Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0322/12
Data do Acordão:04/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
CADUCIDADE DE GARANTIA
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I – Tendo sido atribuído efeito suspensivo à reclamação graciosa, em razão da prestação de garantia, esse efeito mantém-se, ainda que tenha sido declarada a caducidade da garantia por inobservância do prazo de decisão da reclamação graciosa, se for apresentada impugnação judicial na sequência do indeferimento daquela reclamação.
II – É que, nos termos do disposto no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, a execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, sendo que, em relação à reclamação graciosa, a decisão do pleito só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, por a decisão da reclamação graciosa já não ser susceptível de impugnação administrativa (recurso hierárquico) ou contenciosa (impugnação judicial) com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.
Nº Convencional:JSTA00067523
Nº do Documento:SA2201204120322
Data de Entrada:03/23/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:BANCO A..., S.A
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART36 N3 ART52 N1 N2 N3 N4
CPPTRIB99 ART88 ART148 ART149 ART150 ART152 ART169 ART195 ART199 ART170 ART183-A ART76 N1 ART102 N2 ART103 N5 ART276
L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART163
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VI PAG694-695 VIII PAG208 PAG342 PAG220.
RUI DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL 2ED PAG80.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “Banco A……, S.A.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida), invocando o disposto nos arts. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou judicialmente da decisão do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5 que a notificou para prestar garantia em ordem à suspensão da execução fiscal na sequência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação procedente e, em consequência, anulou a decisão reclamada. Isto, em síntese, porque anuiu à tese da Executada, de que, tendo sido declarada a caducidade da garantia por ela prestada quando deduziu reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, é de considerar que se mantém a suspensão da execução fiscal até que seja decidida a impugnação judicial deduzida contra a decisão que indeferiu parcialmente o recurso hierárquico interposto da decisão que, por sua vez, inferiu parcialmente a referida reclamação graciosa.

1.3 A Fazenda Pública não se conformou com essa sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. A douta sentença padece de erro de julgamento, em violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 103º, 169º e 183º-A, todos do CPPT.

B. Alega o douto tribunal, em síntese, que, por virtude da garantia bancária n.º 879-02-0000827, prestada na execução 3379200501027158 e cuja caducidade foi entretanto declarada pelo órgão competente da Administração Tributária em 29.01.2007, a execução suspendeu-se, mantendo-se essa suspensão até à presente data,

C. uma vez que a decisão tomada na reclamação graciosa foi objecto de recurso hierárquico e a decisão deste foi impugnada judicialmente, pelo que ainda não teve lugar “a decisão do pleito” no que concerne à legalidade da liquidação de IRC em cobrança no processo de execução fiscal n.º 3379200501027158.

D. Entende, pois, o douto tribunal que, por força do disposto no art. 169º n.º 1 do CPPT, a execução fiscal mantém a sua suspensão na sequência da apresentação da garantia bancária, independentemente da caducidade daquela garantia, suspensão que se mantém até trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na impugnação judicial, não sendo, pois, devida qualquer outra garantia para obter o referido efeito suspensivo.

E. Ora, a Fazenda Pública discorda com o entendimento do douto tribunal, entendimento que além de ferir o sentido jurídico do disposto nos art.ºs 103º, 169º e 183º-A todos do CPPT, atenta contra vários princípios, nomeadamente o princípio da prossecução do interesse público.

F. Os princípios jurídicos subjacentes ao instituto da prestação de garantia idónea reconduzem-se à necessidade do Estado assegurar que o contribuinte, em caso de litígio com a Administração Tributária esteja em condições económicas de, finalizada a contenda – quando e se improcedente – cumprir com a quantia exequenda devida.

G. Este instituto consagra, pois, o princípio da prossecução do interesse público na conduta da Administração Fiscal, em todas as suas vertentes.

H. O instituto jurídico da prestação da garantia subsume-se, prima facie, à função primordial da Administração Tributária e de todo o complexo normativo tributário, ou seja, “…das normas que têm por objectivo assegurar a capacidade funcional do Estado, proporcionando-lhe os meios financeiros que suportam tanto a existência como do seu funcionamento3 [3 José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 5ª edição, Almedina]

I. Ora, a necessidade de obtenção de receita fiscal é uma incumbência decorrente de um imperativo constitucional previsto nos termos do art.º 103º da Constituição da República Portuguesa, o qual prescreve no seu n.º 1 que “[o] sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas…”, pois de outra forma não se poderá assegurar “…uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”.

J. Donde, a ratio do instituto da prestação da garantia é, pois, a de assegurar o pagamento da dívida tributária – a qual é inteiramente indisponível – efectivando-se, desse modo, os interesses públicos do Estado.

K. Feito este enquadramento e no tocante à caducidade da garantia, dispõe o n.º 1 do art.º 52º da LGT, n.º 1 e 5 do art.º 169º e 212º, ambos do CPPT, que a execução fiscal se suspende se for apresentada reclamação, recurso, impugnação judicial que tenham por objecto a discussão da legalidade da dívida exequenda ou se for recebida oposição à execução fiscal.

L. No entanto, para obter aquela suspensão deverá ser prestada garantia, nos termos previstos nos art.ºs 52º da LGT, 169º e 199º do CPPT.

M. Previa o então n.º 1 do art.º 183º-A do CPPT, norma aditada pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, e entretanto revogada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que a garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caducava se a reclamação graciosa não estivesse decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição,

N. ou se a impugnação judicial, ou a oposição não estivessem julgados em 1ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação (na redacção conferida pela Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro).

