Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02739/08.3BEPRT
Data do Acordão:10/26/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC
ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS
Sumário:A isenção prevista no art. 9.º n.º 1 al. b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) só abrange as associações (e federações) de municípios que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas.
Nº Convencional:JSTA000P30124
Nº do Documento:SA22022102602739/08
Data de Entrada:09/20/2022
Recorrente:LIPOR – SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESÍDUOS DO GRANDE PORTO
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


Lipor – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, …, interpôs recurso de revista (excecional), dirigido ao acórdão, do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), datado de 3 de fevereiro de 2022, que concedeu provimento a recurso jurisdicional (E, em consequência, revogou a sentença recorrida, julgou improcedente a impugnação e manteve a liquidação visada.) de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, julgando procedente impugnação judicial, apresentada contra liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), do exercício de 2005, no valor de € 942.987,59.
A recorrente (rte) alegou e concluiu: «

A. O presente recurso de revista vem interposto do Acórdão proferido pelo TCA Norte que concedeu provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária, julgando improcedente a impugnação deduzida pela Recorrente contra a liquidação de IRC referente ao ano de 2005.

B. Cabia ao Tribunal apreciar e decidir – com relevância para efeitos do presente recurso – se a Recorrente poderia beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC, por ser uma associação de municípios que não exerce qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola.

C. O Tribunal a quo entendeu que a Recorrente não podia beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC por (supostamente) exercer uma atividade de natureza comercial – a “venda de produtos e prestação de serviços aos municípios seus associados e outras entidades públicas e privadas”.

D. A presente revista visa submeter à apreciação deste Ilustre Tribunal, nos termos do artigo 285.º do CPPT, a questão de saber o que deve entender-se por atividade comercial, para efeitos da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC – em especial se se deve considerar arredada a qualificação como comercial de uma atividade que não seja exercida com o propósito de obtenção e distribuição de lucros.

E. Resulta clara e inequívoca a importância fundamental da análise desta questão nesta sede, mormente em face da sua inquestionável relevância jurídica e social.

F. Afigura-se, ademais, evidente que a apreciação do presente recurso se apresenta como essencial para a melhor aplicação do direito.

G. No entender da Recorrente, o Tribunal recorrido errou no modo como interpretou a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC.

H. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC, estão isentas de IRC – para o que aqui releva – as associações de municípios que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas.

I. Por sua vez, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC, “são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as atividades que consistam na realização de operações económicas de caráter empresarial, incluindo as prestações de serviços”.

J. Note-se, no entanto, que, como o próprio Tribunal a quo reconhece não é qualquer venda ou prestação de serviços que configura uma atividade comercial para efeitos da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC.

K. Com efeito, o Tribunal a quo qualifica a atividade de “recolha e tratamento de resíduos” – atividade que também consiste na prestação de um serviço – como uma “atividade de caráter público” (por contraposição às supostas atividades de natureza comercial desenvolvidas pela Recorrente).

L. Afigura-se portanto premente esclarecer – para efeitos da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC – o que distingue uma venda ou uma prestação de serviços com natureza comercial de uma venda ou prestação de serviços que não revista essa natureza.

M. De acordo com o Supremo Tribunal Administrativo, “[o] conceito de operações económicas de carácter empresarial é integrado por factos e circunstâncias da vida real, sujeitos à formulação de um juízo expresso no binómio provado/não provado, designadamente

• o propósito de obtenção de lucros e sua distribuição pelos sócios;

• o exercício de actividades em concorrência com agentes económicos privados;

• a livre fixação dos preços dos serviços que presta, em regime de mercado;

• a participação em concursos públicos, em igualdade de circunstâncias com agentes económicos privados” (vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Processo n.º 419/12.4BEPRT).

N. Ademais, o preceito em causa não poderá deixar de ser interpretado de acordo com a lógica sistemática do Código do IRC, o qual, em vários preceitos que consagram isenções, confere relevância ao destino dos resultados da atividade em causa assim como à (in)existência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos estatutários nos resultados da exploração das atividades em causa.

O. Da análise dos artigos 10.º e 11.º do Código do IRC conclui-se que o legislador pretendeu isentar de imposto as entidades que levassem a cabo determinadas atividades – que o legislador entendeu que seriam de incentivar, atenta a sua vocação para satisfazer interesses públicos – contanto que os resultados desta atividade fossem afetos à prossecução dessas atividades e não à acumulação de capital ou à distribuição de lucros.

