Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01410/12
Data do Acordão:05/08/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:DIREITO DE AUDIÇÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA
DECISÃO
DISPENSA
GARANTIA
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA
Sumário:I - Os recursos por oposição de acórdãos, em matéria tributária, entrados posteriormente a 1 de janeiro de 2004, exigem os seguintes requisitos:
a) Existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
b) A decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
II - Sendo a mais recente jurisprudência consolidada deste STA no sentido de que, independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no artº. 60º da LGT, e tendo o acórdão recorrido seguido esta jurisprudência, não ocorre este requisito para que se possa conhecer de tal recurso, pelo que este tem de ser julgado findo.
Nº Convencional:JSTA000P15707
Nº do Documento:SAP2013050801410
Data de Entrada:12/12/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:INST DA VINHA E DO VINHO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A………., com os demais sinais nos autos, veio recorrer do acórdão do TCAN, proferido em 18.04.2012 (v. fls. 622/676), por oposição com o acórdão deste STA, de 14.12.2011 – Processo nº 01072/11 (junto a fls. 686/696) na parte relativa à dispensa de audição prévia no caso de pedido de dispensa de garantia.

II. Admitido o recurso, recorrente e recorrida produziram alegações tendentes a demonstrar a oposição entre os citados arestos, tendo, por despacho de fls. 747/450, sido julgada verificada tal oposição.

III. Em alegações proferidas ao abrigo do disposto no artº 284º, nº 5 do CPPT, veio a recorrente concluir:

A) A questão fundamental de direito que, no modesto entender da A……….., se encontra decidida no Acórdão recorrido em oposição com o anteriormente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 14.12.2011, proferido no processo nº 01072/11 e disponível em www.dgsi.pt (doravante, "Acórdão fundamento"), radica na obrigatoriedade - ou não - da observância do direito de audição do contribuinte em momento prévio ao indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

B) O que, em síntese importará esclarecer é a mais acertada interpretação dos artigos 60º n.° 1, alínea b), da Lei Geral Tributária ("LGT") e 45º do Código de Procedimento e Processo Tributário ("CPPT"): se os mencionados artigos devem ser interpretados de forma a permitir-se a não observância do direito de audição prévia nas situações de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

C) No Acórdão de que ora se recorre, considerou o Tribunal a quo que, consubstanciando a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia um ato administrativo em matéria tributária e sendo-lhe aplicável o regime da participação previsto para os procedimentos tributários contido no artigo 60.° da LGT, este mesmo regime da participação do interessado não deverá ser observado nas situações de indeferimento de pedidos de dispensa de prestação de garantia.

D) Para tanto, o Tribunal a quo estriba-se, por um lado, numa aplicação subsidiária do regime previsto no Código de Procedimento Administrativo, em particular no respetivo artigo 103º, nº 1, alínea a), que possibilita a dispensa da audiência prévia nos procedimentos administrativos quando a decisão seja urgente, defendendo ser esse o caso de um pedido de dispensa de prestação de garantia;

E) E, por outro lado, na consideração de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão de dispensa de prestação de garantia e apresenta prova do que por si vem alegado consubstancia, em si mesmo, a audição prévia desse interessado, pelo que não haveria que renovar ou duplicar essa audição.

F) Na esteira do Acórdão fundamento, a A………. não concorda com o entendimento sustentado pelo Acórdão recorrido, considerando que se impõe a prévia audição do interessado nas situações em que se indefere um pedido de dispensa de prestação de garantia.

G) Não parece ser legalmente admissível recorrer a uma possibilidade de dispensa de audição prévia prevista ou (i) num regime de aplicação supletiva (in casu, o regime previsto no CPA) ou (ii) num regime criado ad hoc (em concreto, um regime resultante da consideração de que o requerimento de dispensa de garantia, por dever ser fundamentado e instruído com prova, consubstancia, em si, a audição prévia do interessado), quando a própria Lei Geral Tributária não se mostra omissa quanto à matéria.

