Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0179/13
Data do Acordão:04/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE
INÍCIO DO PRAZO
VENDA DE BENS PENHORADOS
Sumário:I – Os embargos de terceiro são o meio processual adequado para fazer a defesa dos direitos de quem for ofendido - na sua posse ou em qualquer direito cuja manutenção seja incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial - por um acto de aresto, penhora ou outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens (art. 237º, nº 1, do CPPT).
II – É a penhora do imóvel e não a ordem de venda que constitui o acto ofensivo do direito que o embargante invoca relativamente ao bem penhorado no âmbito da execução, uma vez que é em resultado do cumprimento dessa diligência que o imóvel fica imediatamente apreendido e adstrito aos fins do processo executivo, ocorrendo a transferência dos poderes de gozo para o tribunal (a exercer através do fiel depositário, que no caso é o próprio embargante) e a ineficácia/indisponibilidade, para a execução, do bem penhorado.
III – Daí que o facto relevante para se iniciar a contagem do prazo para reagir contenciosamente através de embargos seja, nos termos do disposto no nº 3 do art. 237º do CPPT, o conhecimento desse acto de apreensão judicial do bem, e não a data em que é ordenada a sua venda.
Nº Convencional:JSTA000P15597
Nº do Documento:SA2201304230179
Data de Entrada:02/07/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


I- RELATÓRIO

1. A…………….., com os sinais dos autos, deduziu embargos de terceiro, por apenso à execução fiscal n.º 22751999501000810, em que é executada “B…………….., Lda”, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que, considerando os embargos manifestamente intempestivos, julgou pela sua improcedência.

2. Não se conformando com tal decisão, A………………. interpôs recurso para a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentou as suas Alegações, com as seguintes Conclusões:
“1. O embargante, aqui recorrente, fundou a sua pretensão no direito de propriedade sobre o imóvel cuja venda foi determinada e na posse expressão desse direito de propriedade, conjugado com o dever de entrega do bem ao comprador, enquanto efeito necessário da venda ordenada, direito de propriedade que, por sua vez, fundou na aquisição originária isto é, na usucapião.
2. A venda, constitui acto judicialmente ordenado que importa a obrigação de entrega do bem e determina a saída desse mesmo bem da esfera jurídica do embargante, impedido a continuação do exercício dos poderes de facto que sobre o mesmo vem exercendo e o fruir da utilidades práticas, económicas e jurídicas que de tal posse para si resultam, ofendendo assim, essa sua posse, expressão do seu direito de propriedade, direito este assim também ofendido.
3. A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 237°, n°s 1 e 3 do CPC, devendo pois ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, pois que os mesmos não contêm desde já todos os elementos necessários a que se produza decisão de mérito sobre o objecto da causa.”

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II- FUNDAMENTOS

1- DE FACTO

A sentença recorrida deu como fixada a seguinte matéria de facto:
“1. Foi instaurada no Serviço de Finanças de Caminha execução fiscal contra a firma B………………, Lda..
2.A citação pessoal foi efectuada, em 22.02.1995, na pessoa do aqui embargante A…………….., na qualidade de sócio / gerente da executada — cfr. fls. 46 e 47 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3.Em 29 de Março de 1996, foi efectuada a penhora do prédio inscrito na matriz predial, rústica da freguesia de …………., sob o artigo 2618, concelho de Caminha — cfr. fls. 49 e 50 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4.Foi nomeado fiel depositário A………………. - cfr. fls. 49 e 50 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido.
5. Foi promovido o registo da penhora junto da Conservatória do Registo Predial de Caminha, em 06.01.1999 - cfr. fls. 51 e 52 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6.Em 02.04.2008, foi promovido novo registo da penhora - cfr. fls. 77 a 82 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7.Por despacho de 14.04.2011, do chefe de finanças de Caminha, foi marcada a venda do imóvel penhorado para o dia 30.08.2011 - cfr. fls. 83 e 84 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8.O embargante tomou conhecimento, no dia 30.06.2011, de que se encontrava designado para o dia 30.08.2011, no serviço de finanças de Caminha, a venda do imóvel que corresponde ao prédio 2618 da matriz rústica da freguesia de ………….
9. Os presentes embargos foram deduzidos em 31 de Julho de 2011.”

