Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0146/16
Data do Acordão:09/27/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
ENCARGOS FISCAIS
Sumário:I - As tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma.
II - Estando em causa tributações autónomas respeitantes a “encargos com viaturas”, “despesas de representação” e “encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalho”, i.e., respeitantes a despesas dedutíveis, a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.
III - Estas tributações autónomas, que, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal materialmente distinta deste, espoletadas por despesas, foram incluídas pelo legislador no CIRC através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
IV - Mesmo antes das alterações introduzidas no CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, os encargos fiscais com as tributações autónomas não eram dedutíveis para efeitos de IRC, como resultava da conjugação dos arts. 23.º, n.º 1, alínea f) e 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, naquela que se nos afigura a melhor interpretação, pois, por um lado, o legislador (bem ou mal e, a nosso ver, mal) sempre as considerou como IRC, incluindo o seu regime legal no âmbito do respectivo código (pelo menos desde a referida Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) e, por outro, não faria sentido que o efeito pretendido pelo legislador com essas tributações autónomas, de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução das despesas por elas tributadas, fosse, depois, contrariado pela dedução dos encargos com essas tributações.
V - O art. 23.º-A do CIRC – aditado pela Lei n.º 2/2014, lei que, do mesmo passo, revogou o art. 45.º daquele Código –, pese embora a sua incorrecção terminológica, na medida em que parece reconduzir a espécie tributária tributações autónomas ao IRC (permanecendo o legislador no mesmo erro), não configura uma lei inovadora, porque de facto nada inovou, tendo-se limitado a consagrar uma interpretação possível da lei anterior.
Nº Convencional:JSTA00070325
Nº do Documento:SA2201709270146
Data de Entrada:02/05/2016
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CONST05 ART103 N3.
CPPTRIB99 ART131 N1.
CIRC ART23 N1 F ART23-A N1 ART45 N1 A ART81 N3 A ART88 N3 N4 N7 N9.
CCIV66 ART9 N3.
L 2/14 DE 2014/01/16.
L 64/08 DE 2008/12/05 ART5 N1.
L30-G/00 DE 2000/12/29.
DL 192/90 DE 1990/06/09.
Jurisprudência Nacional:AC TC N617/12 DE 2012/12/19.; AC TC N382/12 DE 2012/07/12.; AC TC N310/12 DE 2012/06/20.; AC TC N18/11 DE 2012/01/12.; AC STA PROC01613/15 DE 2016/04/06.; AC STA PROC0757/11 DE 2012/06/14.; AC STA PROC077/12 DE 2012/04/12.; AC STA PROC0830/11 DE 2012/03/21.; AC STA PROC0281/11 DE 2011/07/06.
Referência a Doutrina:SALDANHA SANCHES - MANUAL DE DIREITO FISCAL 3ED PAG407.
RUI MORAIS - SOBRE O IRS 3ED PAG172.
RUI MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC 2OO7 PAG202-203.
CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 7ED PAG543.
JOÃO SÉRGIO RIBEIRO - TRIBUTAÇÃO PRESUNTIVA DO RENDIMENTO 2010 PAG427-428.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2077/14.82BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……………, S.A.” (adiante Impugnante ou Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, após indeferimento da reclamação graciosa prévia, contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que efectuou com referência ao exercício do ano de 2012, que considerou que não pode aceitar-se como custo fiscal do exercício os montantes correspondentes às tributações autónomas que autoliquidou no mesmo exercício.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1ª) A ora recorrente, em sede de autoliquidação do IRC de 2012, efectuou tributações autónomas sobre despesas de representação, viaturas de passageiros ou mistos, ajudas de custo e despesas confidenciais, nos termos do art. 81.º do CIRC [ (A Recorrente quer referir-se ao art. 88.º do CIRC, na redacção aplicável, e que corresponde ao art. 81.º na versão anterior à republicação do Código operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho. )];

