Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0167/13
Data do Acordão:10/15/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
DISPENSA
Sumário:Não pode manter-se a decisão recorrida que na própria sentença dispensou a produção da prova testemunhal oferecida para prova do fundamento de oposição previsto na al. b) do nº 1 do artº 24º da LGT se o oponente, ainda que sumariamente, alega a insuficiência de meios financeiros para pagar os tributos cujo prazo de pagamento terminou no período do exercício do seu cargo de gerente.
Nº Convencional:JSTA00068944
Nº do Documento:SA2201410150167
Data de Entrada:02/05/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO
Legislação Nacional:LGT98 ART24 N1 A B.
CPTRIB91 ART13.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0304/10 DE 2010/06/23.; AC STA PROC0498/10 DE 2010/09/29.; AC STA PROC01113/12 DE 2014/02/05.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO
A………….., NIF ……………, deduziu oposição o processo de execução fiscal nº 2364-2007/01004883, por dividas de IRS referente ao ano de 2003, no valor global de € 2.952,47, originariamente instaurada contra a sociedade B……………., LDª, com os demais sinais dos autos.

Por sentença de 23 de julho de 2012, o TAF de Mirandela, julgou que a oposição não deve proceder porque não ocorreu o alegado fundamento da oposição.

Inconformada com o assim decidido, veio o recorrente interpor o presente recurso cujas alegações integram as seguintes conclusões:
1ª A execução fiscal foi revertida contra o recorrente, com base no n.º 1, do artigo 24°, da Lei Geral Tributária.
2ª Impendia sobre o recorrente o ónus da prova dos fundamentos da oposição que, oportunamente, deduziu à execução fiscal, conforme preceituado no artigo 74°, da Lei Geral Tributária.
3ª Em processo de execução fiscal são, ao abrigo do disposto nos artigos 114° e 115°, do CPPT, admitidos os meios gerais de prova.
4ª De entre esses meios de prova, a lei admite a testemunhal, no máximo de 10 por cada acto impugnado e de três por cada facto — cf. artigo 118° do CPPT.
5ª O recorrente arrolou quatro testemunhas, no seu articulado de oposição, para prova da matéria de facto aduzida.
6ª O Tribunal “a quo”, sem qualquer despacho interlocutório, decidiu não realizar as diligências probatórias requeridas pelo recorrente e passou à prolação da sentença.
7ª Ao não ter realizado as diligências probatórias requeridas pelo recorrente, o Mmo. Juiz “a quo” violou os princípios do contraditório e da igualdade das partes, consignados, respectivamente, nos artigos 3° e 3°-A, do Código de Processo Civil, bem como as disposições contidas nos artigos 24° e 74° da Lei Geral Tributária e, ainda, nos artigos 115º e 118° do CPPT.
8ª Ora, se no concernente aos factos provados o Tribunal “a quo”não incluiu a matéria que demonstra a inimputabilidade da falta de pagamento ao recorrente, tal deve-se, única e simplesmente, à omissão da realização das diligências probatórias pelo mesmo, não permitindo, ao recorrente, o desempenho do ónus da prova e o exercício do contraditório.
9ª Resulta à saciedade que a omissão de pronúncia acerca da produção da prova indicada no articulado de oposição, com a consequente falta de realização de diligências probatórias, influi quer no exame, quer na decisão da causa, ao violar-se um principio básico do direito processual — o do contraditório — não se permitindo que ao processo sejam trazidos, pelo recorrente, elementos de forma a decidir-se a causa de acordo com as várias soluções plausíveis de Direito.
10ª Conclui-se, forçosamente, pela verificação de uma nulidade processual, com os consequentes efeitos invalidantes, porquanto estamos perante uma nulidade que é susceptível de afectar os direitos adjectivos e/ou substantivos do recorrente.
11ª No concernente aos factos, a sentença sub iudice ao decidir que a “restante matéria de facto não foi julgada provada ou não provada” incorre numa omissão de pronúncia do Tribunal “a quo” relativamente a matéria e questões que devia apreciar.