P. Esta é também a lógica subjacente à alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º: a ratio legis que subjaz à norma aponta no sentido de que as associações de municípios deverão usufruir da isenção de IRC, na medida em que exerçam, exclusivamente, atividades subordinadas à prossecução do interesse público.

Q. Se se entende que a isenção se justifica pela prossecução do interesse público, então não se vislumbra razão para que uma associação – ainda que exerça uma atividade comercial, industrial ou agrícola – não a possa aplicar na medida em que afete a totalidade dos seus resultados à prossecução dessa finalidade; nessa hipótese, não poderão essas atividades deixar de se considerar também subordinadas à prossecução do interesse público e não poderão as associações ser negativamente discriminadas em face dos municípios.

R. Assim, não parecem restar dúvidas de que a ratio do preceito em causa impõe que se atenda ao destino dos proveitos auferidos, assim como à (in)existência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos estatutários nos resultados da exploração das atividades em causa.

S. A Recorrente é uma associação de municípios que se dedica à realização de um serviço público – a gestão, tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos – que é da competência dos Municípios (cf. alíneas f) e g) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho) e que estes decidiram levar a cabo sob a forma associativa, por forma a aproveitarem sinergias e, assim, aumentarem a sua eficiência; é este o seu escopo, a sua finalidade e a sua vocação.

T. A atividade da Recorrente não é, de todo, orientada para a obtenção de lucro – muito menos para a sua distribuição –, mas antes para a prestação de um serviço público – a gestão, tratamento e valorização de resíduos sólidos urbanos; este é o seu fim, e não um meio para a obtenção de lucro.

U. A Recorrente exerce toda a sua atividade de forma totalmente desinteressada e altruísta, afetando a totalidade dos seus resultados à prossecução do interesse público, não procedendo a qualquer distribuição pelos municípios associados, que são quem suporta o risco da sua atividade (cf. n.º 3 do artigo 30.º dos estatutos).

V. Os membros dos órgãos estatutários da Recorrente não têm, por si ou interposta pessoa, qualquer interesse direto ou indireto nos resultados de exploração das atividades prosseguidas.

W. A Recorrente exerce a sua atividade de forma totalmente alheia a qualquer lógica concorrencial: apenas pode exercer a sua atividade na área dos municípios associados (cf. n.º 4 do artigo 2.º dos estatutos da Recorrente) – que corresponde a cerca de 1% do território nacional (!) –, estando, ademais, por essa razão, impedida de participar em concursos públicos.

X. Tudo sopesado, não poderá deixar de se concluir que a Recorrente beneficia da isenção de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC – independentemente da realização de quaisquer vendas ou prestações de serviços.

Y. Importa, ademais, notar que tributar os resultados da Recorrente significa desviar verbas necessárias à prossecução da finalidade da Recorrente (e consequentemente do interesse público), o que, em abstrato, pode conduzir à solução absurda de esta, para prestar o serviço público que constitui a sua atividade, necessitar de se financiar – nomeadamente junto do Estado ou com custos para este (diretamente ou através dos municípios) – nos montantes entregues ao Estado a título de IRC.

Z. Por outro lado, saliente-se que se os associados levassem a cabo estas atividades individualmente – ao invés de o fazerem sob a forma associativa – nunca as receitas delas decorrentes seriam tributadas, uma vez que os Municípios se encontram isentos de IRC, dispondo estes, desse modo, de mais rendimento disponível para financiar essas atividades; sendo que não se vislumbra qualquer razão para discriminar e penalizar os Municípios por escolherem exercer esta atividade sob a forma associativa.

AA. Assim, a interpretação da alínea b) do artigo n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC preconizada pelo Tribunal a quo não pode deixar de se considerar inconstitucional por violação do princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXAS. QUE ADMITAM O PRESENTE RECURSO DE REVISTA E QUE O JULGUEM PROCEDENTE, DETERMINANDO A REVOGAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO, PROFERINDO-SE NOVO ACÓRDÃO QUE, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS JÁ INVOCADOS, JULGUE TOTALMENTE PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

REQUER-SE, ADICIONALMENTE, QUE SE DISPENSE A RECORRENTE DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA, NOS TERMOS DO N.º 7 DO ARTIGO 6.º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. »


*

A recorrida (rda) não formalizou contra-alegações.