2ª) A ora recorrente, em sede de autoliquidação de IRC de 2012, não considerou, erradamente, esses quantitativos pagos como tributações autónomas como custo fiscal, nos termos do art. 23.º do CIRC;

3ª) Ora, a alínea f) do n.º 1 do referido art. 23.º do CIRC, considera, expressamente, como custo, os gastos de natureza fiscal – as tributações autónomas são gastos de natureza fiscal;

4ª) Por outro lado, à época dos factos, estabelecia o art. 45.º do CIRC que não eram dedutíveis o IRC e quaisquer outros impostos que, directa ou indirectamente, incidam sobre os lucros;

5ª) Ora, como é entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e da doutrina, as tributações autónomas sobre despesas de representação, viaturas de passageiros ou mistos, ajudas de custo e despesas confidenciais incidem, não sobre lucros, mas sim sobre despesas;

6ª) Na medida em que tais tributações autónomas incidem sobre despesas, não lhes é aplicável a norma de exclusão de tais tributações como custo fiscal, estabelecida no art. 45.º do CIRC;

7ª) Aliás, a recente alteração ao Código do IRC, efectuada pela Lei 2/2014, de 16/1, ao estabelecer que as tributações autónomas não são custo fiscal (art. 23.º-A, n.º 1, a)), só reforça esse entendimento, isto é, antes dessa alteração legislativa, as tributações autónomas eram custo fiscal;

8ª) Houve, deste modo, um erro cometido pela recorrente na sua autoliquidação, ao não considerar, na determinação do seu lucro tributável, as tributações autónomas como custo;

9ª) Por isso, e salvo o devido respeito, a douta sentença interpretou e aplicou erroneamente o disposto no art. 23.º, n.º 1, f), do CIRC.

[…]

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta sentença revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação judicial […]».

1.3 A Impugnante não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:

«[…] A questão controvertida consiste em saber se as tributações autónomas sobre despesas de representação, encargos com viaturas, ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador são custos fiscais, nos termos e para os feitos do disposto no artigo 23.º/1/f) do CIRC.
Nos termos do estatuído do no artigo 23.º do CIRC consideram-se como custos/gastos fiscais ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Para que os custos enumerados no artigo 23.º do CIRC sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais é necessário, pois, que se verifiquem dois requisitos cumulativos, a saber:
1. Que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais;
2. Que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
Nos termos do disposto no artigo 23.º/1/f) consideram-se custos fiscais os encargos de natureza fiscal e parafiscal.
Será o caso, por exemplo, do ISP, IEC, IMI, CSS, IS, etc. (Apontamentos ao IRC, Rui Duarte Morais, páginas 92 e 93).
Já não será o caso, a nosso ver, das tributações autónomas, como pretende a recorrente.
De facto, nas tributações autónomas «… está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários.
É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação, e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento.
O objectivo parece ser o de tentar evitar (atenuando ou “anulando a vantagem” delas resultante em IRC) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto» (obra citada, páginas 202/203).
Ora, por certo que só se pode alcançar tal objectivo com a não dedutibilidade dessa tributação como custo/gasto fiscal, sob pena da sua subversão.
As tributações autónomas só surgem com a tributação de determinadas despesas, pelo que atenta a sua natureza não podem ser aceites como encargo fiscalmente dedutível.
A aceitar-se a dedutibilidade de tais despesas verificar-se-ia uma evidente contradição no processo de determinação do imposto a pagar.
Na verdade, por um lado tributa-se a despesa que se pretende dissuadir de realizar, acrescendo-se a tributação autónoma ao IRC, por outro lado, ao aceitar-se como custo fiscal essa tributação, ir-se-ia diminuir o valor do IRC a pagar.
O legislador não quis, seguramente, esse resultado.
Como bem refere a sentença recorrida a actual norma do artigo 23.º-A/1 do CIRC não tem carácter inovatório mas sim interpretativo.
Na verdade, antevendo a controvérsia sobre a inclusão ou não das tributações autónomas no artigo 45.º/1/ a) do CIRC, após inflexão da jurisprudência dos tribunais superiores, o legislador decidiu resolvê-la pela via normativa.
A sentença recorrida, a nosso ver, não merece censura».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. A Impugnante dirige um grupo de empresas que optou pelo “Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades” (cfr. prints informáticos, a fls. 22 e 23 do PAT, em apenso);

