Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0291/13
Data do Acordão:05/06/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
LIQUIDAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
REQUERIMENTO DE NOTIFICAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - Nos casos em que a lei não imponha especiais requisitos de fundamentação (como se exige nos casos de “relações especiais” – art. 77.º, n.º 3 da LGT, tributação por “métodos indirectos” – art. 77.º, n.º 4 e 5 da LGT, “derrogação administrativa de segredo bancário” – art. 63.º-B n.º 4 da LGT ou de “reversão contra responsáveis subsidiários” – art. 23.º, n.º 4 da LGT) o cumprimento do dever de fundamentar por parte da Administração Tributária afere-se face ao disposto nos nºs. 1 e 2 do artº 77º da LGT e atendendo aos fins visados pelo dever de fundamentação.
II - Notificando-se o contribuinte do teor do relatório de inspecção, por carta registada remetida para o seu domicílio fiscal, presume-se a notificação, nos termos do artº 43º, nº 1 do RCPIT, se verificados os demais requisitos ali enunciados.
III - A notificação ao contribuinte não integra o acto tributário, pelo que a sua falta ou irregularidade não afecta a validade deste mas a sua eficácia.
Nº Convencional:JSTA00069193
Nº do Documento:SA2201505060291
Data de Entrada:02/22/2013
Recorrente:A..............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF DE LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:LGT98 ART77 N2 N3 N4 N5 ART63 B N4 ART23 N4 ART77 N1.
RCPIT98 ART43 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0615/04 DE 2007/12/11.; AC STA PROC01226/13 DE 2014/09/10.; AC STA PROC0246/09 DE 2009/09/17.; AC STA PROC0154/06 DE 2006/05/03.; AC STA PROC04/07 DE 2007/09/26.
Referência a Doutrina:JOSÉ BOTELHO, PIRES ESTEVES E CÂNDIDO DE PINHO - CPA ANOTADO E COMENTADO 2ED PAG396 E SEGS.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A…………, melhor identificada nos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra as liquidação oficiosa de IRS referente aos anos de 1999 a 2000.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A - Recorre-se, pois, da decisão que julga improcedente a impugnação, na parte em que julga improcedente a impugnação que pugnou pela falta de fundamentação das liquidações oficiosas de IRS de 1999 e 2000.
B - Pois a decisão recorrida, embora não dando razão à ora recorrente de que os actos tributários consubstanciados nas liquidações oficiosas de IRS de 1999 e 2000 carecem de fundamentação, admite que a fundamentação dessas liquidações oficiosas encontra-se, afinal, no relatório da inspecção tributária.
C - E esse relatório, e tal como consta da fundamentação de facto (cfr. ponto 2.) da douta sentença recorrida, nos autos apenas constará, a fl. 63 do PA, a folha do cabeçalho e os despachos, porventura com o teor que o ponto 3. da mesma fundamentação de facto refere.
D - Vislumbrando-se, pois, que nesse relatório não foi vertida de forma clara, suficiente e congruente, quer a explicitação dos fundamentos de facto quer a fundamentação de direito para recurso à avaliação indirecta, e muito menos dali constam os critérios para o cálculo da matéria tributável, ou mesmo quaisquer correcções técnicas.
E - Estas correcções técnicas apenas são referidas a fls. 33 da reclamação graciosa, o que só mostra que apenas nesta fase é que é dado conta de que elas terão sido feitas, não no relatório que deu origem às liquidações em apreço, objecto da tal reclamação graciosa.
F - Esse relatório não é fundamentado, no sentido apontado pela própria decisão recorrida, uma vez que, também a ele, falta a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, e também falta a motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela administração e também falta a justificação traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada.
G - Portanto, se as liquidações oficiosas não foram fundamentadas, também o não foi o relatório da inspecção tributária, e, em consequência a decisão não poderia ser no sentido da existência de fundamentação dos actos tributários em apreço.
H - E mesmo que dos autos constasse o relatório integral ou ainda que este fosse explicito quanto à fundamentação de facto, de direito, com inclusão dos critérios para o cálculo da matéria colectável, a ora recorrente, não foi dele notificada, pelo que não pôde apreender, de forma clara, suficiente e congruente, a motivação por que tais liquidações tiveram lugar.
I - Assim, inexiste fundamentação para as liquidações oficiosas de IRS de 1999 e 2000, pois que estas, por si mesmas, e mesmo que apoiadas no referido relatório, como o defende a douta decisão, não foram clara e suficientemente fundamentadas.
J - A ora recorrente não foi notificada, afinal, da fundamentação do acto tributário que o Tribunal “a quo” decide como constando do relatório da inspecção tributária.
L - Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida não fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos artºs 268º nº3 da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA.
M - Quando deveria ter-se decidido pela anulação das liquidações oficiosas de IRS referentes aos anos de 1999 e 2000, atenta a sua ilegalidade, porque destituídas de fundamentação.
N - Devendo, pois, ser revogada, e em sua substituição, decidida a procedência da impugnação da ora recorrente na parte em que impugna as liquidações oficiosas de IRS dos anos de 1999 e 2000, devendo estas ser anuladas.»