O. Verifica-se, pois, que o legislador admitiu que devia conceder tratamentos diferentes a situações obviamente diferenciadas.

P. “A «voluntas legis» é claramente a de permitir ao contribuinte ver a sua reclamação ou qualquer outro dos procedimentos ou processos iniciados nos citados normativos rapidamente decididos, sem perder de vista o interesse de garantia de segura e certa cobrança da dívida exequenda e prevenção contra expedientes dilatórios do contribuinte4 [4 Acórdão do TCA Sul, processo 02154/07, de 12.02.2008].

Q. A ratio subjacente ao instituto da caducidade da garantia, em sede de reclamação graciosa, assenta no princípio da eficiência e do dever de decisão a que a Administração tributária está vinculada. Assenta, também, num princípio de racionalidade económica.

R. A Administração Tributária tem o dever de decidir em tempo útil.

S. Sendo que a garantia é prestada no interesse do Estado, implicando a sua manutenção custos para o executado, o protelamento de uma decisão da Administração Tributária não deve implicar custos para aquele, devendo, outrossim, esses custos ser devolvidos à Administração Tributária.

T. Princípios que também imperaram nas motivações do legislador [ao tempo] ao atribuir um prazo “razoável” para os tribunais produzirem uma decisão.

U. Resulta, assim, da leitura do art.º 183º-A, e de forma clara, que o legislador distinguiu o contencioso administrativo, do contencioso judicial,

V. penalizando de forma distinta a demora na prolação em sede de contencioso administrativo, da demora em sede de contencioso judicial.

W. E se assim o fez é porque entendeu que o procedimento administrativo e o procedimento judicial são vias recursivas distintas e sem ligação entre elas que determine a continuação dos efeitos da caducidade no âmbito da nova via impugnatória,

X. não configurando a impugnação judicial como uma via recursiva da reclamação graciosa,

Y. pois, como é entendimento dos tribunais superiores, o sujeito passivo não está inibido de, em sede de impugnação judicial, esgrimir com vícios de que entenda padecer o acto tributário ainda que os não tenha suscitado em prévia reclamação graciosa.

Z. Utilizando o dizer de Joaquim Freitas da Rocha, in Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 261 “Assim, reclamação e impugnação são duas garantias distintas, com igualmente distintos espaços de actuação, apesar de terem em comum os objectivos (como vimos, a anulação dos actos tributários), os fundamentos (“qualquer ilegalidade”), a inexistência de efeito suspensivo da respectiva liquidação e, em certa medida, os prazos (em regra, 120 e 90 dias). Contudo, distinguem-se nos seguintes aspectos, em geral condensados no art.º 69.º do CPPT, em referência à reclamação graciosa”.

AA. Aliás, o prolongamento para o processo judicial de factos ocorridos no procedimento administrativo, como a caducidade da garantia, implicaria a ideia de que a impugnação é um continuum processual da reclamação graciosa.

BB. Assentaria essa concepção na ideia de que a impugnação é a continuação da reclamação graciosa, e que a interposição da impugnação impediria que a decisão da reclamação graciosa se tornasse definitiva.

CC. Mas esta concepção colide com os princípios do Direito Administrativo e também com o princípio da separação de poderes, pois assentaria numa confusão entre Administração e Justiça e, portanto, entre a função de administrar e de julgar.

DD. No entanto, o que se sabe é que a impugnação judicial é um processo autónomo, de natureza diferente da reclamação graciosa e mesmo nas situações em que a impugnação judicial é deduzida após o indeferimento da reclamação graciosa, a impugnação é um processo novo, numa instância diferente, cujo objecto mediato não é a decisão proferida no procedimento gracioso, mas o acto de liquidação.

EE. Em abono de que o procedimento gracioso e o processo judicial sã dois “litígios” distintos, a que a lei, e quanto às garantias, sabe e quer diferenciar, veja-se que o n.º 5 do 103º do CPPT diz que “Caso haja garantia prestada nos termos da alínea f) do art.º 69º, esta mantém-se, independentemente de requerimento ou despacho, sem prejuízo de poder haver lugar a notificação para o seu reforço”.

FF. Que, em apontamento, Rui Duarte Morais, in A Execução Fiscal, 2ª edição, Almedina, pág. 80 clarifica dizendo que “O novo n.º 5 deste artigo esclarece também – e bem – uma outra situação que levantava dúvidas: se a impugnação for apresentada na sequência de uma reclamação graciosa e a esta tiver sido atribuído efeito suspensivo pela administração fiscal, em razão de prestação de garantia, tal efeito suspensivo manter-se-á ou não no decurso do processo de impugnação? A resposta é, agora, afirmativa (art.º 103º n.º 5, do CPPT). A atribuição de efeito suspensivo à impugnação é decorrência automática (independentemente de despacho ou requerimento, diz a lei), de tal efeito ter sido atribuído à reclamação, na condição óbvia de se manter a garantia prestada” (sublinhado nosso).

GG. Assim, da norma ora trazida, bem como da doutrina exposta, mais uma vez se pode concluir que a garantia prestada na sequência do procedimento de reclamação graciosa é dissemelhante da garantia prestada na sequência do processo judicial, configurando a lei fiscal, unicamente, a possibilidade de se poder aproveitar (estender) a garantia prestada e vigente no contencioso administrativo ao contencioso judicial.

HH. O que significa que a lei não prevê o aproveitamento da verificação e reconhecimento da caducidade ocorrida no decurso do procedimento administrativo ao processo judicial que lhe poderá suceder.

