido de dispensa de prestação de garantia, com a seguinte fundamentação: “(...) A consulta às aplicações informáticas da AT revela a existência de bens susceptíveis de penhora - Valores e Rendimentos provenientes da CGDepósitos, créditos auferidos na ............. e ............, Vencimentos auferidos na Autoridade Nacional de Protecção Civil. Contudo dos pedidos de penhora relativos aos bens referidos no parágrafo anterior não surtiram efeito, tendo a ANPC informado através do Ofício n.º 19297/SV/2013 de 21/08/2013 que o executado não exerce funções naquele organismo desde Agosto de 2011. A mesma consulta revelou:
- a alienação do prédio urbano por partilha conjugal em 21/10/2011, a favor do ex-cônjuge – B………… –, sito na freguesia de ………, concelho de Cascais, registado sob o artigo matricial 11499, com o valor patrimonial tributário de € 133.140,00;
- a alienação em Fevereiro de 2012 da quota-parte, na proporção de 12,50% e 37,50%, do prédio urbano sito na freguesia de ………, fracções AX, com o VPT de € 45.740,00, herdado de C………… - 700.926.976.”- cfr. fls. 278 a 281 do processo executivo em apenso aos autos;

10. A AT conclui, na informação que sustenta a decisão de indeferimento do Director de Finanças Adjunto, de 12/09/2013, o seguinte: “(...) o pedido, ora em apreço, alude aos factos contudo carece das provas necessárias (...) Posteriormente, caso os bens penhorados e a penhorar não cubram o valor da garantia a prestar, poderá equacionar-se a eventual dispensa de prestação da mesma, pelo valor remanescente” - cfr. fls. 278 a 281, 315 e 316 do processo executivo em apenso aos autos;

11. Em 27/09/2013, o ora reclamante é notificado por meio de correio registado n.º RQ287041797P1, de que foi efectuada em 03/09/2013 a penhora de vencimentos e salários, à entidade “.................., CRL.” – cfr. fls. 88 e 89 dos presentes autos,

12. Em 26/09/2013, é remetida, por meio de correio registado, petição inicial que consubstancia a presente reclamação - cfr. fls. 3 e segs dos presentes autos».

2.1.2 Dos autos resulta ainda (Note-se que, embora o Supremo Tribunal Administrativo não tenha competência em matéria de facto nos recursos que lhe são submetidos das decisões dos tribunais de 1.ª instância (cfr. art. 26.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), não está impedido e, pelo contrário, está obrigado a considerar as ocorrências processuais reveladas pelos autos, apreensíveis por mera percepção e que são do conhecimento oficioso. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, anotação 23 h) ao art. 279.º, pág. 369.) que, em 7 de Outubro de 2013, A………… instaurou reclamação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa – onde correu termos sob o n.º 2204/13.7BELRS – contra a decisão do Director de Finanças Adjunto que lhe indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia dito em 9., reclamação essa que foi julgada procedente por sentença de 18 de Março de 2014, que anulou aquela decisão.