H) A alínea b) do nº 1 do artigo 60º da LGT, em concretização do postulado pelo artigo 267º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa ("CRP"), prevê expressamente o exercício do «direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições» apresentados pelos contribuintes - como sucede, precisamente, nas situações em que ocorre o indeferimento, pela Administração Fiscal, de um pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pelo contribuinte -, e os nºs 2 e 3 do mesmo artigo 60º da LGT vêm indicar, perentoriamente, as situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia no âmbito das relações jurídico-tributárias, nos quais não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

I) Ao fazer-se apelo a um regime previsto no Código de Procedimento Administrativo (ou mesmo a um regime que decorre da interpretação de que a própria petição desempenha já o papel de audição prévia) para justificar a possibilidade de dispensa de audição prévia no caso, está-se, em bom rigor, a revogar semelhante disposição da Lei Geral Tributária, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia, que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.

J). A aplicação do Código de Procedimento Administrativo às relações jurídico-tributárias, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 2º da LGT, mostra-se de caráter supletivo: é a Lei Geral Tributária que se aplica em primeira linha à solução das questões postas ao intérprete-aplicador, só sendo legítimo o recurso aos restantes diplomas enunciados no artigo 2º da LGT em caso de lacuna da mesma Lei.

K). A Lei Geral Tributária não contém qualquer lacuna quanto ao exercício de audição prévia ao indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, que possibilite ou autorize o recurso a regimes especiais previstos em legislação subsidiária ou interpretativamente criados para a situação concreta. Bem pelo contrário: a LGT claramente ordena que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal - como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia - seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final - cf. artigo 60º, nº 1, alínea b), da LGT., prevendo, de igual modo, expressamente, que essa audição prévia ao indeferimento seja dispensada nas situações em que a decisão final for favorável à pretensão do contribuinte - cfr. artigo 60º, nº 2, da LGT.

L). A Lei Geral Tributária - insista-se - é expressa e clara quanto à necessidade de realização de audição prévia ao indeferimento de uma petição e às situações em que tal audição poderá ser dispensada - em que não se incluiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.

M). Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia, prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia - no que não se concede -, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de atos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão» - cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op cit.

N). A urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente, devendo resultar objetivamente do ato e das suas circunstâncias (cfr., neste sentido, Ac. STA de 28-05-2002, proc. 048378, disponível em www.dgsi.pt), não já por referência à situação procedimental de cumprimento de determinado prazo estipulado para a conclusão do procedimentos, que vem a ser, afinal, a justificação em que se escuda o Tribunal a quo para considerar que este regime da dispensa de audiência prévia nas decisões urgentes dos procedimentos administrativos deverá ser aplicado a todos e quaisquer pedidos de dispensa de prestação de garantia de âmbito jurídico-tributário.

O). O entendimento pugnado pelo Acórdão recorrido de aplicação subsidiária do regime de dispensa de audiência prévia, contido no Código de Procedimento Administrativo para as situações em que a decisão se revela urgente, aos pedidos de dispensa de prestação de garantia apresentados pelos contribuintes à Administração Tributária não poderá colher.

P). Igualmente não poderá colher o entendimento do Tribunal a quo de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respetivos elementos de prova documental, desempenhe a função de audição prévia do contribuinte!

Q). Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de um pedido de dispensa de prestação de garantia ou mesmo em todas as situações de apresentação de um qualquer pedido ou petição devidamente fundamentado e instruído com prova documental à Administração Tributária, teria de se aplicar esta interpretação de que semelhante petição inicial daquele procedimento jurídico-tributário já desempenhava o papel de audição prévia, pelo que os contribuintes, sempre que apresentassem petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respetivo indeferimento pela Administração Tributária, virem participar na formação da decisão final e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.

R). A regra de não duplicação da audição prévia prevista no nº 3 do artigo 60º da LGT supõe, precisamente, que os contribuintes tenham sido ouvidos sobre aqueles factos numa fase prévia à liquidação (por exemplo, antes do indeferimento da sua petição que visava obviar à liquidação), o que não tem aplicação no caso concreto dos pedidos de dispensa de prestação de garantia.

S). O pedido de dispensa de prestação de garantia deverá ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cfr. artigo 170º, nº 3, do CPPT), todavia, com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional, nas situações em que esses outros meios de prova se mostram imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte no seu pedido de dispensa.

T). São cogitáveis situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia, não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal.