II. Vincando-se, mais uma vez, o distanciamento e a autonomia, para esse efeito, entre o procedimento administrativo e o processo judicial, cujas proximidades são apenas aquelas que a lei expressamente prevê.

JJ. A caducidade da garantia prestada dentro das circunstâncias da reclamação não subsiste para além da extinção dessa mesma reclamação.

KK. Acresce notar que, a própria lei (art.º 183º A) reconhece competência exclusiva para apreciação da caducidade às entidades onde se encontra a correr o procedimento/processo,

LL. o que poderá conduzir a que, se o sujeito passivo não requerer o reconhecimento da caducidade da garantia perante o órgão administrativo, já não pode, em sede de contencioso judicial, requerer que lhe seja reconhecida a caducidade por ter sido ultrapassado o prazo de um ano para decisão da impugnação administrativa.

MM. O pressuposto da caducidade foi o atraso na decisão da reclamação; com a impugnação esse pressuposto deixa de existir, pois não se pode fazer valer aqui a caducidade ocorrida em termos e condições distintas,

NN. só podendo requerer o reconhecimento da caducidade que seja verificada na pendência, agora, do processo judicial.

OO. Como se refere na doutrina vertida no acórdão do TCA Norte, processo 01611/04.0BEVIS, de 12.05.2005 “Se a garantia que está a ser exigida à executada se destina a conferir carácter suspensivo à executoriedade de uma liquidação que está a ser discutida em processo de impugnação judicial, só as vicissitudes desta impugnação podem determinar a caducidade da garantia que venha a ser prestada, sendo irrelevante que anteriormente haja decorrido uma reclamação que demorou mais de um ano a ser decidida, dado que esta garantia nenhuma conexão tem com essa reclamação”.

PP. Assim, entende a Fazenda Pública que, com a prestação da garantia, a execução fica suspensa até se decidirem definitivamente a impugnação administrativa e/ou a impugnação judicial, como decorre literaliter do disposto no n.º 1 do art.º 169º do CPPT,

QQ. e que a verificação e reconhecimento da caducidade da garantia, na sua pendência, só estende os efeitos da suspensão ao procedimento ou processo em que aquela foi verificada ou reconhecida.

RR. Donde, o entendimento do douto tribunal a quo de que, verificada a caducidade da garantia, a execução fica suspensa até à decisão do pleito, no sentido de que esta decisão é a decisão final do processo judicial, não se enquadra no espírito nem na letra da lei,

SS. que diferencia, e bem, o pleito gracioso do pleito contencioso (judicial),

TT. não podendo haver outro entendimento que não aquele que lê que o pleito fica decidido, no caso de impugnação administrativa, quando se formar o caso decidido ou resolvido e, no caso de processo judicial, quando ocorrer o trânsito em julgado da decisão judicial.

UU. A não ser assim, a ratio do art.º 183º-A ficaria despida de sentido, distorcendo-se a intenção do legislador (ao tempo) de querer penalizar, quer a delonga da administração tributária, quer a dos tribunais, pela falta de celeridade na instrução e decisão dos seus procedimentos/processos.

VV. Mais, com o entendimento do douto tribunal a quo a Administração Tributária sairia penalizado e sem misericórdia, que poderia ver o seu dever de arrecadação de receita irremediavelmente comprometida por, e sem atender a quaisquer outros condicionalismos, ter ultrapassado o tempo que a lei lhe faculta para decidir [a imensidão] o procedimento impugnatório gracioso.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.).

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 A Reclamante apresentou contra alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
a. Não obstante o reconhecimento da caducidade da garantia bancária número 879-02-0000827, efectuado nos termos do disposto no artigo 183.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, em vigor à data da prestação da garantia, o processo de execução fiscal número 3379200501027158 mantém-se suspenso, nos termos dos artigos 169.º e 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, até decisão final do pleito em sede de Impugnação Judicial, uma vez que os efeitos postulados no referido normativo se mantêm na íntegra;

b. Para efeitos do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, considera-se ocorrer a “decisão do pleito” sempre que a questão decidenda esteja definitivamente decidida, não sendo passível de ser atacada administrativa ou contenciosamente (inimpugnável);

c. Estando actualmente pendente a Impugnação judicial da dívida subjacente à execução, nos termos do disposto no artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tal execução não pode seguir os seus termos, uma vez que se encontra suspensa desde 1 de Setembro de 2005, em virtude da prestação da garantia bancária número 879-02-0000827;

d. A tese sufragada pela Recorrente configura um favorecimento inadmissível da posição processual da Administração Tributária, não apenas porque a Reclamação Graciosa, enquanto meio tutelar primordial ao dispor dos administrados, deverá ser decidida com qualidade, rapidez e eficiência, mas também porque é a própria Administração Tributária quem controla os prazos decisórios, não devendo admitir-se uma interpretação legal em conformidade com a solução que lhe é mais favorável ou consoante o que se afigurar mais conveniente em cada momento e em completo atropelamento dos direitos e garantias dos contribuintes;

e. Verifica-se, pois, que a interpretação efectuada pela Recorrente no âmbito do presente Recurso é errónea e ilegal na medida em que persiste em interpretar os efeitos constantes do artigo 183.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, desatendendo aos princípios que norteiam o sistema tributário, como o princípio da legalidade e desconsiderando, por completo, a intenção expressa pelo legislador aquando da introdução deste preceito legal no ordenamento jurídico-tributário;

f. Verifica-se, portanto, que a sentença recorrida analisou correctamente os factos que lhe foram submetidos, não merecendo qualquer censura, pelo que deverá ser mantida na íntegra».