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada contra A…………, este, citado em 11 de Junho de 2103, deduziu oposição à execução fiscal em 5 de Julho seguinte e, do mesmo passo, pediu a dispensa da prestação de garantia e a suspensão do processo executivo.
Antes de ser proferida decisão sobre o pedido de dispensa de garantia – o que veio a acontecer em 12 de Setembro de 2013 –, o órgão da execução fiscal ordenou as penhoras do saldo bancário de uma conta bancária de que o Executado é titular e do vencimento do Executado em 12 de Agosto de 2013.
O Executado, inconformado com essas penhoras, por entender que as mesmas não podiam ser ordenadas antes de decidido o pedido de dispensa da prestação da garantia que formulou em ordem a conseguir a suspensão da execução fiscal na sequência da dedução da oposição, delas apresentou reclamação judicial, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e 278.º do CPPT.
A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 13 de Março de 2013, considerando que do disposto no art. 169.º, n.ºs 1, 7 e 10, do CPPT, decorre que «apenas nos casos em que a garantia prestada não seja idónea ou não tenha sido requerida a dispensa de prestação da garantia, a AT poderá proceder de imediato à penhora», concluiu pela ilegalidade da decisão que ordenou a penhora do vencimento, motivo por que a anulou (A sentença não decidiu no que respeita à penhora do saldo bancário. No entanto, porque não foi assacada à sentença a nulidade por omissão de pronúncia nem estamos perante questão do conhecimento oficioso, nada mais nos cumpre registar a esse propósito.).
Mas não se ficou por aí. Porque o Reclamante, para além do pedido de anulação das penhoras, também formulou os pedidos de que fosse proferida decisão a «[d]eferir o pedido de dispensa de garantia» e a «[d]eclarar a suspensão do processo executivo», a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa entendeu passar a conhecer da legalidade da decisão do Director de Finanças Adjunto por que, em 12 de Setembro de 2013, foi indeferido o pedido de dispensa de garantia, anulando também essa decisão, para «ser substituída por outra que deverá ter em consideração todos os requisitos legais decorrentes do disposto no art. 52.º, n.º 4, da LGT», e ordenando que a execução fiscal fique suspensa «até à prolação da nova decisão administrativa sobre o pedido de dispensa de prestação da garantia».
A Fazenda Pública discorda da sentença e dela veio recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia relativamente à questão da ilegalidade da decisão administrativa que indeferiu o pedido de dispensa da garantia e fez errado julgamento quando considerou ilegal a penhora por ter sido ordenada antes de proferida decisão sobre esse pedido de dispensa de prestação da garantia.
Assim, as questões a apreciar e decidir são as que deixámos enunciadas em 1.10.
Como também deixámos já dito, impõe-se uma nota prévia quanto ao efeito fixado ao recurso no despacho por que foi admitido, pois o Recorrido considerou que a indicação aí feita ao efeito suspensivo deriva de erro de escrita, cuja correcção pediu.


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2.2.2 DO ERRO DE ESCRITA QUANTO AO EFEITO DO RECURSO

Antes do mais, afigura-se-nos que dificilmente se poderá sustentar que a fixação ao recurso de efeito suspensivo constitui um manifesto erro de escrita, como sustenta o Recorrido.
Na verdade, o erro de escrita verifica-se quando se escreve, por lapso, coisa diversa daquela que se queria escrever, mas só é manifesto quando o erro se evidenciar do teor da própria declaração ou do seu contexto, designadamente dos termos que a precederam, permitindo assim a sua fácil detecção e a conclusão inequívoca de que se escreveu algo diferente do que se queria escrever (cfr. art. 249.º do Código Civil O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta».)).
Ora, pese embora o despacho por que foi admitido o recurso e fixado o respectivo efeito não indicar motivo algum para a fixação do efeito suspensivo, que também não foi requerido pela Recorrente, tendo em conta o teor do n.º 2 do art. 286.º do CPPT Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil do recurso».), que aí foi expressamente mencionado, não pode considerar-se que a fixação desse efeito se apresente como um manifesto lapso decorrente de naquele despacho se ter escrito suspensivo onde se queria dizer meramente devolutivo, a permitir a sua correcção ao abrigo do disposto no art. 614.º do CPC.
Por outro lado, também não pode considerar-se que o Recorrido tenha solicitado a alteração do efeito do recurso com outro fundamento que não o erro de escrita, pois não só nada alegou nesse sentido, como, se pretendesse atacar o despacho que admitiu o recurso e lhe fixou o efeito, deveria tê-lo feito nas contra alegações e não em requerimento avulso apresentado findo que estava o prazo para contra alegar o recurso (cfr. arts. 641.º, n.º 5 e 654.º, n.º 2, do CPC).
Seja como for, a questão do efeito do recurso não assume relevância prática. Vejamos:
Como é sabido, nos termos do art. 286.º, n.º 2, do CPPT, os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia (de que a Fazenda Pública, manifestamente, estará dispensada quando for a recorrente), nos termos previstos no mesmo Código, ou se o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos, caso em que o efeito do recurso será (não só devolutivo como também) suspensivo.
Ora, «o que está em causa na atribuição de efeito devolutivo ou suspensivo dos recursos, e na análise do efeito útil do mesmo, é a própria suspensão de efeitos da decisão recorrida e não do processo em que ela foi proferida» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 6 ao art. 286.º, pág. 508.). Assim, o recurso tem efeito meramente devolutivo quando a sua interposição não obsta à execução imediata da decisão recorrida, resultando do recurso apenas a atribuição ao tribunal superior da possibilidade de alterar ou anular a decisão recorrida; diferentemente, se ao recurso é atribuído efeito suspensivo tal significa, para além da possibilidade de o tribunal superior poder alterar ou anular a sentença recorrida, que se verifica uma impossibilidade de dar execução imediata à sentença.
No caso sub judice, de recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença que julgou procedente a reclamação judicial deduzida pelo Executado contra a decisão do órgão da execução fiscal que ordenou a penhora (portanto, uma decisão positiva relativamente ao executado), a fixação do efeito suspensivo ao recurso obsta à execução imediata da decisão.
Poderá sustentar-se que da fixação desse efeito resultaria prejuízo para o Executado, mas, salvo o devido respeito, não é assim. Na verdade, porque a Fazenda Pública interpôs recurso da sentença, nunca o Executado poderia conseguir a execução imediata da decisão que anulou a penhora, pois a execução de julgados desfavoráveis à AT, nos termos do disposto no art. 100.º da Lei Geral Tributária A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».) (LGT), só será possível após o trânsito em julgado da sentença.