U). «No CPPT, quando se estabelecem restrições probatórias (que têm caráter excecional, como se infere dos arts. 72.° da LGT e 50.° e 115.°, n.° 1, do CPPT), é utilizada uma referência explícita nesse sentido, como se constata nos artºs. 146.°-B, n.° 3, 204.°, n.° 1, alínea i), e 246.° do CPPT» - cf. Jorge Lopes de Sousa, op. cit. -, o que não sucede no caso do pedido de dispensa de prestação de garantia.

V). A prova dos requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia poderá - e muitas vezes, apenas poderá - ser feita por recurso a outros meios de prova que não a documental, pelo que não deverá vingar a interpretação de que a petição inicial de dispensa de garantia desempenha já a função de audição prévia do contribuinte, pois terão lugar diligências instrutórias e poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45º do CPPT.

W). O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar.

X) Esta é a solução que se impõe, não apenas constitucional e legalmente, mas também no apuramento da verdade material e cabal esclarecimento dos factos alegados que incumbe à Administração Tributária.

Y) Recorra-se ao caso concreto dos autos para ilustrar a necessidade, razoabilidade e utilidade da realização da audição prévia nas situações de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia:
- Se o principal fundamento apontado no despacho que motivou o indeferimento do pedido de dispensa de garantia dos autos é «a inexistência da prova necessária - quanto à totalidade do leque de garantias admissíveis», sendo que, também, a executada «Não produz prova, por exemplo, quanto ao montante do volume de negócios anual» - cfr. despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, a fls... dos autos,
- a realização de audição prévia da A……….. teria obviado à decisão tomada com semelhantes fundamentos meramente formais,
- porquanto a contribuinte poderia ter-se pronunciado, ainda graciosamente, quanto a esta apreciação da prova produzida e apresentado, inclusivamente, esses elementos - por exemplo, prova do volume de negócios anual - que a própria Administração reputa por necessários para a justa decisão da questão (mas que, curiosamente, nem notifica o contribuinte para efetuar a junção desses elementos que tinha por necessários para a instrução do processo, como lhe competiria ao abrigo do disposto no artigo 89º, nº 1, do CPA, por forma ao apuramento da verdade material), obviando, assim, a uma decisão de indeferimento meramente formal («inexistência de prova necessária quanto à totalidade do leque de garantias admissíveis»), que em nada contribui para a realização, administrativa, da justiça.

Z) É precisamente para obviar a eventuais erros e omissões da Administração Tributária, para prevenir litígios entre os contribuintes e a Administração - que deve atuar com respeito pelos princípios da imparcialidade e da boa-fé (cf. artigo 266.°, n.° 2, da CRP), buscando a verdade material -, para contribuir para um cabal esclarecimento dos factos e para fomentar uma mais adequada e justa decisão da Administração que se encontra previsto o direito de participação dos contribuintes nas decisões administrativas que lhes digam respeito, participação esta que, na interpretação pugnada pelo Tribunal a quo, deverá ser dispensada sempre que se estiver perante um pedido de dispensa de prestação de garantia, o que, confessadamente, não pode ser.

AA) O entendimento manifestado pelo Tribunal a quo não é, de todo, o mais consentâneo com a norma ínsita no artigo 60º da LGT, nem com o princípio constitucional da participação dos administrados na formação das decisões que lhes digam respeito (artº 267º, nº 5, CRP), nem ainda com o princípio do contraditório previsto para o processo e procedimento tributário no artigo 45º do CPPT, nem, simplesmente, com o apuramento da verdade material perante um pedido de dispensa de prestação de garantia, pelo que o sentido interpretativo do Tribunal a quo não deverá manter-se, o que se requer.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com todas as consequências legais.

IV. Em alegações proferidas ao abrigo da mesma norma, a recorrida veio concluir:

A). O presente recurso vem interposto do Acórdão do TCA Norte proferido em 18 de abril de 2012, que decidiu pela não anulação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal nº 2704200501001043 apresentado pela sociedade “A……….., Ldª”, aqui Recorrente.

B) A Recorrente insiste que foi ilegalmente preterido o direito de audição prévia ao indeferimento do pedido de dispensa de prestação previsto no artigo 60º da LGT.

C) O ato de indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia, não obstante praticado por um órgão administrativo, consubstancia um verdadeiro ato processual ou judicial e não um ato meramente procedimental ou administrativo - cfr. Acórdão do STA de 7 de março de 2012, proferido no processo nº 0185/12, em que foi relator o Juiz Conselheiro Lino Ribeiro.