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso com a seguinte fundamentação:

«1. A execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial (reclamação) que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido prestada garantia que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (art. 52º nºs 1/2 LGT, arts. 169º nº 1 e 199º nº 5 CPPT)
A decisão do pleito, adoptada pelo legislador como termo final do período de suspensão da execução fiscal, apenas ocorre com a formação de caso decidido ou resolvido na sequência de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), ou de caso julgado na sequência de impugnação judicial ou recurso judicial (JORGE LOPES DE SOUSA Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6.ª edição 2011 volume III p. 220)
A declaração de caducidade da garantia pelo órgão da administração tributária com competência para decidir a reclamação graciosa não obsta à manutenção do efeito suspensivo da execução, pelos seguintes motivos:
a) inexistência de previsão da cessação do efeito suspensivo nas normas constantes do art. 183º-A CPPT
b) a declaração de caducidade constitui uma sanção resultante da morosidade do procedimento tributário ou do processo judicial
c) o prosseguimento da suspensão da execução fiscal sem garantia subsequente à declaração de caducidade surge como uma compensação pelo ónus que foi imposto ao contribuinte de ter que suportar a garantia durante um período de tempo que se considera adequado para ser proferida decisão (no sentido propugnado acórdãos STA-SCT 31.01.2008 processo nº 21/08; 20.10.2010 processo nº 1258/09 / na doutrina Jorge Lopes de Sousa ob. cit. Volume III p. 342)
d) como consequência da premissa antecedente o efeito da caducidade da garantia declarada na pendência de reclamação graciosa prolonga-se pela subsequente impugnação judicial em que se continua a discutir a legalidade da dívida exequenda
Não sendo a suspensão da execução fiscal afectada pela caducidade da garantia prestada, a exigência pela administração tributária de prestação de uma nova garantia para obtenção daquele efeito, até à decisão do pleito (segundo a interpretação da expressão antecedentemente sustentada) carece de fundamento legal».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão suscitada pela Fazenda Pública no presente recurso é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que, declarada a caducidade, ao abrigo do disposto no art. 183.º-A do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, alterada pela Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro, da garantia prestada com vista à suspensão da execução fiscal na sequência da dedução de reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, não pode a AT exigir nova garantia para suspender a execução fiscal, se a Executada, discordando da decisão daquela reclamação graciosa, bem como da decisão do recurso hierárquico que dela interpôs, veio a deduzir impugnação judicial.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«
A) Em 28/06/2005, foi instaurado contra a ora Reclamante o processo de execução fiscal n.º 3379200501027158, por dívida de IRC, do exercício de 2001, no valor de € 758 458,15 – cfr. fls. 1 e 2 dos autos.

B) Em 19/07/2005, a ora Reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC do exercício de 2001, com o n.º 2004 8510024453, em cobrança no processo executivo mencionada na alínea antecedente, a qual foi autuada sob o n.º 3379200594000528 – cfr. fls. 88 a 129 e 136 dos autos.

C) Em 29/07/2005 e 02/08/2005, a Reclamante efectuou pagamentos por conta no processo executivo mencionado em A) no valor de € 172 094,51, imputados a imposto e € 6 579,43, imputados a juros de mora e taxa de justiça e acrescido – cfr. fls. 11 e 15 dos autos.

D) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 4, de 09/08/2005, foi fixado em € 762 530,00 o valor da garantia a prestar para suspender o processo executivo n.º 3379200501027158, tendo a ora Reclamante apresentado em 01/09/2005 a garantia bancária n.º 879-02-0000827, no montante acima referido – cfr. fls. 17 e 18 dos autos.

E) A Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, por despacho de 29/01/2007, declarou a caducidade da garantia a que alude a alínea anterior, pelo facto de a reclamação graciosa não ter sido decidida no prazo de um ano a contar da sua apresentação – cfr. fls. 20 dos autos.

F) Em 28/12/2007, a reclamação graciosa mencionada em B) foi parcialmente deferida pela Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto – cfr. fls. 137 e 138 dos autos.

G) Em 13/02/2008, a Reclamante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, o qual foi considerado parcialmente procedente, por despacho de 18/06/2010, notificado por ofício datado de 04/04/2011 – cfr. fls. 174 a 197 e 201 a 228 dos autos.

H) Em 30/06/2011, a ora Reclamante impugnou judicialmente a decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico interposto do indeferimento parcial da reclamação graciosa mencionada em B) – cfr. fls. 230 a 247 dos autos.

I) Em 30/09/2011, no âmbito do processo executivo mencionado em A), a Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças do Porto 5, emitiu um despacho com o seguinte teor:

Face ao informado, verificando-se que:
A caducidade da garantia prestada nos autos ocorreu no decurso do processo de reclamação graciosa, que se encontra concluído;
A impugnação tem natureza judicial, pelo que a garantia prestada no anterior procedimento, da natureza administrativa, não age perante esta;
Determino a notificação do executado para, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação, prestar garantia no valor de € 211.751,15, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 6 do art. 199.º e n.º 1 do art.169.º do CPPT – despacho reclamado – cfr. fls. 40 dos autos.

J) O despacho mencionado na alínea anterior foi notificado à Reclamante através do ofício n.º 11951/3190-30, de 04/10/2011, remetido por correio com registo efectivado em 06/10/2011 – cfr. fls. 41 dos autos.