12ª O Mmo. Juiz “a quo” não conheceu da matéria alegada para afastamento da aplicação do artigo 24°, n.º 1, al. b) da LGT, dizendo que o oponente apenas atacou a aplicação da al. a) do mesmo artigo, baseando-se, apenas, no teor do artigo 6° da Oposição e dizendo que aí só se menciona a inexistência de culpa ou responsabilidade na insuficiência de património da sociedade devedora.
13ª O Tribunal “a quo” ignora, por completo, o teor do restante articulado e, nomeadamente, o teor do artigo 41º da Oposição, em que o oponente alega que a falta de pagamento ocorreu por absoluta carência de meios, precedendo-lhe, no articulado, a invocação e enumeração das razões pelas quais essa falta de meios ocorreu e a demonstração de que a mesma lhe não era imputável.
14ª Conclui-se, forçosamente, pela verificação de mais uma nulidade processual, com os consequentes efeitos invalidantes, porquanto estamos perante uma nulidade que é susceptível de afectar os direitos adjectivos e/ou substantivos do recorrente.
15ª Estas Nulidades, que desde já se invocam, têm que ser declaradas, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 201º, do Código de Processo Civil,
16ª Devendo ser anulados os termos processuais subsequentes ao momento em que se omitiu a pronúncia acerca da produção de prova indicada no final do articulado do recorrente, bem como ao momento em que se omitiu a pronúncia acerca da matéria alegada pelo ora recorrente para afastamento da aplicação do artigo 24°, n.º 1, al. b) da LGT e consequentemente, da própria sentença, em obediência ao prescrito no n.º 2, do mencionado preceito legal.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, decidir-se em conformidade com as conclusões. Todavia, V.ªs Ex.ªs, decidindo, farão JUSTIÇA.”

Não houve contra-alegações.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:
“1. A………… apresentou oposição em que apresentou como fundamento não ter responsabilidade, enquanto gerente da sociedade B……………, Lda. no não pagamento da quantia exequenda de € 2952,47, alegando factos dos quais concluiu tal só ter acontecido por absoluta carência de meios.
A F.P. apresentou contestação no sentido da oposição ser julgada totalmente improcedente, com base no que se encontrava já decidido numa outra oposição em que foram já apreciados os factos invocados.
O Ministério Público apresentou já parecer no sentido da oposição ser de improceder, em face dos elementos de prova apurados, e no desconhecimento do que possa resultar da prova testemunhal e do apurado nessa outra oposição.
Na sentença recorrida decidiu-se não ser de proceder à produção de prova, e no sentido de que, não tendo o oponente invocado qualquer facto susceptível de elidir a presunção de culpa do art. 24.º n.º 1 al. b) da L.G.T., a oposição improcedia, reproduzindo ainda o que nesse sentido tinha sido decidido naquele outro processo.
O oponente vem interpor recurso em que invocando violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, consignados, respectivamente, nos arts. 3.º e 3.º A do C.P.C., bem como das disposições contidas nos arts. 73.º e 74.º da L.G.T e ainda nos arts. 115.º e 118.º do C.P.P.T, bem como omissões de pronúncia acerca da produção da prova indicada no final da oposição, bem como sobre a matéria alegada para afastamento da aplicação do art. 24.º n.º 1 al. b) da L.G.T..
2. Emitindo novo parecer sobre estas questões, é de observar que, tendo a reversão do oponente sido fundada nesta disposição legal, incumbia ao oponente alegar e provar a falta da sua culpa quanto ao património da sociedade se ter tornado insuficiente.
Tal foi apreciado, no sentido de não haver factos susceptíveis de integrar um tal ónus.
Quanto à reversão contra membros dos corpos sociais de sociedades e gestores, decidia-se já anteriormente à L.G.T., que à mesma era de dar lugar no caso de “incumprimento das disposições legais e contratuais destinadas à protecção de credores” – (Neste sentido, por ex. acórdão do S.T.A. de 5-11-97, proferido no processo 021900).