D) Tendo natureza judicial, aos atos praticados no âmbito dos processos de execução fiscal não são de aplicar as regras do procedimento tributário, designadamente a prevista no artigo 60º da LGT, cuja violação é alegada nos presentes Autos pela Recorrente.

E) Ainda que se defenda uma posição segundo a qual a decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária - na esteira do decidido pelo TCA Norte no Acórdão recorrido - a tese da Recorrente não pode proceder.

F) O princípio da participação dos interessados no procedimento administrativo, de que é manifestação o artigo 60º da LGT, comporta necessariamente exceções que se encontram previstas na Lei.

G) O processo de execução fiscal, se não processualmente urgente, deve pelo menos ser considerado como materialmente urgente na medida em que o artigo 177º, do CPPT estipula que este deve extinguir-se no prazo de um ano contado da sua instauração «salvo causas insuperáveis, devidamente justificadas» (cit.).

H) A urgência do processo de execução fiscal, está ainda patente nos curtos prazos definidos no artigo 170.°, do CPPT e especificamente no n.° 4 daquele preceito onde é imposto um prazo de 10 dias para que seja proferida decisão relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garantia.

I) O artigo 103º, nº 1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo 2º, alínea c) da LGT, prevê que, estando em causa a tomada de uma decisão urgente, a audição prévia do administrado seja afastada, pelo que a preterição da audição prévia no caso concreto, não consubstancia qualquer ilegalidade suscetível de conduzir à anulação da decisão recorrida - cfr. Acórdão deste venerando Tribunal de 23 de fevereiro de 2012, proferido no processo nº 059/12, no qual foi relatora a Juiz Conselheira Dulce Neto.

J). «Ainda que não se aceite a aplicabilidade da referida norma do CPA, o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, no seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha já a função de audiência prévia, não havendo que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão dada a regra geral contida no n.° 3, do artigo 60.° da LGT, quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um ato final lesivo, seja ele ou não um ato de liquidação» - cfr. Acórdão de 23 de fevereiro de 2012, proferido no processo nº 059/12, no qual foi relatora a Juiz Conselheira Dulce Neto (cit.).

K). Perante os parcos factos colocados à consideração do órgão de execução fiscal - que incluíram somente uma série de considerações genéricas sobre a situação financeira da Recorrente, sem qualquer suporte probatório associado, este limitou-se a aplicar o Direito em vigor...

L). Mesmo que pudesse considerar-se ter havido preterição indevida da audição do contribuinte - o que apenas por dever de patrocínio de concebe, e sem conceder - o ato de indeferimento do pedido de prestação de garantia sempre poderia ser aproveitado.

M). «Um ato tributário inválido por preterição de audição prévia pode ser aproveitado pelo juiz se houve a convicção de que, anulado o ato, virá a ser praticado outro com conteúdo idêntico» - cfr. Acórdão do STA de 12 de abril de 2012, proferido no processo nº 0896/11, em que foi relator o Juiz Conselheiro Lino Ribeiro (cit.).

N). Como resulta provado nos Autos, a Recorrente é executada em inúmeros processos, todos pendentes no serviço de finanças de Tondela, tendo a Recorrente apresentado, massiva e recorrentemente pedidos de dispensa de prestação de garantia.

O) Em todos esses casos - mesmo naqueles em que o chefe de finanças entendeu ouvir a Recorrente de tomar a decisão final, note-se - os pedidos de dispensa foram instruídos com a mesma prova e indeferidos com base na não demonstração dos pressupostos de que depende essa mesma dispensa, tendo a validade material dos atos de indeferimento sido confirmada pelo TAF de Viseu em primeira instância e pelo TCA Norte em segunda instância.

P) A título de exemplo entre muitos outros possíveis - a Recorrente é executada em dezenas de processos com o mesmo objeto, apresentando pedidos , vejam-se os processos de reclamação judicial nºs 534/10.9BEVIS, 157/11.5BEVIS, 405/10.9BEVIS e 502/10.0BEVIS, no âmbito dos quais o TAF de Viseu e o TCA Norte, confirmaram a validade material dos atos de indeferimento dos pedidos de dispensa de prestação de garantia apresentados pela ora Recorrente junto do Serviço de Finanças de Tondela.

