Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0779/11
Data do Acordão:09/21/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS
EXECUÇÃO
COBRANÇA
COIMA
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
Sumário:I – A dissolução de uma sociedade equivale à morte do infractor, daí decorrendo a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada para a sua cobrança coerciva, nos termos do disposto no art. 62.º do RGIT e no art. 176.º, nº 2, alínea a), do CPPT.
II – A extinção da execução fiscal ocorre ope legis, sendo que o órgão da execução fiscal se limita a declará-la.
III – Nos termos do art. 450.º, n.º 3, do CPC, a responsabilidade do autor pelas custas, nos casos de inutilidade superveniente da lide previstos nesse preceito, determina-se por exclusão dos casos em que é responsável o réu, isto é, o autor é sempre responsável quando não o for o réu, sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for imputável.
IV – Verificando-se que a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas foi declarada extinta em face da dissolução da sociedade infractora, não pode considerar-se que a consequente extinção da instância por inutilidade superveniente da lide declarada na reclamação que o executado por reversão deduziu contra a penhora de um bem que lhe pertence seja por facto imputável à Fazenda Pública.
V – Assim, atenta a regra do n.º 3 do art. 450.º do CPC, as custas da extinção da instância da reclamação são da responsabilidade do reclamante, que na reclamação assume a posição de autor.
Nº Convencional:JSTA000P13258
Nº do Documento:SA2201109210779
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do despacho que julgou extinta a instância proferida no processo de reclamação de acto do órgão da execução fiscal com o n.º 2149/10.2BEPRT
1. RELATÓRIO
1.1 A… (adiante Executado por reversão, Reclamante ou Recorrido) reclamou judicialmente contra a penhora de um imóvel efectuada num processo de execução fiscal que, instaurado contra uma sociedade, reverteu contra ele, na qualidade de responsável subsidiário.
1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na sequência da informação prestada no processo, de que a execução fora julgada finda, julgou extinta a instância e condenou a Fazenda Pública nas custas.
1.3 Inconformada com a decisão quanto àquela condenação, a Fazenda Pública dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, do mesmo passo pedindo a reforma da mesma, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que sintetizou em conclusões do seguinte teor:
« CONCLUSÕES
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artº 287º, alínea e) do CPC, ex vi artº 1º CPTA e artº 2º, alínea e) do CPPT.
B. Tal decisão teve por base a informação prestada nos autos de execução fiscal (SF de Matosinhos 2), a fls. 205, de que o processo de execução fiscal (PEF) com o n.º 3514200601035959 e apensos, ora em crise, se encontrava findo por anulação desde 2011/02/04.
C. A presente reclamação dos actos do órgão de execução fiscal instaurada nos termos do artº 276º do CPPT, vem deduzida contra o despacho de penhora proferido no PEF da fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, na …, sob o artº 1561º, propriedade do ora reclamante, executado por reversão nos autos.
D. A extinção do PEF, em 2011/02/04, teve por base a anulação, proveniente dos serviços centrais da DGCI, emitida em 2011/01/27 – cfr. tramitação do processo a fls. 204 dos autos.
E. Consta ainda dos autos (informação a fls. 205) que a anulação em causa teve por base o cruzamento informático de informações.
F. Acontece que, todos os processos que compõem o grupo de apensos ora em apreço, dizem respeito a dívidas de Coimas Fiscais e a devedora originária (B…, Lda – adiante apenas sociedade – pessoa colectiva nº …) foi dissolvida em 2010/06/23.
G. Ora, quando do registo da dissolução e encerramento da liquidação na competente Conservatória do Registo Comercial, em 2010/06/23 (Ap. 22), o sistema informático da DGCI – Gestão de Contribuintes – gerou automaticamente a cessação de actividade da sociedade, em resultado da comunicação efectuada pelo Web Service do Ministério da Justiça – cfr. Doc.s nºs 1 a 3, ora juntos.
H. O PEF foi instaurado em 2006/10/11, tendo prosseguido os seus termos para cobrança da dívida exequenda, nomeadamente com a reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, como é o caso do aqui reclamante.
I. A citação para a reversão do impetrante ocorreu em 2010/01/18, tendo a penhora em crise sido efectuada, por via electrónica, em 2010/05/26.
J. Cumpriu a AT escrupulosamente o que se encontra estipulado pelo legislador fiscal, procedendo à penhora do imóvel com vista à cobrança do seu crédito tributário, finalidade esta típica de qualquer processo de execução fiscal.