2. DE DIREITO

1. Das questões a apreciar e decidir

A……………. deduziu embargos de terceiro, por apenso à execução fiscal com o n.º 22751999501000810, que corre termos no Serviço de Finanças de Caminha, e no qual figura como executada a firma B…………………., Lda., alegando, em síntese, que, no dia 30 de Junho de 2011, tomou conhecimento de que se encontra designado para o dia 30 de Agosto de 2011, no serviço de finanças de Caminha, a venda de imóvel que lhe pertence.
Notificada a Fazenda Pública e a executada, apenas contestou aquela, alegando, além do mais, a intempestividade da dedução dos presentes embargos.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por sentença proferida em 26 de Setembro de 2012, foram julgados improcedentes os embargos de terceiro.
Para tanto, ponderou-se na sentença recorrida que:
“(…) Assim, nos termos do disposto no artigo 237º do CPPT, a dedução de embargos no processo de execução fiscal obedece a três requisitos:
a) a tempestividade da petição de embargos;
b) a qualidade de terceiro do embargante; e
e) a ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a diligência realizada.
(…) O Embargante alegou ter tido conhecimento, no dia 30 de Junho de 2011, de que se encontrava designado para o dia 30.08.2011, a venda do imóvel.
Defende o embargante que “o acto judicialmente ordenado que é incompatível com o direito do embargante é a venda e não a penhora.
Conclui ser tempestiva a dedução dos presentes embargos.
Por sua vez, a Exequente argumenta que o acto ofensivo da posse ou do direito tem a ver com a penhora - efectuada em 29.03.1996 e da qual o embargante teve conhecimento nessa data — e não a venda.(…)
Decorre do artigo 237º do CPPT que os embargos de terceiro são o meio processual adequado para fazer a defesa dos direitos de quem se vê ofendido por um acto de arresto, penhora ou outro acto judicialmente ordenado de apreensão de bens.
Assim, com a dedução de embargos, o terceiro visa atacar a diligência ofensiva da sua posse ou do seu direito.
No caso, o acto ofensivo é a penhora do imóvel pois que é em resultado de tal diligência que o bem fica apreendido e adstrito aos fins do processo de execução.(…).
Resulta daqui que o facto relevante para o início da contagem do prazo para a dedução de embargos é o acto ofensivo da posse - no caso, a penhora — ou a data em que o embargante dele teve conhecimento, sendo irrelevante a data do despacho que designa a venda, a data da venda ou a data em que o embargante tem conhecimento de um ou outro acontecimento.
Resulta da factualidade apurada que a penhora do imóvel em causa teve lugar a 29.03.1996.
Mais resulta que o embargante foi nomeado fiel depositário pelo que teve conhecimento da penhora naquela mesma data.
Ora, os presentes embargos apenas foram deduzidos em 31 de Julho de 2011, logo, muito depois do prazo de 30 dias a que alude o art. 237º n.º 3 do CPPT. São, por isso, manifestamente intempestivos.
Sendo o prazo estabelecido no art. 237º nº 3 do CPPT um prazo de caducidade, que implica a extinção do direito de embargar (entre outros, Ac. STJ 13 Set. 99, Processo 99B048, www.dgsi.pt.), devam os mesmos improceder.”
Contra este entendimento se insurge o recorrente argumentando, em síntese, que funda a sua pretensão no direito de propriedade sobre o imóvel, que é afectado pela venda, que constitui acto judicialmente ordenado que importa a obrigação de entrega do bem e determina a saída desse mesmo bem da esfera jurídica do embargante, impedido a continuação do exercício dos poderes de facto que sobre o mesmo. Assim, na óptica do recorrente, é o despacho que ordena a venda que deve marcar o início do prazo para a dedução dos embargos previstos no art. 237º do CPPT e não a penhora.
Em face do exposto, a questão central a decidir traduz-se em saber se a sentença recorrida ao decidir pela caducidade dos embargos enferma de erro de julgamento, por violação do disposto no art. 237º, nºs 1 e 3, do CPPT.
Vejamos.

3. Como decorre das conclusões do recorrente, o objecto do presente recurso restringe-se à questão de saber se os embargos de terceiro foram tempestivamente deduzidos.
Segundo a sentença recorrida, os embargos de terceiro são intempestivos, uma vez que o recorrente teve conhecimento da ofensa da posse em 29 de Março de 2006 e só em 31 de Julho de 2011 foram deduzidos os embargos.
Com efeito, resulta do probatório que o embargante deduziu os embargos de terceiro quando já se encontrava ultrapassado o prazo de 30 dias previsto no nº 3 do art. 237º do CPPT, porquanto, está documentalmente demonstrado que ele teve conhecimento do acto ofensivo do seu pretenso direito, isto é, da penhora do imóvel, no dia em que a penhora foi realizada, dia 29 de Março de 2006, pois que nessa mesma data foi nomeado fiel depositário do bem penhorado.
O recorrente, sem questionar minimamente a factualidade considerada na sentença recorrida, nomeadamente o seu conhecimento do acto de penhora, vem defender que o acto ofensivo é a ordem judicial da venda do bem objecto de penhora e não o acto de penhora em si, pois, na sua óptica, só a concretização da venda determina a saída do bem da esfera jurídica “do embargante, impedido a continuação do exercício dos poderes de facto que sobre o mesmo vem exercendo e o fruir da utilidades práticas, económicas e jurídicas que de tal posse para si resultam, ofendendo assim, essa sua posse, expressão do seu direito de propriedade, direito este assim também ofendido” (ponto 2 das Conclusões).