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2.2.3 DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA

A Fazenda Pública entende que a decisão recorrida incorreu em excesso de pronúncia ao conhecer da legalidade da decisão administrativa que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia.
Como é sabido, impõe-se que haja uma correspondência entre as questões suscitadas pelas partes no processo e as questões conhecidas pelo juiz, que deve pronunciar-se sobre todas aquelas questões (sem prejuízo de poder considerar prejudicadas pela resposta dada a outras questões, do que deverá dar conta), e só sobre essas, a menos que a lei processual ou substantiva lhe permita apreciar oficiosamente uma questão que não foi suscitada pelas partes.
Nos termos do art. 125.º, n.º 1, do CPPT, ocorre nulidade da sentença quando o juiz se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (Nulidade também prevista na alínea d) do art. 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).). Esta nulidade está conexionada com a segunda parte do n.º 2 do art. 608.º do CPC, em que se estabelece que o juiz não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
No caso, arredada que está a possibilidade dessa questão ser do conhecimento oficioso, cumpre averiguar se foi suscitada a questão da legalidade da decisão administrativa que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia.
A Fazenda Pública entende que não, enquanto a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa parece ter considerado que sim, que a questão teria sido colocada, uma vez que na petição inicial teria sido formulado expressamente o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.
Antes do mais, afigura-se-nos que a sentença incorreu num lapso quanto ao pedido formulado relativamente à dispensa da prestação de garantia, qual seja o de ter considerado que foi pedida judicialmente a anulação da decisão de indeferimento do pedido da dispensa de prestação de garantia, quando o pedido que foi deduzido em juízo foi o da dispensa da prestação de garantia. Ora, tais pedidos não só são diversos, como enquanto o pedido pretensamente efectuado seria da competência do tribunal tributário, a quem está cometida a sindicância judicial das decisões administrativas proferidas em sede da execução fiscal (cfr. art. 103.º, n.º 2, da LGT e art. 276.º do CPPT), já o pedido de dispensa da garantia é da competência exclusiva da AT (cfr. art. 52.º, n.º 4, da LGT e art. 170.º do CPPT).
Mas não é a competência do tribunal tributário que aqui está em causa. O que se discute é se a sentença recorrida incorreu em excesso de pronúncia ao conhecer da legalidade da decisão que indeferiu o pedido de dispensa da garantia.
Manifestamente, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa conheceu de questão que não lhe foi suscitada.
Desde logo, como vimos de dizer, o pedido que lhe foi formulado – de dispensa da garantia – não a autorizava a conhecer e decidir da legalidade da decisão administrativa por que foi indeferido idêntico pedido formulado (como devia ter sido) à AT.
Mas, ainda que o pedido formulado fosse o de anulação da decisão administrativa que indeferiu o requerimento para dispensa da prestação de garantia (e não foi), a verdade é que o Reclamante, ora recorrido, não alegou o quer que fosse relativamente a eventual ilegalidade dessa decisão, não lhe imputando vício algum. Toda a alegação de facto e de direito aduzida pelo Reclamante na petição inicial foi, exclusivamente, no sentido de demonstrar a ilegalidade das penhoras, únicos actos que identificou como objecto da reclamação judicial. Na verdade, o Reclamante limitou-se a esgrimir junto do Tribunal Tributário de Lisboa a ilegalidade das penhoras, por considerar que essa diligência executiva não poderia ter sido ordenada sem que, previamente, fosse decidida a requerida dispensa de prestação da garantia, não tendo suscitado questão alguma em torno da decisão que recaiu sobre esse seu requerimento que, aliás, só lhe foi notificada no dia seguinte àquele em que remeteu a juízo a petição inicial que deu origem à presente reclamação (cfr. factos dados como assente sob os n.ºs 11 e 12).
Ora, salvo o devido respeito, não pode confundir-se o pedido com a questão. Socorrendo-nos dos ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA, diremos que «o conceito de «questões» abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem», sendo que «[p]ara se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativamente a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existam divergências, formulado com base em alegadas razões de direito ou de facto» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 10 b) ao art. 125.º, págs. 363/364.).
Ou seja, é manifesto que na petição inicial que deu origem à presente reclamação judicial o Executado não suscitou perante o Tribunal Tributário de Lisboa questão alguma relativa à decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia, não tendo de modo algum posto em causa essa decisão (que, à data, não lhe tinha ainda sido notificada) e não pedindo sequer a sindicância da legalidade da mesma.
Aliás, como bem realçou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, o Executado deduziu ulteriormente reclamação judicial contra a decisão administrativa que lhe indeferiu aquele pedido.
Assim, somos levados a concluir, com a Recorrente, que a sentença, ao conhecer da questão da legalidade da decisão administrativa que indeferiu o pedido de dispensa de prestação da garantia formulado pelo Executado e ao decidir anular essa decisão, incorreu em nulidade por excesso de pronúncia.
Nesse segmento, o recurso merece provimento, devendo declarar-se a nulidade da sentença na parte correspondente, como decidiremos a final.


