Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0250/17
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
CULPA DO SERVIÇO
VALOR DA CAUSA
Sumário: I - No processo de impugnação judicial em que o impugnante pede a anulação da liquidação, o valor do processo é, nos termos do disposto na alínea a) do art. 97.º-A do CPPT, «o da importância cuja anulação se pretende».
II - A inexistência no CPPT de norma paralela ao n.º 7 do art. 32.º do CPTA ou ao n.º 2 do art. 297.º do CPC – significando que não se reflecte no valor do processo a cumulação desse pedido com o de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios – não revela a existência de uma lacuna, mas resulta de uma opção consciente do legislador.
III - Isto porque o direito aos juros indemnizatórios, desde que verificados os respectivos pressupostos, deve ser reconhecido pela AT ao sujeito passivo, independentemente do pedido por ele formulado nesse sentido (cfr. art. 100.º da LGT e art. 61.º, n.º 2, do CPPT).
IV - Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde (passando a constitui um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].
Nº Convencional:JSTA000P23236
Nº do Documento:SA2201805030250
Data de Entrada:03/03/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 219/16.2BECBR

1. RELATÓRIO

1.1 A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo (Apesar de o requerimento de interposição de recurso (a fls. 111 e 113) indicar como tribunal ad quem o Tribunal Central Administrativo Norte, a Recorrente pediu a correcção do lapso nessa indicação quando apresentou as alegações (cfr. fls. 119), e o Juiz atendeu esse pedido, na medida em que ordenou (a fls. 164) a subida dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo.) da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em sede de impugnação judicial deduzida após indeferimento da decisão do recurso hierárquico interposto da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, anulou a liquidação de Sisa relativa à aquisição de um terreno para construção efectuada por A……. (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrido) e condenou a AT na devolução da quantia paga a esse título e no pagamento de juros indemnizatórios contados «desde a data em que foi requerida a restituição do imposto até efectivo pagamento».

1.2 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A RFP, não se conformando com a douta sentença proferida pelo Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” que entendeu ser devido ao Impugnante, ora Recorrido, o pagamento de juros indemnizatórios e também que o valor do processo é indicado pela Impugnante sem oposição da Impugnada, dela vem interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1- A presente Impugnação Judicial foi deduzida contra a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto pelo ora impugnante em que requeria a anulação da liquidação de Sisa a que se refere o conhecimento n.º 1304/1292, de 13 de Julho de 2000, no valor de 42.397,82 € (8.500.000$00), devida pela aquisição de um lote de terreno para construção urbana, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo António dos Olivais sob o artigo n.º 9515, que o impugnante, no Serviço de Finanças de Coimbra - 1, declarou ir fazer a B………., Lda.

2- O Impugnante, ora Recorrido, veio alegar:
- Que em 13 de Julho de 2000 efectuou no Serviço de Finanças de Coimbra - 1 o pagamento da importância de 42.397,82 € (8.500.000$00) – referente à liquidação de Sisa devida pela aquisição do terreno para construção, porque desconhecia o benefício fiscal de que poderia usufruir pelo facto de ser emigrante, decorrente do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, de 9 de Julho.
- Que após a celebração da escritura de compra e venda, foi alertado pelos demais intervenientes de que, sendo emigrante e tendo pago parte do preço de aquisição do imóvel através da sua conta poupança emigrante, estaria isento do pagamento do imposto de Sisa.
- Que no dia 18 de Julho de 2000 apresentou requerimento na 1.ª Repartição de Finanças de Coimbra, solicitando a anulação da liquidação de Sisa e consequente restituição da quantia paga a título de imposto, alegando desconhecimento da legislação em vigor.
- Que a liquidação e pagamento do imposto previamente à escritura de aquisição resultou de erro por parte do impugnante, que à data, por residir em França, desconhecia os benefícios fiscais de que poderia usufruir.
- Que ao valor do imposto a restituir acrescerão juros indemnizatórios, calculados à taxa de 4%, desde o dia 18 de Julho de 2000, os quais, na presente data, ascendem ao montante de 26.683,91 €, data em que foi requerida a restituição do imposto até efectivo pagamento

3- O Impugnante, ora Recorrido, na petição inicial indicou como valor da causa o montante de 69.081,73 €, correspondendo tal importância ao valor da liquidação impugnada – 42.397,82 € acrescida do montante que calculou ser devido a título de Juros Indemnizatórios – 26.683,91 €.

4- Na contestação apresentada, a Representante da Fazenda Pública referiu que o valor da liquidação de Sisa era no montante de 42.397,82 €, indicando como valor do processo o valor da liquidação impugnada.

5- Por douta Sentença, de 15 de Dezembro de 2016, proferida pelo Mm.º Juiz do Tribunal “a quo”, a referida Impugnação Judicial foi julgada procedente, tendo o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” decidido: “concedo provimento à presente impugnação e aos pedidos nela formulados pelo Impugnante”.

6- Relativamente ao valor do processo, o Mm.º Juiz “a quo” entendeu que: “O valor do processo é o indicado pela Impugnante sem oposição da Impugnada”.

7- Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública, ora Recorrente, conformar-se com o assim doutamente decidido, quer no que tange ao entendimento de ser devido ao ora Recorrido o pagamento de Juros Indemnizatórios, quer no que respeita ao valor do processo, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de direito.

8- Com efeito, relativamente ao pagamento de juros indemnizatórios ao Impugnante/Recorrido, entendeu o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” que “(...) O acto de liquidação ora impugnado padece do apontado vício de violação de lei, o que implica a sua invalidade que se reconhece e declara, sendo, em sede de execução devido o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 3, estes devidos desde a data em que a impugnada teve conhecimento dos elementos demonstrados da isenção supra referida (18.07.2000)”.

9- Considerou também o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo”, relativamente ao valor do processo que: “O valor do processo é o indicado pela impugnante sem oposição da Impugnada”.