Após a L.G.T., que veio a alterar o regime de aplicação da reversão, alargando o seu âmbito quanto às dívidas vencidas posteriormente ao período do exercício do cargo (Assim, os profs. Teixeira Ribeiro e Casalta Nabais, em anotação na RLJ 1989, nº 3815, 49-50 e Direito Fiscal, 7ª ed. Almedina, 2012, p. 262-265.), procedeu-se quanto às geradas e vencidas no período do exercício do cargo a uma diferente repartição do ónus da prova, ficando a cargo daqueles o ónus da prova da falta de culpa do seu não pagamento, o que, embora venha a ser criticado por significativa doutrina (Assim, Sérgio Vasques, Manual de direito fiscal, 2011, Almedina, p. 359-353 e jurisprudência do tribunal constitucional citada na L.G.T. Anotada e comentada de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª ed. 2012, p. 239.), nomeadamente, por ofensa do invocado princípios da igualdade tem sido aceite pela jurisprudência, e por outra doutrina, com base noutros princípios, como o da adequação e proporcionalidade.
E conforme decidido já pelo ac. do S.T.A. de 11-7-12, proferido no proc. 0824/11, acessível em www.dgsi.pt tal é de apreciar em face dos deveres previstos no art. 64.º do CSC, sendo que (…) “II - Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem que demonstrar que o devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu o qualquer conduta que lhe possa ser censurável.”
Assim sendo de admitir e considerar, pese embora a referida divergência doutrinária, tem de se concordar com o decidido que, em face dos factos invocados, referindo a dado passo o oponente terem ocorrido erros de contabilidade, os quais foi preciso posteriormente corrigir activos, alegando ainda a título meramente exemplificativo casos de prejuízos que não tinham ficado a constar.
Irrelevante é considerar que tais erros tenham sido cometidos à revelia do oponente e que tenham sido praticados sem o seu conhecimento durante cinco anos, conforme decidido foi naquele acórdão, no considerando de que, ainda que seja possível existir responsabilidade de outrem, nomeadamente, a prevista no n.º 2 dessa mesma disposição, tal inviabiliza o cumprimento do ónus da prova que àquele incumbia, em face dos deveres que se encontram legalmente previstos no dito art. 64.º al, a) do CSC, nomeadamente, os de cuidado, disponibilidade e competência técnica, para os quais devia ter empregue a diligência de um gestor criterioso e ordenado.
4. Concluindo, parece ser de julgar o recurso improcedente, sendo de confirmar a sentença proferida pelo T.A.F. de Mirandela que conheceu de todas as questões que lhe incumbia.”

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguintes factualidade:
A) Em 5/10/2005, o Serviço de Finanças de Alijó instaurou contra a “B……………., Ld.ª, pessoa colectiva n.º …………., com sede na ……………, Vale Mendiz, abreviadamente designada executada originária, o PEF n.º 2364-2005/01011561, por dívidas de IVA do 2.º trimestre de 2005, no valor de 1.568,96 € (fls. 1 e 2 do apenso).
B) A este PEF foram apensados os seguintes PEF, instaurados contra a executada originária (fls. 24 a 27 do apenso):
B.1) N.° 2364-2007/01001353, instaurado em 8/5/2007, por dívidas de IRS de 2004 e 2005, com data limite de pagamento voluntário 16/4/2007, no montante global de €2.973,17; e
B.2) N.° 2364-2007/01004883, instaurado em 7/6/2007, por dívidas de IRS de 2003, com data limite de pagamento voluntário 16/5/2007, no montante global de €2.952,47.
C) Os PEF foram revertidos contra o oponente por despacho de 22/8/2011, cujo teor consta de fls. 22 verso do apenso, que aqui se dá por reproduzido.
D) O oponente foi citado pessoalmente para os PEF em 20/9/2011, conforme nota de citação de fls. 23 e verso do apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 23 e verso do apenso).
E) O oponente exerceu a gerência da executada originária (confissão do oponente).

3- DO DIREITO:
Para se decidir pela improcedência da oposição considerou o Mº Juiz de 1ª Instância o seguinte:
(Destacam-se os trechos da decisão com maior relevo para o presente recurso)

1— Relatório.