*

Pelos Exmos. Conselheiros integrantes da formação preliminar, em acórdão proferido a 13 de julho de 2022, foi decidido admitir a revista.

*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

No acórdão sob revista, em sede de julgamento factual, consta: «

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

A. A Impugnante foi constituída através de escritura pública a 12 de Novembro de 1982 como associação de municípios, tendo sido publicado o seu estatuto no Diário da República a 10 de Dezembro de 1982, tendo aquele sido alterado a 26 de Março de 2001 – cfr. DRE;

B. A Impugnante foi objecto de inspecção tributária, a qual se iniciou a 10 de Janeiro de 2008 e que terminou a 09 de Setembro de 2008 e que incidiu sobre os exercícios de 2004 e 2005 – cfr. fls,. 29 do P.A.;

C. Após elaboração de projecto de relatório de inspecção tributária, a Impugnante foi notificada pelo ofício 63175/0504 de 12 de Setembro de 2008 para, querendo, exercer o seu direito de audição – cfr. fls. 98 e 99;

D. Finda a inspecção tributária referida em B), foi elaborado a 15 de Outubro de 2008, Relatório de Inspecção, o qual se considera aqui integralmente reproduzido e, no qual consta:

(...)

Assim, a Lipor é a entidade responsável pela gestão, tratamento e valorização dos resíduos produzidos e recolhidos pelos oito municípios municipais associados, tendo vindo a implementar uma gestão integrada de resíduos, recuperando, ampliando e construindo infra-estruturas, complementadas com campanhas de sensibilização junto da população.

Nesse âmbito tem desenvolvido uma estratégia integrada de valorização e tratamento de resíduos sólidos, (...)

Em resultado das operações realizadas no âmbito da sua actividade, a LIPOR aufere diversos proveitos, como se descreve:

a) Venda de Produtos (recicláveis/composto)

Do sistema de reciclagem multimaterial resultam vários produtos (recicláveis) como o cartão, mescla, PEAD, PET, PVC, T-PACK, alumínio, aço, madeira, vidro, esferovite, filme de plástico, sucata de ferro, sucata de folhagem, plásticos, etc. O principal cliente é a Sociedade A……………… SA. Em 2006, a Lipor iniciou a comercialização do composto produzido na CVO (……………).

Com o objectivo de incentivar a separação multimaterial e a valorização orgânica, a LIPOR não debita qualquer prestação de serviços pela recepção e tratamento deste tipo de resíduos (isentos de tarifa ou tarifário “0”).

b) Venda de Produtos (energia eléctrica)

A energia eléctrica produzida na CVO (incineradora é vendida à REN – Rede Eléctrica Nacional SA

c) Prestação de Serviços (cedência de energia eléctrica)

14 A Lipor debita a cedência de energia eléctrica, que é consumida pela entidade que explora e gere a incineradora, o que constitui uma prestação de serviços.

d) Prestação de Serviços (tratamento de RSU às Câmaras associadas)

Os resíduos recolhidos pelas Câmaras Municipais, são entregues à LIPOR para o seu tratamento na CVE – LIPOR II e no confinamento técnico (aterros, nos casos aplicáveis). Pela entrega e tratamento dos resíduos a LIPOR factura as respectivas prestações de serviços às Câmaras associadas, de acordo com as quantidades/toneladas recebidas.

Em paralelo, e mensalmente, a LIPOR debita aos municípios associados um valor, a título de “comparticipação para investimentos”, que constitui parte integrante da contraprestação devida pela prestação de serviços às Câmaras, suas clientes.

e) Prestação de Serviços (tratamento de RSU a outros clientes)

A LIPOR também factura prestações de serviços a empresas que procedam à entrega para tratamento de resíduos equiparados a urbanos na CVE – LIPOR II e no confinamento técnico.

f) Outros proveitos

Neste ponto há a referir a obtenção de outros proveitos provenientes do diferimento de subsídios do Fundo de Coesão para financiamento de projectos de investimento, da venda de cadernos de encargos, subsídios obtidos de organismos como o IEFP e juros de depósitos bancários.