10- Com todo o respeito pela douta decisão “a quo” e reconhecendo a análise efectuada pelo Mm.º Juiz, entende a ora Recorrente que existiu erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação das normas legais ao caso sub judice:
- O artigo 43.º da LGT
- O artigo 97.º-A do CPPT

11- I – Erro de julgamento quanto à matéria de direito na condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios
Que conduziu ao entendimento de ser devido o pagamento de juros indemnizatórios ao Impugnante/Recorrido, desde 18 de Julho de 2000, data em que a Impugnante teve conhecimento dos elementos demonstrados da isenção referida

12- II – Erro de julgamento quanto à matéria de direito na determinação do valor do processo

13- O que conduzirá indubitavelmente a decisão diferente da que foi decidida, pelo que deverá ser revogada a douta sentença recorrida, na parte respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios e na parte respeitante ao valor fixado ao processo.

14- Com efeito, resulta da factualidade vertida nos autos que o Impugnante/Recorrido, no dia 13 de Julho de 2000, no Serviço de Finanças de Coimbra-1, liquidou o Imposto Municipal de Sisa respeitante à compra que o Recorrido declarou ir fazer, pelo valor de 85.000.000$00 (423.978,21 €) a B…………, Lda., de um lote de terreno para construção urbana, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo António dos Olivais sob o artigo n.º 9515.

15- O próprio Impugnante, ora Recorrido admitiu que a liquidação e pagamento do imposto previamente à escritura de aquisição resultou de erro da sua parte por, à data, desconhecer os benefícios fiscais de que poderia usufruir.

16- De facto, o acto de liquidação da Sisa impugnada não padece de qualquer erro imputável aos serviços, tendo a mesma sido correctamente efectuada por parte do Serviço de Finanças de Coimbra-1, por à data desconhecer em absoluto que o ora Recorrido poderia usufruir de qualquer benefício fiscal decorrente de ser detentor de conta poupança emigrante e de ter utilizado dinheiro dessa conta para efectuar o respectivo pagamento, que levasse a que o mesmo beneficiasse de isenção de Sisa, nos termos do artigo 7.º do Decreto Lei n.º 540/76, de 21 de Agosto.

17- Aliás, com base nos elementos facultados pelo ora Recorrido, os serviços da AF, não poderiam agir de outra forma, sendo a prestação devida no exacto montante da liquidação de Sisa efectuada.

18- Cita-se, a este respeito o Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0704/14, de 11 de Maio de 2016, que expressa o seguinte entendimento: “II- No caso dos autos para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser assacado aos serviços do fisco qualquer erro, que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu, na altura em que o fez”.

19- A liquidação de Sisa não consubstancia um erro imputável aos serviços, não enfermando em si mesma de qualquer erro ou ilegalidade face às normas fiscais substantivas vigentes e subjacentes ao acto de liquidação.

20- Cita-se o Acórdão do STA, Processo 0841/14, de 17 de Dezembro de 2014:
“I- O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado da anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que, esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT”.
“II- (...) é de considerar como erro imputável aos serviços, erro que, porque levou a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte e da qual terá resultado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido à luz das normas fiscais substantivas, justifica a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.”

21- A obrigação de indemnizar o Impugnante, ora Recorrido, conforme estatuído no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, implica a existência de um erro da AF, de que, em termos de causalidade juridicamente adequada, resulte um pagamento indevido da prestação tributária, o que, in casu, não se verificou.

22- Cita-se, neste sentido, o entendimento expresso no Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0205/10, de 16 de Junho de 2010: “I- A obrigação de indemnizar o contribuinte, por força do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, implica um «erro» da Administração Fiscal, de que, em termos de causalidade juridicamente adequada, resulte um “pagamento indevido da prestação tributária”.
“– Do ponto de vista jurídico, só do «erro» respeitante aos pressupostos do acto da respectiva liquidação de imposto é que poderá resultar um “pagamento indevido da prestação tributária”.
“– E, assim, só na base de um «erro» tal poderá fundamentar-se o direito de juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária”.

23- Em suma, carece de suporte legal a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao Impugnante, ora Recorrido, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, por não existir qualquer erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de imposto indevido ou superior ao que seria legalmente devido.

24- Relativamente ao prazo de contagem dos juros indemnizatórios, o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” considerou que: “(...) estes devidos desde a data em que a Impugnada teve conhecimento dos elementos demonstrados da isenção supra referida (18.07.2000)”.

25- Ora, contrariamente ao decidido pelo Mm.º Juiz “a quo”, os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento indevido, até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

26- Conforme referido no Acórdão do TCAS, processo n.º 08311/14, de 23 de Abril de 2015:
“1. Termos iniciais e finais de contagem de juros indemnizatórios; será aplicável a regra do n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, nos termos da qual os juros contados desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito (...)”.

27- No que respeita ao erro de julgamento de direito no que concerne ao valor do processo, o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo”, entendeu que “O valor do processo é o indicado pela Impugnante sem oposição da Impugnada”.

28- O Impugnante, ora Recorrido, na petição inicial, indicou como valor da causa o montante de 69.081,73 €.

29- Ora, tal importância corresponde à soma do valor da liquidação impugnada – 42.397,82 € – acrescida do montante que o ora Recorrido calculou ser devido a título de Juros Indemnizatórios – 26.683,91€, ou seja, calculados à taxa de 4% desde o dia 18 de Julho de 2000, até 8 de Abril de 2016.

30- A Representação da Fazenda Pública, ora Recorrente, no artigo 1.º da Contestação deduzida, referiu que vem judicialmente impugnada a liquidação de Sisa, no valor de 42.397,82 € (8.500.000$00).

31- Assim, a verdade é que a Representação da Fazenda Pública, ora Recorrente, no concernente ao valor do processo, referiu que o mesmo era o da liquidação impugnada, ou seja 42.397,82 €.

32- O artigo 97.º-A do CPPT define as regras para a determinação do valor da causa, e, tratando-se de um processo de impugnação judicial, à determinação do respectivo valor é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 97.º-A do CPPT, isto é, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação impugnada.

33- Cita-se o Acórdão do STA, Processo n.º 099/12, de 15 de Fevereiro de 2012, que refere:
“Reconduzindo-se a reclamação de actos de órgão de execução fiscal a um processo impugnatório, à determinação do respectivo valor para efeitos de custas, além do mais, é aplicável o disposto no n.º 2 do art. 97.º-A do CPPT”.