2. No dia 31 de Maio de 2013, a Impugnante entregou a declaração de rendimentos do grupo, referente ao ano de 2012, onde apurou IRC a recuperar, no valor de € 32.198,64 (cfr. declaração modelo n.º 22 de IRC, a fls. 15 a 17 do procedimento de reclamação graciosa, o qual faz parte integrante do PAT, em apenso);

3. Na declaração descrita no ponto n.º 2 do probatório, foram apuradas «Tributações autónomas», no valor de € 57.290,53, referentes a “Encargos com viaturas”, “Despesas de representação” e “Encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador” (cfr. declaração modelo n.º 22 de IRC, a fls. 15 a 17 do procedimento de reclamação graciosa, o qual faz parte integrante do PAT, em apenso);

4. No dia 19 de Junho de 2013, os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira emitiram a liquidação de IRC n.º 2012500239614, onde foram mantidos os valores apurados pela Impugnante, conforme descrito nos pontos n.ºs 1 e 2 do probatório (cfr. print informático, a fls. 25 do PAT, em apenso)

5. No dia 09 de Abril de 2014, a Impugnante contestou, junto dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, o valor apurado na declaração de rendimentos descrita nos pontos n.ºs 1 e 2 do probatório, com fundamento na não consideração das «Tributações Autónomas» [(Leia-se dos encargos fiscais suportados com as tributações autónomas.)] como custos (cfr. petição da reclamação, a fls. 4 a 10 do procedimento de reclamação graciosa, o qual faz parte integrante do PAT, em apenso);

6. No dia 11 de Setembro de 2014, a impugnante recebeu uma carta registada com aviso de recepção, mediante a qual tomou conhecimento que a contestação identificada no ponto n.º 4 do probatório foi “…indeferida por despacho de 5/9/2014...” (cfr. ofício e aviso de recepção a fls. 32 e 34 do procedimento de reclamação graciosa, o qual faz parte integrante do PAT, em apenso);

7. No dia 08 de Outubro de 2014, a Impugnante entregou a presente impugnação (cfr. registo dos CTT aposto na petição inicial, a fls. 2 dos autos).

Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa, considerando o pedido e a causa de pedir».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade acima identificada, entendendo que as despesas que suportou com as tributações autónomas que autoliquidou relativamente ao exercício do ano de 2012 podiam ser deduzidas, como custos fiscais que são e ao abrigo do disposto no art. 23.º, n.º 1, alínea f), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) (Note-se que, aqui como adiante – a menos que haja expressa menção em contrário – nos referimos à versão do CIRC em vigor à data dos factos, ou seja, na versão anterior à republicação de 2014, efectuada pela Lei n.º 2/2014 de 16 de Janeiro.), na determinação do lucro tributável do IRC desse exercício e porque o não fez quando apresentou a declaração de rendimentos e autoliquidou o respectivo imposto, apresentou a necessária reclamação graciosa [cfr. art. 131.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)] e, perante o indeferimento desta, deduziu impugnação judicial.
Sustentou, em síntese, que os montantes pagos a título de tributações autónomas nos termos do art. 88.º do CIRC são gastos de natureza fiscal e, por isso, constituem custo fiscal, expressamente previsto na alínea f) do n.º 1 do art. 23.º do mesmo Código. Considera que a tal não obsta o disposto no art. 45.º do CIRC, uma vez que, como a doutrina e a jurisprudência têm vindo a afirmar, as tributações autónomas não são IRC nem incidem sobre o lucro, mas sobre a despesa. Considera também que a alteração legislativa introduzida no CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pela qual o art 23.º-A, n.º 1, alínea a), passou a excluir para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos resultantes de “IRC, incluindo as tributações autónomas”, «demonstra que, antes dela, as tributações autónomas eram custo ou encargo fiscal».
Concluiu que, ao não ter deduzido na determinação do lucro tributável os encargos suportados com as tributações autónomas, incorreu em erro na autoliquidação e que a AT actuou ilegalmente ao indeferir a reclamação graciosa que ela Impugnante, com fundamento naquele erro, deduziu contra aquele acto tributário.
Por isso, pediu a anulação do indeferimento da reclamação graciosa e a anulação da liquidação na parte impugnada (Este último pedido não foi formulado expressamente, mas, a nosso ver, de modo implícito, porque contido na expressão «com todas as legais consequências» constante da parte final do pedido formulado na petição inicial.).
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a impugnação judicial improcedente. Após tecer diversos e pertinentes considerandos em torno dos regimes da dedutibilidade dos gastos e das tributações autónomas, com excurso sobre a origem, evolução no tempo e natureza destas, considerou, em síntese, que a anteriormente pacífica indedutibilidade dos gastos suportados com as tributações autónomas passou a ser questionada depois da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional ter salientado (a propósito da questão da aplicação no tempo de norma que veio agravar as taxas de algumas tributações autónomas) que estas incidem sobre factos tributários de natureza instantânea, que correspondem a cada uma das despesas efectuadas, o que suscitou dúvidas quanto à natureza das tributações autónomas como imposto sobre os rendimentos e, consequentemente, sobre a sua subsunção legal à alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC. Em resposta a estas dúvidas e à posição sustentada pela Impugnante, respondeu o Juiz do Tribunal a quo, em síntese, que as tributações autónomas se situam «ainda […] no âmbito do IRC», pois «só é possível compreender as tributações autónomas dentro da mecânica deste imposto», sendo que «é porque o sujeito passivo realiza determinadas despesas e as inclui na sua contabilidade e, por sua vez, no resultado líquido do período a partir do qual se calcula o IRC, que as mesmas são sujeitas e tributação autónoma», motivo por que se trata «de uma tributação indirecta sobre o lucro “a latere do lucro”». Considera que se encontra «assente a natureza dual do IRC, o qual incide, essencialmente, sobre os rendimentos das pessoas colectivas, de acordo com a teoria do rendimento acréscimo, mas também sobre um certo tipo de despesas, desde logo, através da desconsideração de certos gastos, nos termos do art. 45.º do CIRC, e pela previsão de taxas de tributação autónoma, nos termos do art. 88.º do CIRC».
Termina, referindo que o art. 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, veio esclarecer que os gastos associados à tributação autónoma não são dedutíveis em sede de IRC, procurando assim pôr termo à controvérsia gerada sobre esta matéria, pelo que se lhe deve reconhecer carácter interpretativo.
A Impugnante discorda da sentença e dela recorre para este Supremo Tribunal Administrativo, mantendo a tese sustentada na petição inicial.
Daí que a questão que cumpre apreciar e decidir seja a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando decidiu que, no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC, não podem considerar-se como encargo dedutível as quantias pagas pelo sujeito passivo a título de tributações autónomas.

