Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:081/15.2BEFUN
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRC
ZONA FRANCA DA MADEIRA
DERRAMA
Sumário:I - Não constitui nova fundamentação do acto impugnado nem obsta à sua apreciação pelo tribunal de recurso a nova argumentação desenvolvida pela recorrente para demonstrar o erro de julgamento em questão apreciada pelo tribunal recorrido e no próprio acto impugnado, ainda que não integre os fundamentos que suportam a liquidação impugnada.
II - Constitui «imposto extraordinário» o que tiver sido instituído para vigorar durante um período limitado de tempo, ou porque lhe é estabelecido um período de vigência limitado, ou porque é enquadrado em medidas fiscais com carácter marcadamente temporário.
III - A derrama regional a que alude o artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de Março, é um «imposto extraordinário» porque, tendo sido integrada num diploma destinado a vigorar num só ano económico, lhe foi estabelecido um período de vigência limitado.
IV - A derrama regional a que alude o artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de Março, é um «imposto extraordinário sobre lucros» para os efeitos da alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho.
Nº Convencional:JSTA000P28749
Nº do Documento:SA220220112081/15
Data de Entrada:09/20/2021
Recorrente:AT - RAM
Recorrido 1:A..............., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.– Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 14-04-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou improcedentes as exceções dilatórias inominadas de “erro no objeto” e de “falta de interesse em reagir contra o indeferimento liminar da reclamação graciosa ora impugnada” e procedente a impugnação judicial intentada por A………………., LDA., com os sinais dos autos, contra o acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2012, no qual foi apurada derrama regional no montante de € 712.997,95.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

A. Por aplicação analógica integral dos fundamentos acolhidos no Acórdão do STA de 02/12/220 proferido no Processo 194/17.6BEALM, o Tribunal recorrido entendeu que a derrama regional de 2012 seria um imposto extraordinário sobre lucros e despesas por ter sido criada e integrada em diploma legal destinado a vigorar durante um período limitado de tempo, num só ano económico, (lei de orçamento regional), se bem que mantida em anos subsequentes pelos vários orçamentos da Região Autónoma da Madeira subsequentes.
B. Mais referindo na sentença recorrida que a derrama regional é dogmaticamente distinta da derrama estadual prevista nos termos do artigo 87.º-A do CIRC, pois a derrama estadual constitui uma receita ordinária, tendo sido “instituída para vigorar ordinariamente, isto é, em todos os exercícios”
C. Concluiu a sentença recorrida que a derrama regional de 2012, sendo imposto extraordinário, é “enquadrável na previsão contida na alínea e) do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, e que a esta conclusão não obstam as limitações/alterações introduzidas pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 2/2011/M, de 10 de janeiro, e n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho.”
D. A Fazenda Pública entende que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, quanto aos pressupostos de direito, decorrente da qualificação da derrama regional como “imposto extraordinário sobre lucros e despesas” e da consequente aplicação à derrama regional da isenção estabelecida na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.
E. Com efeito, a derrama regional foi criada pelo art.º 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, conjugados com o n.º 1 do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março, e do artigo 2.º da Lei n.º 12A/2010, de 30 de junho, que aprovou a lei de consolidação orçamental, tendo sido o regime jurídico da derrama regional republicado e regulamentado no Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho,
F. E da génese deste regime podemos retirar que o mesmo veio adaptar às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
G. Do mesmo modo que a derrama estadual constante do artigo 87.ºA do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, também a derrama regional foi instituída para vigorar ordinariamente, isto é, para o futuro em todos os exercícios, e não extraordinariamente.
H. Com efeito, a leitura do texto da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho demonstra que a criação da derrama estadual tem uma finalidade de consolidação orçamental, enquadrando-se a derrama estadual num conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento.
I. E foi com a mesma finalidade de consolidação orçamental que a Região Autónoma da Madeira adaptou o sistema fiscal nacional de derrama estadual às especificidades regionais nos termos do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 2 de setembro, normativos que fundamentaram a derrama regional.
J. Aliás, se atentarmos ao teor do preâmbulo e artigo 3º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M de 5 de agosto, tal leitura demonstra que a derrama regional não constitui nenhuma das formas de financiamento extraordinário da Região Autónoma da Madeira determinadas na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho, (que fixou os meios que asseguram o financiamento na Região Autónoma da Madeira em 2012).
K. E se compararmos o teor deste diploma legal com o da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, torna-se evidente a finalidade única e análoga de consolidação orçamental de ambas as derramas, não podendo a derrama regional ser qualificada como um imposto extraordinário, porque o regime vigente e aplicável não teve como fim a obtenção de receitas extraordinárias, não foi destinada a necessidades orçamentais extraordinárias, nem por um período de tempo limitado.
L. A derrama regional constitui, isso sim, a adaptação às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.
M. Assim sendo, tendo em conta a génese do objetivo da criação da derrama regional, de adotar à Região os artigos 87-A e 105-A do CIRC, tendo em conta que a derrama regional não está incluída no rol de meios de financiamento extraordinários previstas na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho, então não existe fundamento para concluir que, neste caso, a derrama regional tenha carácter temporário e transitório, ao invés do que entendeu a Sentença recorrida
N. Por identidade com a derrama estadual, a derrama regional tem a finalidade de consolidação orçamental, não tem carácter extraordinário, nem temporário, como evidencia o cotejo do disposto na Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho.
O. A não ser assim, questionamo-nos então o seguinte: fosse a derrama regional um imposto extraordinário, o que só por mero dever de cautela se hipoteniza, então não deveria incidir derrama estadual e derrama regional conjuntamente sobre o lucro tributável das empresas com sede na Região Autónoma da Madeira?
P. Ora, obviamente que tal não se verifica, porque não há, nem pode haver, incidência conjunta de taxa de derrama regional e de derrama estadual sobre o mesmo lucro tributável, do mesmo sujeito passivo, com sede na RAM.
Q. Na verdade, o regime jurídico da derrama regional aplica-se na RAM, em substituição do da derrama estadual, porque a derrama regional não é mais do que a adaptação à região da derrama estadual.
R. Têm ambas a mesma natureza, mesmo conteúdo dogmático, mesmo objetivo, mesma incidência.
S. O facto de, historicamente, a vigência da derrama regional ter sido integrada e sucessivamente prorrogada pelos vários Orçamentos da Região Autónoma da Madeira, desde 2010, resulta apenas do cumprimento dos princípios orçamentais da anualidade e da universalidade previstos, respetivamente, no n.º 1 e 4 do art.º 4.º e no n.º 2 do art.º 5.º, da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto.
T. Alias, o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 março, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2012, explica que esse Orçamento «cumpre com os diversos princípios e regras orçamentais estabelecidos na Lei de Enquadramento do Orçamento, nomeadamente as regras da anualidade, do equilíbrio, da não consignação, do orçamento bruto, da especificação, da unidade e da universalidade» e que dá continuidade à implementação de medidas necessárias à sustentabilidade e estabilização das finanças públicas da Região e à salvaguarda dos seus compromissos financeiros.
U. E foi neste contexto que o disposto no art.º 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, (inserido no Capítulo V, respeitante à «Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais»), prorrogou a vigência do regime da derrama regional para o exercício de 2012, com o propósito de consolidação orçamental.
V. Note-se alias a referência feita na sentença recorrida, quanto à natureza da derrama local.: “A derrama local constava ao tempo do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro e consta atualmente do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (Lei das Finanças Locais). Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de abril de 2013 (acórdão n.º 197/2013), perdeu o carácter extraordinário porque se apresenta agora como um «mecanismo corrente de financiamento dos municípios». Ou seja, a derrama local constitui atualmente uma receita ordinária dos municípios (que se repete, por natureza, todos os anos), embora o seu lançamento esteja dependente de uma deliberação anual.
W. Neste mesmo sentido, entendemos que a derrama regional constitui uma receita ordinária embora haja, quanto a esta, uma deliberação anual em sede de orçamento regional.
X. O que a derrama regional, in casu, não pode ser, é um imposto extraordinário sobre lucros e despesa, pois constitui uma mera adaptação sem alterações do regime da derrama estadual, vigorando para o futuro na região Autónoma da Madeira, em substituição da derrama estadual, não sendo temporária nem extraordinária, nem se destina a suportar despesas extraordinárias que estejam taxativamente enumeradas nas leis orçamentais.
Y. Ao não poder ser a derrama regional caracterizada como imposto extraordinário sobre lucros e despesas, então esta não poderá ser enquadrada na previsão da alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, pelo que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na aplicação do direito.
Z. A sentença a quo incorre ainda em erro de julgamento de direito, por violação do princípio da legalidade fiscal e da proibição de integração analógica no âmbito de benefícios fiscais, ao decidir que a Impugnante, enquanto entidade licenciada a operar na Zona Franca da Madeira, no ano de 2012, está isenta do pagamento de derrama regional, ao abrigo do disposto na alínea e) do art.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.
AA. Com efeito, a alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, consagra uma isenção do imposto extraordinário sobre lucros destinado às empresas instaladas na zona franca da Madeira, sendo que esse imposto foi criado especificamente, nos termos do nos termos do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro, como imposto acessório à contribuição industrial.
BB. Mas, desde 1 de janeiro de 1989, as entidades instaladas na zona franca da Madeira deixaram de poder beneficiar da isenção que fora prevista na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, por inexistência jurídica do imposto extraordinário sobre lucros criado pelo art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 119- A/83, de 28 de fevereiro, por efeito da abolição da contribuição industrial.
CC. Ora, se, a partir de 1 de janeiro de 1989, o legislador foi omisso quanto à previsão de uma norma que estipule para a derrama regional, (cujo regime legal que apenas surgiu pela primeira vez muito posteriormente, em 2010, e se tem mantido até ao presente), uma isenção idêntica àquela que estabelecera para o «imposto extraordinário sobre lucros» na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, não pode o intérprete substituir-se a legislador fazendo uma integração analógica.
DD. A Sentença recorrida procedeu a uma integração analógica da derrama regional no âmbito da norma de isenção do «imposto extraordinário sobre lucros» prevista na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, e não uma interpretação extensiva, (aludida na parte final do art.º 10.º do EBF), porque não demonstrou que o legislador, quando consagrou a isenção prevista para o «imposto extraordinário sobre lucros», tenha pretendido nela incluir outro tributo como a derrama regional.
EE. Assim, a aplicação desse benefício fiscal no âmbito da derrama regional, viola o princípio da legalidade fiscal, previsto no n.º 2 do art.º 103.º da CRP, porque pretende fazer uma aplicação analógica do regime previsto na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, o qual se queria referir apenas ao imposto extraordinário sobre lucros e sobre despesas, entretanto abolido.
FF. Diante do exposto, o Tribunal a quo não deveria ter aplicado à derrama regional, impugnada nos presentes autos, a isenção prevista na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, existindo fundamento para este Tribunal a quem reconhecer ser de considerar a derrama regional um imposto ordinário e consequentemente afastar a aplicação desta isenção prevista para o «imposto extraordinário sobre lucros» à derrama regional, bem como concluir que o ato tributário impugnado é legal.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que declare a impugnação improcedente.
Porém V. Exas., decidindo, farão a costumada JUSTIÇA!