34- Pelo que, com todo o respeito, andou mal a douta sentença recorrida, ao fixar o valor da causa no montante em que o fez, violando o disposto no n.º 2 do artigo 97.º-A do CPPT.

35- Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogar-se nesta parte a sentença recorrida, determinando-se o valor da causa nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 97.º-A/2 do CPPT.

Em suma e concluindo:

36- A sentença recorrida, ao decidir conforme decidiu, padece de erro de julgamento, violando o disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, razão pela qual deve a mesma ser revogada e substituída por outra que não condene a AT no pagamento de juros indemnizatórios.

37- A Douta sentença “a quo” viola também o disposto no n.º 2 do artigo 97.º-A do CPPT, devendo fixar-se o valor da causa no valor da liquidação impugnada, nos termos do citado normativo legal.

38- E, conforme é mencionado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no Processo n.º 0623 5/12, de 15 de Janeiro de 2013, “O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer erro ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida”.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que não condene a AT no pagamento de juros indemnizatórios e que fixe o valor da causa no montante da liquidação impugnada, como é de inteira JUSTIÇA».

1.3 O Recorrido contra-alegou, tendo formulado conclusões do seguinte teor:

«I) De acordo com a douta alegação oferecida pela recorrente Representante da Fazenda Pública, a sua discordância quanto à sentença que impugna, cinge-se ao valor atribuído à acção e à condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios vencidos desde 18/07/2000.

II) Quanto à condenação em juros, entende a recorrente que ao decidir como decidiu o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento de direito, já que não ficou factualmente demonstrado qualquer erro dos Serviços na liquidação do Imposto de SISA, cuja devolução foi ordenada, pressuposto ao nascimento da obrigação de indemnizar, constante no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

III) Pese embora a sentença recorrida peque por ser parca na fundamentação da condenação em juros indemnizatórios, é possível dela extrair que essa condenação em juros não partiu do pressuposto do erro dos Serviços, pois caso assim fosse, seria forçosamente determinado que os luras se contassem desde a data da liquidação e pagamento do imposto.

IV) Ao fixar como data inicial da contagem dos juros o dia 18/07/2000 – data em que o aqui recorrido se dirigiu ao Serviço de Finanças e demonstrando estar isento, solicitou a devolução do imposto indevidamente pago – o Tribunal “a quo” demonstra que a sua convicção de que a obrigação dos juros advém do n.º 3 do citado artigo 43.º, mais precisamente, da sua alínea a).

V) Com efeito, tendo o recorrido pago imposto induzido em erro, mas beneficiando de uma isenção AUTOMÁTICA (não dependente de reconhecimento) e IRRENUNCIÁVEL aquele imposto indevidamente pago deveria ter sido devolvido à primeira solicitação e sem qualquer procedimento prévio especial (já que a concessão da isenção também não o previa para efeitos de conhecimento).

VI) Assim, ao tomar conhecimento dessa isenção, competiria aos Serviços proceder oficiosamente e de imediato à devolução do imposto indevidamente pago. É que se a isenção não depende de reconhecimento prévio, não se percebe que esse “reconhecimento” tenha de ser posteriormente averiguado para devolução do imposto indevidamente prestado.

VII) Ao invés de restituir o imposto os Serviços, à revelia do pretendido pelo recorrido abriram um longo e prolongado procedimento de Reclamação Graciosa que, conforme decorre dos autos, demorou dezasseis anos a chegar ao fim, e mesmo assim desembocou em decisões administrativas destorcedoras dos factos e totalmente violadoras das normas legais aplicáveis e dos direitos do ora recorrido.

VIII) Pelo que ao não restituírem o imposto logo que solicitado os Serviços incorreram no pagamento dos juros indemnizatórios previstos na alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT (norma à qual a Própria sentença impugnada faz alusão, na fundamentação da condenação em juros).

IX) Deve pois, ao abrigo desta norma, manter-se a condenação dos juros indemnizatórios nos termos em que foram fixados da sentença recorrida

X) Não se entendendo assim por se considerar que os Serviços não estavam vinculadas a qualquer prazo na devolução do tributo pago, sempre deverá o requerimento de restituição de Imposto apresentado pelo recorrido no Serviço de Finanças de Coimbra no dia 18/07/2000, independentemente da forma de procedimento pela qual foi autuado, ter-se como pedido de revisão do acto tributário, sobre o qual deveria ter recaído decisão no prazo máximo de um ano.

XI) Não estando assim demonstrado, nem sequer alegado em sede de contestação pela aqui recorrente, que a demora de 16 anos a proferir uma decisão sobre esse requerimento se não ficou a dever à Administração Tributária, deverá manter-se a condenação em juros indemnizatórios ao abrigo da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, desta feita contados desde um ano após o requerimento a solicitar o reembolso do imposto

XII) Dando-se provimento ao recurso e revogando-se a parte da sentença que condenou em juros (o que se concede apenas por mera cautela de patrocínio), deverá determinar-se a actualização da quantia de imposto a restituir, por aplicação dos coeficientes de actualização da moeda com referência ao ano de 2000, actualização esta que foi pedida a título subsidiário na petição inicial de impugnação, mas cujo conhecimento ficou prejudicado, em virtude de ter procedido o pedido principal de condenação de juros indemnizatórios.

