Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0322/12 |
Data do Acordão: | 04/12/2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL GARANTIA CADUCIDADE DE GARANTIA RECLAMAÇÃO GRACIOSA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL |
Sumário: | I – Tendo sido atribuído efeito suspensivo à reclamação graciosa, em razão da prestação de garantia, esse efeito mantém-se, ainda que tenha sido declarada a caducidade da garantia por inobservância do prazo de decisão da reclamação graciosa, se for apresentada impugnação judicial na sequência do indeferimento daquela reclamação. II – É que, nos termos do disposto no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, a execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, sendo que, em relação à reclamação graciosa, a decisão do pleito só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, por a decisão da reclamação graciosa já não ser susceptível de impugnação administrativa (recurso hierárquico) ou contenciosa (impugnação judicial) com fundamento em vícios geradores de anulabilidade. |
Nº Convencional: | JSTA00067523 |
Nº do Documento: | SA2201204120322 |
Data de Entrada: | 03/23/2012 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | BANCO A..., S.A |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF PORTO PER SALTUM |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL |
Legislação Nacional: | LGT98 ART36 N3 ART52 N1 N2 N3 N4 CPPTRIB99 ART88 ART148 ART149 ART150 ART152 ART169 ART195 ART199 ART170 ART183-A ART76 N1 ART102 N2 ART103 N5 ART276 L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART163 |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VI PAG694-695 VIII PAG208 PAG342 PAG220. RUI DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL 2ED PAG80. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | 1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “Banco A……, S.A.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida), invocando o disposto nos arts. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou judicialmente da decisão do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5 que a notificou para prestar garantia em ordem à suspensão da execução fiscal na sequência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda. 1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação procedente e, em consequência, anulou a decisão reclamada. Isto, em síntese, porque anuiu à tese da Executada, de que, tendo sido declarada a caducidade da garantia por ela prestada quando deduziu reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, é de considerar que se mantém a suspensão da execução fiscal até que seja decidida a impugnação judicial deduzida contra a decisão que indeferiu parcialmente o recurso hierárquico interposto da decisão que, por sua vez, inferiu parcialmente a referida reclamação graciosa. 1.3 A Fazenda Pública não se conformou com essa sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: B. Alega o douto tribunal, em síntese, que, por virtude da garantia bancária n.º 879-02-0000827, prestada na execução 3379200501027158 e cuja caducidade foi entretanto declarada pelo órgão competente da Administração Tributária em 29.01.2007, a execução suspendeu-se, mantendo-se essa suspensão até à presente data, C. uma vez que a decisão tomada na reclamação graciosa foi objecto de recurso hierárquico e a decisão deste foi impugnada judicialmente, pelo que ainda não teve lugar “a decisão do pleito” no que concerne à legalidade da liquidação de IRC em cobrança no processo de execução fiscal n.º 3379200501027158. D. Entende, pois, o douto tribunal que, por força do disposto no art. 169º n.º 1 do CPPT, a execução fiscal mantém a sua suspensão na sequência da apresentação da garantia bancária, independentemente da caducidade daquela garantia, suspensão que se mantém até trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na impugnação judicial, não sendo, pois, devida qualquer outra garantia para obter o referido efeito suspensivo. E. Ora, a Fazenda Pública discorda com o entendimento do douto tribunal, entendimento que além de ferir o sentido jurídico do disposto nos art.