A recorrida A………………………, LDA. apresentou contra-alegações, que concluiu nos termos que se seguem:

I. Constitui objeto do presente Recurso a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, em 14 de abril de 2021, no âmbito do processo de Impugnação Judicial n.° 81/15.2 BEFUN e que considerou totalmente procedente o pedido formulado pela ora Recorrida e determinou a anulação da liquidação de imposto impugnada.
II. Em discussão nos autos estava a (i)legalidade da (auto)liquidação de IRC referente ao período de 2012, designadamente, no que respeita a Derrama Regional apurada, no montante de € 712.997,95, e aos correspondentes juros compensatórios, no valor de € 28.285,50.
III. Tendo o douto Tribunal a quo proferido Sentença, considerando, e bem, totalmente procedente o peticionado pela Recorrida.
IV. O Tribunal a quo conclui, justamente, que a Derrama Regional “enquadra na previsão contida na alínea e) do art. 7° do Decreto-Lei n.9165/86. de 26 de junho:”, pelo que, "impõe-se, pois, indagar se a referida isenção é aplicável no caso dos autos” E que, por isso, "[p]erfilhando-se da supracitada jurisprudência, impõe-se concluir que a alteração introduzida pelo art. 16.°, n.° 2 do Decreto Legislativo Regional n. ° 2/2011/M, de 10 de janeiro, - se aplicável - quando interpretada no sentido de derrogar a isenção prevista no art. 7°, alínea e), do Decreto-Lei 165/86, de 26 de Junho, viola, de forma manifesta, o princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei formal.
“Atendendo a que a nova redação conferida ao art. 5.º, n.º 5 do regime da Derrama Regional - quando interpretada no sentido de derrogar a isenção prevista no art. 7°, alínea e), do Decreto-Lei 165/86, de 26 de junho -, viola frontalmente o princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei formal, não pode a mesma ser aplicada à Recorrida.
V. Nestes termos, conclui o Tribunal a quo que "[r]estando, pois, provado que a Recorrida era titular de licença que a autorizava a exercer a sua atividade no âmbito da Zona Franca da Madeira no exercício de 2012, forçoso será concluir que a mesma se encontrava isenta, ao abrigo do disposto no art. 7° alínea e) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho, do pagamento da Derrama Regional, criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, e prorrogada, para o ano de 2012, pelo Decreto Legislativo Regional n ° 5/2012/M, de 30 de março.".
VI. A administração tributaria alega, sem razão, que "(...) a decisão a quo contém um erro de julgamento, quanto aos pressupostos de direito, decorrente da qualificação da Derrama Regional, por parte da sentença recorrida, como «imposto extraordinário sobre lucros e despesas” e da consequente aplicação à Derrama Regional da isenção estabelecida na alínea e) do art.° 7° do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, prevista para «impostos extraordinários sobre lucros e despesas».".
VII. Pretendendo a Administração tributária que "[c]onsequentemente, ao não ser a Derrama Regional caracterizada como imposto extraordinário sobre lucros e despesas, então esta não poderá ser enquadrada na previsão da alínea e) do art.º 7° do Decreto-Lei n° 165/86, de 26 de junho, pelo que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na aplicação do direito”.
VIII. Ora, a Recorrida é uma entidade licenciada para operar na Zona Franca da Madeira, enquadrando-se, em sede de IRC, no regime geral com aplicação do regime de tributação especial consagrado no artigo 36.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), sendo que. no entender da ora Recorrida não lhe é aplicável, enquanto entidade sujeita ao referido regime de tributação especial a Derrama Regional, criada pelo Decreto-Legislativo Regional n.° 14/2010/M, de 5 de agosto.
IX. O Decreto Legislativo Regional n.° 14/2010/M, de 05 de agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, não exceciona, nem afasta, a aplicação do disposto no Decreto-Lei n.° 165/86, de 26 de Junho, que aprovou um conjunto de incentivos financeiros e, bem assim, de incentivos fiscais, nomeadamente, aos sócios, às empresas e ao investimento, com o objetivo declarado de promover a instalação de novos projetos de investimento, de atrair e fixar fatores de produção e de apoiar o arranque e promover a estabilização das empresas instaladas, encontrando-se, entre estes incentivos, expressamente previsto no artigo 7.°, alínea e), do referido Decreto-Lei que “(...) As empresas instaladas na Zona Franca da Madeira gozam dos seguintes benefícios fiscais (...) isenção de impostos extraordinários sobre lucros e despesas', pelo que, deste modo, é manifesto que a RECORRIDA está. totalmente, isenta de impostos extraordinários relativamente à totalidade do seu rendimento, ou seja. isente do pagamento de Derrama Regional. Assim, no caso sub judice não existe qualquer dúvida de que a Derrama Regional constitui, para efeitos da referida alínea e) do artigo 7.°do Decreto-Lei n.° 165/86, um efetivo imposto extraordinário sobre os lucros.
X. Com efeito, a Derrama Regional sub judice consubstancia um imposto sobre o lucro das sociedades, situação que resulta, conforme já demonstrado, da própria letra da lei. Por outro lado, o carácter extraordinário da Derrama Regional, á admitido pela própria Administração tributária, no âmbito do projeto de correção decorrente de inspeção tributária efetuada (cfr; cit. Doc. n.° 4 junto com a Petição Inicial da Impugnação Judicial), no qual se refere expressamente que ”[d]e igual forma ao que sucede com a «Derrama estadual», também a «Derrama Regional» tem caráter excecional e aplica-se aos sujeitos passivos de IRC que exercem a título principal uma actividade de natureza comercial industrial ou agrícola.".
XI. Foram também estes os pressupostos inerentes à criação da Derrama Regional no âmbito do Decreto Legislativo Regional n.° 14/2010/M, de 5 de agosto, e que, à semelhança da Derrama Estadual, consubstancia uma Derrama com carácter excecional, criada com o objetivo de consolidação orçamental e de acelerar a redução de défice, tendo sido, ainda, a excecionalidade da Derrama Regional, reforçada pelo Despacho n.° 46/2010, de 18 de agosto, da Secretaria Regional do Plano e das Finanças do Governo da Região Autónoma da Madeira, publicado no n.° 155, da II Serie, do Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira.
XII. Deste modo. (i) uma vez que o Decreto-Legislativo Regional n.° 14/2010/M, não afasta, nem exceciona os benefícios fiscais constantes do Decreto-Lei n ° 165/86, o qual consagra a isenção das empresas instaladas na Zona Franca da Madeira, no que concerne aos impostos extraordinários sobre lucros, e (ii) constituindo a Derrama Regional um imposto com carácter extraordinário sobre o lucro, é evidente que a Recorrida está isenta do pagamento da Derrama Regional sub judice, conforme considerou a Sentença em apreço.
XIII. Não poderá ser aceite o argumento de que o regime da Derrama Regional foi definitivamente regulamentado e consolidado através do Decreto Legislativo Regional n.° 5/2014/M, de 23 de julho, posto que, (i) o referido diploma não se encontrava em vigor à data dos factos, isto é, no ano de 2012. e por isso é inaplicável à situação sub judice, (ii) e mesmo que se considerasse que a Derrama Regional seria, afinal, um imposto ordinário a partir da entrada em vigor do referido diploma- no que não se consente tal não implicaria, ainda assim, que, até esse momento, o imposto tivesse natureza extraordinária.
XIV. Mesmo que um imposto extraordinário seja prorrogado no tempo e optando o legislador fiscal por tornar tal imposto como sendo ordinário e para vigorar de modo definitivo no tempo, tal alteração da configuração, de extraordinário para ordinário, não tem um efeito fiscal retroativo, porque tal seria proibido, além do mais, nos termos do n.° 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa.