Termos em que deve o recurso interposto pela Fazenda Pública julgar-se improcedente, mantendo-se a decisão recorrida só assim se fazendo a tão costumada Justiça».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido parcial provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«Recorre a Fazenda Pública da douta sentença do TAF de Coimbra de 15.12.2016 que, julgando procedente a impugnação, anulou o acto de liquidação impugnado e condenou a ora recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data em que a mesma “teve conhecimento dos elementos demonstrados da isenção”.
No recurso apenas vem sindicado o segmento relativo à condenação no pagamento de juros indemnizatórios questionando-se ainda o valor fixado à causa.
Creio que apenas em parte assiste razão à Recorrente.
A sentença recorrida julgou a impugnação procedente, anulando o acto liquidação sindicado, por considerar que a aquisição em causa beneficiava da isenção prevista no art. 7.º, n.º 1, al. b) do DL 540/76.
A procedência da impugnação, por vício substancial, vício atinente à relação jurídica tributária, é demonstrativa da existência de erro na liquidação susceptível de gerar o fenómeno reparatório previsto no art. 43.º da LGT, a título de juros indemnizatórios.
É certo que a ora recorrente efectuou a liquidação com base nos elementos que lhe foram fornecidos pelo impugnante, ora recorrido e, nessa estrita medida, o erro na liquidação não lhe é imputável. Porém, a partir do momento em que lhe são fornecidos os elementos que lhe possibilitavam conhecer do erro, quanto aos pressupostos, de que enfermava o acto de liquidação, não pode deixar de ser imputável à Fazenda Pública a persistência dessa situação de ilegalidade, que se prolongou até à data da prolação da sentença recorrida.
Com efeito, como refere Jorge Lopes de Sousa, in “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais”, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 52, «nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (...), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos». À prática de acto expresso, continua o mesmo autor, «deverá ser equiparado para esse efeito, o indeferimento tácito, (...) pois é este o momento em que e Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido».
No caso vertente, tendo a “exposição” a que alude a alínea E do probatório (expressamente apelidada de petição de reclamação – cfr. al. G do probatório) sido apresentada em 18.07.2000 e sendo de 6 meses o prazo para a decisão (art. 57.º, n.º 1, da LGT, na redacção anterior à Lei n.º 64-6/2011, de 30 de Dez.), esgotado esse prazo, sem que tivesse sido proferida decisão, formou-se o indeferimento tácito (art. 106.º do CPPT), passou o erro da liquidação a ser imputável à Fazenda Pública, concretizando a obrigação da indemnizar, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT.
Quanto ao termo inicial e final da contagem dos juros indemnizatórios será aplicável, na falta de outra, a regra do n.º 5 do art. 61.º do CPPT, sendo os juros contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
No que concerne à questão do valor da causa, afigura-se-me que assiste razão à recorrente, pois, como decorre da al. a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível para efeitos de custas, quando seja impugnado o acto de liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende, no caso 8.500.00$00 (42.397,82 €) – cfr. al. A do probatório.
Nesta conformidade, sou de parecer que deverá ser concedido provimento parcial ao presente recurso revogando-se, nessa medida, a sentença recorrida».

1.5 Após o processo ter ido aos vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A- Em 13.07.2000, o Impugnante procedeu ao pagamento do conhecimento n.º 1304/1292, no valor de esc. 8.500.00$00 referente à SISA, pela aquisição de um “[…] lote de terreno para construção urbana, com área de 252 m2, situado no ……….. Lote……….., freguesia de Santo António dos Olivais e inscrita na matriz urbana sob o artigo 9515, com o valor patrimonial de 3.538.000$00 […]” (cf. doc. a fls. 22 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

B- Em 17.07.2000, por escritura pública, o Impugnante adquiriu à B…………, Lda., pelo preço declarado de esc. 75.000.000$00, o “[…] Lote de terreno para construção, designado por lote número 8, com o valor patrimonial de 3.528.000$00, sito em …………, freguesia de Santo António dos Olivais, concelho de Coimbra, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 9515 […]” (cf. doc. a fls 64 a 77 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

C- Em anexo à escritura referida na alínea anterior consta que o Impugnante e o Banco Nacional Ultramarino, S.A. celebraram um “[…] contrato de abertura de crédito com hipoteca […]” destinado à aquisição do terreno referido na alínea anterior e à construção neste de um edifício (cf. doc. a fls. 64 a 77 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

D- Em 17.07.2000 foi emitida pela agência do BNU - Banco Nacional Ultramarino, S.A., uma declaração da qual se retira: “[…] que da Conta Poupança Emigrante, aberta na Agência deste Banco em Leiria com o n.º ……….., em nome de A…………, emigrante em …….. Rue ………., ………. …….. Pissy, France, utilizou a importância de 51.064.481$00 (Cinquenta e um milhões sessenta e quatro mil quatrocentos e oitenta e um escudos), para a aquisição a: B………..Lda., com sede na Rua …….., Edifício …….., ………… 3030 - Coimbra, do seguinte:
1 - Lote de terreno N.º ....., sito no …………., freguesia de Santo António dos Olivais e concelho de Coimbra, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 3779, pelo valor de 85.000.000$00 (Oitenta e cinco mil contos). […] (cf. doc. a fls. 27 dos autos, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

E- Em 18.07.2000, a Impugnante apresentou uma exposição escrita no SEF de Coimbra 1, onde solicitou o reembolso da quantia referida na alínea «A», “[…] visto ter Conta Poupança Emigrante ……….. do BNU - Leiria conforme declaração que junta ao presente requerimento […]” (cf. doc. a fls. 8 a 16 do PA, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

F- Em informação do SEF de Coimbra 1, na qual foi aposto despacho de concordância do Sr. Chefe do mesmo, datado de 12.11.2004, quanto à pretensão referida na alínea anterior, conclui-se que a mesma será de proceder (cf. doc. a fls. 17 do PA, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

G- Em informação dos serviços da Direcção de Coimbra da DGCI, datada de 30.11.2004, quanto ao requerido pelo Impugnante e referido na alínea «E», retira-se que:
«[…]
Refere o artigo 7.º da Lei 21-B/77, de 9 de Abril, que para reconhecimento da isenção estabelecida no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76, os interessados apresentarão no respectivo cartório notarial, onde ficarão arquivados, os necessários documentos passados pela instituição de crédito e repartição de finanças competentes e, havendo liquidação de sisa, os documentos emanados da instituição de crédito ficarão arquivados na repartição de finanças liquidadora.
Também a circular 13/77, de 8 de Junho, esclarece que, o reconhecimento total de sisa, nos termos do mesmo preceito legal, cabe ao funcionário que intervier na celebração do título de transmissão, mediante a apresentação dos documentos respectivos.
A liquidação em crise foi correctamente efectuada, não estando ferida de qualquer ilegalidade que seja causa da sua anulação, sendo certo que a petição de reclamação, consubstancia, em última análise, um pedido de reconhecimento da isenção a posterior.
Como acima se refere é competente para o reconhecimento da isenção o funcionário do Cartório Notarial de cuja decisão, no caso de com ela se não conformar, poderá o interessado recorrer hierarquicamente nos termos do artigo 66.º do CPPT ou, ainda, de imediato recorrer contenciosamente nos termos do disposto no artigo 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea f), da Lei Geral Tributária»
(cf. doc. a fls. 13 a 18 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