L) Em 12/10/2011, a Reclamante apresentou um requerimento dirigido ao processo executivo n.º 3379200501027158, através do qual requeria, ao abrigo do art. 37.º do CPPT, a notificação dos meios de defesa e prazo de reacção contra o despacho mencionado em I), cuja informação foi omitida na notificação referida na alínea antecedente – cfr. fls. 42 e 43 dos autos.

M) A Reclamante foi notificada da informação solicitada pelo ofício do Serviço de Finanças do Porto 5 com o n.º 12447/3190-30, de 14/10/2011, que foi remetido por correio com registo efectivado em 17/10/2011 – cfr. fls. 48 e 49 dos autos.

N) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 5, em 18/10/2011 – cfr. carimbo aposto a fls. 50 dos autos».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A prestação de garantia, por via de regra, i.e., com excepção das situações em que a lei admite a sua dispensa, é uma condição imprescindível para obter o efeito suspensivo dos meios procedimentais e processuais tributários em que se discute a legalidade da dívida exequenda. Vejamos:
Como é sabido, os actos tributários de liquidação de imposto – como o que deu origem à dívida exequenda (cfr. alínea A) dos factos provados) –, são susceptíveis de execução imediata através do processo de execução fiscal. Assim, findo o prazo para o pagamento voluntário, é extraída pelos serviços competentes a certidão de dívida e remetida ao órgão periférico local competente, o qual, com base nessa certidão, instaura e promove a tramitação da execução fiscal, sendo considerado órgão de execução fiscal (arts. 88.º, n.ºs 1 e 4, 148.º, n.º 1, alínea a), 149.º, 150.º, n.º 1, e 152.º, n.º 1, do CPPT).
A execução fiscal, como decorre do n.º 3 do art. 36.º da Lei Geral Tributária (LGT) (Diz o art. 36.º, n.º 3, da LGT: «A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei».) e está previsto no n.º 3 do art. 85.º do CPPT – «A concessão de moratória ou a suspensão da execução fiscal fora do casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamentos de responsabilidade tributária subsidiária» –, não pode ser suspensa, a não ser nas situações em que a lei expressamente o permite.
Essa proibição de suspensão da execução fiscal é «um afloramento do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciado no art. 30.º da LGT, que proíbe à administração tributária, fora de casos especialmente previstos, retardar a cobrança dos tributos» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 3 ao art. 85.º, págs. 694/695.).
Entre os casos em que a lei admite a suspensão da execução fiscal contam-se a reclamação graciosa e a impugnação judicial da liquidação em que se discuta a legalidade da liquidação da dívida exequenda, desde seja prestada garantia idónea nos termos das leis tributárias ou a administração tributária tenha dispensado o executado da prestação da garantia, o que depende da verificação dos requisitos de que a lei faz depender essa dispensa (art. 52.º, n.ºs 1, 2 e 4, da LGT (Diz o art. 52.º da LGT, nos seus n.ºs 1, 2 e 4:
«1. A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação da liquidação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda.
2. A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
[…]
4. A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
[…]». )).
Assim, embora a instauração de impugnação graciosa ou contenciosa contra o acto tributário não obste à sua imediata executoriedade, a lei admite que a execução fiscal se suspenda «até à decisão do pleito» nos casos previstos no artigo 169.º do CPPT, designadamente a reclamação graciosa ou a impugnação judicial «que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda» (Quanto ao alcance da expressão «legalidade da dívida exequenda» e sua distinção do conceito de «legalidade da liquidação da dívida exequenda», utilizado noutras normas legais, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 3 ao art. 169.º, pág. 208. ), desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195.º ou prestada nos termos do art. 199.º, ambos do CPPT, ou tiver sido efectuada penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido ou tiverem sido nomeados bens à penhora pelo executado no prazo referido no n.º 6 do art. 199.º do CPPT e que sejam suficientes para aquele efeito (Sobre a suspensão da execução fiscal, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 169.º, págs. 207/208.).
Ou seja, a garantia é imprescindível para a obtenção do efeito suspensivo da execução, sendo apenas dispensada nos casos previstos na lei (art. 52.º, n.º 4 da LGT e art. 170.º do CPPT).
A garantia, como decorre do art. 169.º, n.º 1, do CPPT, mantém-se até à decisão do pleito, sendo que, nos termos do disposto no art. 183.º, n.º 2, do mesmo Código, só pode ser levantada, oficiosamente ou a requerimento de quem a prestou, quando «no processo que a determinou tenha transitado em julgado a decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida», sendo que no n.º 3 do mesmo artigo se admite que o levantamento seja «total ou parcial consoante o conteúdo da decisão ou o pagamento efectuado».
No entanto, a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, veio aditar ao CPPT o art. 183.º-A, pelo qual se passou a permitir aos interessados obter a declaração de caducidade da garantia prestada pelo contribuinte ou constituída pela administração tributária, sem perder o efeito suspensivo da execução, se a reclamação graciosa em que fosse discutida a legalidade da liquidação não fosse decidida no prazo de um ano ou a impugnação judicial em que fosse discutida essa legalidade não estivesse decidida, em 1.ª instância, no prazo de dois anos (ulteriormente alterado para três anos pela Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003), a contar da sua apresentação, prazos que eram acrescidos de seis meses caso houvesse lugar à produção de prova pericial; isto é, mesmo após a declaração de caducidade da garantia, se a reclamação graciosa ou a impugnação judicial não fossem decididas dentro dos prazos acima referidos, o processo de execução fiscal «continuaria suspenso, mesmo sem garantia, até ao momento em que estaria se a garantia se mantivesse, que é, como se refere no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, o da «decisão do pleito»» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 3 ao art. 183.º-A, pág. 342.).
As razões por que se estabeleceu esse regime de caducidade da garantia são indicadas na Proposta de Lei n.º 53/VIII (Proposta publicada no Diário da Assembleia da República, II série A, n.º 19/VIII/2, suplemento de 14 de Dezembro de 2000, págs. 363-(2) a 363-(6) e que pode também ser encontrada na íntegra em
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.doc?path=6148523063446f764c3246795a5868774d546f334e7a67774c325276593342734c576c7561565a4a53556c305a586776634842734e544d74566b6c4a5353356b62324d3d&fich=ppl53-VIII.doc.), que esteve na origem da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho: «Porque importa responsabilizar a administração e os tribunais na condução célere e expedita do processo, determina-se o levantamento das garantias prestadas pelo contribuinte para suspender a execução, sempre que a reclamação graciosa não se encontre decidida no prazo de 12 meses ou a impugnação judicial não esteja julgada em primeira instância no prazo de 24 meses. Previne-se, assim, a imposição ao contribuinte de um encargo oculto por razões que lhe são alheias».
Tenha-se presente que o “encargo oculto” decorrente da prestação ou constituição da garantia resulta muito oneroso para o contribuinte, sobretudo tendo em conta que a garantia deve corresponder ao «valor da dívida exequenda, juros de mora contados até à data do pedido, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores» (art. 199.º, n.º 5, do CPPT) e que, na ausência de um regime de caducidade, poderia manter-se por tempo indeterminado.
Como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «este regime da caducidade tem como perceptível finalidade obstar a que os contribuintes sejam obrigados a suportar por período de tempo excessivo os efeitos negativos para os seus patrimónios que advêm da manutenção da penhora ou da garantia, efeitos esses ampliados pela inércia dos órgãos estaduais competentes para a tramitação dos processos. Por outro lado, a suspensão sem garantia subsequente à declaração de caducidade, aparece como uma compensação pelo ónus que foi imposto ao contribuinte de ter de suportar a garantia durante um período de tempo que se considera suficiente para ser preferida decisão […]» (Ob. cit., volume III, anotação 3 ao art. 183.º-A, pág. 342.).
É certo que o art. 183.º-A do CPPT veio a ser revogado pelo art. 94.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2007, nos termos da qual deixaram de caducar as garantias em que não se tivesse completado o prazo necessário para ocorrer a caducidade. E, apesar de a Lei n.º 40/2008, de 14 de Agosto, ter reintroduzido o art. 183.º-A do CPPT, deu-lhe uma nova redacção, restringindo agora o regime da caducidade da garantia ao casos em que a reclamação graciosa não for decidida no prazo de um ano a contar da sua apresentação (Assim, apesar de a Lei n.º 40/2008 dizer que «[p]rocede à 15.ª alteração ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, repondo o regime jurídico da caducidade das garantias prestadas em processo tributário», a verdade é que não se trata de uma verdadeira reposição do anterior regime, mas de um novo regime, mais restrito, sob a perspectiva dos contribuintes, uma vez que apenas aplicável à reclamação graciosa e já não, como anteriormente, também à impugnação judicial e à oposição à execução fiscal. Acresce que deixou também de se prever o direito à indemnização ao contribuinte pelos encargos que este tenha suportado com a prestação da garantia, se esta caducar.).
No entanto, à situação sub judice é aplicável o regime do art. 183.º-A do CPPT na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, pois à data em que entrou em vigor a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro – 1 de Janeiro de 2007 (art. 163.º) –, que revogou aquele regime, os requisitos para a caducidade da garantia já estavam verificados. Por isso, e porque a reclamação graciosa deduzida pela Contribuinte contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda não foi decidida dentro do prazo de um ano, a AT declarou a caducidade da garantia prestada pela Executada em ordem a obter a suspensão do processo executivo (cfr. alíneas B), D) e E) dos factos provados).