2.2.2 DA DEDUTIBILIDADE DOS ENCARGOS FISCAIS SUPORTADOS COM AS TRIBUTAÇÕES AUTÓNOMAS

Antes do mais, afigura-se-nos que há que ter presente o tipo de tributações autónomas em causa nos presentes autos, uma vez que, como veremos adiante, sob esta denominação cabem realidades com teleologia e finalidade distintas, a reclamarem tratamento diverso. Desde logo, porque a par das tributações autónomas sobre gastos, as mais frequentes, existem também tributações autónomas sobre rendimentos. Mas também, e essencialmente, porque há tributações autónomas que podem ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável e outras insusceptíveis de dedução.
No caso as tributações autónomas são as previstas no art. 88.º do CIRC e relativas a “encargos com viaturas” (n.ºs 3 e 4), “despesas de representação” (n.º 7) e “encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador” (n.º 9), ou seja, respeitam a tributações autónomas sobre gastos e, por isso, os considerandos que vamos expender poderão não valer, ou não valer integralmente, relativamente a outro tipo de tributações autónomas.
Na verdade, estas surgiram (Em 1990, com o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho.) como meio de sancionar as despesas não documentadas e confidenciais (Tais despesas situam-se na fronteira da ilicitude e elisão fiscais.), relativamente às quais o desconhecimento da natureza da despesa ou do beneficiário determina a impossibilidade de dedução na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC; mas, ulteriormente, e não sendo alheio ao seu propósito a obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi-se alargando a despesas susceptíveis de dedução. Visou-se, com tal alargamento, fazer face às dificuldades suscitadas pelas despesas de “linha cinzenta”, i.e., aquelas despesas realizadas pelos sujeitos passivos no âmbito das suas actividades, mas cuja justificação do ponto de vista empresarial se afigurava total ou parcialmente duvidosa e, por outro lado, eram susceptíveis de integrar atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, provocando desse modo uma erosão da base tributável (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2007, pág. 407, realça que com as tributações autónomas «o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros».
No mesmo sentido, RUI MORAIS, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, 2014, pág. 172, afirma que o objectivo terá sido o de tentar evitar que, através dessas despesas, «o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis […]; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes […]. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto».).
As tributações autónomas em causa nos autos inserem-se nesta última categoria, ou seja, referem-se a despesas susceptíveis de dedução. Relativamente a estas, o legislador parece ter admitido, em tese, que as despesas, pelo menos em parte, poderão ter sido incorridas em ordem à obtenção de rendimentos sujeitos a IRC e, por isso, são dedutíveis. Certo que só o deveriam ser na parte em que se reportam a fins empresariais, mas, atentas as dificuldades em destrinçar, relativamente a essas despesas, a proporção entre fins empresariais e fins pessoais, o legislador optou por lhes impor uma tributação autónoma para minimizar a eventual perda de receita, que poderá ocorrer por duas vias: por a despesa não ser integralmente empresarial e por a despesa constituir uma atribuição a terceiros de rendimentos não tributados (maxime, benefício concedido a trabalhador, os denominados fringe benefits, não tributado em IRS).
Seja como for, afigura-se-nos que existe uma ligação intrínseca entre as tributações autónomas e os impostos sobre o rendimento, sendo que aquelas, na modalidade considerada, visarão obviar à erosão da base tributável, à diminuição do rendimento tributável operada através da realização dessas despesas.
Como salienta SALDANHA SANCHES, «Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excepcionalmente – em objecto de tributação» (Ob. cit., pág. 407.).
Esta imbricação entre o IRC e as tributações autónomas não significa, contudo, que as tributações autónomas possam considerar-se imposto sobre o rendimento, que manifestamente não são, como melhor veremos adiante.
Dito isto, regressemos à questão que importa solucionar, qual seja a de saber se os encargos suportados com as tributações autónomas em causa podem, ou não, ser deduzidos para efeitos de determinação do rendimento tributável.
Como sabemos, o art. 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC dispunha: «1- Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: […] f) De natureza fiscal e parafiscal; […]».
É ao abrigo desta disposição legal que a Recorrente sustenta dever ser-lhe admitida a dedução dos encargos fiscais que suportou com as tributações autónomas, que são inequivocamente gastos de natureza fiscal. Mais sustenta a Recorrente que as referidas tributações autónomas não são subsumíveis à previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, que dispunha: «Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros; […]»; e, para justificar que as tributações autónomas em causa não integram esta excepção, argumenta com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, que afirmou que as mesmas incidem, não sobre lucros, mas sobre despesas.
É certo que o Supremo Tribunal Administrativo (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 6 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 281/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ba7837d0a2a6ca1f802578cb0037cf09;