H- Na informação referida na alínea anterior foi aposto despacho de concordância por parte do Sr. Director de Finanças, tendo sido determinada a notificação do Impugnante “[…] nos termos do art. 60.º da LGT […]» (cf. doc. a fls. 13 a 18 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

I- Do despacho e da informação referidas nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento ao Impugnante por ofício dos serviços da Impugnada, datado de 05.01.2005 (cf. doc. a fls. 21 do PA, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

J- Em 19.01.2005, na sequência do ofício referido na alínea anterior, o Impugnante apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da Impugnada (cf. doc. a fls. 22 a 29 do PA, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

K- Em informação dos serviços da Impugnada, datada de 11.03.2005, relativamente à exposição escrita referida na alínea anterior, retira-se que:
Sobre o assunto, cumpre-nos informar:
Apesar do invocado, face ao disposto no artigo 7.º do Lei 21-B/77, de 9 de Abril e na circular 13/77, de 8 de Junho, afigura-se que a isenção em causa está dependente de reconhecimento prévio. A alusão, na circular, ao facto do reconhecimento ser em primeiro lugar da competência dos notários, dever-se-á ao facto, salvo melhor entendimento, de nos termos da última parte do artigo 7.º da Lei já aludida, o reconhecimento ser da competência do Chefe do Serviço de Finanças, ou seja no caso de haver lugar à liquidação de SISA pelo facto de não se poder aproveitar da isenção total;
A nosso ver, salvo melhor opinião, por força do estatuído no artigo 1.º, n.º 3 e artigo 30.º da Lei Geral Tributária, no caso em apreço os notários integram a Administração Tributária, daí que se possa recorrer de decisões de âmbito tributário que os mesmos proferiram.
Face ao exposto, e ao que já foi fundamento para o projecto de decisão, afigura-se-nos ser de INDEFERIR a presente reclamação»
(cf. doc. a fls. 31 a 32 do PA, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

L- Na informação referida na alínea anterior foi aposto despacho de concordância do Sr. Director de Finanças de Coimbra, datado de 14.09.2005 (cf. doc. a fls. 31 a 32 do PA, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

M- Da informação e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento ao Impugnante por ofício dos serviços da Impugnada, datado de 23.09.2005 (cf. docs. a fls. 33 a 35 do PA, que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

N- Em 24.10.2005, o Impugnante apresentou junto dos serviços da Impugnada, uma exposição escrita que intitulou «Recurso Hierárquico» (cf. doc. a fls. 46 a 63 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

O- No seguimento de solicitação dos serviços da Impugnada, o Impugnante remeteu àqueles uma declaração emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. (cf. docs. a fls. 40 a 43 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

P- Na sequência da exposição escrita referida na alínea «N», foi elaborada a informação por parte dos serviços da Impugnada, datada de 23.06.2006, retira-se que:
“[…]
Quando ocorreu o facto tributário em 17-7-2000, com a outorga da escritura pública de compra e venda e abertura de crédito no 4.º Cartório Notarial de Coimbra, no âmbito da matéria de benefícios fiscais decorrente da conta poupança-emigrante aplicável ao caso sub judice, vigorava na ordem jurídico-tributária o Decreto-Lei 316/79, de 21.8 (redacção dada ao artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76) e o Decreto-Lei n.º 323/95 de 29 de Novembro (cujo artigo 18.º remete para a artigo 7.º da Decreto-Lei n.º 540/76).
Em conformidade com essa legislação constituem pressupostos substantivos da determinação da matéria colectável para efeitos de reconhecimento do benefício fiscal de isenção de sisa, saber se o emigrante tem direito ao crédito obtido; se este corresponde ao dobro do saldo da conta h mais de seis meses, e se a parte da saldo da conta utilizada corresponde ao mínimo de 5% do mútuo legalmente obtido;
Significa isso que as instituições de crédito não estão (ou estavam) legalmente autorizadas a outorgar contratos de mútuo a emigrantes que não sejam titulares de contas poupança-emigrante que disponham de saldo de permanência superior a seis meses, porque o montante do mútuo concedido releva e condiciona a determinação da matéria colectável e do respectivo benefício fiscal a reconhecer.
Explicando melhor, através do sistema poupança-emigrante as instituições de crédito só podem contratualizar mútuos com o titular emigrante, tendo como limite máximo o dobro do saldo ou dos saldos das contas-emigrante do mesma titular que, simultaneamente, constitui também o limite máximo do benefício da isenção de imposto municipal de sisa.
Isto porque só haverá lugar a isenção de imposto municipal de sisa até ao dobro do saldo revelado na conta poupança-emigrante (artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 540/76 na redacção do Decreto-Lei n.º 316/79), sendo a matéria colectável constituída pela medida da percentagem de utilização dessa conta, percentagem essa obrigatoriamente igual ou superior a 25% do empréstimo concedido para aquisição/construção do imóvel (artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 323/95, de 29-11).
Quer dizer que o dobro do saldo da conta-emigrante constituída e mantida por prazo superior a seis meses funciona como limite máximo do crédito a conceder e como limite máximo da isenção a obter pelo respectivo benefício titular da conta emigrante, sendo ainda a utilização obrigatória do saldo da conta poupança emigrante correspondente a 25% do mutuo outra das condições de acesso ao benefício da isenção»
(cf. doc. a fls. v. 30 a 33 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

Q- Na informação referida na alínea anterior foi aposto despacho de concordância por parte da Sra. Directora de Serviços, datado 09.10.2015 (cf. doc. a fls. v. 30 a 33 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

R- A petição inicial da presente acção deu entrada neste Tribunal em 08.04.2016, tendo sido para este remetida por correio registado expedido em 07.04.2016 (cf. fls. 2 a 36 dos autos)».