ºs 103º, 169º e 183º-A todos do CPPT, atenta contra vários princípios, nomeadamente o princípio da prossecução do interesse público. F. Os princípios jurídicos subjacentes ao instituto da prestação de garantia idónea reconduzem-se à necessidade do Estado assegurar que o contribuinte, em caso de litígio com a Administração Tributária esteja em condições económicas de, finalizada a contenda – quando e se improcedente – cumprir com a quantia exequenda devida. G. Este instituto consagra, pois, o princípio da prossecução do interesse público na conduta da Administração Fiscal, em todas as suas vertentes. H. O instituto jurídico da prestação da garantia subsume-se, prima facie, à função primordial da Administração Tributária e de todo o complexo normativo tributário, ou seja, “…das normas que têm por objectivo assegurar a capacidade funcional do Estado, proporcionando-lhe os meios financeiros que suportam tanto a existência como do seu funcionamento” 3 [3 José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 5ª edição, Almedina] I. Ora, a necessidade de obtenção de receita fiscal é uma incumbência decorrente de um imperativo constitucional previsto nos termos do art.º 103º da Constituição da República Portuguesa, o qual prescreve no seu n.º 1 que “[o] sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas…”, pois de outra forma não se poderá assegurar “…uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”. J. Donde, a ratio do instituto da prestação da garantia é, pois, a de assegurar o pagamento da dívida tributária – a qual é inteiramente indisponível – efectivando-se, desse modo, os interesses públicos do Estado. K. Feito este enquadramento e no tocante à caducidade da garantia, dispõe o n.º 1 do art.º 52º da LGT, n.º 1 e 5 do art.º 169º e 212º, ambos do CPPT, que a execução fiscal se suspende se for apresentada reclamação, recurso, impugnação judicial que tenham por objecto a discussão da legalidade da dívida exequenda ou se for recebida oposição à execução fiscal. L. No entanto, para obter aquela suspensão deverá ser prestada garantia, nos termos previstos nos art.ºs 52º da LGT, 169º e 199º do CPPT. M. Previa o então n.º 1 do art.º 183º-A do CPPT, norma aditada pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, e entretanto revogada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que a garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caducava se a reclamação graciosa não estivesse decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição, N. ou se a impugnação judicial, ou a oposição não estivessem julgados em 1ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação (na redacção conferida pela Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro). O. Verifica-se, pois, que o legislador admitiu que devia conceder tratamentos diferentes a situações obviamente diferenciadas. P. “A «voluntas legis» é claramente a de permitir ao contribuinte ver a sua reclamação ou qualquer outro dos procedimentos ou processos iniciados nos citados normativos rapidamente decididos, sem perder de vista o interesse de garantia de segura e certa cobrança da dívida exequenda e prevenção contra expedientes dilatórios do contribuinte” 4 [4 Acórdão do TCA Sul, processo 02154/07, de 12.02.2008]. Q. A ratio subjacente ao instituto da caducidade da garantia, em sede de reclamação graciosa, assenta no princípio da eficiência e do dever de decisão a que a Administração tributária está vinculada. Assenta, também, num princípio de racionalidade económica. R. A Administração Tributária tem o dever de decidir em tempo útil. S. Sendo que a garantia é prestada no interesse do Estado, implicando a sua manutenção custos para o executado, o protelamento de uma decisão da Administração Tributária não deve implicar custos para aquele, devendo, outrossim, esses custos ser devolvidos à Administração Tributária. T. Princípios que também imperaram nas motivações do legislador [ao tempo] ao atribuir um prazo “razoável” para os tribunais produzirem uma decisão. U. Resulta, assim, da leitura do art.º 183º-A, e de forma clara, que o legislador distinguiu o contencioso administrativo, do contencioso judicial, V. penalizando de forma distinta a demora na prolação em sede de contencioso administrativo, da demora em sede de contencioso judicial. W. E se assim o fez é porque entendeu que o procedimento administrativo e o procedimento judicial são vias recursivas distintas e sem ligação entre elas que determine a continuação dos efeitos da caducidade no âmbito da nova via impugnatória, X. não configurando a impugnação judicial como uma via recursiva da reclamação graciosa, Y. pois, como é entendimento dos tribunais superiores, o sujeito passivo não está inibido de, em sede de impugnação judicial, esgrimir com vícios de que entenda padecer o acto tributário ainda que os não tenha suscitado em prévia reclamação graciosa. Z. Utilizando o dizer de Joaquim Freitas da Rocha, in Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 261 “Assim, reclamação e impugnação são duas garantias distintas, com igualmente distintos espaços de actuação, apesar de terem em comum os objectivos (como vimos, a anulação dos actos tributários), os fundamentos (“qualquer ilegalidade”), a inexistência de efeito suspensivo da respectiva liquidação e, em certa medida, os prazos (em regra, 120 e 90 dias). Contudo, distinguem-se nos seguintes aspectos, em geral condensados no art.