- de 14 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 757/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d3d7ea3cf3b5bc8680257a2b00378678.), apreciando a questão da inconstitucionalidade da norma do art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na parte em que fez retroagir a 1 de Janeiro de 2008 a alteração do art. 81.º, n.º 3, alínea a), do CIRC (que agravou a taxa de 5% para 10%), consagrada no artigo 1.º-A do aludido diploma legal, por violação do princípio da retroactividade, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República, afirmou que «[a] tributação autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação incide sobre a despesa, constituindo cada acto de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período respectivo».
Em suma, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que enquanto no IRC o facto tributário é de formação sucessiva, só estando integralmente concretizado a 31 de Dezembro do ano em causa, na tributação autónoma cada despesa corresponde a um facto tributário autónomo e de formação instantânea. Não se trata, pois, de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas.
Por isso, não podem ser invocados, na análise das questões de retroactividade no contexto da tributação autónoma de encargos, argumentos semelhantes àqueles que são aplicados relativamente aos impostos periódicos.
Salientou aquela jurisprudência que, embora a tributação autónoma de encargos esteja formalmente inserida no Código do IRC e o respectivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, a tributação autónoma é uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC. O apuramento do montante tributável em sede de tributação autónoma é uma mera soma de valores correspondentes a factos tributários autónomos (cada despesa ou encargo), para efeitos da aplicação da taxa de tributação autónoma legalmente prevista.
Deste modo, na tributação autónoma não existe um facto tributário de formação sucessiva – que apenas está completo no fim do período de tributação, como ocorre nos impostos periódicos –, mas sim um facto tributário de formação instantânea.
Ulteriormente, o Supremo Tribunal Administrativo reafirmou essa posição (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Março de 2012, proferido no processo n.º 830/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0570c7d083a301ba802579de0031fbc9;
- de 12 de Abril de 2012, proferido no processo n.º 77/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3857c019a634084e802579f000352329.).
Também o Tribunal Constitucional, no âmbito da mesma questão da violação do princípio da irretroactividade, após uma primeira decisão no sentido da não inconstitucionalidade (Referimo-nos ao acórdão n.º 18/2011, de 12 de Janeiro de 2011, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110018.html. ), mas em que o voto de vencido do conselheiro Vítor Gomes (Voto expressamente referido na jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acima referida, e cujo entendimento foi aí seguido. ) salientava que, no âmbito da tributação autónoma «[n]ão se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta. A manifestação de riqueza sobre que vai incidir essa parcela da tributação (o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar) é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período. Deste modo, o agravamento da taxa vai agravar a situação do sujeito passivo num momento em que o facto gerador é coisa do passado (as despesas de representação foram pagas ao seu beneficiários, os encargos com viaturas ligeiras foram suportados ou contraídos, etc.). É certo que esta parcela de imposto só vem a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC. Porém, a determinação do valor global da matéria colectável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma no fim do período tributário é o mero somatório das diversas despesas dessa natureza, a que se aplica a taxa agora agravada. Essa operação de apuramento do montante tributável a este título não espelha um facto tributário de formação sucessiva, mas a mera agregação dos valores sobre que incide a alíquota do imposto», considerou, de acordo com este, que a tributação autónoma de encargos, embora formalmente inserida no CIRC e o respectivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, constitui uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC (Referimo-nos à jurisprudência que veio a reconhecer a inconstitucionalidade, designadamente os acórdãos:
- n.º 310/2012, de 20 de Junho de 2012, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120310.html,
- n.º 382/2012, de 12 de Julho de 2012, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120382.html;
e que culminou com a respectiva declaração de inconstitucionalidade por violação do princípio da retroactividade, operada pelo seguinte acórdão, proferido em Plenário:
- n.º 617/2012, de 19 de Dezembro de 2012, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120617.html.).
Também a doutrina tem vindo a afirmar que as tributações autónomas constituem tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento (Neste sentido, entre outros, os seguintes Autores:
- CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, 7.ª edição, 2012, pág. 543;
- RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 202/203
- JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, Tributação Presuntiva do Rendimento, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 427/428.).