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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

No presente recurso não está em causa a ilegalidade da liquidação de sisa respeitante à referida aquisição de um terreno para construção com recurso à mobilização de fundos de uma conta poupança-emigrante. Relativamente a essa questão a sentença transitou em julgado. A Fazenda Pública insurge-se contra a sentença apenas quanto à condenação em juros indemnizatórios e quanto ao valor fixado ao processo, considerando que foram violados os arts. 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e o art. 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, as questões que cumpre apreciar e decidir são as que as de saber se a sentença fez correcto julgamento ao condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios e no que concerne à fixação do valor da causa.


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2.2.2 DO VALOR DA CAUSA

2.2.2.1 Sustenta a Recorrente que o Juiz do Tribunal a quo fez errado julgamento ao fixar o valor do processo no montante indicado, alegando que na sentença se afirmou: «O valor do processo é o indicado pela Impugnante sem impugnação da Impugnada».
A Recorrente, depois de referir que o Impugnante indicou na petição inicial como valor da causa € 69.081,73, sendo € 42.397,82 o valor do imposto cuja liquidação foi impugnada e € 26.683,91 o valor dos juros, calculados à taxa de 4% desde 18 de Julho de 2000 (data em que foi apresentada a reclamação graciosa) até 8 de Abril de 2016 (data em que a petição inicial deu entrada em juízo), veio afirmar, no que respeita ao valor da causa, que i) «A Representação da Fazenda Pública, ora Recorrente, no artigo 1.º da Contestação deduzida, referiu que vem judicialmente impugnada a liquidação de Sisa, no valor de € 42.397,82» e «a verdade é que a Representação da Fazenda Pública, ora Recorrente, no concernente ao valor do processo, referiu que o mesmo era o da liquidação impugnada, ou seja 42.397,82 €», ii) «Relativamente ao valor do processo, o Mm.º Juiz [do Tribunal] “a quo” entendeu que: “O valor do processo é o indicado pela Impugnante sem oposição da Impugnada”» e iii) «[…] não pode a Fazenda Pública, ora Recorrente, conformar-se com o assim doutamente decidido […] no que respeita ao valor do processo».
Quanto a este segmento do recurso, o Recorrido não contra-alegou.
Cumpre apreciar, começando pela questão do valor da causa porque a mesma assume prioridade, designadamente em ordem a ajuizar da admissibilidade do recurso, uma vez que, em regra, não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada fixada para esses tribunais (cfr. n.º 4 do art. 280.º do CPPT, na redacção da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro).
Desde logo, contrariamente ao que alega a Recorrente, a sentença recorrida não afirma em lugar algum que «[o] valor do processo é o indicado pela Impugnante sem oposição da Impugnada», nem tão-pouco fixou o valor do processo, fixação que, porque na impugnação judicial não está previsto o despacho saneador, o Juiz deveria ter feito na sentença, como o impõe o n.º 2 do art. 306.º do Código de Processo Civil (CPC) (Neste sentido, vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 26 de Agosto de 2015, proferido no processo n.º 1016/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6e1c6542d6eb07be80257eae0039fb08.), aplicável subsidiariamente ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT. Não tendo o valor da causa sido fixado na sentença, deveria tê-lo sido quando do despacho que admitiu o recurso, atento o disposto no n.º 3 do referido art. 306.º do CPC.
Certo é que o valor da causa não foi fixado em momento algum pelo Juiz do Tribunal a quo, motivo por que se nos afigura que a alegação da Recorrente – de que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra afirmou na sentença que «O valor do processo é o indicado pela Impugnante sem oposição da Impugnada» – se deve a lapso.
Significa isto, desde logo, que o recurso não pode proceder com fundamento no invocado erro de julgamento na fixação do valor da causa, pela simples razão de que este não foi fixado.