º 69.º do CPPT, em referência à reclamação graciosa”. AA. Aliás, o prolongamento para o processo judicial de factos ocorridos no procedimento administrativo, como a caducidade da garantia, implicaria a ideia de que a impugnação é um continuum processual da reclamação graciosa. BB. Assentaria essa concepção na ideia de que a impugnação é a continuação da reclamação graciosa, e que a interposição da impugnação impediria que a decisão da reclamação graciosa se tornasse definitiva. CC. Mas esta concepção colide com os princípios do Direito Administrativo e também com o princípio da separação de poderes, pois assentaria numa confusão entre Administração e Justiça e, portanto, entre a função de administrar e de julgar. DD. No entanto, o que se sabe é que a impugnação judicial é um processo autónomo, de natureza diferente da reclamação graciosa e mesmo nas situações em que a impugnação judicial é deduzida após o indeferimento da reclamação graciosa, a impugnação é um processo novo, numa instância diferente, cujo objecto mediato não é a decisão proferida no procedimento gracioso, mas o acto de liquidação. EE. Em abono de que o procedimento gracioso e o processo judicial sã dois “litígios” distintos, a que a lei, e quanto às garantias, sabe e quer diferenciar, veja-se que o n.º 5 do 103º do CPPT diz que “Caso haja garantia prestada nos termos da alínea f) do art.º 69º, esta mantém-se, independentemente de requerimento ou despacho, sem prejuízo de poder haver lugar a notificação para o seu reforço”. FF. Que, em apontamento, Rui Duarte Morais, in A Execução Fiscal, 2ª edição, Almedina, pág. 80 clarifica dizendo que “O novo n.º 5 deste artigo esclarece também – e bem – uma outra situação que levantava dúvidas: se a impugnação for apresentada na sequência de uma reclamação graciosa e a esta tiver sido atribuído efeito suspensivo pela administração fiscal, em razão de prestação de garantia, tal efeito suspensivo manter-se-á ou não no decurso do processo de impugnação? A resposta é, agora, afirmativa (art.º 103º n.º 5, do CPPT). A atribuição de efeito suspensivo à impugnação é decorrência automática (independentemente de despacho ou requerimento, diz a lei), de tal efeito ter sido atribuído à reclamação, na condição óbvia de se manter a garantia prestada” (sublinhado nosso). GG. Assim, da norma ora trazida, bem como da doutrina exposta, mais uma vez se pode concluir que a garantia prestada na sequência do procedimento de reclamação graciosa é dissemelhante da garantia prestada na sequência do processo judicial, configurando a lei fiscal, unicamente, a possibilidade de se poder aproveitar (estender) a garantia prestada e vigente no contencioso administrativo ao contencioso judicial. HH. O que significa que a lei não prevê o aproveitamento da verificação e reconhecimento da caducidade ocorrida no decurso do procedimento administrativo ao processo judicial que lhe poderá suceder. II. Vincando-se, mais uma vez, o distanciamento e a autonomia, para esse efeito, entre o procedimento administrativo e o processo judicial, cujas proximidades são apenas aquelas que a lei expressamente prevê. JJ. A caducidade da garantia prestada dentro das circunstâncias da reclamação não subsiste para além da extinção dessa mesma reclamação. KK. Acresce notar que, a própria lei (art.º 183º A) reconhece competência exclusiva para apreciação da caducidade às entidades onde se encontra a correr o procedimento/processo, LL. o que poderá conduzir a que, se o sujeito passivo não requerer o reconhecimento da caducidade da garantia perante o órgão administrativo, já não pode, em sede de contencioso judicial, requerer que lhe seja reconhecida a caducidade por ter sido ultrapassado o prazo de um ano para decisão da impugnação administrativa. MM. O pressuposto da caducidade foi o atraso na decisão da reclamação; com a impugnação esse pressuposto deixa de existir, pois não se pode fazer valer aqui a caducidade ocorrida em termos e condições distintas, NN. só podendo requerer o reconhecimento da caducidade que seja verificada na pendência, agora, do processo judicial. OO. Como se refere na doutrina vertida no acórdão do TCA Norte, processo 01611/04.0BEVIS, de 12.05.2005 “Se a garantia que está a ser exigida à executada se destina a conferir carácter suspensivo à executoriedade de uma liquidação que está a ser discutida em processo de impugnação judicial, só as vicissitudes desta impugnação podem determinar a caducidade da garantia que venha a ser prestada, sendo irrelevante que anteriormente haja decorrido uma reclamação que demorou mais de um ano a ser decidida, dado que esta garantia nenhuma conexão tem com essa reclamação”. PP. Assim, entende a Fazenda Pública que, com a prestação da garantia, a execução fica suspensa até se decidirem definitivamente a impugnação administrativa e/ou a impugnação judicial, como decorre literaliter do disposto no n.