E. A Impugnante foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária através do ofício 74819/0804 de 22 de Outubro de 2008 – cfr. fl. 95 a 97 do PA;

F. No seguimento da inspecção tributária foi emitida a liquidação 2008 8310037456, de 29 de Outubro de 2008, cuja data limite de pagamento ocorreu a 15 de Dezembro de 2008 – cfr. fls. 39.

(…).

Por se afigurar com interesse para a decisão da causa, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º do CPC, vamos proceder ao seguinte aditamento à matéria de facto, em conformidade com o requerido pela Recorrente:

G. Extrai-se, ainda, do RIT aludido no ponto D. supra, o seguinte:
«(…)
Dos Estatutos (2001) da LIPOR (cfr. art. 2.º) consta como objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito. É mencionado, ainda, que a LIPOR pode, por si ou associada a terceiros, dedicar-se ao tratamento de outros resíduos sólidos, ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.
Os municípios associados são obrigados a entregar a totalidade dos resíduos sólidos urbanos (RSU) recolhidos nos respectivos concelhos e recorrer em exclusivo à associação, para a prestação de serviços por ela programados (cfr. art. 6.º, n.º 1, alíneas c) e f) dos Estatutos de 2001). Por outro lado, a LIPOR desenvolve a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, através de serviços próprios (cfr. n.º 4 do art. 2.º).
Assim, a LIPOR é a entidade responsável pela gestão, tratamento e valorização dos resíduos produzidos e recolhidos pelos oito municípios associados, tendo vindo a implementar uma gestão integrada de resíduos, recuperando, ampliando e construindo infra-estruturas, complementadas com campanhas de sensibilização junto da população [in sítio da LIPOR: www.lipor.pt, acedido em 29/04/2008].
Nesse âmbito tem desenvolvido uma estratégia de valorização e tratamento de resíduos sólidos, baseada nas seguintes componentes:
a) Valorização Energética, que consiste na recuperação da energia calorífica dos resíduos, mediante um processo térmico de tratamento controlado, e na sua transformação em energia eléctrica, que ocorre na Central de Valorização Energética (CVE), designada LIPOR II.
Neste processo, os resíduos que não possam ser aproveitados através da compostagem e reciclagem, chegam à CVE provenientes dos vários circuitos camarários dos Municípios que integram a LIPOR, e são armazenados numa fossa de recepção: sendo posteriormente transferidos para duas linhas de tratamento onde são queimados a elevadas temperaturas. Do processo de combustão, resulta a produção de energia eléctrica que permite por um lado, a autosuficiência da própria central (que consome cerca de 10% da energia produzida) e por outro, a venda à Rede Eléctrica Nacional SA - REN, dos restantes 90% da energia produzida.
As cinzas e escórias resultantes deste processo, têm como destino o seu confinamento em aterro sanitário. Contudo, cfr. informação disponível no referido sítio da internet, as escórias potenciam uma possível utilização como material granular, substituindo os solos ou os agregados naturais obtidos na indústria extractiva.
b) Valorizacão Orgânica, processo que consiste na compostagem da fracção orgânica dos RSU, assegurada através da Central de Valorização Orgânica (CVO), associada á implementação de circuitos de remoção da fracção orgânica, junto de grandes produtores (restauração, grandes superfícies, mercados), nas zonas de recolha selectiva porta-a-porta (resíduos domésticos), esquemas de recolha de resíduos verdes e complementada com iniciativas locais de compostagem caseira. A matéria orgânica produzida (composto), designada pela marca ……………, é comercializada desde 2006.
c) Valorização Multimaterial, processo cuja infra-estrutura fundamental é o Centro de Triagem LIPOR, com capacidade de processamento de 35.000ton/ano, em que é realizada uma separação complementar, com a triagem das matérias provenientes da recolha selectiva, enfardando e acondicionando as mesmas para posterior venda às indústrias recicladoras (o principal cliente é a entidade Sociedade A………….. –…………… SA., (…).
(…)». »

***

Na decisão colegial que admitiu esta revista, foi, além do mais, expendido o seguinte: «

(…).

«O acórdão do TCA Norte sob escrutínio concedeu provimento ao recurso da Fazenda Pública da sentença do TAF do Porto que julgara procedente a impugnação deduzida contra liquidação de IRC de […] e respectivos juros compensatórios, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação.