A……….., contribuinte fiscal n.º ………., residente na ……………., em Vale Mendiz, abreviadamente designado oponente, citado no processo de execução fiscal n.º (PEF) 2364-2007/01 004883, do Serviço de Finanças de Alijó, deduziu oposição à execução fiscal no valor de €2.952,47.
Alegou, em síntese, a falta de responsabilidade pela falta de pagamento da dívidas exequenda, que ficou a dever-se à absoluta carência de meios. Conclui pedindo a procedência da oposição e a extinção do PEF.
A Fazenda Pública contestou pugnando pela improcedência da oposição.
O oponente foi notificado da contestação.
Atenta a posição assumida pelas partes e a prova documental junta aos autos, o processo fornece os elementos necessários à decisão e sendo a questão a decidir apenas de direito, o tribunal decide não realizar audiência contraditória por não se afigurar necessária a inquirição das testemunhas, como se fundamentará na decisão da causa (arts. 113º, n.º 2, ex vi 211.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).
O digno Magistrado do Ministério Público pugna pela improcedência da oposição.
Questões que ao tribunal cumpre solucionar.
A única questão a decidir é a ilegitimidade do oponente.
2 — Pressupostos processuais.
(…)
3 - Fundamentação.
3.1 — De facto.
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
(…)
3.2 — De direito.
Desde logo, cumpre salientar que o oponente deduziu oposição apenas ao PEF n.º 2364- 2007/01 004883, por dívidas de IRS de 2003, no valor de €2.952,47 (alienas B) e B.2) da matéria de facto provada).
Assim, a oposição é válida apenas para esse PEF, pelo que em relação aos restantes PEF (alíneas A) a B.1) da matéria de facto provada), esta oposição não produz efeitos. Isto é, em relação aos PEF n.º 2364- 2005/01011561, por dívidas de IVA do 2.° trimestre de 2005, no valor de €1.568,96 (fls. 1 e 2 do apenso) e n.º 2364-2007/01001353, por dívidas de IRS de 2004 e 2005, no montante global de €2.973,17 (fls. 24 a 25 verso do apenso). O oponente não deduziu qualquer oposição pelo que nada obsta ao prosseguimento dos respectivos processos.
Com efeito, na identificação da petição inicial da oposição, o oponente foi peremptório ao identificar o PEF a que deduz oposição — “Proc.º 2364200701004883” —, no artigo 1.º da petição inicial declarou que “O contribuinte supra identificado foi citado para proceder ao pagamento da quantia exequenda, no valor total de €2.952,47, de que era devedora a firma “B…………, Lda.’” e indicou como valor da causa o montante de “€ 2.952,47”, que é o valor da quantia exequenda do PEF n.º 2364-2007/01004883.
Atendendo ao teor da citação realizada no qual consta o valor da quantia exequenda de €7.494,60, correspondente à soma das quantias exequendas dos PEF nºs 2364-2005/01011561, 2364-2007/01001353 e 2364-2007/01004883, e na qual se consignam expressamente as dívidas exequendas e os respectivos PEF, consignando-se expressamente que a citação é feita no “Processo de Execução Fiscal n°2364200501011561 e Ap.”, tudo revela que não há qualquer lapso do oponente na identificação dos PEF a que deduz oposição o que equivale a dizes que o oponente quis apenas deduzir oposição ao PEF n.º 2364-2007/01004883.
Logo, a oposição só produzirá efeitos em relação a esse processo.
A alegada ilegitimidade do oponente.
O oponente alega, em síntese, que não é responsável pelo pagamento da dívida exequenda porquanto não exerceu a gerência e porque lhe “não pode ser assacada qualquer culpa ou responsabilidade na insuficiência de património da sociedade devedora para satisfação dos créditos fiscais”.
Porém, não tem razão.
Vejamos.
Apesar do oponente ter alegado nos artigos 4.º e 5.° que não se verificava o pressuposto para a sua responsabilização pelo pagamento das dívidas da executada originária e designadamente que não era bastante a mera gerência de direito ou nominal, o próprio oponente confessa e reafirma de forma peremptória ao longo da petição inicial que exerceu de forma efectiva e a todo o tempo a gerência da executada originária.