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.»

3 - O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
1. Em consequência da OS n.º 21653 foi ordenada a inspecção externa à impugnante referente aos exercícios de 1997, 1998, 1999 e 2000 (fls. 60 do PA cujo conteúdo se dá por reproduzido).
2. Foi elaborado o respectivo relatório nos termos que constam de fls. 63 do PA (apenas a folha do cabeçalho com os despachos) e 31 da RG cujo conteúdo se dá por reproduzido).
3. O relatório registou que:
a. Em nenhuma das decl. de IRS apresentadas pela sujeito passivo consta o anexo F, referente a rendimentos prediais (rendas recebidas);
b. Verificou-se, no entanto, em inspecção efectuada à sociedade “ B………., Lda.”, que a s.p. recebeu rendas daquela empresa, no montante de 3 000 000$00 no ano de 1 999 de 3 600 000$00 no ano de 2000;
c. Verificou-se ainda naquela inspecção, que a sujeito passivo recebeu também, daquela empresa, pela actividade de advogada a quantia de 1 000 000$00 (4 987,98 euros), acrescida de 170 000$00 (847,96 euros) de IVA e abatida de 200 000$00 (997,50 euros) de imposto retido na fonte.
4. Assim, com base nestes elementos, foram efectuadas as correcções técnicas, em sede de IRS e IVA, referente aos anos de 1999 e 2000 (fls. 33 da RG cujo conteúdo se dá por reproduzido)
5. E que resultaram as liquidações impugnadas.
6. Com data de 28/1/1993 a impugnante comunicou que a sua morada era na Rua Dr…………., n.., ……………, Tomar (fls. 89 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
7. Morada para onde foram remetidas as notificações quer para audiência prévia, quer do resultado da inspeção.
8. Através do ofício n.º 3309 foi expedida notificação à impugnante para audiência prévia referente ao projecto de conclusões do relatório (fls. 40 da RG cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. O qual foi devolvido com a menção, lavrada em 8/5/2002 que «... o destinatário há muito que retirou» (fls. 42 da RG cujo conteúdo se dá por reproduzido).
9. Em 6/11/2003 a impugnante alterou a sua morada para a Rua ……….., Lote.., ………. em Tomar (informação de fls. 88 do ERFP).
10. As liquidações adicionais de IRS/l999 e 2000, efetuadas em 1710/2002, foram remetidas para a Av. ………. n....- 2300 Tomar (fls. 6 e 7 do apenso de RG cujo conteúdo se dá por reproduzido).
11. De tais liquidações foi apresentada reclamação graciosa nos termos que constam de fls. 2 do apenso de reclamação graciosa cujo conteúdo se da por reproduzido
12. Na declaração de IRS referente a 1999 do agregado familiar composto pela impugnante e C……….., foi indicada a morada Avª………., em Tomar.
13. E no anexo B da mesma declaração, referente à impugnante foi indicada a Rua……….., n.…, Tomar (fls. 18 e 19 do da RG cujo conteúdo se dá por reproduzido).
14. Na declaração de rendimentos mod. 3 de IRS referente a 2000 foi mencionado que a morada dos sujeitos passivos era na Avª……….., .., .. em Tomar (fls. 15 e segs. do apenso de reclamação graciosa cujo conteúdo se dá por reproduzido).
15. E no anexo B referente à impugnante, foi mencionada a morada Rua ………, n…, Tomar (fls. 16 da RG cujo conteúdo se dá por reproduzido).
16. Com data de 12/12/2001 foi expedida notificação por carta registada com aviso de recepção para apresentar todos os seus elementos descrita, incluindo livros de registo e respectivos documentos ou suportes informáticos com referência aos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000 (fls. 3 do apenso de RG cujo conteúdo se dá por reproduzido).
a. O endereço para onde foi enviada a correspondência foi para a Rua Dr……………, n…, 2300- Tomar (fls. 29 verso da RG cujo conteúdo se dá por reproduzido)
17. A carta foi devolvida ao remetente. Tendo sido enviada nova carta em 12 de Dezembro de 2001, para a mesma morada, também foi devolvida ao remetente.
18. Apresentada RG, foi a mesma indeferida na totalidade por despacho de 12 de Novembro de 2003 (fls. 49 do apenso de RG cujo conteúdo se dá por reproduzido).
19. A decisão de indeferimento foi notificada à impugnante por carta registada com aviso de recepção, na AVª…………., … — … Tomar, com data de 18/11/2003 (Apenso de RO cujo conteúdo se dá por reproduzido).
20. O aviso de recepção está assinado, sem que se possa identificar o autor da assinatura.
21. A impugnante é advogada com inscrição n.º……, Conselho Distrital de Coimbra (fls. 1 do PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