K. A penhora foi notificada ao impetrante em 2010/06/14.
L. Reitera-se que a sociedade devedora originária foi dissolvida e encerrada em 2010/06/23, sendo o aqui reclamante indicado como depositário, conforme resulta do documento ora junto como Doc. nº 1.
M. Ademais, conforme prevê o artº 151º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), no seu nº 1, “[s]alvo cláusula do contrato de sociedade ou deliberação em contrário, os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida”.
N. O reclamante deduziu os presentes autos em 2010/06/18, isto é cinco dias antes do registo e data em que o reclamante já sabia (ou era previsível que soubesse) que a sociedade já estaria em condições de ser dissolvida e liquidada, não tendo requerido a inutilidade superveniente da lide.
O. Estabelece o artº 446º do CPC que deverá ser condenada em custas a parte que a elas houver dado causa, considerando-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
P. Dispõe o nº 1 do artº 450º do CPC que quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.
Q. In casu, a circunstância superveniente ocorrida – extinção do infractor (dissolução da sociedade) – não é imputável à Fazenda Pública.
R. Prevê ainda o nº 3 do artº 450º do CPC que, nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
S. No nº 4 do mesmo preceito diz-se que se considera, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.
T. A douta sentença proferida decidiu condenar a Fazenda Pública pelas custas do processo.
U. Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende a Fazenda Pública que não poderá ser condenada no pagamento das custas processuais dos presentes autos, porquanto não lhes deu causa.
V. A diligência de apreensão do bem levada a cabo pelo órgão da execução fiscal decorreu da normal tramitação do PEF, não podendo, nem sendo lícito, àquele órgão uma actuação distinta daquela, sendo que a realização da dita apreensão se ficou a dever a omissão do aqui reclamante.
W. Com efeito, agiu a AT em cumprimento do preceituado pelo legislador fiscal, em ordem ao princípio da legalidade que impera na sua actuação, pois, uma vez determinada a responsabilidade subsidiária do aqui reclamante, a penhora efectuada decorre do normal andamento do processo, após a citação para pagamento, sendo uma decorrência normal do PEF.
X. Encontrava-se pois a AT legitimada, face à lei, para ordenar a prossecução do PEF, com a consequente reversão contra o aqui reclamante e a consentânea penhora dos seus bens, em ordem à arrecadação da dívida exequenda, da responsabilidade do aqui reclamante.
Y. E o impetrante deduziu os presentes autos quando sabia que a sociedade estava em vias de ser dissolvida, tanto mais que o foi cinco dias depois.
Z. Considera pois a Fazenda Pública que a impossibilidade ou inutilidade da lide resultou de facto imputável ao aqui reclamante.
AA. Em conclusão, a douta decisão recorrida padece de errónea interpretação e aplicação da lei, porquanto condena a Fazenda Pública no pagamento integral das custas do processo, quando a mesma não lhes deu causa.
BB. Ao decidir como decidiu, é entendimento da Fazenda Pública que se fez na douta sentença recorrida errónea subsunção dos factos ao ordenamento jurídico aplicável, maxime dos artºs 446º e seg.s do CPC,
CC. razão pela qual deverá ser revogada e substituída por acórdão que declare e determine que a responsabilidade pelas custas não incumbe à Fazenda Pública.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.).
1.4 O pedido de reforma foi indeferido e o recurso foi admitido, para subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo.
1.5 O Reclamante não contra alegou.
1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Remeteu para a posição já assumida sobre a questão pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que considerou que o pedido de reforma de custas que a Fazenda Pública formulou devia improceder pelas seguintes razões:
«A instância não foi declarada extinta por via da dissolução da sociedade, mas sim devido à extinção da execução, esta da inteira responsabilidade da administração fiscal. Aliás, cabe assinalar que a reclamação foi deduzida na sequência de penhora efectuada no âmbito da reversão da execução, estando, portanto, já em causa uma responsabilização subsidiária, à qual a dissolução noticiada se mostrava até indiferente.
Em suma, a extinção da instância foi determinada pela extinção da execução, facto que unicamente pode ser assacado à administração fiscal, pelo que bem andou a sentença reformanda ao imputar as custas à Fazenda Pública, o que não podia deixar de fazer atento o comando do artigo 450º, nº 3, do Código de Processo Civil».
