Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01349/16
Data do Acordão:01/11/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECLAMAÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
INTEMPESTIVIDADE
Sumário:I - Nos termos do n.º 1 do art. 277.º do CPPT, o prazo para apresentação da reclamação é de 10 dias, a contar da data em que o interessado tiver sido notificado da decisão reclamada.
II - No caso de o interessado não ter sido notificado nem dever tê-lo sido – o que pode suceder, designadamente, por se tratar de terceiro cujo direito ou interesse eventual ou alegadamente lesado não sejam do conhecimento do órgão da execução fiscal – o prazo não poderá ser contado nos termos da norma acima enunciada, mas deverá sê-lo, de acordo com o princípio subjacente à mesma, da data em que o interessado tomou conhecimento do acto praticado na execução fiscal que considera lesivo.
III - É de considerar que o interessado tomou conhecimento desse acto, senão na data em que consultou o processo e pediu uma certidão extraída do mesmo, pelo menos na data em que celebrou a escritura de cessão de créditos de que alegadamente advém o seu direito ofendido, e no qual alude expressamente a esse acto.
Nº Convencional:JSTA000P21287
Nº do Documento:SA22017011101349
Data de Entrada:11/28/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 2787/16.0BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A…………. (doravante Reclamante ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que o Tribunal Tributário de Lisboa indeferiu liminarmente, com fundamento em intempestividade do direito de acção, a reclamação por ele deduzida ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. A reclamação foi deduzida dentro do prazo de dez dias contados desde a notificação do acto reclamando, pelo que o douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 277.º n.º 1 do CPPT, porquanto o prazo de caducidade é contado desde a data de notificação do acto, e não da data de eventual conhecimento do acto, no caso nem determinado.

2. Assim, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por uma outra que ordene o prosseguimento dos autos, se fará Justiça!».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.4 A Fazenda Pública não contra-alegou o recurso.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:

«Põe o recorrente em causa decidir se é oportuna a reclamação apresentada, nos termos do art. 277.º n.º 1 do C.P.P.T., para o que defende que o prazo de dez dias aí previsto é de contar desde a notificação do acto, e não do eventual conhecimento do mesmo, nem ter sido tal determinado.
Emitindo parecer:
É de observar que na sentença recorrida se julgou que tal conhecimento ocorreu a 2-7-2015, por referência à data em que o reclamante consultou o processo e em que pediu certidão.
É certo haver o entendimento doutrinal, segundo o qual, para efeitos da dita reclamação, “como notificação valerá qualquer acto oficial que leva ao conhecimento do interessado a prática do acto” – nesse sentido, se pronuncia Jorge Lopes de Sousa em C.P.P.T. Anotado e Comentado, Vol. IV, p. 292 –, sendo nesse sentido que vai o decidido.
No entanto, não se pode deixar ainda de observar, se dúvida houver, que a reclamação apresentada não foi dirigida propriamente ao despacho que determinou o pagamento à C.G.D., após a venda efectuada.
Com efeito, o reclamante apresentou pedido de restituição do remanescente do produto da venda, incluindo no mesmo esse pagamento anteriormente efectuado à C.G.D.
A reclamação é, assim, dúbia quanto à decisão a que se refere, pelo que o indeferimento deve ter lugar por falta de observância desse requisito.
Para além disso, sobre o dito pedido não consta que tenha incidido despacho por parte do O.E.F.
E a reclamação também não é o meio adequado para reagir a tal omissão.
No sentido de que, para tal efeito, é de dirigir antes requerimento, ao O.E.F., foi o decidido no acórdão de 2-12-15, proferido no proc. n.º 1217/13, acessível em www.dgsi.pt.
Aliás, lê-se no mesmo que outros meios inominados podem ser de aplicar, segundo o previsto nos arts. 151.º do C.P.P.T. e 49.º n.º 1, al. c), 2, al. c), e 3, al. c) do E.T.A.F.
E certo é que o ora reclamante arguiu, em simultâneo à presente reclamação, a nulidade do despacho que determinou o dito pagamento e requereu, posteriormente à dita reclamação, a revogação do dito despacho que determinou o dito pagamento.
Neste contexto, afigura-se não ser de proceder o recurso interposto no sentido de ser de determinar o prosseguimento dos presentes autos de reclamação.
Concluindo:
O recurso é de improceder.
A reclamação sempre seria de indeferir, não identificando a mesma de forma clara a que decisão se refere e considerando que outros meios foram já utilizados, não sendo, no caso, aquela o meio adequado à tutela judicial efectiva».