2.2.1.2 A referida reclamação graciosa foi indeferida parcialmente, sendo que a Contribuinte interpôs recurso hierárquico dessa decisão e, na sequência do indeferimento parcial desse recurso, interpôs impugnação judicial (cfr. alíneas B), F), G) e H) dos factos provados).
Foi então que o órgão de execução fiscal, considerando que «[a] caducidade da garantia prestada nos autos ocorreu no decurso do processo de reclamação graciosa, que se encontra concluído» e que «[a] impugnação tem natureza judicial, pelo que a garantia prestada no anterior procedimento, da natureza administrativa, não age perante esta», notificou a Executada para prestar garantia «nos termos e para os efeitos previstos no n.º 6 do art. 199.º e n.º 1 do art.169.º do CPPT» (cfr. alínea I) dos factos provados).
A Executada discordou dessa exigência e pediu a anulação do respectivo despacho em sede de reclamação deduzida ao abrigo dos arts. 276.º e segs. do CPPT. No seu entendimento, o processo de execução fiscal mantém-se suspenso na sequência da declaração de caducidade da garantia prestada e até à decisão final do pleito, com o trânsito em julgado da decisão a proferir no processo de impugnação judicial.
A Fazenda Pública contestou a pretensão da Reclamante com base na diferente natureza entre a reclamação graciosa e a impugnação judicial e sustentando que a lei «não prevê o aproveitamento da verificação e reconhecimento da caducidade ocorrida no decurso do procedimento administrativo ao processo judicial que lhe poderá suceder» e que «[a] caducidade da garantia prestada dentro das circunstâncias da reclamação não subsiste para além da extinção dessa mesma reclamação».
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu razão à Reclamante e anulou a decisão reclamada. Isto, em síntese, porque entendeu que, uma vez que a decisão proferida na reclamação graciosa foi objecto de recurso hierárquico e a decisão deste foi impugnada judicialmente, não pode considerar-se que tenha ainda havido decisão do pleito, que só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, ou seja, com o trânsito em julgado da impugnação judicial. Chamou ainda à colação, em abono da sua tese, o disposto no n.º 5 do art. 103.º do CPPT.
A Fazenda Pública recorreu da sentença. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, insiste no entendimento de que a diversa natureza e autonomia do processo de impugnação judicial relativamente ao procedimento de reclamação graciosa levam à conclusão de que a lei «não prevê o aproveitamento da verificação e reconhecimento da caducidade ocorrida no decurso do procedimento administrativo ao processo judicial que lhe poderá suceder».
Assim, como deixámos dito, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez ou não correcto julgamento quando considerou que, declarada a caducidade, ao abrigo do disposto no art. 183.º-A do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, da garantia prestada com vista à suspensão da execução fiscal na sequência da dedução de reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, não pode a AT exigir nova garantia para suspender a execução fiscal, se a Executada, discordando da decisão daquela reclamação graciosa, bem como da decisão do recurso hierárquico que dela interpôs, veio a deduzir impugnação judicial.