Para assim decidir, entendeu o TCA Norte não ser possível equiparar a recorrente – associação de municípios – às autarquias locais, para efeitos de isenção de IRC (artigo 9.º alínea a)), antes a questão da isenção (ou não) da recorrente devia ser equacionada em face do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 9.º do CIRC. Ora, em face desta norma, entendeu o TCA que a isenção assenta no não exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, pelo que, desenvolvendo a Recorrida uma actividade de natureza comercial, ainda que com natureza acessória, não lhe deve ser reconhecido o direito à supradita isenção.

O TCAN fundamentou a sua decisão por remissão para o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Novembro de 2021, processo n.º 02857/12.3BEPRT. Esse entendimento foi também afirmado nos Acórdãos deste STA de 10 de Novembro de 2021, processo n.º 03176/10.5BEPRT, de 27 de Outubro de 2021, processo n.º 4/16.1BEPRT e de 12 de Janeiro de 2022, processo n.º 021/10.5BEPRT.

Do assim decidido pretende a recorrente revista, com vista a submeter à apreciação deste Ilustre Tribunal (…) a questão de saber o que deve entender-se por actividade comercial, para efeitos da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC – em especial se se deve considerar arredada a qualificação como comercial de uma actividade que não seja exercida com o propósito de obtenção e distribuição de lucros.

Entendemos que a revista deve ser admitida, porquanto se é certo que o TCA seguiu na fundamentação da sua decisão jurisprudência deste STA, é também certo que na Secção há um outro entendimento sobre a natureza da isenção prevista na alínea b) do artigo 9.º do Código do IRC – a natureza de isenção subjectiva mista (cfr. Acórdãos de 10 de Março de 2021, processo n.º 03161/16.3BEPRT, de 9 de Dezembro de 2021, processo n.º 2694/08.0BEPRT e de 12 de Janeiro de 2022, processo n.º 021/10.5BEPRT) –, qualificação relevante para aferir da medida da isenção de IRC de que pode beneficiar a recorrente, mas que pressupõe não apenas a análise dos Estatutos, antes a fixação de factos que devem ser indagados pela 1.ª instância.

(…).

A revista será, pois, admitida». »

Analisadas todas as decisões coligidas, referencialmente, no trecho vindo de reproduzir, podemos concluir que:

- o primeiro aresto proferido (de 10 de março de 2021 (3161/16.3BEPRT)) versou um recurso interposto de sentença do TAF do Porto, a julgar procedente impugnação judicial apresentada pela, aqui, rte, tendo-lhe concedido provimento e ordenado “a baixa dos autos para aprofundamento da matéria de facto”, veredicto suportado, fundamentalmente, no apontamento de “…, basta confrontar a natureza desta isenção com os exíguos elementos de facto levados ao probatório para, logo, nos apercebermos que existe uma absoluta insusceptibilidade de se poder concluir acerca dos exatos termos e extensão em que a Impugnante ora Recorrida exerceu actividades comerciais, industriais ou agrícolas.

É que, se bem a interpretamos, como tomou a isenção referida como uma isenção exclusivamente subjectiva, a sentença recorrida apenas se preocupou em escrutinar os estatutos da associação de municípios impugnante, secundarizando quase por completo o condicionalismo objectivo da norma de isenção, traduzido na actividade real da mesma. E, como tal, a sentença impediu-se a si mesma de aplicar devidamente a norma, por não ter base instrutória para o efeito.”;

- o segundo acórdão emitido (de 27 de outubro de 2021 (4/16.1BEPRT)) decidiu recurso interposto de sentença do TAF do Porto, a julgar improcedente impugnação judicial apresentada pela, aqui, rte e negou-lhe provimento, em síntese, porque “…, pese embora não tenham sido levados ao probatório elementos mais desenvolvidos sobre os contornos da actividade efectivamente desenvolvida pela Recorrente para além da recolha, tratamento e valorização dos resíduos sólidos entregues pelos diversos municípios que a integram, o Tribunal “a quo” deu como assente que a Impugnante efectua prestações de serviços relativas à recolha e tratamento de resíduos hospitalares, ou seja, deu como existente essa outra actividade secundária de aproveitamento dos resíduos, o que é confirmado pela Recorrente nas suas alegações, ao admitir que “a LIPOR aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços, nomeadamente aos municípios seus associados e outras entidades públicas,…” e que “Os proveitos resultantes das suas atividades acessórias só são possíveis porque a LIPOR aproveita todo o know-how e estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria…”.