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2.2.4 DO ERRO DE JULGAMENTO

Resta para apreciação o invocado erro de julgamento em que alegadamente incorreu a sentença ao anular a penhora que foi efectuada antes de decidido o pedido de dispensa da prestação de garantia, ou seja, a questão a decidir é a de saber se, estando pendente pedido de dispensa de prestação de garantia, é legalmente admissível proceder, no âmbito da respectiva execução fiscal, à penhora de bens do executado.
De acordo com o disposto no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda (Quanto ao alcance desta expressão legalidade da dívida exequenda e distinguindo-a da legalidade da liquidação da dívida exequenda, de âmbito mais restrito, por naquela se incluírem, designadamente, as situações de inexigibilidade, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., III volume, anotação 2 ao art. 169.º, págs. 207/208.), desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195.º ou prestada nos termos do art. 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, sendo certo, por outro lado, que os n.ºs 6 e 7 do mesmo art. 169.º do CPPT estabelecem que se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é facultada ao executado a informação necessária para prestar a garantia referida no n.º 1 dentro do prazo de 15 dias e se esta não for prestada se procederá de imediato à penhora.
Em anotação a estes preceitos, JORGE LOPES DE SOUSA (Ob. cit., III volume, anotações 4 a) e b) ao art. 169.º, págs. 217/218.) salienta que deles resulta que «mesmo que não esteja prestada garantia, a mera dedução de reclamação graciosa ou impugnação judicial ou a interposição de recurso têm um efeito suspensivo provisório, até que termine o prazo de 15 dias que se prevê que seja concedido ao executado para a prestar» e que «[e]mbora o n.º 7 […] estabeleça que, se a garantia não for prestada no prazo respectivo, se procede de imediato à penhora têm de afastar-se desta estatuição os casos em que tiver sido formulado pedido de isenção de prestação de garantia, enquanto não tiver sido proferida decisão de indeferimento», uma vez que «a isenção de prestação de garantia é um substitutivo desta prestação, pelo que lhe devem ser atribuídos os mesmos efeitos, pois se assim não fosse inutilizar-se-ia o efeito primacial desta isenção, que corresponde a um direito dos contribuintes, reconhecido pelo art. 52.º, n.º 4, da LGT» . Assim, só deve aplicar-se o regime deste n.º 7, ou seja, proceder-se à penhora, quando estiver decidido o indeferimento do pedido de suspensão e logo que o mesmo for notificado.
Nos termos do n.º 10 do referido art. 196.º do CPPT, «[s]e for apresentada oposição à execução, aplicar-se-á o disposto nos n.ºs 1 a 7», ou seja, o mesmo efeito suspensivo provisório é atribuído ao recebimento da oposição à execução fiscal.
É certo que nos acórdãos referidos pela Recorrente – de 6 de Outubro de 2010, proferido no processo n.º 667/10 (No Apêndice ao Diário da República de 26 de Maio de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32240.pdf), págs. 1527 a 1532, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5bb62300c0150587802577bb003092e5?OpenDocument.) e de 3 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 784/10 (No Apêndice ao Diário da República de 26 de Maio de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32240.pdf), págs. 1715 a 1720, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a9c244d4d4fd49c6802577d60051c976?OpenDocument.) –, se considerou que nos casos em que a penhora é efectivada depois da prolação de despacho que indefere o pedido de isenção de prestação de garantia, mas antes de o respectivo despacho de indeferimento ter sido notificado ao executado, a notificação do despacho que indefere o pedido de isenção de prestação de garantia e ordena a penhora não tem necessariamente de preceder a concretização desta última diligência executiva, pois que a notificação se destina a proporcionar ao destinatário do acto a possibilidade de o impugnar mediante reclamação e esta faculdade não é afastada pela efectivação da penhora antes da notificação, pois a reclamação pode ser apresentada na sequência da notificação.