Logo, está verificado o pressuposto da reversão que exige que o executado revertido tenha sido gerente efectivo da executada originária (art. 24.º da LGT).
O pressuposto directamente impugnado pelo oponente foi a falta de culpa sua pela insuficiência do património da executada originária para satisfação das dívidas exequendas. Com efeito, o oponente invoca apenas que lhe “(…) não pode ser assacada qualquer culpa ou responsabilidade na insuficiência de património da sociedade devedora para satisfação de créditos fiscais.” (artigo 6.º da petição inicial), articulando na restante petição inicial factos que contendem com a falta de culpa pela insuficiência do património da executada originária para satisfação das dívidas. O oponente impugna a reversão alegando apenas factos relevantes para a alínea a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.
Porém, o que está em causa é a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT e não a sua alínea a).
Na verdade os PEF foram revertidos contra o oponente nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT e não da sua alínea a). Logo, o que está em causa é a culpa do oponente pela falta de pagamento da dívida (art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT) e não a culpa do oponente pela insuficiência do património da executada originária (art.º. 24.º, nº 1, alínea a), da LGT).
Estando em causa a alínea b) do n.º 1 do art. 24.° da LGT, presume-se a culpa do oponente pela falta de pagamento da dívida revertida, pelo que compete ao oponente alegar e provar que a falta de pagamento da dívida revertida não lhe é imputável.
Todavia, no caso em apreço, o oponente não alegou quaisquer factos que demonstrasse que não foi por culpa sua que as dívidas revertidas não foram pagas. Isto é, o oponente não alegou quaisquer factos que fossem adequados e susceptíveis de demonstrar que não foi por culpa sua que as dívidas revertidas não foram pagas.
Ora, se o oponente não alegou factos susceptíveis de elidirem a presunção de culpa da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, também não podia fazer prova de factos que não alegou. Por essa razão, o tribunal não realizou a audiência contraditória.
Se o oponente não alegou factos relevantes para a decisão da causa — isto é, se o oponente não alegou factos determinantes para a elisão da presunção de culpa do art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT — não há fundamento legal para realizar a audiência contraditória, porquanto a sua realização seria absolutamente irrelevante e inútil para a decisão da causa — na medida em que não relevaria para a elisão da referida presunção de culpa — e constituiria, por isso, a prática dum acto inútil proibido por lei (art. 137.º do CPC).
A oposição tem de improceder por falta de fundamento.
De resto, cumpre ainda citar aqui o douto acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 3/12/2010, no recurso n.º 234/07.7BEMDL, em que em situação idêntica à destes autos (o oponente era o mesmo e na petição inicial invocavam-se os mesmos fundamentos) foi decidido que:
“Ora. No caso em apreço, não vem discutido que o prazo legal de pagamento das dívidas tributárias exequendas terminou no período do exercício da gerência da executada originária por parte do Recorrente,
O que o Recorrente sustenta é que não recai sobre si qualquer presunção de culpa, na medida em que as dívidas exequendas têm na origem factos tributários que ocorreram no período da sua gerência e são, por isso, enquadráveis na alínea a) do nº1 do artigo 24º da LGT.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos, face ao que anteriormente referimos que, neste ponto, \ o Recorrente não tem razão. Com efeito, por um lado, a norma do artigo 24.º nº1, alínea b) da LGT é inequívoca ao estabelecer uma presunção legal de imputabilidade do não pagamento das dívidas tributárias a quem exercia a gerência no momento em que terminou o prazo legal de pagamento dessas mesmas dívidas e, por outro lado, em sede de facto, provou-se que a gerência da executada originária, naquele momento, era exercida pelo Oponente e, como tal, sobre ele recaía o ónus de provar factos tendentes ao afastamento daquela presunção.
Poderá dizer-se que o Recorrente afastou, com êxito, essa presunção?
A resposta é, inequivocamente, negativa.
Vejamos porquê.