(…).

… não merece censura o exposto na decisão recorrida no sentido de que a Recorrente desenvolve uma actividade de natureza comercial, o que se mostra suficiente para afastar a isenção prevista na alínea b) do artigo 9º do CIRC, não relevando para essa asserção, como igualmente considerou o Tribunal “a quo”, o facto de se tratar de uma actividade acessória ou da especial afectação dos resultados dessa actividade, na medida em que a Recorrente enquadra-se no art. 2º nº 1 al. a) do CIRC e é passível de tributação quanto ao rendimento global obtido pela actividade a que se refere a al. L) da matéria de facto, nos termos do art. 3º nº 1 al. b) do mesmo diploma, …”;

- os terceiros acórdãos (de 10 de novembro de 2021 (2857/12.3BEPRT) e (3176/10.5BEPRT)) seguem na peugada do segundo, enquanto os quarto e quinto a serem prolatados (de 9 de dezembro de 2021 (2694/08.0BEPRT) e de 12 de janeiro de 2022 (21/10.5BEPRT)) citam e transcrevem o primeiro desta listagem, ou seja, todos, nada inovam, não encerram qualquer elemento considerado diferente dos versados nos que lhes serviram de matriz;

- dos 11 (onze) Conselheiros em exercício de funções, atualmente, na Secção de Contencioso Tributário do STA, 10 (dez) tiveram intervenção nos seis acórdãos em apreço, verificando-se que 4 (quatro) decidiram, já, nos dois sentidos identificados.

O tratamento, mais circunstanciado, cirúrgico, do conteúdo das decisões proferidas em 10 de março de 2021 (3161/16.3BEPRT) e 27 de outubro de 2021 (4/16.1BEPRT), na sua condição de diretoras, permite-nos isolar e firmar as seguintes premissas jurisprudenciais (No segundo, expressou-se: “No que diz respeito à matéria nuclear em apreciação nos autos, temos que acompanhar o exposto no Ac. deste Supremo Tribunal de 10-03-2021, Proc. nº 03161/16.3BEPRT, www.dgsi.pt, quando aponta que (…)”.:)

- a isenção positivada no art. 9.º n.º 1 alínea (al.) b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) (Cuja redação se mantém desde que foi introduzida no CIRC (pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de dezembro, então, no art. 8.º n.º 1 al. b)).) não é “uma isenção subjectiva simples, mas antes mista (com elemento(s) objectivos, portanto)”;

- consequentemente, a versada isenção (entre outras) não abrange todas as associações de municípios, mas, apenas, as que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas.

Sem prejuízo/não obstante este tronco comum, no acórdão de 10 de março de 2021, entendeu-se “…, basta confrontar a natureza desta isenção com os exíguos elementos de facto levados ao probatório para, logo, nos apercebermos que existe uma absoluta insusceptibilidade de se poder concluir acerca dos exatos termos e extensão em que a Impugnante ora Recorrida exerceu actividades comerciais, industriais ou agrícolas. É que, se bem a interpretamos, como tomou a isenção referida como uma isenção exclusivamente subjectiva, a sentença recorrida apenas se preocupou em escrutinar os estatutos da associação de municípios impugnante, secundarizando quase por completo o condicionalismo objectivo da norma de isenção, traduzido na actividade real da mesma. E, como tal, a sentença impediu-se a si mesma de aplicar devidamente a norma, por não ter base instrutória para o efeito.”, enquanto, no datado de 27 de outubro de 2021, foi, além do mais, em síntese, relevado que “…, pese embora não tenham sido levados ao probatório elementos mais desenvolvidos sobre os contornos da actividade efectivamente desenvolvida pela Recorrente para além da recolha, tratamento e valorização dos resíduos sólidos entregues pelos diversos municípios que a integram, o Tribunal “a quo” deu como assente que a Impugnante efectua prestações de serviços relativas à recolha e tratamento de resíduos hospitalares, ou seja, deu como existente essa outra actividade secundária de aproveitamento dos resíduos, o que é confirmado pela Recorrente nas suas alegações, ao admitir que “a LIPOR aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços, nomeadamente aos municípios seus associados e outras entidades públicas,…” e que “Os proveitos resultantes das suas atividades acessórias só são possíveis porque a LIPOR aproveita todo o know-how e estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria…”.