Porém, no caso sub judice, como deixámos já dito, o despacho que ordenou a penhora ocorreu antes de ter sido proferido despacho relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garantia. Ou seja, trata-se de situação não coincidente nos seus pressupostos fácticos com aquelas a que se referem os acórdãos invocados pela Recorrente: no presente caso, a penhora foi ordenada e ocorreu antes de ter sido proferido despacho que apreciasse o pedido de isenção de prestação da garantia. Não pode, pois, sequer dizer-se, como na referida jurisprudência, que ao Executado é facultada a possibilidade de reagir na via contenciosa logo que o despacho de indeferimento seja notificado (pois que o mesmo ainda não foi proferido) mediante a reclamação prevista no art. 276.º do CPPT. Não se trata, aqui, de discutir a eficácia de acto praticado e ainda não notificado, mas, antes, de situação em que não foi praticado ainda acto susceptível de ser notificado.
Assim, e voltando a citar JORGE LOPES DE SOUSA (Ob. cit., volume III, anotação 7 ao art. 169.º, pág. 219.), porque «[o] pedido de dispensa de prestação de garantia tem o mesmo efeito que o pedido de prestação da garantia, a nível do prosseguimento da execução fiscal, que fica suspensa provisoriamente, como se depreende do n.º 7 deste art. 169.º, conjugado com o n.º 6 […], de que resulta que a execução só prossegue depois de decorrido o prazo de prestação de garantia, sem que esta seja prestada» e porque «sendo o indeferimento do pedido de prestação de garantia um acto lesivo cujo efeito negativo para a esfera jurídica do contribuinte se traduz no prosseguimento da execução fiscal», concluímos que só com a prática do acto (despacho de indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia) poderia ser ordenada a penhora (Neste sentido, embora o acto aí reclamado fosse a constituição de penhor e não a realização de penhora, vide o acórdão, que seguimos de perto, da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 408/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Outubro de 2013 (http://dre.pt/pdfgratisac/2012/32220.pdf), págs. 1213 a 1219, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c54e0872beecb7a3802579fa003dde0d?OpenDocument.).
Pelo que bem decidiu a sentença recorrida na parte em que, julgando procedente a presente reclamação, anulou a decisão que ordenou a penhora.
Nessa parte, o recurso não pode ser provido, como decidiremos a final.


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2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Verifica-se a nulidade da sentença por excesso de pronúncia se nesta se conhece questão que não foi suscitada nem é do conhecimento oficioso (art. 125.º, n.º 1, do CPPT).
II - A execução fiscal, nos casos em que foi admitida liminarmente a oposição, não deve prosseguir contra o oponente antes de esgotado o prazo que a lei lhe concede para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (cfr. art. 169.º, n.ºs 1, 7 e 10 do CPPT).
III - Do mesmo modo, não deve prosseguir a execução fiscal enquanto não estiver decidida a requerida dispensa de prestação da garantia, admitida pelo n.º 4 do art. 52.º da LGT e pelo art. 170.º do CPPT.
IV - É ilegal a penhora ocorrida antes de ter sido proferido despacho que decida um anterior pedido de isenção de prestação da garantia.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder parcial provimento ao recurso, eliminando da decisão recorrida, em consequência da verificada nulidade por excesso de pronúncia, o segmento em que esta anulou o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, e mantendo-a no demais, ou seja, na parte em que anulou o acto de penhora do vencimento do Executado.

Custas pela Recorrente e pelo Recorrido, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/2.


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Lisboa, 6 de Agosto de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Pedro Delgado – Carlos Carvalho.