6. Do objecto do recurso
As questões objecto do presente recurso são as seguintes:
- saber se as liquidações adicionais de IRS referente ao ano de 1999 e de 2000 padecem de falta de fundamentação;
- saber se a recorrente foi devidamente notificada de tal fundamentação;

Quanto à alegada falta de fundamentação na sentença recorrida (fls. 184/185), após considerações sobre os requisitos da fundamentação dos actos administrativos, exarou-se o seguinte:
« As liquidações impugnadas resultaram de uma acção de fiscalização à escrita da impugnante que deu origem à elaboração do respectivo relatório.
A acção de fiscalização constitui, neste caso, o acto preparatório da liquidação. As acções preparatórias e a liquidação dos tributos integram o procedimento tributário, o qual compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários designadamente as acções preparatórias ou complementares de informação e fiscalização tributária (Art.º 54 n.º 1 alínea a) da LGT e 44/1,a) CPPT).
E como se tem entendido, «Não padece da falta de fundamentação formal a liquidação adicional de IRS com recurso a métodos indirectos, quando a fundamentação constante do relatório da inspecção tributária, permite ao contribuinte apreender, de forma clara, suficiente e congruente, a motivação por que tal liquidação teve lugar» (Ac do TCA-S n.º 02018/07 de 21102008).
Ora, no relatório são explicitados os fundamentos de facto e de direito para recurso à avaliação indirecta, e bem assim os critérios para o cálculo da matéria tributável.»

Não conformada vem a recorrente interpor o presente recurso
A sua argumentação assenta nas seguintes premissas:
- inexiste fundamentação para as liquidações oficiosas de IRS de 1999 e 2000, pois que estas, por si mesmas, e mesmo que apoiadas no referido relatório, como o defende a decisão recorrida, não foram clara e suficientemente fundamentadas.
- E mesmo que dos autos constasse o relatório integral ou ainda que este fosse explicito quanto à fundamentação de facto, de direito, com inclusão dos critérios para o cálculo da matéria colectável, a recorrente, não foi dele notificada, pelo que não pôde apreender, de forma clara, suficiente e congruente, a motivação por que tais liquidações tiveram lugar.

Entendemos, no entanto, que carece de razão legal.

6.1 Da fundamentação da decisão do procedimento tributário.

De harmonia com o disposto no artigo 77.º, nº1 da Lei Geral Tributária a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
A jurisprudência e a doutrina têm também consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. (Ver neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, pags. 396 e segs.)

Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Como ficou dito no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11. 12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».
Por outro lado, e como também foi sublinhado no Acórdão desta secção de 10.09.2014, recurso 1226/13, « não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. Com efeito, o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.»
No caso vertente a sentença recorrida considerou que «no relatório são explicitados os fundamentos de facto e de direito para recurso à avaliação indirecta, e bem assim os critérios para o cálculo da matéria tributável»
Neste ponto não andou bem a decisão recorrida uma vez que o que está em causa é a fundamentação da decisão de tributação adicional em sede de IRS, mediante correcções técnicas e não por métodos indirectos.
Com efeito Administração Tributária procedeu também a liquidações adicionais em sede de IVA, mediante métodos indirectos, referenciadas no relatório dos serviços de inspecção, mas essas não estão em causa nos presentes autos.