Q) Atendendo ao volume de processos de natureza semelhante e instruídos de igual forma pela Recorrente que conheceram desfecho idêntico junto do órgão de execução fiscal, do TAF de Viseu e do TCA Norte, com toda a probabilidade, o chefe de finanças de Tondela, confrontado com a anulação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição de audição prévia à decisão subjacente aos presentes Autos, proferiria despacho com idêntico conteúdo após essa mesma audição.

R) A luz dos factos, o ato de indeferimento reclamado deve ser aproveitado ainda que venha a considerar-se ter havido preterição indevida do direito de audição prévia previsto no artigo 60º da LGT.

VI. DO PEDIDO
Termos em que o Acórdão recorrido não merece qualquer censura, devendo por isso ser mantido no que respeita à improcedência da pretensão da Recorrente em ver anulado o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, com as devidas consequências legais.

Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!

V. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 800, no qual defende a existência de oposição entre os arestos, pronunciando-se depois pela improcedência do recurso, na medida em que existe jurisprudência recentemente consolidada em sentido oposto à tese da recorrente.

VI. Com interesse para a decisão, foram dados como provados os seguintes factos:

A) No acórdão recorrido:

A) O Serviço de Finanças de Tondela, com base em certidão de dívida emitida pelo IVV respeitante a taxas de promoção de alguns meses dos anos de 2003 e 2004 e respetivos juros moratórios, no montante global de 1.873 972,63 instaurou, em 2005-03-04, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal nº 2704200501001043 (cfr. cabeçalho da reclamação constante de fls. 4 e segs., destes autos e fls lªs dos autos apensos 689 05 4 B. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido o mesmo se dizendo dos demais documentos infra referidos).

B) porque a Reclamante instaurou relativamente à dívida exequenda impugnação judicial, com o n° 168 05 0B e oposição com o n° 685 05 1 B, o Órgão de Execução Fiscal, em 2007-02-15, através do ofício 660 solicitou àquela a prestação de garantia idónea calculada no valor de € 2.653.273,37, (vide, para além do mais, ponto n° 3 da informação de fls. 142).

C) a Reclamante expediu, via postal, em 30-06-2011 requerimento a solicitar a dispensa da prestação de garantia referindo que, por não se conformar com os fundamentos que alicerçaram a emissão das liquidações que originaram a dívida exequenda, instaurou impugnação e oposição; que pretende suspender os presentes autos de execução até à prolação de uma decisão judicial transitada em julgado, sendo que a mera apresentação daqueles processos não tem por si só efeito suspensivo, para tal necessário será a constituição de garantia ou a dispensa da mesma; a prestação de garantia provocará prejuízo irreparável na atividade da Requerente dado o acesso ao crédito bancário ser muito difícil e caro; ter já prestado garantia bancária noutro processo executivo no valor global de € 3 131 919,55; por força de uma divergência com o IFAP e IVV encontra-se a ser executada noutros processos cujo montante global ascende a cerca de € 29.517.726,21; se tiver que prestar outra garantia "outro caminho não restaria que não fosse o de se apresentar à insolvência"] não ter qualquer responsabilidade na "insuficiência ou inexistência de bens" (cfr. nºs. 97 a 132).

D) O Órgão de Execução Fiscal, por despacho proferido em 8 de julho de 2011 indeferiu o pedido com os fundamentos, por um lado, da falta de produção de prova da irreparabilidade do prejuízo causado à executada e, por outro, da falta de produção de prova da irresponsabilidades da executada pela situação de insuficiência/inexistência de bens e dispensou a audiência prévia da Requerente por entender que a situação é enquadrável na previsão da Circular n° 13/99 porque a Administração Fiscal se limitou a apreciar os factos dados pelo contribuinte e a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso (vide fls. 58 a 61)

E) Despacho notificado à Reclamante através de carta expedida em 13-07-2011 e que originou a reclamação aqui em apreciação, apresentada, via correio em 22-07-2011, a qual, no fundamental, retomou a argumentação do requerimento referido em C) (cfr. fls. 57 e 4 dos presentes autos)

F) Atualmente, por força da conjuntura económica, o acesso ao crédito bancário é difícil e mais caro do que se verificava até fins de 2009, princípio de 2010. (Para além de ser, na generalidade em que está formulado, um facto notório, o mesmo foi também afirmado pelas testemunhas 1ª e 2ª, respetivamente TOC e escriturária da Reclamante).