1.7 Foram dispensados os vistos dos Juízes adjuntos dada a natureza urgente do processo.
1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fez correcto julgamento quando condenou a Fazenda Pública nas custas devidas pela extinção da instância, o que, como procuraremos demonstrar, impõe que se indague se a extinção da execução fiscal é imputável à Fazenda Pública.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Pese embora, atenta a natureza da decisão recorrida, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não tenha procedido à fixação da matéria de facto provada de modo destacado ou autonomizado, no despacho recorrido e no que indeferiu o pedido de reforma (Como resulta do disposto no art. 670.º, n.º 1, in fine, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, o despacho que indeferiu o pedido de reforma considera-se «como complemento e parte integrante» da decisão.) descortinamos a seguinte factualidade com relevo para a decisão: «Após a instauração da presente reclamação, foi declarada extinta a respectiva execução fiscal»; «[…] o Serviço de Finanças, após a apresentação da reclamação» informou que «o processo de execução fiscal se encontra findo por anulação»; a sociedade originária devedora foi dissolvida.
2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir, os autos revelam o seguinte circunstancialismo processual (Note-se que, embora o Supremo Tribunal Administrativo não tenha competência em matéria de facto nos recursos que lhe são submetidos das decisões dos tribunais de 1.ª instância (cfr. art. 26.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), não está impedido e, pelo contrário, está obrigado a considerar as ocorrências processuais reveladas pelos autos, que são do conhecimento oficioso.):
a) Em 11 de Outubro de 2006, foi instaurada pelo 2.º Serviço de Finanças de Matosinhos contra a sociedade denominada “B…, Lda.” a presente execução fiscal, à qual foram apensadas outras (cfr. a capa do processo de execução fiscal, a fls. 5);
b) Por despacho do Chefe daquele Serviço de Finanças, de 5 de Janeiro de 2010, foi ordenada a reversão de parte das dívidas exequendas contra A… (cf. o despacho de reversão a fls. 53);
c) As dívidas por que a execução fiscal reverteu contra A… estão tituladas por certidões de dívida das quais a sociedade dita em a) consta como devedora de diversas quantias provenientes de coimas em que foi condenada em processos de contra-ordenação fiscal (cfr. a relação das dívidas remetida com a citação, a fls. 55);
d) Em 25 de Maio 2010, o 2.º Serviço de Finanças de Matosinhos penhorou um prédio pertencente a A… (cfr. o documento comprovativo do registo da penhora a fls. 192);
e) Em 18 de Junho 19 de Julho de 2010, A… fez dar entrada no 2.º Serviço de Finanças de Matosinhos uma petição, endereçada ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, para que fosse anulado o despacho que ordenou aquela penhora (cfr. requerimento de fls. 70 e a petição inicial de fls. 72 a 76);
f) A sociedade executada foi dissolvida em 23 de Junho de 2010 (a informação prestada a fls. 205 e o documento comprovativo do registo da dissolução, a fls. 240);
g) Em 4 de Fevereiro de 2011, o 2.º Serviço de Finanças de Matosinhos declarou a execução fiscal extinta, por anulação da dívida, por ter verificado que todas as dívidas exequendas eram «provenientes de coimas» e que a sociedade originária devedora «foi dissolvida em 23-06-2010» (cfr. fls. 204 e a informação prestada a fls. 205, que transcrevemos parcialmente);
h) Em 29 de Março de 2011, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou extinta a instância do processo de reclamação por inutilidade superveniente da lide e condenou a Fazenda Pública nas respectivas custas (cfr. a decisão a fls. 213).
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2.2 DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
Instaurada uma execução fiscal contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de coimas, o órgão de execução fiscal reverteu a execução contra um gerente, que considerou responsável subsidiário (Note-se que este Supremo Tribunal Administrativo se tem vindo a pronunciar no sentido de que não é possível utilizar a reversão para efectivar a responsabilidade dos gerentes (qualquer que seja a natureza dessa responsabilidade) pelas coimas aplicadas em processo de contra-ordenação fiscal às sociedades por eles administradas, mas é questão que cumpra apreciar nesta sede.).