Ainda assim entendemos que não se verifica o vício de falta de fundamentação imputado às liquidações sindicadas.
Com efeito, embora a recorrente alegue que no relatório não foi vertida de forma clara, suficiente e congruente, quer a explicitação dos fundamentos de facto quer a fundamentação de direito para recurso à avaliação indirecta, no caso vertente apenas estão em causa as liquidações adicionais de IRS e essas, como se viu, não foram determinadas com recurso à avaliação indirecta mas sim mediante correcções aritméticas.
Ora nos casos em que a lei não imponha especiais requisitos de fundamentação (como se exige nos casos de “relações especiais” – art. 77.º, n.º 3 da LGT, tributação por “métodos indirectos” – art. 77.º, n.º 4 e 5 da LGT, “derrogação administrativa de segredo bancário” – art. 63.º-B n.º 4 da LGT ou de “reversão contra responsáveis subsidiários” – art. 23.º, n.º 4 da LGT) o cumprimento do dever de fundamentar por parte da Administração Tributária afere-se face ao disposto nos nºs. 1 e 2 do artº 77º da LGT e atendendo aos fins visados pelo dever de fundamentação (Vide, também neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.09.2009, recurso 246/09, in www.dgsi.pt.) .
No caso os actos de liquidação em questão ocorreram na sequência de acto inspectivo e em conformidade com o relatório de inspecção tributária homologado por despacho.
No referido relatório regista-se ( ponto 3.6) que em nenhuma das declarações de IRS apresentadas pela s.p. consta o anexo F, referente a rendimentos prediais (rendas recebidas ).
E que no entanto, em inspecção efectuada à sociedade “ B……….., Lda. “, com sede na Avª ……….., n...—…. — 2300 TOMAR, possuidora do NIPC……….., se constatou que a recorrente recebeu rendas daquela empresa, no montante de 3 000 000$00 ( 14 963,94 euros ) no ano de 1 999 e de 3 600 000$00 ( 17956,72 euros ), no ano de 2000, conforme fotocópias dos respectivos recibos..
Evidencia-se ainda no relatório de inspecção ( ponto 3.6.1) que a recorrente recebeu também, daquela empresa, pela actividade de advogada “, a quantia de 1 000 000$00 ( 4 987,98 euros ), acrescida de 170 000$00 ( 847,96 euros ) de IVA e abatida de 200 000$00 ( 997,50 euros ) de imposto retido na fonte,.
O relatório conclui que face ao exposto, há lugar à ap1icação de correcções técnicas, em sede de IRS, nos anos de 1 999 e de 2 000 e, em sede de IVA, no ano de 1999, enquanto que, nos anos de 1997 a 2000, inclusive, há lugar à ap1icação de métodos indirectos em sede de IVA.
Procede-se depois à fundamentação das correcções aritméticas à matéria colectável em sede de IRS, ali se consignado que irão ser acrescidos, os rendimentos da categoria F, não declarados às correspondentes declarações estes rendimentos de IRS (vide ponto 4 do relatório e fls. 33 da reclamação graciosa apensa).
Em suma do relatório, que constitui base fundamentadora dos subsequentes actos de liquidação, constam de forma expressa os fundamentos das correcções técnicas efectuadas às declarações de IRS da recorrente, e é também explicada a forma como se determinaram os valores corrigidos, sendo tais elementos suficientes para esclarecer a motivação das liquidações adicionais e sindicar o respectivo cálculo, designadamente saber como foi calculada a matéria tributável e a taxa aplicada.

Neste contexto é de concluir que as liquidações impugnadas não padecem, no caso, do apontado vício de falta de fundamentação.

6.2 Da alegada falta de notificação da fundamentação das liquidações sindicadas.
A recorrente alega ainda que não foi notificada do relatório da fiscalização tributária, pelo que não pôde apreender, de forma clara, suficiente e congruente, a motivação por que tais liquidações tiveram lugar.
Ora, o que sobre tal matéria resulta do probatório é que a notificação do relatório de inspecção foi remetida para o domicílio fiscal da recorrente que era na Rua Dr…………., n …, …………, Tomar (vide pontos 7 e 8 do probatório).
Tendo a respectiva carta sido devolvida com a menção, lavrada em 8/5/2002, que «... o destinatário há muito que retirou» (ponto 8 - a do probatório)
Sendo que só em 6/11/2003 a recorrente alterou a sua morada para a Rua ……….., Lote…, ………. em Tomar (ponto 9 dos factos provados).
Sucede que, nos termos do artº 43º nº 1 do RCPIT, se presumem notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta.