º 1 do art.º 169º do CPPT, QQ. e que a verificação e reconhecimento da caducidade da garantia, na sua pendência, só estende os efeitos da suspensão ao procedimento ou processo em que aquela foi verificada ou reconhecida. RR. Donde, o entendimento do douto tribunal a quo de que, verificada a caducidade da garantia, a execução fica suspensa até à decisão do pleito, no sentido de que esta decisão é a decisão final do processo judicial, não se enquadra no espírito nem na letra da lei, SS. que diferencia, e bem, o pleito gracioso do pleito contencioso (judicial), TT. não podendo haver outro entendimento que não aquele que lê que o pleito fica decidido, no caso de impugnação administrativa, quando se formar o caso decidido ou resolvido e, no caso de processo judicial, quando ocorrer o trânsito em julgado da decisão judicial. UU. A não ser assim, a ratio do art.º 183º-A ficaria despida de sentido, distorcendo-se a intenção do legislador (ao tempo) de querer penalizar, quer a delonga da administração tributária, quer a dos tribunais, pela falta de celeridade na instrução e decisão dos seus procedimentos/processos. VV. Mais, com o entendimento do douto tribunal a quo a Administração Tributária sairia penalizado e sem misericórdia, que poderia ver o seu dever de arrecadação de receita irremediavelmente comprometida por, e sem atender a quaisquer outros condicionalismos, ter ultrapassado o tempo que a lei lhe faculta para decidir [a imensidão] o procedimento impugnatório gracioso. Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.). 1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.5 A Reclamante apresentou contra alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: b. Para efeitos do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, considera-se ocorrer a “decisão do pleito” sempre que a questão decidenda esteja definitivamente decidida, não sendo passível de ser atacada administrativa ou contenciosamente (inimpugnável); c. Estando actualmente pendente a Impugnação judicial da dívida subjacente à execução, nos termos do disposto no artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tal execução não pode seguir os seus termos, uma vez que se encontra suspensa desde 1 de Setembro de 2005, em virtude da prestação da garantia bancária número 879-02-0000827; d. A tese sufragada pela Recorrente configura um favorecimento inadmissível da posição processual da Administração Tributária, não apenas porque a Reclamação Graciosa, enquanto meio tutelar primordial ao dispor dos administrados, deverá ser decidida com qualidade, rapidez e eficiência, mas também porque é a própria Administração Tributária quem controla os prazos decisórios, não devendo admitir-se uma interpretação legal em conformidade com a solução que lhe é mais favorável ou consoante o que se afigurar mais conveniente em cada momento e em completo atropelamento dos direitos e garantias dos contribuintes; e. Verifica-se, pois, que a interpretação efectuada pela Recorrente no âmbito do presente Recurso é errónea e ilegal na medida em que persiste em interpretar os efeitos constantes do artigo 183.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, desatendendo aos princípios que norteiam o sistema tributário, como o princípio da legalidade e desconsiderando, por completo, a intenção expressa pelo legislador aquando da introdução deste preceito legal no ordenamento jurídico-tributário; f. Verifica-se, portanto, que a sentença recorrida analisou correctamente os factos que lhe foram submetidos, não merecendo qualquer censura, pelo que deverá ser mantida na íntegra». 1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso com a seguinte fundamentação: «1. A execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial (reclamação) que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido prestada garantia que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (art. 52º nºs 1/2 LGT, arts. 169º nº 1 e 199º nº 5 CPPT) 1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo. 1.8 A questão suscitada pela Fazenda Pública no presente recurso é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que, declarada a caducidade, ao abrigo do disposto no art. 183.º-A do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, alterada pela Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro, da garantia prestada com vista à suspensão da execução fiscal na sequência da dedução de reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, não pode a AT exigir nova garantia para suspender a execução fiscal, se a Executada, discordando da decisão daquela reclamação graciosa, bem como da decisão do recurso hierárquico que dela interpôs, veio a deduzir impugnação judicial. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: B) Em 19/07/2005, a ora Reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC do exercício de 2001, com o n.º 2004 8510024453, em cobrança no processo executivo mencionada na alínea antecedente, a qual foi autuada sob o n.º 3379200594000528 – cfr. fls. 88 a 129 e 136 dos autos. C) Em 29/07/2005 e 02/08/2005, a Reclamante efectuou pagamentos por conta no processo executivo mencionado em A) no valor de € 172 094,51, imputados a imposto e € 6 579,43, imputados a juros de mora e taxa de justiça e acrescido – cfr. fls. 11 e 15 dos autos. D) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 4, de 09/08/2005, foi fixado em € 762 530,00 o valor da garantia a prestar para suspender o processo executivo n.º 3379200501027158, tendo a ora Reclamante apresentado em 01/09/2005 a garantia bancária n.º 879-02-0000827, no montante acima referido – cfr. fls. 17 e 18 dos autos. E) A Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, por despacho de 29/01/2007, declarou a caducidade da garantia a que alude a alínea anterior, pelo facto de a reclamação graciosa não ter sido decidida no prazo de um ano a contar da sua apresentação – cfr. fls. 20 dos autos. F) Em 28/12/2007, a reclamação graciosa mencionada em B) foi parcialmente deferida pela Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto – cfr. fls. 137 e 138 dos autos. G) Em 13/02/2008, a Reclamante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, o qual foi considerado parcialmente procedente, por despacho de 18/06/2010, notificado por ofício datado de 04/04/2011 – cfr. fls. 174 a 197 e 201 a 228 dos autos. H) Em 30/06/2011, a ora Reclamante impugnou judicialmente a decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico interposto do indeferimento parcial da reclamação graciosa mencionada em B) – cfr. fls. 230 a 247 dos autos. I) Em 30/09/2011, no âmbito do processo executivo mencionado em A), a Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças do Porto 5, emitiu um despacho com o seguinte teor: “Face ao informado, verificando-se que: J) O despacho mencionado na alínea anterior foi notificado à Reclamante através do ofício n.º 11951/3190-30, de 04/10/2011, remetido por correio com registo efectivado em 06/10/2011 – cfr. fls. 41 dos autos. L) Em 12/10/2011, a Reclamante apresentou um requerimento dirigido ao processo executivo n.º 3379200501027158, através do qual requeria, ao abrigo do art. 37.º do CPPT, a notificação dos meios de defesa e prazo de reacção contra o despacho mencionado em I), cuja informação foi omitida na notificação referida na alínea antecedente – cfr. fls. 42 e 43 dos autos. M) A Reclamante foi notificada da informação solicitada pelo ofício do Serviço de Finanças do Porto 5 com o n.º 12447/3190-30, de 14/10/2011, que foi remetido por correio com registo efectivado em 17/10/2011 – cfr. fls. 48 e 49 dos autos. N) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 5, em 18/10/2011 – cfr. carimbo aposto a fls. 50 dos autos». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR 2.2.1.1 A prestação de garantia, por via de regra, i.e., com excepção das situações em que a lei admite a sua dispensa, é uma condição imprescindível para obter o efeito suspensivo dos meios procedimentais e processuais tributários em que se discute a legalidade da dívida exequenda. Vejamos: 2.2.1.2 A referida reclamação graciosa foi indeferida parcialmente, sendo que a Contribuinte interpôs recurso hierárquico dessa decisão e, na sequência do indeferimento parcial desse recurso, interpôs impugnação judicial (cfr. alíneas B), F), G) e H) dos factos provados). * 2.2.2 DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL NAS SITUAÇÕES EM QUE, TENDO SIDO DECLARADA A CADUCIDADE DA GARANTIA PRESTADA COM A RECLAMAÇÃO GRACIOSA, TENHA SIDO DEDUZIDA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL Como bem considerou a Juíza do Tribunal a quo, após referir a legislação aplicável, a questão passa por saber quando, tendo sido deduzida reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, se pode considerar que ocorreu a decisão do pleito para os efeitos do n.º 1 do art. 169.