1.6 Dispensaram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.7 Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão recorrida deu como assente a seguinte factualidade, ao que não estava obrigada por se tratar de indeferimento liminar (Com interesse quanto à necessidade ou não de indicar factos provados no despacho de indeferimento liminar, e concluindo que «[q]uando o despacho de indeferimento liminar tem por base apenas a petição inicial e factos processuais (como a data de entrada da petição), não há necessidade de indicar factos provados, uma vez que a decisão tem por suporte apenas a peça processual e esses factos que constam do processo», mas «nos casos em que o indeferimento liminar se baseia em factos de outro tipo ou posições jurídicas que são afirmadas com base em pressupostos de facto que não se resumem à petição inicial e à ponderação de factos processuais, impõe-se que nele sejam indicados esses outros factos que se consideram provados, sob pena de se ter de considerar deficiente a fixação da matéria de facto, o que implica nulidade da decisão» nos termos dos arts. 613.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, alínea b), e 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, vide o seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 4 de Março de 2009, proferido no processo n.º 786/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32210.pdf), págs. 344 a 348, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dc17d39856877bcd80257576004b9488.):

«A) Em 2010, foi lavrado auto de adjudicação do prédio à sociedade “B………….., Lda.” (cfr. fls. 836 a 838 do PEF).

B) Em 02-07-2015 o ora reclamante solicitou ao Serviço de Finanças a emissão de certidão do referido auto de adjudicação, a qual foi emitida em 09-07-2015 (cfr. fls. 934 e 935 do PEF).

C) Em 05-10-2015, por contrato de cessão de créditos, o Reclamante adquiriu à sociedade “C……………., Lda.” os valores correspondentes à diferença entre o preço de venda judicial do prédio e as quantias devidas por força da execução, ainda que tenham sido entregues a terceiros, nomeadamente à Caixa Geral de Depósitos, S.A. (cfr. fls. 946 e 947, do PEF).

D) Em 07-12-2015 o reclamante requereu ao CSF VFX 2 que o informasse, o que foi recebido pela Caixa Geral de Depósitos, e a que título, e requerendo que lhe fosse entregue o remanescente do produto da venda (cfr. fls. 937 e segs. do PEF).

E) Em 29-03-2016, através do ofício n.º 2207 o Serviço de Finanças informou o reclamante sobre o destino dado ao produto da venda do imóvel penhorado na execução, nomeadamente, do montante que foi pago à CGD (cfr. fls. 955 do PEF), o qual ocorreu em Janeiro de 2010, como decorre do teor de fls. 957, 756 a 758 do PEF.

F) Em 30-03-2016 o reclamante solicitou ao Serviço de Finanças o pagamento do remanescente do produto da venda (cfr. fls. 960/961 do PEF).

G) Em 11-04-2016 pediu a revogação do despacho que ordenou entrega à CGD do valor de € 145.101,69 (cfr. fls. 967 e segs. do PEF).

H) A presente reclamação foi deduzida em 08-04-2016 (cfr. fls. 13 e 51 dos autos)».

2.1.2 Se bem que não na parte em que fixou a factualidade, a decisão recorrida deu ainda como assente que (Os factos foram sujeitos a alíneas da nossa autoria, se bem que continuando a ordem seguida na decisão recorrida. ):

I) O pagamento de € 145.101,69 à “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” foi ordenado pelo Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 e ocorreu em Janeiro de 2010 (cfr. 5.º parágrafo da fls. 7, que continua a fls. 8 da decisão recorrida, a fls. 73/74).

J) O ora Recorrente consultou o processo em 2 de Julho de 2015 (cfr. 4.º parágrafo da fls. 7 da decisão recorrida, a fls. 73).