*

2.2.2 DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL NAS SITUAÇÕES EM QUE, TENDO SIDO DECLARADA A CADUCIDADE DA GARANTIA PRESTADA COM A RECLAMAÇÃO GRACIOSA, TENHA SIDO DEDUZIDA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL

Como bem considerou a Juíza do Tribunal a quo, após referir a legislação aplicável, a questão passa por saber quando, tendo sido deduzida reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, se pode considerar que ocorreu a decisão do pleito para os efeitos do n.º 1 do art. 169.º do CPPT.
Na verdade, a execução fiscal deve ficar suspensa até esse momento quando tenha sido prestada garantia, ainda que esta venha a ser declarada caduca, como decorre do art. 183.º-A do CPPT, nos termos que deixámos já referidos.
Tal como o fez a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, também nós, para indagarmos o momento em que termina a suspensão da execução fiscal, nos socorreremos dos ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA, que afirma:

«[…] a suspensão só terminará quando não houver possibilidade de impugnação administrativa ou contenciosa da decisão que for proferida nos processos referidos.
Isso sucederá, no caso de processos judiciais com o trânsito em julgado da decisão, que ocorre logo que ela não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 668.º e 669.º do CPC (art. 677.º do mesmo Código). No caso de impugnação administrativa, deverá entender-se que a questão fica decidida quando se formar o chamado caso decidido ou caso resolvido, o que ocorre quando a decisão da administração tributária deixar de ser contenciosamente impugnável com fundamento em vícios geradores de anulabilidade. [sublinhado nosso]
Terminado o período de suspensão, a execução fiscal prosseguirá, no caso de improcedência total ou parcial da impugnante, na respectiva medida, ou terminará no caso de procedência total» (Ob. cit., volume III, anotação 9 ao art. 169.º, pág. 220.).

Especificamente para as situações em que tenha havido declaração de caducidade da garantia, diz o mesmo Autor:

«[…] o processo de execução fiscal continuaria suspenso, mesmo sem garantia, até ao momento que estaria se a garantia se mantivesse, que é, como se refere no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, o da «decisão do pleito». Deverá entender-se que o pleito fica decidido, no caso de impugnação administrativa, quando se formar o chamado caso decidido ou caso resolvido e, no caso de processo judicial, quando ocorrer o trânsito em julgado da decisão judicial» (Ob. cit., volume III, anotação 3 ao art. 183.º-A, pág. 342.).