Não significa isto, a nosso ver, que daí possa retirar-se, sem mais, que os encargos fiscais suportados com as tributações autónomas devem ter-se por dedutíveis, para efeitos de cálculo da base de incidência do IRC, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, que previa, como gastos dedutíveis «os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: […] f) De natureza fiscal e parafiscal».
Recordemos que o art. 45.º do mesmo Código, no seu n.º 1, alínea a), excluía dessa dedutibilidade os gastos incorridos com «[o] IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros».
Será que basta a conclusão a que chegamos acima, de que as tributações autónomas, substancialmente, não constituem imposto sobre o rendimento, para considerarmos que a regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais não pode ter-se por excepcionada, relativamente às tributações autónomas, pela alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRS?
Afigura-se-nos que não.
Desde logo, porque, apesar de, como deixámos dito, as tributações autónomas constituírem uma imposição tributária distinta do IRC, a verdade é que, pelo menos desde 1 de Janeiro de 2001, com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro – que, nos seus próprios termos, reforma a tributação do rendimento e adopta medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterando, para além do mais, o CIRC –, sempre as tributações autónomas foram incluídas neste Código. Ou seja, formalmente, sempre as tributações autónomas foram tratadas no âmbito do IRC, dentro do Código que regula este imposto, sendo liquidadas simultaneamente com este.
Essa situação, por si só, poderá ter convencido o legislador da desnecessidade de consagrar expressamente na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC as tributações autónomas (A inclusão das tributações autónomas nesse conceito de IRC, aliás, nunca foi objecto de controvérsia até que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, na esteira do mencionado voto de vencido lavrado no acórdão n.º 18/2011 do Tribunal Constitucional, veio salientar a natureza distinta das tributações autónomas relativamente ao IRS.).
Tanto mais que, a nosso ver, a teleologia das tributações autónomas impõe a recusa da dedutibilidade dos encargos fiscais suportados com as mesmas. Essa recusa é evidente relativamente àquelas despesas que não são, elas mesmas, dedutíveis para efeitos de determinação da matéria tributável, como é o caso das despesas não documentadas e quanto às importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal privilegiado. Mas também nos casos – como o de que ora nos ocupamos – em que as tributações incidem sobre encargos fiscalmente dedutíveis, mal se compreenderia que a intenção do legislador, que é a de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução, fosse depois contrariada pela dedução dos encargos com essas tributações. Se a tributação autónoma serve, nestes casos, para fazer face à dificuldade de controlo rigoroso de despesas da carácter empresarial e de carácter pessoal, desincentivando a realização das mesmas, e para compensar a perda de receita fiscal decorrente dessa realização, constituindo, ao final, uma redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria tributável, não faria sentido que, depois, fosse permitir a dedução dos encargos com a tributação autónoma.
A não ser assim, estaria afinal (e ao arrepio da apontada natureza das tributações autónomas como imposição tributário sobre despesas) a permitir-se que as tributações autónomas influíssem na determinação da base tributável para efeitos de tributação em IRC.
Tenha-se presente que na interpretação da lei é de considerar, para além do mais, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas [cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil (CC)].
Podemos, pois, admitir que o pensamento do legislador era o de que no conceito de IRC (se bem que exclusivamente dum ponto de vista formal) utilizado na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º cabiam ainda as tributações autónomas, interpretação que respeitaria o mínimo de correspondência verbal, apesar de imperfeitamente expresso, exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do CC. Isto porque aquelas tributações estavam, como estão, previstas no Código do IRC.
Finalmente, temos de ter em conta que o art. 23.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, lei que, do mesmo passo, revogou o art. 45.º daquele Código, veio solucionar expressamente a questão, afirmando: «1-Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros; […]».