XV. Mas se dúvidas ainda subsistissem sobre o âmbito de aplicação da Derrama Regional e a isenção de que beneficia a Recorrida, o Legislador Regional explicitou, adequadamente, o sentido e âmbito da Derrama Regional através do Despacho n.° 46/2010, de 18 de agosto. Mais se diga que. de acordo com o n.° 1 do referido Despacho n.° 46/2010. o Legislador Regional quis e isentou do pagamento da Derrama Regional, as entidades licenciadas e a operar na Zona Franca da Madeira, que beneficiem, quer do regime de isenção do artigo 33.°, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quer dos regimes de redução de taxa de IRC previstos nos artigos 35.° e 36.° do mesmo diploma.
XVI. Aliás, o acerto desta conclusão é ainda mais evidente se se atender, quanto a esta matéria, designadamente, ao disposto no n.° 5. do artigo 6.° do Decreto Legislativo Regional n.° 5-A/2014/M, de 23 de Julho, que clarificou o regime jurídico da Derrama Regional ao determinar expressamente que. [e]xcluem-se da aplicação da presente norma as entidades licenciadas a operar na Zona Franca da Madeira que beneficiem do regime de redução de taxa de IRC previsto no artigo 36.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais."
XVII. Assim, não estando controvertido que a Recorrida é uma entidade licenciada para operar na Zona Franca da Madeira, enquadrando-se, em sede de IRC, no regime geral com aplicação do regime de tributação especial consagrado no artigo 36.° do EBF, e tendo o Legislador Regional, expressamente, excluído do âmbito de aplicação da Derrama Regional estas empresas, é manifesta a ilegalidade da autoliquidação sub judice e a falta de mérito do recurso interposto pela Administração tributária.
XVIII. Adicionalmente, cumpre, ainda, referir que. nos termos do artigo 68.°-A. n.° 1, da Lei Geral Tributária "[a] Administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação (...)".Deste modo, a Administração tributária estava, e está, vinculada ao disposto no aludido Despacho n.° 46/2010, de 18 de agosto, da Secretaria Regional do Plano e das Finanças do Governo da Região Autónoma da Madeira, razão pela qual o entendimento que subjaz à autoliquidação impugnada não pode proceder, por violar manifestamente a isenção expressamente determinada no âmbito do referido Despacho.
XIX. Em face do exposto, e sendo certo que o erro na autoliquidação não pode deixar de ser imputado à Administração tributária, e também por uma questão igualdade entre contribuintes, a (auto)liquidação em apreço sempre deveria, por isso. ser anulada nos termos do artigo 13.°da CRP e dos artigos 8°e 68.°-A, ambos da LGT.
XX. Deste modo, tendo em consideração que o entendimento que subjaz à (auto)liquidação impugnada é contrário ao entendimento constante do Despacho n.° 46/2010, o qual, nos termos do artigo 68.°-A da LGT vincula a Administração tributária, é manifesta a ilegalidade da (auto)liquidação impugnada.
XXI. Invoca ainda a Administração tributária que a sentença a quo. ao decidir que a Recorrida, enquanto entidade licenciada a operar na Zona Franca da Madeira, no ano de 2012, está isenta do pagamento de Derrama Regional, ao abrigo do disposto na alínea e) do art. ° do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, incorre em erro de julgamento de direito, por violação do princípio da legalidade fiscal e da proibição de integração analógica no âmbito de benefícios fiscais.".
XXII. Considera a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA que [n]a alínea e) do art.º 7.° do Decreto-Lei n.° 165/86, de 26 de junho, o legislador consagrou um benefício fiscal de isenção do imposto extraordinário sobre lucros destinado às empresas Instaladas na zona franca da Madeira, sendo que esse imposto foi criado, nos termos do nos termos do art.° 33.° do Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro, como imposto acessório à contribuição industrial.
XXIII. Entende assim a Administração tributária que. (...) desde 1 de janeiro de 1989, as entidades instaladas na zona franca da Madeira deixaram de poder beneficiar da isenção que fora prevista na alínea e) do art.° 7° do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, por inexistência jurídica do imposto extraordinário sobre lucros criado pelo art.º 33° do Decreto-Lei n.° 119-A/83, de 28 de fevereiro, por efeito da abolição da contribuição industrial.
XXIV. Concluindo a Administração tributária que “[a] Sentença recorrida concretizou verdadeiramente uma integração analógica da Derrama Regional no âmbito da norma de isenção do «imposto extraordinário sobre lucros» prevista na alínea e) do art.º 7.° do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, e não uma interpretação extensiva, (aludida na parte fina! do art.º 10.º do EBF), porque não demonstrou que a letra da lei tenha ficado aquém do pensamento legislativo, ou seja, que o legislador quando consagrou a isenção prevista para o «imposto extraordinário sobre lucros» tenha pretendido nela incluir outro tributo de natureza idêntica à Derrama Regional.”.
XXV. Contudo, tal interpretação da Administração tributária assenta, fatalmente, num pressuposto errado: o de que o Imposto extraordinário sobre lucros, criado pelo Decreto-Lei n.° 119-A/83, de 28 de fevereiro, seria um "imposto acessório à contribuição industrial".
XXVI. Conforme resulta da jurisprudência, pacífica e uniforme, do Supremo Tribunal Administrativo, o Imposto extraordinário sobre lucros, criado pelo Decreto-Lei n.° 119-A/83, de 28 de fevereiro. (...) não se configura como adicional da CI (Contribuição Industrial) mas como imposto diferenciado dela: atém de não ter vocação para durar indefinidamente, pois era temporário, as suas regras de tributação eram diversas, porquanto dele não estava isento quem gozasse de isenção temporária de CI e o rendimento colectável sobre que incidia era superior ao do sujeito a CI quando houvesse crédito fiscal por investimento, reinvestimento ou incentivo à exportação, cujos valores eram dedutíveis ao lucro tributável em CI mas não em IESL "(Imposto extraordinário sobre lucros).
XXVII. Deste modo, não poderá ser aceite a interpretação de que a abolição da Contribuição Industrial teria implicado, segundo compreende a Recorrida da posição da Administração tributÁria, a revogação do regime do Imposto extraordinário sobre lucros (criado pelo Decreto-Lei n.º 119-A/83. de 28 de fevereiro) e, consequentemente a inaplicabilidade da alínea e) do art.° 7.° do Decreto-Lei n.° 165/86, de 26 de junho por "inexistência jurídica do imposto extraordinário sobre lucros (…)”.
XXVIII. Demonstra-se assim ser absolutamente errado o entendimento seguido pela Administração tributária no presente recurso.
XXIX. Que de igual forma, o aumento pretendido pela Administração Tributária, de que o benefício fiscal sob análise cessou a sua vigência com a abolição da Contribuição Industrial, não encontra mínimo suporte na alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho.
XXX. Analisando a letra da lei, a alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho, diz-nos que “[a]s empresas instaladas na Zona Franca da Madeira gozam dos seguintes benefícios fiscais (…) e) isenção de impostos extraordinários sobre lucros e despesas”.
XXXI. Desde logo, atente-se que o legislador não remeteu para o diploma que aprovou o imposto extraordinário sobre lucros – Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de Fevereiro -, nem tão pouco para o diploma que aprovou a sua regulamentação – Decreto Regulamentar n.º 66/83, de 13 de Julho -, optando por aludir a uma tipologia de impostos: os extraordinários sobre lucros e despesas.
XXXII. Depois, o legislador usou o plural “impostos extraordinários” ao invés do singular “imposto extraordinário”, assim utilizando uma formulação genérica e abrangente para o que se entenda por “impostos extraordinários” e não como estando a referir-se a um único imposto em específico.