G) A Reclamante necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua atividade, mormente, no que respeita à aquisição de vinhos e outras matérias-primas necessárias à sua laboração, que realiza no mercado Espanhol. (Facto referido pelas duas já aludidas testemunhas, mas sem especificarem valores de forma a possibilitar a efetiva repercussão na Reclamante. Sempre se dirá que neste caso mais consolidada e concreta prova se obteria pela via documental pois a 1ª testemunha afirmou que a contabilidade de Reclamante está organizada de molde a fornecer elementos contabilísticos atualizados, num prazo máximo de 15 dias).

H) Tal como já se aludiu em C) a Reclamante já prestou, noutro processo executivo, garantias no valor global de € 3.131.919,55; outra garantia bancária prestou no montante de € 93.574,82 e, para além das referidas, outras garantias não bancárias prestou num total superior a € 800 000,00 (vide depoimento da 1ª testemunha e fls. 79)

I) Em janeiro de 2011 a Reclamante tinha pendentes processos de execução fiscal cujo total (quantia exequenda + juros de mora e custas) ascendia a € 35.073.038,61, sendo que desta quantia cerca de €10.000.000,00 respeitam a taxas idênticas às em causa nestes autos e, mais de € 17.000.000,00 a subsídios (cfr. doc. de fls. 63 a 79)

J) As taxas vindas de aludir, resultantes de autoliquidações, correspondem a um valor de 0,0135€ por cada litro vendido (vide entre outros a certidão de fls. 2 e 3 do processo apenso 689/05.4B e depoimento da 1ª testemunha)

K) A Reclamante no ano de 2010 apresentou prejuízos superiores a um milhão de euros sendo que nos anos anteriores, pelo menos de 2005 a 2009 apresentou resultados positivos. Os seus trabalhadores só em novembro de 2011 receberam os salários de agosto, setembro e outubro. (Estes factos resultaram do depoimento das duas 1ªs testemunhas, ambas funcionárias da Reclamante. Tal como se disse em G) estes factos mais consolidados poderiam resultar se a Reclamante fornecesse, com se demonstrou que o podia fazer, elementos da sua contabilidade Se a situação é tão débil não seria difícil demonstrá-lo contabilisticamente pois a mesma não pode deixar de ter relevância a esse nível. Relativamente aos resultados positivos a factualidade resultou do conjunto dos processos similares ao presente)

L) A diminuição das vendas é situação que se vem verificando desde há cerca de dez anos (cfr. depoimento da 2ª testemunha a qual trabalha para a Reclamante há cerca de 30 anos assumindo-se como secretária da gerência).

M) Ao nível das vendas realizadas pela Reclamante o mercado interno e o externo assumem um peso relativo idêntico ou seja cerca de 50% para cada um sendo que apenas no mercado interno se vêm colocando problemas de cobrança junto dos clientes (cfr. depoimento das duas primeiras testemunhas, fundamentalmente da segunda)


N) No âmbito de uma reestruturação do grupo de empresas em que a Reclamante se insere, nos anos de 2005 e 2006 verificou-se a alienação de imóveis daquela, os imóveis onde se situam as suas instalações, bem como vinhas, o laboratório, etc., a uma empresa do ramo imobiliário do mesmo grupo, atingindo as alienações um valor total superior a € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) -(cfr. depoimento das três testemunhas, sendo que a terceira é trabalhadora da imobiliária que terá sido a adquirente dos referidos bens. Também neste caso se dirá que uma consolidação da factualidade vinda de referir se deveria ter realizado pois que, para além do que se disse nas outras alíneas. quanto à referida alienação a Reclamante tinha a especial obrigação de ter disponível uma documentação de tais negócios pois que os mesmos estão a ser judicialmente apreciados em sede de impugnação pauliana que corre termos no Tribunal Judicial de Tondela).