Ou seja, no caso de ter sido prestada garantia na sequência de reclamação graciosa deduzida contra a liquidação do tributo que deu origem à dívida exequenda em ordem a obter a suspensão da execução fiscal, esta suspensão só cessa, quer a garantia se mantenha, quer tenha havido declaração de caducidade da garantia, quando a decisão proferida naquela reclamação graciosa já não seja susceptível de impugnação administrativa ou contenciosa, esta com fundamento em vícios geradores de anulabilidade (Como é sabido, relativamente aos vícios geradores de nulidade, a impugnação judicial não fica sujeita a prazo (art. 102.º, n.º 3, do CPPT).); dito de outro modo, quando estiver definitivamente decidida a controvérsia entre a AT e a Contribuinte. Na verdade, a decisão da reclamação graciosa susceptível de ser considerada decisão do pleito para os referidos efeitos será aquela que já não seja susceptível de impugnação judicial por via administrativa – recurso hierárquico (art. 76.º, n.º 1, do CPPT) – ou contenciosa – impugnação judicial (arts. 97.º, n.º 1, alínea c), e 102.º, n.º 2, do CPPT). Só nesses casos se poderá falar na formação de caso decidido ou caso resolvido. Como lapidarmente ficou dito na sentença recorrida «Até lá, a liquidação exequenda não se considera estabilizada na ordem jurídica».
Ora, no caso sub judice a Executada reclamou graciosamente da liquidação que deu origem à dívida exequenda e interpôs recurso hierárquico da decisão que a indeferiu parcialmente, bem como, na sequência do indeferimento parcial desse recurso, deduziu impugnação judicial (cfr. alíneas B), F), G) e H) dos factos provados). O que significa, como bem realçou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que não pode considerar-se verificada a decisão do pleito enquanto não transitar em julgado a decisão a proferir naquela impugnação judicial.
Salvo o devido respeito, a questão nada tem a ver com a reconhecidamente diferente natureza entre a reclamação graciosa e a impugnação judicial, nem sequer com uma qualquer solução de continuidade da garantia entre a reclamação graciosa e a impugnação judicial, mas tão-só com a estabilidade da relação jurídico-tributária a que se refere a liquidação que deu origem à dívida exequenda.
Nesse sentido aponta também o n.º 5 do art. 103.º, do CPPT, na redacção da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, como igualmente bem referiu a Juíza do Tribunal a quo. Na verdade, nesta norma legal, depois de no número anterior se referir que «A impugnação tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos n.ºs 1 a 5 e 9 do artigo 199.º», estatui-se: «Caso haja garantia prestada nos termos da alínea f) do artigo 69.º, esta mantém-se, independentemente de requerimento ou despacho, sem prejuízo de poder haver lugar a notificação para o seu reforço». O que parece significar, sem margem para dúvida, que a garantia que haja sido prestada quando da reclamação graciosa da liquidação da dívida exequenda em ordem a obviar à instauração da execução fiscal (Quanto ao âmbito da aplicação da garantia prevista na alínea f) do art. 69.º do CPPT e distinguindo-o do da garantia prevista no art. 169.º, n.º 2, do mesmo Código, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 9 ao art. 69.º, pág. 637.) se mantém, em ordem ao mesmo efeito, quando for deduzida impugnação judicial contra o mesmo acto tributário. E, se assim é nos casos em que a garantia visa obviar à instauração da execução fiscal porque seria diferente nos casos em que a garantia visa obviar à prossecução da execução, mesmo que tenha sido declarada a sua caducidade?
Seria, aliás, curioso saber se o órgão de execução fiscal, extraindo todas as consequências da tese que sustenta, permitiria o levantamento da garantia prestada caso não se tivesse verificado a declaração da respectiva caducidade.
No sentido de que a suspensão da execução fiscal se mantém nas situações em que seja apresentada impugnação judicial na sequência de reclamação graciosa a que tenha sido atribuído efeito suspensivo, se pronuncia também RUI DUARTE MORAIS, que afirma textualmente:

«O novo n.º 5 deste artigo esclarece também – e bem – uma outra situação que levantava dúvidas: se a impugnação for apresentada na sequência de uma reclamação graciosa e a esta tiver sido atribuído efeito suspensivo pela administração tributária, em razão de prestação de garantia, tal efeito suspensivo manter-se-á ou não no decurso do processo de impugnação? A resposta é, agora, afirmativa (art.º 103º, n.º 5, do CPPT). A atribuição de efeito suspensivo à impugnação é decorrência automática (independentemente de despacho ou requerimento, diz a lei) de tal efeito ter sido atribuído à reclamação, na condição óbvia de se manter a garantia prestada» (A Execução Fiscal, 2.ª edição, Almedina, pág. 80.).

E, salvo melhor opinião, nem esta condição referida na parte final do excerto citado – manutenção da garantia prestada – pode ser lida com o alcance pretendido pela Recorrente. É que, nos termos que deixámos referidos, a lei faz equivaler à manutenção da garantia prestada a sua caducidade.
Ainda neste sentido, CARLA RIBEIRO afirma:

«[…] convém ainda referir que uma vez caducado o direito à garantia o mesmo não pode ser repristinado caso o contribuinte não concorde com a decisão da reclamação e decida impugná-la judicialmente. É que não faz sentido que a garantia possa caducar ou deixar de ser exigível, por omissão da decisão administrativa e posteriormente possa ser exigida em consequência de impugnação judicial» (Tese de pós-graduação em Direito Fiscal sob o tema A Garantia Idónea, publicação on line do Centro de Investigação Jurídico Económica da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pág. 23, disponível em http://www.cije.up.pt/publications/garantia-id%C3%B3nea.).

Não se trata, de modo algum, de responsabilizar a AT pelos atrasos na decisão da impugnação judicial, mas apenas de reconhecer que a declaração de caducidade da garantia não pode acarretar para o contribuinte efeitos nefastos que não se verificariam caso a garantia se mantivesse.
Também o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte invocado pela Recorrente – proferido em 12 de Maio de 2005, no processo com o n.º 01611/04.0BEVIS (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/16c4fcdb8c773b6e8025700500565ab4?OpenDocument.) – não permite retirar argumento algum em favor da tese da Recorrente, uma vez que a situação fáctica aí em debate era bem diversa, não tendo havido prestação de garantia em sede de reclamação graciosa. O que aí se ponderou foi a irrelevância das vicissitudes da reclamação graciosa sobre a exigência da prestação de garantia efectuada em sede de impugnação judicial.
A sentença recorrida, que decidiu no sentido apontado, não merece censura alguma; ao invés, é de louvar a sua cuidada fundamentação e o acerto da decisão. Por tudo isto, o recurso não merece provimento, como decidiremos a final.


*

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Tendo sido atribuído efeito suspensivo à reclamação graciosa, em razão da prestação de garantia, esse efeito mantém-se, ainda que tenha sido declarada a caducidade da garantia por inobservância do prazo de decisão da reclamação graciosa, se for apresentada impugnação judicial na sequência do indeferimento daquela reclamação.

II - É que, nos termos do disposto no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, a execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, sendo que, em relação à reclamação graciosa, a decisão do pleito só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, por a decisão da reclamação graciosa já não ser susceptível de impugnação administrativa (recurso hierárquico) ou contenciosa (impugnação judicial) com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

*
Lisboa, 12 de Abril de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.