XXXIII. Ainda, na formulação do benefício fiscal o legislador optou pela preposição simples “de”, ao invés de usar a preposição “do”, com a contração com o artigo definido aqui, mais uma vez, numa formulação genérica e abrangente a eventuais e quaisquer impostos extraordinários e não ao Imposto extraordinário regulados nos termos do artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 119-A/83, de 28 de fevereiro.
XXXIV. Deste modo, o elemento literal demonstra, assim, que o legislador não pretendeu limitar o âmbito da aplicação do benefício fiscal em apreço ao Imposto extraordinário previsto no artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 119-A/83, de 28 de fevereiro.
XXXV. Caso fosse intenção do legislador limitar a aplicação do benefício fiscal em apreço ao referido imposto extraordinário, certamente teria remetido para este diploma ou adotado uma formulação específica, como, por exemplo. "Isenção do Imposto extraordinário sobre lucros e despesas", coisa que, manifestamente, não fez.
XXXVI. Adicionalmente, também o elemento sistemático reforça esta conclusão, pois. a formulação da alínea d) do artigo do Decreto-Lei n.° 165/86, de 26 de Junho, demonstra claramente que o legislador não pretendeu limitar os benefícios fiscais a um imposto em concreto, mas, antes, conceber os benefícios fiscais em função de tipologias de impostos, consciente, naturalmente, da constante mutação de regimes jurídicos fiscais.
XXXVII. Pelo que se conclui que o benefício fiscal previsto na alínea e) do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 165/86, de 26 do junho, não tem o âmbito de aplicação limitado ao Imposto extraordinário previsto no artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 119-A/83, de 28 de fevereiro, conforme pretende a Administração tributária no concreto caso dos presentes autos.
XXXVIII. Também do ponto de vista teleológico, verifica-se que o legislador fiscal estava, perfeitamente, ao corrente de que o Imposto extraordinário que constava do artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 119-A/83, de 28 de fevereiro, era, pela sua própria natureza, temporário, pelo que, em caso de não prorrogação, este imposto cessaria.
XXXIX. Contudo, poderiam ser criados outros impostos extraordinários sobre lucros e, ao empregar uma formulação genérica e abrangente, a única interpretação teleologicamente correta é a de que o legislador pretendeu que a alínea e) do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 165/86, de 26 de Junho, se aplicasse a quaisquer impostos extraordinários sobre os lucros, presentes ou futuros, como forma de continuar a promover e a captar novos investimentos, voltados para o desenvolvimento económico e social da Região Autónoma da Madeira, como era o objetivo expresso do Decreto-Lei n.° 165/86, de 26 de Junho.
XL. Não faria, aliás, sentido que o legislador tivesse a preocupação de legislar a alínea e) do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 165/86, de 26 de junho, no termos em que o faz se a mesma só fosse aplicável ao Imposto extraordinário criado pelo artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 119-A/83, de 28 de fevereiro, mas cuja vigência era meramente anual e poderia a qualquer momento deixar de se encontrar vigente, sem, contudo, não prever o legislador a eventual situação de futuras introduções de impostos extraordinários sobre lucros que se poderiam vir a aplicar-se a entidades da Zona Franca da Madeira, o que acabaria por esvaziar de conteúdo e sentido o regime de benefícios fiscais e financeiros instituídos pelo do Decreto-Lei n.° 165/86, de 26 de junho.
XLI. Conforme foi demonstrado, a suposta lacuna legislativa que, eventualmente, estaria a ser sujeita a integração analógica, simplesmente, não existe.
XLII. Resulta de toda a exposição supra que: (i) o Imposto extraordinário previsto no artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 119-A/83, de 28 de fevereiro, não era um imposto complementar à Contribuição Industrial, logo a abolição desta não contende com esse imposto, nem tampouco com o regime fiscal ínsito ao Decreto-Lei n.° 165/86, de 26 de |unho; (ii) conforme resulta de uma interpretação literal, sistemática e teleológica. a alínea e) do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 165/86. de 26 de junho, não teria como escopo exclusivo o Imposto extraordinário previsto no artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 119-A/83, de 28 de fevereiro, prevendo, pelo contrário, a situação de atribuição de uma isenção de impostos sobre os lucros de natureza extraordinária, quer em vigor à data, quer criados futuramente.
XLIII. Verifica-se, assim, não assistir qualquer razão à RECORRENTE nos vícios apontados à Sentença em apreço, devendo, portanto, a mesma ser confirmada nesta sede.
XLIV. Sem prejuízo do exposto, porque consta da Petição Inicial da Impugnação Judicial mas não analisado em sede de Sentença proferida pelo Tribunal a quo, ainda que não se entenda que a Recorrida está isenta do pagamento da Derrama Regional, nos termos supra expostos, o que não se admite e apenas por dever de patrocínio se projeta, sempre a autoliquidação sub judice seria ilegal, por violação dos princípios da segurança e da certeza jurídica.
XLV. Com efeito, no caso concreto, é manifesto que o entendimento da Administração tributária, constante do Projeto de Correções relativas ao exercício de 2012. que motivou e subjaz a "Modelo 22", de 28 de maio de 2014, sub judice, (que apenas foi apresentada para evitar as consequências inerentes à sua omissão) viola o referido princípio da segurança jurídica.
XLVI. E é assim porque, estando expressamente previsto na alínea e) do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 165/86, que as entidades licenciadas para operar na Zona Franca da Madeira, enquadradas em sede de IRC, no regime geral com aplicação do regime de tributação especial consagrado no artigo 36.° do EBF isentas de (todos os) impostos extraordinários sobre os lucros.
XLVII. não tendo aquela norma sido revogada ou excecionada por qualquer outra e não existindo qualquer dúvida quanto ao carácter extraordinário e incidência sobre os lucros da Derrama Regional,
XLVIII. não é admissível, porque manifestamente inconstitucional e ilegal, que, agora, se impusesse à Recorrida o pagamento de imposto apurado a título de Derrama Regional sub judice.
XLIX. Sendo a Recorrida uma entidade licenciada para operar na Zona Franca da Madeira, e considerando o carácter extraordinário da Derrama Regional sub judice e a restante legislação em vigor, nada faria prever que teria de proceder ao pagamento do imposto em apreço.
L. Aliás, bem pelo contrário, conforme já se demonstrou, (i) não tendo sido revogado o disposto no artigo 7,°, alínea e), do Decreto-Lei n.° 165/86, norma nos termos da qual. as entidades instaladas na Zona Franca da Madeira beneficiam relativamente à totalidade do seu rendimento, de isenção quanto aos impostos sobre os lucros com carácter de imposto extraordinário, e (ii) constituindo a Derrama Regional um imposto com carácter extraordinário, é manifesto que, a Recorrida está isenta do pagamento do referido imposto e que, nessa medida, a autoliquidação em causa constitui uma manifesta ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis.
LI. De todo o exposto resulta que o Recurso interposto pela Administração tributária carece de absoluto fundamento e que o enquadramento jurídico e material por si efetuado não encontra o devido respaldo legal e factual
LII. Deverá, pois, ser negado Integral provimento ao Recurso interposto pela Administração tributÁria, confirmando- se a Sentença recorrida e a anulação das liquidações impugnadas, com as demais consequências legais daí decorrentes.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O RECURSO APRESENTADO PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA SER CONSIDERADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DAÍ DECORRENTES.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, no parecer que se segue:

Vem o presente recurso interposto da douta sentença do TAF do Funchal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial do ato de liquidação de IRC do exercício de 2012, no qual foi apurada derrama regional no montante de € 712.997,95.
Não se conforma a Recorrente Fazenda Pública, por entender, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que a derrama regional beneficia da isenção a que alude a alínea c) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.
Pugna a Recorrente que a derrama regional não pode ser qualificada como um “imposto extraordinário sobre lucros” para os efeitos daquele dispositivo legal.
Porque a derrama regional não constitui receita extraordinária nem está consignada a suportar despesas extraordinárias.
No fundo, o que a Recorrente diz, é que a integração da derrama regional no âmbito da alínea c) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, sendo um tributo distinto do extinto imposto extraordinário sobre lucros, só poderia fazer-se por analogia, sendo que as normas que consagram as isenções fiscais não são suscetíveis de integração analógica.
A Recorrida A………………….., LDA., apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença.
A questão a decidir é, a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao qualificar a derrama regional criada pelos artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, como um “imposto extraordinário sobre lucros”.
Parece, que se poderá dizer que o imposto será extraordinário, se tiver sido instituído para vigorar durante um período limitado de tempo, e a sua excecionalidade prende-se com as circunstâncias que determinaram a sua criação, porque o seu enquadramento tem a ver com as medidas fiscais com carácter marcadamente temporário.
Ora, a derrama regional a que aludem os artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, foi integrada num diploma destinado a vigorar num só ano económico, o diploma que alterou o orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2010, e nessa medida só pode ser um imposto temporário.
Porém, o facto de ter sido mantida nos anos seguintes, em sucessivos diplomas que aprovaram os orçamentos da Região Autónoma da Madeira, assegura o caráter temporário do imposto, uma vez que através deste procedimento legislativo, se condicionou a própria existência do imposto à sua criação em lei anual.
Ora, resulta que o regime fiscal da derrama regional, foi inserido em lei do orçamento, inculcando assim, a ideia de que a receita por ela criada é uma receita extraordinária do exercício correspondente.
A Recorrente, vem refutar tal opinião dizendo que a prorrogação para o ano de 2012 do regime que criou a derrama regional, determinada pelo artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, cumpriu finalidades distintas.
Embora, possa efetivamente ter cumprido finalidades distintas, não nos parece, que se possa concluir que tivesse deixado de ser um imposto extraordinário, já que voltou a ter uma duração limitada no tempo, com a criação da derrama regional para o ano de 2012, revalidado as normas instituídas para a criação de imposto equivalente de anos anteriores e ao mesmo tempo, limitando a sua vigência ao ano correspondente.
Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.