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada contra a sociedade denominada “D…………, Lda.” foi penhorado e vendido (em 2010) um prédio.
Com o produto da venda, foram efectuados no mesmo ano os pagamentos considerados devidos.
Em 2 de Julho de 2015, o ora Recorrente consultou o processo de execução fiscal e pediu uma certidão do auto de adjudicação e, depois disso, em 5 de Outubro de 2015, celebrou com a sociedade denominada “C……………, Lda.”, que se arroga o direito de propriedade sobre o prédio vendido nos autos, reportado à data da venda, um contrato de cessão de créditos tendo por objecto «os valores correspondentes à diferença entre o preço de venda judicial do prédio e as quantias devidas por força da execução, ainda que tenham sido entregues a terceiros, nomeadamente à Caixa Geral de Depósitos, S.A.».
Em 7 de Dezembro de 2015, o ora Recorrente pediu ao Chefe do Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 2 que o informasse sobre o montante recebido nos autos pela “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” e a que título e que lhe fosse entregue o remanescente do produto da venda.
Em 29 de Março de 2016, aquele serviço de finanças informou o ora Recorrente sobre o destino dado ao produto da venda do imóvel penhorado, designadamente do montante pago à “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”.
Em 30 de Março de 2016, o ora Recorrente pediu novamente que lhe fosse entregue o remanescente do produto da venda.
Em 8 de Abril de 2016, o ora Recorrente apresentou reclamação, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs., do CPPT, dirigida ao Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, alegando que é ilegal o despacho que ordenou a entrega de € 145.101,69 à “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, pelo que deve ser revogado e ordenado que esta instituição bancária devolva a diferença entre essa quantia que recebeu e «a quantia máxima garantida em virtude da hipoteca», do montante de € 17.353,17, ou seja, que devolva um total de € 127.748,51 acrescido de juros compensatórios à taxa de 4% ao ano, o qual deverá ser entregue ao aí reclamante, o ora Recorrente.
Perante esta factualidade, poderia eventualmente questionar-se – como parece fazê-lo o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal – se existe decisão sobre o pedido de entrega ao Reclamante de remanescente do produto da venda.
Mas, como bem salientou a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa – e, nessa parte, o recurso não põe a decisão em causa – a reclamação é deduzida, não contra uma qualquer decisão proferida no âmbito do processo de execução fiscal, designadamente relativa ao pedido de que lhe seja entregue o remanescente do produto da venda (que não há notícia de que tenha sido decidido), mas contra um acto praticado nesse processo, mais concretamente, contra o acto que ordenou a entrega à “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” do remanescente do produto da venda.
Partindo do pressuposto de que o acto reclamado é o despacho que ordenou a entrega do remanescente à “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, proferido em Janeiro de 2010, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa indeferiu liminarmente a reclamação com fundamento em intempestividade. Isto porque considerou que o Reclamante teve conhecimento do acto em 2 de Julho de 2015 – data em que consultou o processo de execução fiscal e pediu uma certidão do auto de adjudicação do bem vendido –, motivo por que quando, em 8 de Abril de 2016, veio pedir «a revogação do despacho que ordenou o pagamento à CGD da quantia de € 145.101,69», estava já caducado o direito de reclamar desse acto.
Discordando dessa decisão, veio o Reclamante dela recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, discorda do indeferimento liminar porque considera que, como resulta da factualidade dada como assente, foi notificado do destino dado ao produto da venda do imóvel penhorado na execução fiscal em 29 de Março de 2016, pelo que não pode considerar-se que tenha sido excedido o prazo fixado no n.º 1 do art. 277.º do CPPT (a petição inicial foi apresentada em 8 de Abril de 2016), que não prevê a possibilidade desse prazo ser contado de outra data, nomeadamente a do eventual conhecimento do acto – que no caso nem sequer foi determinado –, que não a da notificação do acto.
Assim, a questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Tributário de Lisboa fez correcto julgamento ao considerar que a reclamação foi apresentada para além do termo do prazo legal para o efeito.