2.2.2.2 Mas significa isto, também, que deve agora suprir-se essa falta, fixando-se o valor da causa, tendo sempre presente que a fixação do valor da causa prossegue e visa assegurar finalidades de ordem pública.
Há que ter presente que, apesar dos poderes das partes neste âmbito, é ao juiz que compete fixar o valor da causa (art. 306.º, n.º 1, do CPC).
Assim, deve o impugnante indicar o valor da causa na petição inicial (art. 108.º, n.º 2, do CPPT) e pode o réu, no articulado de defesa, impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição (art. 305.º, n.º 1, do CPC); na falta de impugnação, considera-se que o réu aceita o valor indicado pelo autor (art. 305.º, n.º 4, do CPC).
As partes podem, pois, acordar em qualquer valor, sem prejuízo de o juiz não estar obrigado a aceitá-lo, antes devendo proceder à sua fixação de acordo com os critérios legais.
Tendo presente o que deixámos dito, verificamos que, enquanto o Impugnante indicou como valor da causa a soma dos valores dos dois pedidos formulados – apesar de o não referir expressamente, o valor indicado, de € 69.081,73 corresponde ao total do valor do pedido de anulação da liquidação, de € 42.397,82, adicionado do valor do pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, computados até à data da apresentação da petição inicial em € 26.683,91 (cfr. art. 66.º da petição inicial) –, o Representante da Fazenda Pública, que na contestação já tinha referido como valor o «da liquidação impugnada», sustenta em sede de recurso que o valor da causa deve corresponder apenas ao valor do acto impugnado, ou seja, da liquidação de sisa cuja anulação é pedida.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT (Disposição legal que foi aditada ao CPPT pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.), o valor da causa, quando seja impugnada a liquidação, é «o da importância cuja anulação se pretende».
Já quanto ao pedido de condenação da AT no pagamento de juros, o art. 97.º-A do CPPT não o contempla expressamente, assim como também não contempla a situação de cumulação de pedidos, mas tão-só a cumulação de impugnações, para a qual consagra que «o valor é o correspondente à soma dos pedidos» (cfr. n.º 3).
Sendo seguro que o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios não se incluiu nas previsões do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT, que apenas referem os meios impugnatórios, e que o mesmo artigo não contempla a situação de cumulação de pedidos, como proceder na fixação do valor da causa? Para efeitos de determinação do valor da causa deve ou não somar-se o valor de um e doutro pedido? E, na afirmativa, como fixar o valor do pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios?
Em situações de cumulação de pedidos, quer o CPC, no n.º 2 do seu art. 297.º («Cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos».), quer o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no n.º 7 do seu art. 32.º («Quando sejam cumulados, na mesma acção, vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles, mas cada um deles é considerado em separado para o efeito de determinar se a sentença pode ser objecto de recurso, e de que tipo».), prevêem que, para fixação do valor da causa, se somam os valores de todos os pedidos que tenham sido cumulados na mesma acção; aliás, ambos os códigos prevêem expressamente que quando, em cumulação com o pedido principal, se peçam juros, o valor deste pedido, a somar ao valor daquele, tem como limite o dos juros vencidos na data da interposição da acção [cfr. o já referido n.º 2 do art. 297.º do CPC e o n.º 8 do art. 32.º do CPTA («Quando seja deduzido pedido acessório de condenação ao pagamento de juros, rendas e rendimentos já vencidos e a vencer durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos».)].
Por seu turno, o CPPT não contém normativo paralelo. Será que essa inexistência resulta de uma opção consciente do legislador ou, pelo contrário, revela uma lacuna (Ou seja, perante uma «incompletude contrária ao plano do Direito vigente, determinada segundo critérios eliciáveis da ordem jurídica global» (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 194). Como ensina o mesmo Autor, estaremos aqui perante uma daquelas situações denominadas “lacunas teleológicas”, que «[s]ão lacunas de segundo nível, a determinar em face do escopo visado pelo legislador ou seja, em face da ratio legis de uma norma ou da teleologia imanente a um complexo normativo. Estamos no domínio de eleição da analogia: a analogia serve aqui tanto para determinar a existência de uma lacuna como para o preenchimento da mesma» (idem, pág. 196). Dentro dessa categoria de lacunas, o mesmo Autor distingue entre lacunas “patentes” e “latentes”, e, no que respeita às primeiras, diz: «Verifica-se um caso da primeira espécie sempre que a lei não contém qualquer regra que seja aplicável a certo caso ou grupo de casos, se bem que a mesma lei, segundo a sua própria teleologia imanente e a ser coerente consigo própria, devera conter tal regulamentação» (idem).), a integrar por aplicação subsidiária do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, atento o disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT?
A resposta não se nos figura isenta de dúvidas (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 3 b) ao art. 97.º-A.º do CPPT, pág. 72, depois de considerar que «o teor literal desta disposição aponta no sentido de que, quando são impugnados actos de liquidação, não é dada relevância, para efeitos de determinação do valor da causa, a pedidos que sejam cumulados com o pedido de anulação daqueles actos, designadamente, pedidos de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, que podem ser formulados no processo em que é impugnado o acto de liquidação (arts. 43.º, n.º 1, e 53.º, n.º 3, da LGT e 171.º, n.º 1 do CPPT)» afirma que «[a] ser assim, está-se perante um afastamento dificilmente justificável da regra, cuja razoabilidade é evidente, de que, em casos de cumulação de pedidos com valor autónomo se atende a todos eles, para a determinação do valor do processo (regra essa que é adoptada nos arts. 306.º, n.º 2, e 32.º, n.º 7, do CPTA)».), mas entendemos que se trata de uma opção do legislador.
Na verdade, enquanto nos processos administrativo e civil, o autor não verá o seu direito a juros reconhecido a menos que os tenha pedido, no processo tributário, sendo julgado procedente o pedido de anulação da liquidação com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da AT, caso tenha havido pagamento do tributo, o direito a juros indemnizatórios, previsto no art. 43.º do LGT, não fica dependente de pedido formulado na impugnação judicial, devendo ser reconhecido oficiosamente pela AT, como resulta inequivocamente do disposto no art. 100.º da LGT, que dispõe: «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei» (sublinhado nosso).
Ou seja, em caso de procedência da impugnação judicial, a AT está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso. A anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos ex tunc, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética, obrigando a AT, não só à restituição do montante pago, como ao pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido (cfr., para além do já ditado art. 100.º da LGT, o art. 61.º, n.º 2, do CPPT, disposição legal que dispões: «Em caso de anulação judicial do acto tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar»).
O que significa que, no processo tributário, existe uma razão para que o legislador, quando à determinação do valor da causa, cujas regras consagrou no art. 97.º-A do CPPT, não tenha feito incluir uma disposição paralela aos referidos n.º 7 do art. 32.º do CPTA e n.º 2 do art. 297.º do CPC.
Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT, e relembrando que o recurso quanto ao fundamento sob escrutínio não mereceu provimento (cfr. 2.2.2.1), fixaremos o valor da causa em € 42.397,82.