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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. No dia 23 de outubro de 2000, a B……………., S.A. emitiu a licença n.º 06549, que autorizou a sociedade “C…………………, LDA.” a exercer a sua atividade no âmbito da Zona Franca da Madeira – cfr. fls. 70 do Processo Administrativo (PA) junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 07 de abril de 2005, foi aditado o averbamento n.º 04 à licença n.º 06549 mencionada no ponto antecedente, pelo qual foi alterada a denominação da sociedade “C…………….., LDA.” para “A……………, LDA.” – cfr. fls. 69 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. A “A…………………, LDA.”, ora Impugnante, tinha “as taxas anuais de funcionamento referentes ao ano de 2013 regularizadas” para operar no âmbito institucional da Zona Franca da Madeira – cfr. fls. 68 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. A 24 de maio de 2013, a sociedade Impugnante apresentou Declaração Modelo 22 do IRC, referente ao exercício de 2012, com a identificação 2810-C0247-5, na qual foi apurado um lucro tributável de € 19.159.958,91 e onde foi inscrito no campo “derrama” um valor de € 0,00 – cfr. fls. 03 do PA junto aos autos e doc. n.º 1 junto com a contestação.

5. Na sequência da apresentação da declaração mencionada no ponto antecedente, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de IRC n.º 2013 2910358696, datada de 20 de junho de 2013, referente ao exercício de 2012, na qual se apurou um valor a recuperar de € 0,01 – cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação.

6. Pela ordem de serviço interna n.º OI201400189, datada de 03 de abril de 2014, foi realizada ação inspetiva à Impugnante, de âmbito parcial em IRC e extensão ao exercício de 2012 – cfr. projeto de correções constante de fls. 59 a 64 do PA junto aos autos.

7. No dia 14 de maio de 2014, foi proferido “Projeto de Correções” da ação de inspeção efetuada a coberto da ordem de serviço interna n.º OI201400189, no qual se concluiu que: “O sujeito passivo (S.P.) «A…………………., LDA.», NIPC ………., sediado na Zona Franca da Madeira, enquadrado no regime geral de tributação, tendo em 2012 apurado um lucro tributável sujeito a imposto no valor de € 19.159.958,91, não liquidou a derrama estadual/regional, nos termos do art.º 87.º-A do CIRC e art.º 3.º do Decreto-Legislativo Regional 14/2010/M, de 5 de agosto. Desta forma, terá de ser efetuada uma correção ao apuramento do imposto, no valor de € 712.997,95 de acordo com o art. 87.º-A do CIRC” – cfr. fls. 59 a 64 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. A Impugnante foi notificada do projeto de correções referido no ponto antecedente, por ofício n.º 5.585, datado 26 de maio de 2014, para efeitos de audição prévia – cfr. fls. 58 a 64 do PA junto aos autos e doc. n.º 3 junto com a petição inicial.

9. Em 28 de maio de 2014, a sociedade Impugnante apresentou Declaração Modelo 22 do IRC, referente ao exercício de 2012, com a identificação 2810- C0389-8, na qual foi apurado um lucro tributável de € 19.159.958,91 e onde foi inscrito no campo 373 do quadro 10 (“derrama estadual”) um valor de € 712.997,95 – cfr. fls. 50 a 57 do PA junto aos autos e doc. n.º 2 junto com a contestação.