3.1. Salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão, porquanto tal tese não encontra apoio na jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, em conformidade com o decidido pela sentença recorrida e defendido no douto Parecer do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, onde se pode ler, entre o mais, que:
“(…) Para que os embargos de terceiro possam ter êxito necessário se torna que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos:
1.Tempestividade da petição de embargos;
2.Qualidade de terceiro;
3.Ofensa da posse ou outro direito incompatível com a realização da ou âmbito da diligência de que seja titular um terceiro (artigos 351.°/1 do CPC e 237.°/1 do CPPT).
No presente recurso jurisdicional apenas se discuta o primeiro requisito, isto é, se a petição de embargos é ou não tempestiva.
Nos termos do estatuído o artigo 237.°/3 do CPPT o prazo para deduzir os embargos é de 30 dias contados desde o dia em que o acto ofensivo da posse ou direito ou daquele em que embargante revê conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido vendidos.
Como ressalta do disposto no artigo 237.°/1 do CPPT factos ofensivos da posse ou direito são o arresto, a penhora, ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens.
O prazo para deduzir os embargos conta-se não da data em que o embargante teve conhecimento da venda, como pretende o recorrente, mas sim da data em que teve conhecimento da penhora.
Como refere o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, na anotação 6-b) ao artigo 167.° do CPPT 1 (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, III volume página 158).
“Está ínsito neste regime de caducidade do direito de deduzir embargos de terceiro, que, nos casos em que há vários actos susceptíveis de afectar a posse ou o direito do embargante conexionados com um mesmo processo de execução fiscal, apenas relativamente ao primeiro há o direito de embargar.
Na verdade, a caducidade dos direitos é ditada por razões de segurança jurídica e tem subjacente uma intenção legislativa de que o direito deixe de ser exercido depois da caducidade ter ocorrido.
Assim, o facto de se ter estabelecido um regime de caducidade no n.° 3 do art. 237.°, relativamente ao primeiro acto ofensivo do direito que chega ao conhecimento do interessado em embargar de terceiro, tem subjacente uma opção legislativa no sentido de apenas poderem ser deduzidos embargos de terceiro em relação a esse primeiro acto ofensivo da posse, pois afectaria a intenção de obter a segurança jurídica que está ínsita no estabelecimento de um prazo de caducidade, manter em aberto a possibilidade de embargar qualquer acto consequente do acto ofensivo, a título preventivo.
Isto é, fazendo uso, como exemplo, dos tipos der actos expressamente indicados no n.° 1 do art.237.°, não seria congruente, por razões de segurança jurídica, considerar caducado o direito de deduzir embargos de terceiro em relação a um arresto, quando, no momento em que ocorre a caducidade, seria possível deduzir embargos, a título preventivo, em relação à penhora em que aquele pode ser convertido.
Idêntica incongruência existiria se se admitisse que, numa situação de não dedução tempestiva de embargos de terceiro relativamente a um acto de penhora incompatível com o direito do embargante, se admitisse a sua dedução, a título preventivo, relativamente ao subsequente acto de venda executiva que aquele acto de penhora tem em vista possibilitar.
Por isso, é de concluir que o estabelecimento do regime de caducidade que consta do n.° 3 do art. 237.° do CPPT tem subjacente uma opção legislativa no sentido de apenas poderem ser deduzidos embargos de terceiro em relação ao primeiro acto ofensivo do direito do embargante que chega ao seu conhecimento. Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 3-12-2010, processo n.° 684/09, de que o Autor foi relator”.
Ora, como resulta do probatório o primeiro acto ofensivo da sua alegada posse ou direito consistiu na penhora do imóvel que ocorreu em 29 de Março de 2006, data em que dele teve conhecimento, pois foi nomeado fiel depositário do bem.
Portanto, quando em 31 de Julho de 2011, deduziu os presentes a embargos de terceiro mostrava-se, inexoravelmente, caducado o respectivo direito de acção.
Termos em que deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida na ordem jurídica.”

3.2.Como ficou dito, a doutrina mencionada no douto Parecer corresponde à jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros, no Acórdão de 5/5/2010, proc nº 1016/09, que versou situação semelhante e onde se conclui que:
“É a penhora do imóvel, e não a ordem da sua venda, que constitui o acto ofensivo do direito que o cônjuge do executado/embargante invoca relativamente a esse bem comum do casal, pois que em resultado do cumprimento dessa diligência o imóvel fica imediatamente apreendido e adstrito aos fins do processo executivo, ocorrendo a transferência dos poderes de gozo para o tribunal (a exercer através do fiel depositário) e a ineficácia/indisponibilidade, para a execução, do bem penhorado (ponto II do respectivo Sumário).
“E daí que o facto relevante para se iniciar a contagem do prazo para reagir contenciosamente através de embargos seja, nos termos da lei, o conhecimento desse acto de apreensão judicial do bem, e não a data em que é ordenada a sua venda.” (ponto III do Sumário).
Em face do exposto, conclui-se que a decisão recorrida decidiu de acordo com a lei aplicável, não sendo de acolher a argumentação do recorrente, o que implica a improcedência do presente recurso.


III – DECISÃO

Termos em que os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 23 de Abril de 2013. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.