O) A solicitação da Reclamante a B………. apresentou estudo realizado em meados de julho de 2002 onde apontou soluções de reestruturação para aquela e respetivo grupo empresarial em que se insere (vide depoimento da 3ª testemunha e doc que a Reclamante juntou em sede de inquirição em processo conexo e que, se necessário, juntará cópia aos presentes autos).

P) Apesar da alienação vinda de referir no balanço de 31 de dezembro de 2009 a Reclamante ainda apresentava imobilizações corpóreas num valor próximo dos € 5 000 000,00 (cfr. o já aludido balanço constante de fls. 82 a 84).

Q) O grupo em que a Reclamante se insere integra cerca de dez sociedades englobando, entre outras, sociedades imobiliárias (vide o depoimento das 3 testemunhas e o estudo aludido em O)).

B) No acórdão fundamento:
A). A reclamante apresentou o pedido de reforço de garantia e a isenção da prestação de garantia do remanescente constante de fls. 154 e 155, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 153 a 155).

B). Sobre este requerimento foi lançada a informação de fls. 173, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

C). Sobre o referido requerimento foi proferido o despacho de fls. 174, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

D). A decisão constante do despacho de fls. 174 foi proferida sem ter sido exercido o direito de audiência prévia da reclamante (fls. 154 a 177).

VII. Antes de mais, e apesar de o Relator ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar, em conformidade com o disposto no artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (hoje artº 685º-C, nº 5 do mesmo diploma).

Tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de janeiro de 2004, são aplicáveis as normas dos artºs 27º, alínea b) do ETAF de 2002 e 152º do CPTA (neste sentido, entre outros, v. o acórdão de 26/09/2007 do Pleno desta Secção, proferido no Processo nº 0452/07).

Sendo assim, a oposição depende da satisfação dos seguintes requisitos:

a) Existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

b) A decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Quanto ao primeiro requisito, de acordo com o acórdão de 29.03.2006 – Recurso nº 01065/05, do Pleno desta mesma Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adotar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detetar a existência de uma contradição, a saber:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- de 29.03.2006 – Processo nº 01065/05; de 17.01.2007 – Processo nº 048/06;
- de 06.03.2007 – Processo nº 0762/05; - de 29.03.2007 – Processo nº 01233/06. No mesmo sentido, v. ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, págs. 765-766).

A oposição deverá, por um lado, decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

Vejamos então se, no caso dos autos, se verificam tais requisitos, começando pela questão da oposição entre os arestos acima identificados.

VII.1. No acórdão recorrido escreveu-se, para além do mais, o seguinte:

“ A recorrente começa por alicerçar o seu pedido de revogação da sentença recorrida alegando, nuclearmente, que como fez constar em sede de petição de reclamação judicial, não foi realizada a sua audição prévia na formação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia …”

E mais adiante, e após citação e transcrição de variada jurisprudência sobre a matéria:
“ Temos pois seguro, considerando a argumentação jurídica acolhida na tese ora transcrita … que bem andou o Tribunal a quo, ainda que com menos profícua argumentação, ao não ter anulado o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela por falta de realização de audiência prévia, por pelos fundamentos expostos e no enquadramento realizado, se não mostrarem violados os artºs 257º, nº 5 da CRP, 60º da LGT e 45º do CPPT”.

VII.2. No acórdão fundamento, por sua vez, ficou escrito, para além do mais, o seguinte:

“Ora, como em situação semelhante se afirmou no ac. deste STA, de 2/2/2011, rec. nº 08/11, o despacho de indeferimento objeto da presente reclamação qualifica-se como verdadeiro ato administrativo em matéria tributária e não como mero ato de trâmite, uma vez que não se confina nos estreitos limites da ordenação intraprocessual, antes projeta externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta ¯ cfr. art. 120º do CPA ¯ sendo que a decisão da AT de suspender ou não o processo de execução fiscal por virtude da prestação (ou da dispensa) de garantia implica e determina manifestos reflexos na esfera jurídica da ora recorrida.