Ora o facto de a correspondência dirigida ao domicilio fiscal da recorrente ter sido devolvida pelos Serviços Postais não pode ser oposto à AT dado que, tratando-se de notificação do projecto de relatório da inspecção é aplicável o referido nº 1 do art. 43º do RCPIT ( cf. neste sentido, Acórdãos desta secção de 05.02.2015, recurso 1808/13 e de 31/01/2012, recurso 017/12 ).
Assim, tendo a correspondência sido devolvida com a menção «… o destinatário há muito que retirou», correspondente a uma ausência em parte incerta, verifica-se tal presunção de notificação no domicílio fiscal da recorrente, que não foi ilidida.
Em suma, no caso vertente, face à factualidade provada, terá de concluir-se pela validade e relevância da notificação do relatório da inspecção.

De resto a notificação ao contribuinte não integra o acto tributário, pelo que a sua falta ou irregularidade não afecta a validade deste mas a sua eficácia.
Como é jurisprudência uniforme e consagrada, são realidades diversas e com diferentes consequências, a fundamentação e a notificação do acto tributário. A eventual irregularidade da notificação não gera qualquer vício de forma do acto notificado pois que não respeita à validade do mesmo mas à sua eficácia; não diz respeito aos elementos do acto propriamente dito mas à realização deste na ordem jurídica.
Tal notificação não constitui mais que um acto complementar que apenas assegura a plena eficácia do acto comunicado. - cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo 03.05.2006, recurso 154/06, de 26.09.2007, recurso 4/07, de 24 de Janeiro de 2002 recurso n.º 26.636, de 08.03.2001, recurso 25955, todos in www.dgsi.pt
Por outro lado resulta também dos factos provados que as liquidações adicionais de IRS/1999 e 2000, efectuadas em 17/10/2002, foram remetidas para a Av. ……. n …. … - 2300 Tomar, morada indicada nas declarações de IRS do agregado familiar composto pela recorrente e C…………., referentes a 1999 e 2000 (vide pontos 10 a 14 do probatório).
Essas liquidações espelham, em forma padronizada, os requisitos de fundamentação impostos pelo artº 77º, nº 2 da LGT, nomeadamente as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Tais liquidações adicionais foram recebidas e delas foi apresentada reclamação graciosa (ponto 11 dos factos provados) reclamação essa em que se arguía a falta de fundamentação das mesmas.
A reclamação graciosa foi indeferida na totalidade por despacho de 12 de Novembro de 2003 (fls. 49 do apenso de RG cujo conteúdo se dá por reproduzido), decisão essa que foi notificada à recorrente por carta registada com aviso de recepção, na AVª………., …. —… Tomar, com data de 18/11/2003 , e que foi recebida ( pontos 18, 19 e 20, do probatório)

Em síntese:
- a notificação ao contribuinte não integra o acto tributário, pelo que a sua eventual irregularidade não afecta a validade deste mas a sua eficácia.
- no caso a notificação do relatório de inspecção foi remetida para o domicílio fiscal da recorrente e deve considerar-se válida.
- as liquidações adicionais de IRS/1999 e 2000, efectuadas em 17/10/2002, foram remetidas para a Av. ………… n…. - 2300 Tomar, morada indicada nas declarações de IRS do agregado familiar composto pela impugnante e C……….. e ali foram recebidas;
Ou seja, pese embora as sucessivas alterações de morada da recorrente, a Administração Tributária foi cumprindo os seus deveres de informação, chamando a recorrente à participação no procedimento nos momentos decisivos, e notificando-a das liquidações sindicadas em termos que cumprem os requisitos de fundamentação impostos pelo artº 77º, nº 2 da LGT.

Pelo que ficou dito, improcedem todos os fundamentos do recurso.
7- Decisão

Termos em que, face ao exposto, Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 6 de Maio de 2015. - Pedro Delgado (relator) - Casimiro Gonçalves - Dulce Neto.