Posto isto, independentemente, da valoração, casuística, do conteúdo e suficiência do julgamento da matéria de facto, por parte das instâncias, não há dúvidas, nem reservas, em afirmar que, para 10 (em 11) dos Conselheiros, no presente, a exercer funções no STA, a isenção (de IRC) prevista no art. 9.º n.º 1 al. b) do CIRC só abrange as associações (e federações) de municípios que não exerçam atividades comerciais, industriais ou agrícolas.

Consigne-se, em acrescento, que no acórdão de 27 de outubro de 2021 (4/16.1BEPRT), e, obviamente, nos que se seguiram na sua sombra, já, foi, expressamente, assumido que “…, é irrelevante que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pois que, pelo menos, para efeitos do disposto no C.I.R.C., a mesma foi autonomizada, conforme resulta da previsão “todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”, constante também do art. 3º nº 4 do CIRC, sendo que tal encontra-se directamente ligado à regra de incidência, a qual, de acordo com o art. 3º nº 1 do CIRC é diversa, consoante seja exercida uma actividade com a dita natureza, “a título principal”, ou não - assim, aquela regra aplica-se sobre o “lucro”, ou o “rendimento global, corresponde à soma algébrica dos rendimentos das diversas categoriais consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”, conforme melhor consta expresso nas suas alíneas a) e b).”.

Volvendo atenções para a situação apreciada e julgada, nestes autos, pelo acórdão recorrido, constatamos que, em apoio da decisão de, determinantemente, julgar improcedente a impugnação judicial, foi assumido, além do mais (Com sombreado da nossa autoria.:) «

(…).
Acresce que, ao contrário do Tribunal a quo, entendemos que a Recorrida exerce uma atividade comercial, ainda que não a título principal.
Vejamos porquê:
Nos termos do estabelecido pelo nº 4 do artigo 3º do CIRC "Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”.
Ora, tal como decorre do RIT (por nós aditado ao probatório) a Impugnante tem por objeto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregue pelos seus associados e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas necessárias para o efeito.
Acresce que, por força do que decorre dos seus estatutos, possibilitando-a por si ou associada a terceiros dedicar-se ao tratamento de resíduos sólidos, de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de atividades de natureza energética conexas com o seu objeto, a Impugnante aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços aos municípios seus associados e outras entidades públicas e privadas.
Assim, a Impugnante exerce, a par de uma atividade de carácter público - a recolha e tratamento de resíduos - uma atividade de natureza comercial.
Por outro lado, do texto da alínea b) do artigo 9.° do CIRC não resulta que a atividade exercida tenha de ser a atividade principal, sendo feita somente referência ao exercício de “actividades comerciais, industriais ou agrícolas”.
Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, sendo o elemento gramatical o primeiro e principal ponto de partida na interpretação da lei (artigo 9.° do CC). O intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta.
(…). »
Manifesta e inquestionavelmente, tal como no acórdão, do STA, de 27 de outubro de 2021, julgou-se, com base em factualidade suficiente, de forma acertada, que a impugnante/rte, no período de tributação em causa, exerceu atividade de natureza comercial, inibidora, só por si, de poder gozar da isenção, de IRC, a que se alcandora.

Resta dizer, tão linearmente, como na conclusão AA., não encontrarmos motivos para considerar inconstitucional a leitura do art. 9.º n.º 1 al. b) do CIRC preconizada pelo aresto recorrido e, aqui, acolhida, porquanto, tal só derivaria de, proposta, violação do princípio da igualdade, se estivéssemos a tratar a rte de forma diferente da que utilizámos/utilizaríamos para, na mesma matéria jurídico-tributária, dirimir pretensões de todas as associações de municípios que exercem/exerçam, entre outras, atividades comerciais.


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# III.

Pela união destes fundamentos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso (revista excecional).


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Custas pela recorrente, com dispensa, em 85%, do remanescente da taxa de justiça, pelo montante, do valor da causa (€ 942.987,59), superior a € 275.000,00, ponderados, neste STA, o desempenho processual das partes e alguma complexidade do recurso, decorrente da necessidade de versar um conjunto alargado de fundamentos factuais e jurídicos.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 26 de outubro de 2022. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.