E, assim, em face dessa definição como ato administrativo e tratando-se, como se trata, de um ato administrativo definidor de uma situação jurídica que no caso é desfavorável ao contribuinte, impunha-se a sua prévia audição, de acordo com o estatuído nos arts. 100º do CPA e 60º da LGT. Tanto mais que, no caso, a própria recorrente alega que o indeferimento do pedido de dispensa de reforço da garantia se fundamentou na circunstância de o órgão de execução fiscal ter considerado que o pedido não se encontra instruído com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dita dispensa de prestação do reforço da garantia e por não ter sido apresentada prova da irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens. “

VII.3.Temos então que em ambos os arestos a questão em análise se centrava, como bem se refere na conclusão A) das alegações da recorrente, na obrigatoriedade - ou não - da observância do direito de audição do contribuinte em momento prévio ao indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

Ora, sendo certo que a matéria de facto é muito semelhante, está em causa o mesmo regime jurídico e as decisões são contraditórias, verificam-se, desde já, os requisitos legalmente exigidos para a oposição de acórdãos.

VII.4.Vejamos agora se ocorre o outro requisito – saber se a decisão impugnada não está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Sobre a expressão “jurisprudência recentemente consolidada”, escreveram Mário Aroso e Carlos Cadilha - Comentário ao CPTA, 3ª edição, pág. 1010: “Se o acórdão impugnado seguir o entendimento expresso pelo Pleno no âmbito de um julgamento ampliado de revista ou em anterior acórdão uniformizador, não tem, na verdade, justificação submeter a questão de novo à apreciação do Pleno. Face à lateralidade do preceito, a possibilidade de não admissão do recurso também existe quando o acórdão impugnado se conforme com a jurisprudência pacífica e uniforme do STA, mesmo quando tirada pelas subsecções ou, pelo menos, com a jurisprudência firme que se tenha consolidado mais recentemente”.

Ora, conforme se escreveu no acórdão do STA (Pleno) de 18 de setembro de 2008 (Processo n° 212/08): “… a diferença entre haver uma jurisprudência «tout court» e uma «jurisprudência consolidada» há de necessariamente advir de um «plus» desta última, que cause ou revele uma estabilidade de julgamento; e esse acréscimo detetar-se-á por um critério quantitativo, significador de uma constância decisória - seja esse critério o do número dos Juízes subscritores da solução, seja o do número das decisões do STA que a acolheram. Assim, a consolidação jurisprudencial transparecerá, ou do facto de a pronúncia respetiva constar de um acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o artº. 17º, n.º 2, do atual ETAF), ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido e obtidas por unanimidade ou por maiorias inquebráveis, exigindo-se um maior número delas se os acórdãos provierem das Subsecções e um seu menor número se forem do Pleno (na formação de nove Juízes, referida no art. 25º, n.º 1, do anterior ETAF)”.

Ora, sobre a questão objeto do presente recurso a mais recente jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário do STA tem vindo a acentuar, de forma dominante, que não há lugar, neste caso, ao exercício do direito de audiência previamente à decisão do pedido de prestação de garantia, porque a isso obsta a natureza urgente que o legislador atribuiu ao respetivo procedimento – nº 4 do art. 170º do CPPT (cfr. acs. de 20/6/2012, rec. nº 625/12, de 9/5/2012, rec. nº 446/12, de 23/5/2012, rec. nº 489/12 e de 23/2/2102, rec. nº 59/12).

Por outro lado, e conforme se acentuou no Acórdão de 26.09.2012 –Processo nº 708/12 (Julgamento ampliado de recurso), independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do ato aqui em causa (indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia) – ato materialmente administrativo praticado no processo de execução fiscal ou ato predominantemente processual – é de concluir que não há, no caso, lugar ao exercício do direito de audiência previsto no art. 60º da LGT. Isto porque em variados arestos deste STA, chegando-se à mesma conclusão, se utilizou fundamentação jurídica diversa.

Em face de tudo o que ficou dito, temos de entender então que a mais recente jurisprudência deste STA se consolidou no sentido de que o artº 60º da LGT não é aplicável anteriormente à decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia.

Deste modo, tendo o acórdão recorrido decidido no sentido dessa jurisprudência, o recurso não pode ser admitido, por não se verificar o 2º requisito acima enunciado.

IX. Nestes termos e pelo exposto, ao abrigo do disposto no artº 284º, nº 5 do CPPT, julga-se findo o recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 8 de maio de 2013. – João António Valente Torrão (relator) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – José da Ascensão Nunes Lopes – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – Joaquim Casimiro Gonçalves – Maria Fernanda dos Santos Maçãs.