Pese embora a sua incorrecção terminológica, na medida em que parece reconduzir a espécie tributária tributações autónomas ao IRC (persistindo no erro), é hoje seguro que os encargos suportados com as tributações autónomas não são susceptíveis de dedução.
Será que, como sustenta a Recorrente, esta alteração ao CIRC reforça o entendimento de que «antes dessa alteração legislativa as tributações autónomas eram custo fiscal»?
Salvo o devido respeito, essa conclusão assenta num pressuposto errado, qual seja o de que com a introdução do art. 23.º-A no CIRC, mais concretamente com a redacção dada ao seu n.º 1, alínea a), o legislador intentou alterar o seu pensamento sobre a questão, invertendo-o. Ora, nada aponta no sentido de que o legislador tenha pretendido regular a questão em termos diversos dos que resultavam da lei, antes pelo contrário.
Na verdade, quer antes, quer depois das referidas alterações introduzidas no CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, o escopo que subjaz às tributações autónomas sempre se revelou incompatível com a dedutibilidade dos encargos fiscais suportados com as mesmas.
Assim, o art. 23.º-A, n.º 1, alínea a), do CIRC, sem prejuízo da sua menos feliz redacção (Seria, talvez, mais adequada uma redacção que, deixando igualmente claro que as tributações autónomas não podem ser deduzidas, não afirmasse a sua inclusão no IRC. ), não configura uma lei inovadora, porque de facto nada inovou, tendo-se limitado a consagrar uma interpretação possível da lei anterior (Tão possível que se manteve incontestada durante muito tempo e que a própria Recorrente, num primeiro momento (o da apresentação da declaração e autoliquidação), não questionou.), não configurando alteração nenhuma do regime legal anterior mas, porventura, apenas definindo de modo mais claro esse regime.
Por tudo o que deixámos dito, entendemos, com o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, que os encargos fiscais suportados pela ora Recorrente com as tributações autónomas que autoliquidou no exercício do ano de 2012 não podem ser deduzidos para efeitos de determinação da matéria tributável em sede de IRC desse ano (Neste sentido decidiu já este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 6 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 1613/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/86a493d960cba8f480257fa1004bd32d.).
Não há, pois, motivo para revogar a sentença que, embora com fundamentação que não acompanhamos na íntegra, decidiu nesse sentido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - As tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma.
II - Estando em causa tributações autónomas respeitantes a “encargos com viaturas”, “despesas de representação” e “encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalho”, i.e., respeitantes a despesas dedutíveis, a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.
III - Estas tributações autónomas, que, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal materialmente distinta deste, espoletadas por despesas, foram incluídas pelo legislador no CIRC através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
IV - Mesmo antes das alterações introduzidas no CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, os encargos fiscais com as tributações autónomas não eram dedutíveis para efeitos de IRC, como resultava da conjugação dos arts. 23.º, n.º 1, alínea f) e 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, naquela que se nos afigura a melhor interpretação, pois, por um lado, o legislador (bem ou mal e, a nosso ver, mal) sempre as considerou como IRC, incluindo o seu regime legal no âmbito do respectivo código (pelo menos desde a referida Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) e, por outro, não faria sentido que o efeito pretendido pelo legislador com essas tributações autónomas, de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução das despesas por elas tributadas, fosse, depois, contrariado pela dedução dos encargos com essas tributações.
V - O art. 23.º-A do CIRC – aditado pela Lei n.º 2/2014, lei que, do mesmo passo, revogou o art. 45.º daquele Código –, pese embora a sua incorrecção terminológica, na medida em que parece reconduzir a espécie tributária tributações autónomas ao IRC (permanecendo o legislador no mesmo erro), não configura uma lei inovadora, porque de facto nada inovou, tendo-se limitado a consagrar uma interpretação possível da lei anterior.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 27 de Setembro de 2017. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.