10. Na sequência da apresentação da declaração mencionada no ponto antecedente, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de IRC n.º 2014 2910069487, datada de 05 de junho de 2014, referente ao exercício de 2012, na qual se apurou um valor de € 0,01 – cfr. fls. 74 a 76 do PA junto aos autos e doc. n.º 2 junto com a contestação.

11. A 25 de setembro de 2014, a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças do Funchal – 1, reclamação graciosa da autoliquidação de IRC do exercício de 2012, propugnando pela anulação daquele ato tributário na parte referente à derrama regional – cfr. fls. 30 a 49 do PA junto aos autos e doc. n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12. O pedido mencionado no ponto antecedente motivou a instauração do procedimento de reclamação graciosa n.º 2810201404004426, que correu termos no Serviço de Finanças do Funchal – 1 – cfr. fls. 28 e 29 do PA junto aos autos.

13. Foi emitido centralmente, em 02 de dezembro de 2014, documento de correção n.º 100330100 referente à Declaração Modelo 22 do IRC da Impugnante, relativa ao exercício de 2012, onde se refletiu o valor de € 712.997,95 a título de “derrama estadual” no campo 373 do quadro 10 – cfr. fls. 05 a 16 do PA junto aos autos.

14. A emissão do documento de correção mencionado no ponto antecedente deu origem à liquidação adicional de IRC n.º 2014 8310035293, datada de 03 de dezembro de 2014, de que resultou um valor a pagar de € 741.283,43, com data limite de pagamento a 02 de fevereiro de 2015 – cfr. fls. 17 a 19 do PA junto aos autos.

15. A Impugnante procedeu ao pagamento da quantia apurada a título de IRC de 2012, e correspetivos juros compensatórios, num total de € 741.283,43, em 02 de fevereiro de 2015 – cfr. fls. 25 e 26 do PA junto aos autos.

16. A presente impugnação judicial foi apresentada em 23 de fevereiro de 2015 – cfr. fls. 01 e ss. dos autos (suporte digital).

17. No dia 12 de maio de 2015, a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças do Funchal – 1, reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC n.º 2014 8310035293, propugnando pela anulação daquele ato tributário e pelo reembolso do montante pago a esse título – cfr. fls. 79 a 114 do PA junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

18. O pedido mencionado no ponto antecedente motivou a instauração do procedimento de reclamação graciosa n.º 2810201504001710, que correu termos no Serviço de Finanças do Funchal – 1 – cfr. fls. 77 e 78 do PA junto aos autos.


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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação intentada contra a derrama regional de 2012, padece de erro de julgamento, quando conclui que aquela derrama beneficia da isenção a que alude a alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho, não podendo ainda ser qualificada como um “imposto extraordinário sobre lucros” para os efeitos daquele dispositivo legal, uma vez que não constitui receita extraordinária, nem está consignada a suportar despesas extraordinárias.