2.2.2 DA TEMPESTIVIDADE DA RECLAMAÇÃO

Bem ou mal, disso o recurso não tem de cuidar, pois o Recorrente conformou-se com a decisão nessa parte, o órgão da execução fiscal considerou que o acto reclamado é o despacho que ordenou o pagamento à Caixa Geral de Depósitos, S.A. da quantia de € 145.101,69, proferido em 2010.
Sustenta o Recorrente que o dies a quo do prazo para reclamar não pode ser senão o dia em que foi efectuada a notificação do acto, atento o disposto no n.º 1 do art. 277.º do CPPT, alegando expressamente que «o prazo de caducidade [do direito de reclamar] é contado desde a data de notificação do acto, e não da data de eventual conhecimento do acto, no caso nem determinado».
No entanto, sendo certo que o art. 277.º do CPPT – que tem como epígrafe «Prazo e apresentação da reclamação» – dispõe no seu n.º 1 que a «reclamação será apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão», esta regra de que a contagem do prazo se faz a contar da notificação da decisão pressupõe que o meio processual em causa foi accionado na sequência de uma decisão e que a mesma foi notificada. Ora, por um lado, a reclamação judicial prevista no art. 276.º do CPPT nem sempre é utilizada como meio de reacção a uma decisão, podendo sê-lo também como reacção judicial contra um acto e até, nalgumas circunstâncias, contra uma omissão (Sobre o tema, desenvolvidamente, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 4 ao art. 276.º, págs. 269 a 274. ); por outro lado, a própria decisão ou acto que o reclamante erigir em acto lesivo pode não ter de ser-lhe notificada, por não ser destinatário do mesmo nem de modo algum se vislumbrar potencial lesividade do mesmo relativamente àquele, não se perspectivando que o mesmo possa prejudicá-lo ou que em relação a ele lhe seja possível exercer algum direito ou defender algum interesse, como parece ser o caso.
Na verdade, na situação sub judice, manifestamente, à data em que foi proferido o despacho que ordenou o pagamento à “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” da quantia de € 145.101,69 – em 2010 – aquele não teria de ser notificado ao ora Recorrente, que nem era parte no processo nem sequer era, à data e de acordo com a sua alegação, titular de direito algum susceptível de ser lesado pelo acto; não era, pois, de ponderar a aplicação do n.º 2 do art. 229.º do Código de Processo Civil, na redacção em vigor à data (a que hoje corresponde o art. 220.º), e segundo o qual «[c]umpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação».
Mas, retomando o discurso quanto à questão do início do prazo para exercício do direito de reclamação, diremos que a regra do n.º 1 do art. 277.º do CPPT tem ínsito o princípio de que o prazo só deverá ser contado a partir do momento em que o interessado toma conhecimento do acto que considera lesivo, conhecimento esse que, no caso de o objecto da reclamação ser uma decisão apenas ocorrerá com a respectiva notificação. Nos casos em que a reclamação tenha por objecto um acto que não haja de ser notificado ao reclamante ou uma omissão, porque, obviamente, não existirá notificação alguma que se lhes refira, afigura-se-nos que o prazo não poderá contar-se senão da data do conhecimento.
Foi nesse sentido que bem referiu a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que no caso sub judice o prazo para reclamar deverá contar-se da data em que o Reclamante dele teve conhecimento.
Pretende o Recorrente que não é assim: que o prazo para o exercício do direito de reclamar previsto no art. 276.º do CPPT se deve contar da data em que foi notificada do acto por que foi ordenado o pagamento à “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” do remanescente do preço – data que situa em 29 de Março de 2016 [nos termos da alínea E) dos factos provados] – e, ademais, que a decisão recorrida nem sequer fixou a data em que ele Recorrente tomou conhecimento desse acto. Salvo o devido respeito, não tem razão.
Desde logo, porque, como resulta da conjugação dos factos constantes nas alíneas D) e E) dos factos provados, pelo ofício referido nesta última o Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira não notificou o ora Recorrente do acto praticado no processo, mas tão-só se limitou a informá-lo oficialmente desse acto em resposta a solicitação que o mesmo formulou (Aliás, em cumprimento de intimação judicial que o ora Recorrente instaurou em ordem à prestação dessa informação. ). Ora, não se confunde a notificação das decisões e actos, a efectuar obrigatoriamente a todos os que possam com estes ser lesados, com a informação prestada sobre a prática dos mesmos, como a jurisprudência tem vindo a salientar (Vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 890/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Outubro de 2015 