Este reclamou judicialmente da penhora que foi efectuada de um prédio seu ao abrigo do disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Entretanto, a sociedade originária devedora foi dissolvida. A dissolução das sociedades comerciais, que a jurisprudência faz equivaler à morte das pessoas físicas, determina a extinção do procedimento contra-ordenacional e da obrigação do pagamento de coimas, nos termos do disposto nos arts. 61.º, alínea a), e 62.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), respectivamente (Neste sentido, vide, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
˗ de 12 de Março de 2008, proferido no processo com o n.º 1053/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Maio de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2008/32210.pdf), págs. 337 a 341, também disponível emhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/27c598294b7baab480257418004c1cd6?OpenDocument;
˗ de 9 de Fevereiro de 2011, proferido no processo com o n.º 617/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 11 de Agosto de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32210.pdf), págs. 216 a 217, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/478991baa56b1ff78025783a003f0ebb?OpenDocument.
Vide também JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, volume II, anotação 6 ao art. 176 .º, pág. 216.).
Consequentemente, a execução foi declarada extinta pelo órgão da execução fiscal, nos termos do disposto no art. 176.º, n.º 2, alínea a), do CPPT.
Em face da extinção da execução fiscal, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a referida reclamação da penhora extinta por inutilidade superveniente da lide e condenou a Fazenda Pública nas respectivas custas. Justificou esta condenação ao abrigo do disposto no art. 450.º, n.º 3 do CPC e porque entendeu que «a extinção da instância foi determinada unicamente com base na extinção da execução fiscal, facto imputável e da inteira responsabilidade da administração tributária».
Ou seja, se bem interpretamos a decisão recorrida, a condenação da Fazenda Pública nas custas devidas pela extinção da instância resulta do entendimento de que lhe é imputável a extinção da execução fiscal que constituiu a causa de inutilidade da reclamação.
É deste entendimento que discorda a Fazenda Pública que, por seu turno, sustenta que é o Reclamante, ora Recorrido, quem deve suportar as custas devidas pela extinção da instância; isto, em síntese, porque considera que foi ele quem deu causa à acção, pois não podia ignorar que a sociedade ia ser dissolvida em breve, o que acarretaria a extinção da execução fiscal e, apesar disso, não se coibiu de deduzir – apenas cinco dias antes da dissolução – a reclamação judicial, que bem sabia em breve se tornaria inútil por força da extinção da execução.
Assim, a questão a apreciar e decidir, como deixámos dito em 1.9, é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fez correcto julgamento quando condenou a Fazenda Pública nas custas devidas pela extinção da instância.
2.2.2 DA CONDENAÇÃO EM CUSTAS PELA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Como é sabido, a regra geral em matéria de custas assenta no princípio da causalidade, ou seja, paga as custas a parte que lhes deu causa, a parte cuja pretensão não foi atendida, a parte que não tem razão no pedido que deduziu; subsidiariamente, deve atender-se ao princípio do proveito, segundo o qual, não havendo vencimento, paga as custas quem do processo tirar proveito (cfr. art. 446.º do Código de Processo Civil (CPC) (Diz o art. 446.º do CPC:
«1 - A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas».)
Nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade da lide, o art. 450.º, n.º 3, do CPC (Diz o art. 450.º, n.º 3, do CPC: «Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas».), estabelece a regra para os casos, como o sub judice, em que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide resulte de circunstâncias que não as referidas nos dois primeiros números do artigo: paga as custas o autor, a menos que a impossibilidade ou inutilidade seja imputável ao réu, caso em que este responde pelas custas.
Assim, nesses casos, as custas ficam a cargo do autor, independentemente de o facto que provoca a inutilidade ou impossibilidade lhe ser ou não imputável, a menos que o seja ao réu. O autor é sempre responsável pelas custas quando não o for o réu, sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for imputável (Naquela que se nos afigura a melhor interpretação, a responsabilidade do réu pelas custas depende exclusivamente da imputabilidade objectiva do facto que determine a inutilidade superveniente, não se exigindo uma imputação subjectiva, traduzida na eventual censura ético-jurídica (culpa) pela verificação desse facto.).
Essa regra é aplicável ao processo tributário ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, uma vez que a matéria da responsabilidade por custas não é regulada expressamente na lei processual administrativa e fiscal.
Como deixámos já dito, foi ao abrigo desse preceito legal que a Juíza do Tribunal a quo justificou a condenação da Fazenda Pública nas custas, considerando que «a extinção da instância foi determinada unicamente com base na extinção da execução fiscal, facto imputável e da inteira responsabilidade da administração tributária».