Vejamos.
A questão que vem suscitada no âmbito do presente recurso foi já apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 2 de Dezembro de 2020 (proc. 0194/17.6BEALM), disponível em www.dgsi.pt, no qual se escreveu o seguinte:
“(…)
3.3. A questão fundamental a decidir é, então, a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao qualificar a derrama regional criada pelos artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, como um «imposto extraordinário sobre lucros» [conclusões “viii” a “xxiii”].
Assinale-se, entre parêntesis, que a questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao qualificar aquele imposto como «imposto regional autónomo não acessório» [também colocada pela Recorrente, mas nas conclusões “iii” a “vii”] não releva para o caso.
Porque de tal qualificação não depende a resposta à questão subjacente, que é a de saber se a derrama regional enquadra na previsão normativa da alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho. E se essa questão não releva para a decisão não tem que ser apreciada.
A doutrina alude a impostos extraordinários para referenciar os que tenham sido criados para atender a circunstâncias extraordinárias e gerar receitas extraordinárias por períodos limitados de tempo (neste sentido, Alberto Xavier, in «Manual de Direito Fiscal I», Almedina 1981, pág. 93 e Nuno de Sá Gomes, in «Manual de Direito Fiscal», Volume I, Rei dos Livros 1999, pág. 137).
Por estarem em causa circunstâncias extraordinárias (a deterioração da conjuntura económico-financeira de Portugal e o agravamento da crise da dívida soberana na Europa) e ter carácter marcadamente temporário (para incidir exclusivamente sobre os rendimentos auferidos em 2011) foi confirmada, como imposto extraordinário, pelo Tribunal Constitucional, a denominada «sobretaxa extraordinária» criada pelo n.º 4 do artigo 2.º da Lei n.º 49/2001, de 7 de setembro (acórdão n.º 412/2012).
Já o designado «imposto extraordinário sobre lucros», criado pelo Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro, e a que a Recorrente alude nas doutas alegações de recurso, recebeu essa designação atendendo sobretudo ao facto de ser um imposto temporário (ter uma «duração meramente anual», como refere o acórdão do Pleno desta Secção de 9 de julho de 1997 – Recurso n.º 14.521, Apêndice ao Diário da República de 30/03/2000, pág. 83).
Parece, assim, seguro que será extraordinário o imposto que tiver sido instituído para vigorar durante um período limitado de tempo, servindo a excecionalidade das circunstâncias que determinaram a sua criação para confirmar ou acentuar a característica transitória ou temporária do imposto.
Dizendo de outro modo: o legislador utiliza a expressão «imposto extraordinário» para designar o imposto que é limitado temporalmente, ou porque lhe é estabelecido um período de vigência limitado, ou porque é enquadrado em medidas fiscais com carácter marcadamente temporário.
Ora, a derrama regional a que aludem os artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, é – quanto a nós, notoriamente – um imposto temporário. Porque foi integrada num diploma destinado a vigorar num só ano económico, o diploma que alterou o orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2010.
Não obsta a tal o facto de ter sido mantida nos anos seguintes. Na verdade, o facto de a derrama regional ter sido «mantida» ou «renovada» em sucessivos diplomas que aprovaram os orçamentos da Região Autónoma da Madeira até confirma o carácter temporalmente limitado do imposto, visto que, através de tal procedimento legislativo, se condicionou a própria existência do imposto à sua criação em lei anual.
Pelo seu lado, o facto de o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, aludir a circunstâncias extraordinárias (decorrentes da intempérie que assolou a Região em 20 de fevereiro de 2010) que obrigaram a conceber formas de financiamento extraordinário, confirma que o legislador concebeu o imposto para vigorar durante um período limitado de tempo. E por isso inseriu todo o seu regime numa «lei temporária».
Não obsta a tal o facto de os diplomas posteriores não fazerem referência a circunstâncias extraordinárias, visto que a temporalidade do imposto não depende absolutamente, em última análise, de uma justificação extraordinária.
A situação da derrama da Região Autónoma da Madeira é, por isso, totalmente distinta da derrama estadual e da derrama local.
A derrama estadual consta do artigo 87.ºA do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, tendo sido instituída para vigorar ordinariamente, isto é, em todos os exercícios.
A derrama local constava ao tempo do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro e consta atualmente do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (Lei das Finanças Locais). Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de abril de 2013 (acórdão n.º 197/2013), perdeu o carácter extraordinário porque se apresenta agora como um «mecanismo corrente de financiamento dos municípios».
Ou seja, a derrama local constitui atualmente uma receita ordinária dos municípios (que se repete, por natureza, todos os anos), embora o seu lançamento esteja dependente de uma deliberação anual.
No caso da derrama regional, porém, o regime fiscal respetivo foi integralmente inserido em lei do orçamento. Obedecendo, assim, à ideia de que a receita por ela criada é uma receita extraordinária do exercício correspondente, sem prejuízo da sua renovação através de idêntico mecanismo.
Contrapõe a Recorrente que a derrama regional não pode ser caracterizada como imposto extraordinário por ter uma finalidade de consolidação orçamental.
No entendimento deste tribunal, porém, os impostos que tenham sido instituídos com a finalidade de consolidação orçamental não deixam por isso de ser considerados impostos extraordinários, desde que tenham um carácter marcadamente temporário. O que sucede é que essa característica já não pode derivar da finalidade com que foram instituídos, visto que a finalidade de consolidação orçamental não pode ser considerada uma finalidade extraordinária em si mesma.
Sempre se dirá que não é verdade que a derrama regional não tenha sido incluída no rol dos meios de financiamento extraordinários previstos na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho. Na verdade, todo o orçamento retificativo para a Região Autónoma da Madeira para 2010 tinha em vista «criar as condições orçamentais necessárias para levar a cabo as intervenções de recuperação» ditadas pelas circunstâncias decorrentes da intempérie que assolou a Região Autónoma da Madeira em 2010. Por isso, a derrama regional foi então criada tendo em vista assegurar as dotações orçamentais de receita necessárias para responder às responsabilidades instituídas pelo artigo 8.º daquela Lei Orgânica. Ou seja, comparticipar na reconstrução através das receitas respetivas.
É possível que (como conclui a Recorrente – conclusão “xix”) a prorrogação para o ano de 2012 do regime que criou a derrama regional, determinada pelo artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, tivesse cumprido finalidades distintas. No entanto, não deriva daí que tivesse deixado de ser um imposto extraordinário. Porque voltou a ter uma duração limitada no tempo. Na prática, o que ali sucedeu foi a criação da derrama regional para o ano de 2012, repristinando as normas instituídas para a criação de imposto equivalente de anos anteriores e limitando a sua vigência ao ano correspondente.
Pelo que o recurso não merece provimento por aqui.
3.4. Nas conclusões “xxiv” até final, a Recorrente coloca uma outra questão: a de saber se a derrama regional (ainda que seja considerada um imposto extraordinário) é um tributo distinto do «imposto extraordinário sobre lucros» a que alude a alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho. E se, por isso, não pode ser subsumido à respetiva previsão legal.
A correta interpretação destas conclusões não dispensa algum enquadramento: parece que a Recorrente não pretende pôr em causa que a derrama regional incida sobre uma parte do lucro tributável sujeito e não isento do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. E que, por ser calculada a partir do lucro tributável (ou de parte dele), deva ser considerada um «imposto sobre o lucro».
Se bem interpretamos, a ideia da Recorrente é que, ao aludir à «Isenção de impostos extraordinários sobre lucros e despesas», o legislador do Decreto-Lei n.º 165/86 citado pretendia reportar-se aos impostos que receberam essa específica designação.
Reconheça-se desde já que esse é um dos sentidos possíveis do texto da lei. Ao aludir a «impostos extraordinários sobre lucros» o legislador poderia ter em vista tanto os impostos que devam ser classificados com essa natureza como os impostos que tenham recebido essa específica designação.
Mas não é o sentido mais provável. A redação do preceito sustenta a sua aplicação a todos os impostos com a mesma natureza por mera interpretação declarativa. E não seria razoável que o legislador adotasse uma redação abrangente para reconduzir o benefício, que não foi temporalmente delimitado, a impostos específicos.
Por outro lado, as sucessivas Leis das Finanças Regionais continuaram a prever a existência de impostos extraordinários liquidados como adicionais ou sobre a matéria coletável de outros impostos muito para além da extinção dos «impostos extraordinários sobre lucros» criados pelo Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro – ver, por último, o artigo 25.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março.
Pelo que o legislador não assumiu ali nenhuma conexão intrínseca ou relação de dependência entre estes impostos e a extinta contribuição industrial. E, assumindo que o legislador é coerente quando se refere a «impostos extraordinários» nos diversos diplomas que regulam o sistema fiscal e financeiro da Região Autónoma, não é de admitir que adote a mesma designação nesses diplomas para se referir a realidades distintas.
Questão diversa seria a de saber se a alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86 teria sido tacitamente revogada com a entrada em vigor do Estatuto dos Benefícios Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, e a consequente adaptação dos benefícios fiscais da Zona Franca da Madeira aos novos impostos.
Mas a resposta é, também aqui, negativa. É sabido que a concentração da disciplina legal dos benefícios fiscais não serviu para eliminar a legislação avulsa que consagra benefícios fiscais, fora do âmbito estrito dos benefícios fiscais ali especificamente regulados. Assim, pelo facto de existir ali uma disposição dedicada aos benefícios fiscais na zona franca da Madeira, em sede de IRS e de IRC, não significa que as entidades licenciadas para ali operar não possam continuar a beneficiar de outros incentivos fiscais, designadamente de âmbito local ou regional.
Pelo que o recurso não merece provimento.
(…)”
E nenhuma razão nova decorre das alegações de recurso para que se inflicta o sentido do assim decidido na jurisprudência atrás indicada e para a qual aqui se remete nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, n.º 5 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 281.º do CPPT, sem necessidade de juntar cópia daquela decisão, atento o facto de a mesma estar disponíveis, na íntegra, em www.dgsi.pt.
Ademais, outro recentíssimo acórdão deste STA prolatado em 09-12-2021, no Processo nº 0107/17.5BEFUN, também consultável no referido lugar, revela a consolidação de tal jurisprudência.
Por se considerarem verificados in casu os pressupostos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP e atento o carácter essencialmente remissivo desta decisão, determina-se ainda a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

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3.- Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.
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Lisboa, 12 de Janeiro de 2022

José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.