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32230.pdf), págs. 3001 a 3005, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8303729693fbfe4280257d620030043a.). Designadamente, para efeitos de fixação do termo inicial do prazo para reclamar, não se pode equiparar a notificação de uma decisão ou de um acto lesivo à informação sobre a prática dos mesmos (e, no caso, prestada a quem, não tendo que deles ser notificado, requereu informação sobre eles). Neste caso, o que relevará – dando de barato, o que aqui fazemos meramente para efeitos de exposição, que não se coloca qualquer obstáculo quanto à legitimidade para reclamar – para efeitos da fixação do termo inicial do prazo para a reclamação será a data em que o reclamante teve conhecimento do acto reclamado. A não ser assim, teria de se admitir a absurda solução de que o interessado estaria sempre em tempo, bastando-lhe para tanto pedir ao órgão da execução fiscal informação sobre a prática do acto.
Dito isto, resta-nos verificar se, como alega o Recorrente, a decisão recorrida não fixou a data em que ele teve conhecimento do acto de que veio a reclamar.
Também aqui se nos afigura que o Recorrente não tem razão. A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa considerou que o Reclamante teve conhecimento do acto reclamado na data em que consultou o processo de execução fiscal e pediu uma certidão do auto de adjudicação. Na verdade, nada impede que o julgador presuma (cfr. art. 349.º do Código Civil) que o Reclamante, ao consultar o processo – em 2 de Julho de 2015 [cfr. alíneas B) e J) dos factos provados] –, se inteirou de toda a sua tramitação, designadamente do acto de que veio a reclamar.
Mas, se alguma dúvida restasse a esse propósito, a mesma deveria ser afastada pelo facto de, em 5 de Outubro de 2015, o ora Recorrente ter celebrado com a sociedade denominada “C……………., Lda.” um contrato por que esta, afirmando-se proprietária do prédio vendido na execução fiscal, lhe cedeu «os valores correspondentes à diferença entre o preço de venda judicial do prédio e as quantias devidas por força da execução, ainda que tenham sido entregues a terceiros, nomeadamente à Caixa Geral de Depósitos, S.A.» [cfr. alínea C) dos factos provados]. Pelo menos nessa data, podemos ter como seguro que o ora Recorrente tinha conhecimento dos pagamentos efectuados no processo de execução fiscal à “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”. É, pois, manifesta a intempestividade da presente reclamação judicial.
Finalmente, porque o Recorrente argumenta que na data em que consultou o processo e pediu uma certidão extraída do mesmo ainda não era titular do direito que agora se arroga, sempre diremos que tal facto não releva para efeitos de aferir da tempestividade do exercício do direito de reclamação: o que importa considerar é a data em tomou conhecimento do acto e não a data em que adquiriu o direito alegadamente violado (A não ser assim, estaria encontrado um modo de ultrapassar os prazos legais quando estivessem em causa direitos de crédito susceptíveis de cessão (cfr. art. 577.º, n.º 1, do Código Civil): bastaria que o interessado relativamente ao qual estivesse já precludido o prazo de reacção jurisdicional cedesse o seu direito terceiro (eventualmente a alguém da sua confiança) e reabrir-se-ia o prazo já esgotado.).
Assim, embora, na nossa perspectiva haja também outros motivos para o indeferimento liminar da reclamação judicial, a decisão da Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, que a indeferiu com fundamento em manifesta intempestividade, não merece censura.
Por isso, o recurso não pode ser provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos do n.º 1 do art. 277.º do CPPT, o prazo para apresentação da reclamação é de 10 dias, a contar da data em que o interessado tiver sido notificado da decisão reclamada.
II - No caso de o interessado não ter sido notificado nem dever tê-lo sido – o que pode suceder, designadamente, por se tratar de terceiro cujo direito ou interesse eventual ou alegadamente lesado não sejam do conhecimento do órgão da execução fiscal – o prazo não poderá ser contado nos termos da norma acima enunciada, mas deverá sê-lo, de acordo com o princípio subjacente à mesma, da data em que o interessado tomou conhecimento do acto praticado na execução fiscal que considera lesivo.
III - É de considerar que o interessado tomou conhecimento desse acto, senão na data em que consultou o processo e pediu uma certidão extraída do mesmo, pelo menos na data em que celebrou a escritura de cessão de créditos de que alegadamente advém o seu direito ofendido, e no qual alude expressamente a esse acto.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

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Lisboa, 11 de Janeiro de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.