º do CPPT. «[…] a suspensão só terminará quando não houver possibilidade de impugnação administrativa ou contenciosa da decisão que for proferida nos processos referidos. Especificamente para as situações em que tenha havido declaração de caducidade da garantia, diz o mesmo Autor: «[…] o processo de execução fiscal continuaria suspenso, mesmo sem garantia, até ao momento que estaria se a garantia se mantivesse, que é, como se refere no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, o da «decisão do pleito». Deverá entender-se que o pleito fica decidido, no caso de impugnação administrativa, quando se formar o chamado caso decidido ou caso resolvido e, no caso de processo judicial, quando ocorrer o trânsito em julgado da decisão judicial» (Ob. cit., volume III, anotação 3 ao art. 183.º-A, pág. 342.). Ou seja, no caso de ter sido prestada garantia na sequência de reclamação graciosa deduzida contra a liquidação do tributo que deu origem à dívida exequenda em ordem a obter a suspensão da execução fiscal, esta suspensão só cessa, quer a garantia se mantenha, quer tenha havido declaração de caducidade da garantia, quando a decisão proferida naquela reclamação graciosa já não seja susceptível de impugnação administrativa ou contenciosa, esta com fundamento em vícios geradores de anulabilidade (Como é sabido, relativamente aos vícios geradores de nulidade, a impugnação judicial não fica sujeita a prazo (art. 102.º, n.º 3, do CPPT).); dito de outro modo, quando estiver definitivamente decidida a controvérsia entre a AT e a Contribuinte. Na verdade, a decisão da reclamação graciosa susceptível de ser considerada decisão do pleito para os referidos efeitos será aquela que já não seja susceptível de impugnação judicial por via administrativa – recurso hierárquico (art. 76.º, n.º 1, do CPPT) – ou contenciosa – impugnação judicial (arts. 97.º, n.º 1, alínea c), e 102.º, n.º 2, do CPPT). Só nesses casos se poderá falar na formação de caso decidido ou caso resolvido. Como lapidarmente ficou dito na sentença recorrida «Até lá, a liquidação exequenda não se considera estabilizada na ordem jurídica». «O novo n.º 5 deste artigo esclarece também – e bem – uma outra situação que levantava dúvidas: se a impugnação for apresentada na sequência de uma reclamação graciosa e a esta tiver sido atribuído efeito suspensivo pela administração tributária, em razão de prestação de garantia, tal efeito suspensivo manter-se-á ou não no decurso do processo de impugnação? A resposta é, agora, afirmativa (art.º 103º, n.º 5, do CPPT). A atribuição de efeito suspensivo à impugnação é decorrência automática (independentemente de despacho ou requerimento, diz a lei) de tal efeito ter sido atribuído à reclamação, na condição óbvia de se manter a garantia prestada» (A Execução Fiscal, 2.ª edição, Almedina, pág. 80.). E, salvo melhor opinião, nem esta condição referida na parte final do excerto citado – manutenção da garantia prestada – pode ser lida com o alcance pretendido pela Recorrente. É que, nos termos que deixámos referidos, a lei faz equivaler à manutenção da garantia prestada a sua caducidade. «[…] convém ainda referir que uma vez caducado o direito à garantia o mesmo não pode ser repristinado caso o contribuinte não concorde com a decisão da reclamação e decida impugná-la judicialmente. É que não faz sentido que a garantia possa caducar ou deixar de ser exigível, por omissão da decisão administrativa e posteriormente possa ser exigida em consequência de impugnação judicial» (Tese de pós-graduação em Direito Fiscal sob o tema A Garantia Idónea, publicação on line do Centro de Investigação Jurídico Económica da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pág. 23, disponível em http://www.cije.up.pt/publications/garantia-id%C3%B3nea.). Não se trata, de modo algum, de responsabilizar a AT pelos atrasos na decisão da impugnação judicial, mas apenas de reconhecer que a declaração de caducidade da garantia não pode acarretar para o contribuinte efeitos nefastos que não se verificariam caso a garantia se mantivesse. * 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Tendo sido atribuído efeito suspensivo à reclamação graciosa, em razão da prestação de garantia, esse efeito mantém-se, ainda que tenha sido declarada a caducidade da garantia por inobservância do prazo de decisão da reclamação graciosa, se for apresentada impugnação judicial na sequência do indeferimento daquela reclamação. II - É que, nos termos do disposto no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, a execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, sendo que, em relação à reclamação graciosa, a decisão do pleito só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, por a decisão da reclamação graciosa já não ser susceptível de impugnação administrativa (recurso hierárquico) ou contenciosa (impugnação judicial) com fundamento em vícios geradores de anulabilidade. * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. * Lisboa, 12 de Abril de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves. |