Na verdade, a inutilidade superveniente da instância foi determinada pela extinção da execução fiscal e foi a AT quem declarou extinta a execução fiscal. Mas essa declaração bastará para que se considere verificado o juízo de imputabilidade que suporta a condenação em custas nos termos do n.º 3 do art. 450.º do CPC?
A nosso ver, não. A extinção da execução fiscal opera ope legis (Cfr. art. 176.º do CPPT.) e a AT (rectius, o órgão da execução fiscal) limita-se a declará-la ao abrigo da competência que lhe é conferida pelo art. 10.º, n.º 1, alínea f), do CPPT e mediante aplicação, por analogia, do art. 270.º do mesmo código.
Assim, o que cumpre indagar para formular aquele juízo é a quem é imputável o facto que determinou essa extinção. Ou seja, mais do que indagar da causa imediata da inutilidade superveniente da lide – a extinção da execução fiscal, que foi declarada pelo órgão da execução fiscal –, há que averiguar da causa mediata dessa extinção: qual o facto que lhe deu causa e a quem é imputável esse facto. A título de exemplo, se a extinção tivesse sido declarada com base no pagamento efectuado pelo ora Recorrido, por certo ninguém negaria que, porque lhe era imputável o facto que determinara a extinção da execução fiscal, era ele quem devia responder pelas custas da extinção da instância.
Dito isto, avancemos indagando do facto que motivou a extinção da execução fiscal. Não há dúvida: a execução fiscal foi julgada extinta porque, face à dissolução da sociedade, a obrigação de pagamento das coimas se extinguiu, tudo nos termos dos referidos art. 62.º do RGIT (Dispõe o art. 62.º do RGIT: «A obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias extingue-se com a morte do infractor».) e art. 176.º, n.º 2, alínea a), do CPPT ( Diz o art. 176.º, n.º 2, alínea a), do CPPT:
«[…]
2 – Nas execuções por coimas ou outras sanções pecuniárias o processo executivo extingue-se também:
a) Por morte do infractor;
[…]».).
Salvo o devido respeito, não vislumbramos como imputar à Fazenda Pública a dissolução da sociedade.
Assim, e atenta a regra do n.º 3 do art. 450.º do CPC, de que, nos casos nele previstos, o autor só não paga as custas se for imputável ao réu a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, não vemos como a responsabilidade pelas custas (Note-se que a reclamação prevista no art. 276.º do CPPT, embora seja tramitada no processo de execução fiscal, é autonomamente tributável.) possa deixar de recair sobre o Reclamante, ora Recorrido, que na reclamação do art. 276.º do CPPT assume a posição de autor enquanto a Fazenda Pública assume a de réu.
Assim, não podemos manter a decisão recorrida, o que significa que o recurso será provido, ainda que por razões não totalmente coincidentes com as invocadas pela Recorrente, e que a substituiremos pela de condenação do Reclamante, ora Recorrido, nas custas devidas pela extinção da instância na reclamação.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A dissolução de uma sociedade equivale à morte do infractor, daí decorrendo a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada para a sua cobrança coerciva, nos termos do disposto no art. 62.º do RGIT e no art. 176.º, nº 2, alínea a), do CPPT.
II - A extinção da execução fiscal ocorre ope legis, sendo que o órgão da execução fiscal se limita a declará-la.
III - Nos termos do art. 450.º, n.º 3, do CPC, a responsabilidade do autor pelas custas, nos casos de inutilidade superveniente da lide previstos nesse preceito, determina-se por exclusão dos casos em que é responsável o réu, isto é, o autor é sempre responsável quando não o for o réu, sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for imputável.
IV - Verificando-se que a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas foi declarada extinta em face da dissolução da sociedade infractora, não pode considerar-se que a consequente extinção da instância por inutilidade superveniente da lide declarada na reclamação que o executado por reversão deduziu contra a penhora de um bem que lhe pertence seja por facto imputável à Fazenda Pública.
V - Assim, atenta a regra do n.º 3 do art. 450.º do CPC, as custas da extinção da instância da reclamação são da responsabilidade do reclamante, que na reclamação assume a posição de autor.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, de condenação da Fazenda Pública nas custas da extinção da instância, ficando as mesmas a cargo do Reclamante, sem prejuízo do decidido quanto ao apoio judiciário (cfr. fls. 163/164).
O presente recurso é sem custas, uma vez que o Recorrido não contra alegou.
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Lisboa, 21 de Setembro de 2011.Francisco Rothes (relator) – António Calhau – Isabel Marques da Silva.