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2.2.3 DA CONDENAÇÃO EM JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Cumpre agora apreciar o segundo segmento do recurso, ou seja, se, como sustenta a Recorrente, não é devido o pagamento de juros indemnizatórios e que a sentença fez errado julgamento quando condenou a AT ao pagamento desses juros ao Impugnante.
Alega a Recorrente que não houve erro algum imputável aos serviços que possa justificar a condenação ao abrigo do art. 43.º da LGT, uma vez que foi o Contribuinte que, por desconhecimento que o próprio admitiu, não declarou os factos dos quais decorria que beneficiava de isenção da sisa, motivo por que a AT não podia ter agido de outro modo, sendo que a «a liquidação de Sisa não consubstancia um erro imputável os serviços, não enfermando em si mesma de qualquer erro ou ilegalidade face às normas fiscais substantivas vigentes e subjacentes ao acto de liquidação». Por isso, sustenta que a sentença deve «ser revogada e substituída por outra que não condene a AT no pagamento de juros indemnizatórios».
Subsidiariamente, quanto ao prazo de contagem dos juros, a Recorrente alega que houve erro de julgamento, uma vez que a sentença os considerou «devidos desde a data em que a Impugnada teve conhecimento dos elementos demonstrados da isenção supra referida (18.07.2000)», quando os mesmos «são contados desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito», nos termos do n.º 5 do art. 61.º do CPPT.
O Recorrido sustenta que deve manter-se a condenação em juros indemnizatórios nos termos em que foi proferida, que são devidos ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do art. 43.º da LGT; subsidiariamente, alega que deve manter-se essa condenação, sendo o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios a data em que decorreu um ano sobre a apresentação da reclamação graciosa; ainda subsidiariamente, entende que, se não forem devidos juros indemnizatórios, a quantia paga deve ser devolvida devidamente actualizada, de acordo com os índices de actualização da moeda.
A nosso ver, andou bem a sentença recorrida ao julgar serem devidos os peticionados juros indemnizatórios. Vejamos:
No caso são se questiona a anulação da liquidação com fundamento numa ilegalidade substantiva inerente à relação jurídica tributária, mas apenas a exigência dos juros indemnizatórios.
Podemos dar como assente que à data em que foi efectuada a liquidação a AT não podia saber que o Contribuinte reunia as condições para beneficiar da isenção prevista no Decreto-Lei n.º 540/76, uma vez que aquele não lhe tinha dado a conhecer a factualidade pertinente para o efeito, designadamente que era emigrante, que era titular de uma conta poupança-emigrante e que mobilizara fundos dessa conta para a aquisição do imóvel em causa. Da factualidade dada como assente na sentença recorrida resulta também assente que, em 18 de Julho de 2000 – 5 dias após o pagamento da sisa liquidada –, o Contribuinte fez dar entrada no Serviço de Finanças de Coimbra 1 uma exposição em que, dando conta da factualidade pertinente e dela apresentado prova, solicitou a restituição da quantia paga a título de sisa. Essa exposição foi autuada como reclamação graciosa e a respectiva decisão, de indeferimento, apenas foi notificada ao Contribuinte em 5 de Janeiro de 2005.
De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por sua vez, nos termos da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo também são devidos juros indemnizatórios, «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária».
No caso, se é certo que a liquidação foi anulada judicialmente por erro quanto aos pressupostos de facto, não pode falar-se em erro imputável aos serviços aquando da prática daquele acto. Na verdade, o erro é imputável ao Contribuinte, que na declaração não deu conhecimento da sua situação de emigrante e de que iria mobilizar na aquisição do imóvel fundos de uma conta poupança-emigrante.
No entanto, se a condenação em juros indemnizatórios não pode encontrar apoio no n.º 1 do art. 43.º, já o encontra no n.º 3, alínea c), da LGT. Aliás, a sentença fundamentou a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos n.ºs 1 e 3 do referido art. 43.º da LGT.
Na verdade, a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, radica no facto de esse vício implicar a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito e decorre da imposição constitucional de o Estado reparar os danos causados pelos seus actos ilegais (cfr. art. 22.º da Constituição da República Portuguesa). Assim, os juros indemnizatórios a favor do contribuinte destinam-se a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento de uma quantia indevida.
No caso, a ilicitude que determina o dever de indemnizar não reside no erro dos serviços aquando da liquidação, mas na demora na decisão da reclamação graciosa. Vejamos:
O art. 43.º, n.º 3, alínea c), do CPPT consagra a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à AT. Esse regime, como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «embora previsto especificamente para a revisão do acto tributário, deve aplicar-se também aos casos em que há erro imputável ao contribuinte e foi apresentada reclamação graciosa» (JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, 2010, pág. 65. ).
Ora, como também diz JORGE LOPES DE SOUSA, «nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte [...], bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos». À prática de acto expresso, continua o mesmo autor, «deverá ser equiparado para esse efeito, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art. 57., n.º 5, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido» (Ob. cit., pág. 52.
Vide também o mesmo Autor, no Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 6 a2) ao art. 61.º, pág. 537.).
Ou seja, o indeferimento tácito da reclamação graciosa do acto de liquidação (a reclamação graciosa deveria ter sido decidida em seis meses, como prescrevia o n.º 1 do art. 57.º da LGT, na redacção em vigor à data e, não o tendo sido dentro desse prazo, presume-se o seu indeferimento, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo) determinou a alteração da imputabilidade do erro, não relevando, assim, a argumentação da recorrente no sentido da não aplicação do disposto no art. 43.º da LGT. Os juros seriam devidos desde essa data.
Não há dúvida, pois, de que são devidos juros indemnizatórios.
Subsidiariamente, a Recorrente invocou o erro no cômputo dos juros, designadamente considerando que os mesmos são devidos «desde a data do pagamento indevido» – pagamento que ocorreu em 13 de Julho de 2000, como conta da alínea A) do probatório –, enquanto a sentença os considerou «devidos desde a data em que a Impugnada teve conhecimento dos elementos demonstrados da isenção supra referida (18.07.2000)».
Salvo o devido respeito, nesta parte o recurso está condenado ao insucesso, pois não pode a Fazenda Pública pedir ao Tribunal ad quem que agrave a sua condenação (cfr. art. 631.º, n.º 1, do CPC): a tese por ela sustentada implicaria que o termo inicial do prazo de contagem dos juros se iniciasse mais cedo (se bem que apenas cinco dias antes da tese sustentada na sentença).
Assim, não cuidando aqui de sindicar da correcção da sentença na fixação do termo inicial daquele prazo, resta-nos concluir pela improcedência do recurso.


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2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - No processo de impugnação judicial em que o impugnante pede a anulação da liquidação, o valor do processo é, nos termos do disposto na alínea a) do art. 97.º-A do CPPT, «o da importância cuja anulação se pretende».
II - A inexistência no CPPT de norma paralela ao n.º 7 do art. 32.º do CPTA ou ao n.º 2 do art. 297.º do CPC – significando que não se reflecte no valor do processo a cumulação desse pedido com o de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios – não revela a existência de uma lacuna, mas resulta de uma opção consciente do legislador.
III - Isto porque o direito aos juros indemnizatórios, desde que verificados os respectivos pressupostos, deve ser reconhecido pela AT ao sujeito passivo, independentemente do pedido por ele formulado nesse sentido (cfr. art. 100.º da LGT e art. 61.º, n.º 2, do CPPT).
IV - Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde (passando a constitui um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente, fixando-se à causa o valor de € 42.397,82 (cfr. 2.2.2.2).

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Lisboa, 3 de Maio de 2018. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Dulce Neto.