Para ilidir a presunção de culpa pela falta de cumprimento das obrigações tributárias, ou qualquer relação causal entre a sua actuação e a insuficiência patrimonial da empresa que geriu, sabido que aos gerentes é exigível uma postura responsável e ponderada, que corresponda a uma actuação que, de acordo com o exigível a um administrador critérios / colocado em idêntica situação e dentro da inerente discricionariedade técnica, se mostre, em princípio, como adequada ao alcance dos objectivos para que a sociedade se / constituiu — neste mesmo sentido, entre muitos outros, acórdão TCA Norte 7 Dez. 2005, Recurso 0086/01; acórdão TCA Norte 23 Fev, 2006, Recurso 0032/02; acórdão TCA Norte 16 Mar. 2006, Recurso 00 02/03; acórdão TCA Norte 6 Abr. 2006, Recurso 0021/02, disponíveis em www.dgsi.pt.
Ora, os factos alegados pelo ora Recorrente são manifestamente insuficientes para que, mesmo que se provassem, se poder considerar que a sua actuação enquanto gerente se manteve de acordo com o padrão legalmente exigido (iremos, assim, justificar a afirmação que fizemos anteriormente no ponto 2.1,2 no sentido de que, mesmo a aceitar-se que o Recorrente cumpriu o ónus imposto pelo artigo 690º-A do CPC, sempre o recurso teria de improceder por irremediáveis deficiências ao nível da alegação da factualidade relevante).
Com efeito, em síntese, o ora Recorrente alegou na petição inicial que:
- Desde o ano de 2001 ao ano de 2005 se viveu uma crise na construção civil (artigos 9º a 12º da petição inicial);
- O Recorrente foi vítima de erros de contabilidade cometidos à sua revelia durante cinco anos (artigos 13º a 18º da petição inicial);
- No ano de 2000, a sociedade gerida pelo Recorrente levou a cabo uma empreitada não lucrativa, (artigos 19º a 24º da petição inicial);
- Em 2004/2005 aceitou realizar uma obra de construção civil que, segundo diz, se revelou um fracasso, (artigos 25º a 27º da petição inicial);
- A sociedade deixou de ter actividade em consequência da sua grave situação económica mas também da grave crise do sector e que tinha de fazer face a custos fixos no valor mensal de 10.000,00 euros e que o Recorrente nada mais podia fazer para evitar a situação a que a sociedade chegou (artigos 28º a 32º da petição inicial);
- O Recorrente se dedicou exclusivamente à sociedade, passando o dia ao serviço da mesma e chegando a desenvolver trabalhos físicos para tentar viabilizar a sociedade, e que chegou a contrair pessoalmente um empréstimo bancário (artigos 33º a 39º da petição inicial).
Ora, como bem se compreende, tal alegação, mesmo que se pudesse considerar provada, é manifestamente insuficiente para concluir no sentido da demonstração relevante da falta de culpa do Recorrente.
Isto porque, a existência de uma alegada crise na construção civil nos anos de 2001 a 2005, além de não estar demonstrada, nada diz no que à concreta actividade de gestão exercida pelo Recorrente diz respeito.
Por outro lado, não vêm minimamente concretizados os erros contabilísticos de que o Recorrente diz ter sido vítima.
Depois, quanto aos prejuízos alegadamente sofridos com uma empreitada realizada pela executada originária, o Recorrente não fez a mínima concretização do valor pago pelo dono da obra e do valor despendido pela sociedade, nem fez a necessária explicitação das razões de facto que terão estado na base do alegado prejuízo, não bastando, obviamente, dizer que a Câmara Municipal de Alijo exigiu que fosse feita a construção de arruamentos que não estariam contemplados no projecto aprovado.
Também relativamente ao fracasso económico que teria representado a empreitada efectuada em 2004/2005 na ………….. em Armamar, não é feita a mínima concretização desse “fracasso” nem das respectivas razões.
Acresce que para o gerente de uma sociedade afastar a culpa que aqui está causa não bastará alegar que se dedicava a tempo inteiro a essa sociedade, pois isso é o que se espera de qualquer gerente,
O que importaria é que o Recorrente concretizasse as medidas e acções que desenvolveu no sentido de garantir a viabilização económica da empresa cuja gestão estava a seu cargo e a possibilitar que esta pudesse cumprir pontualmente as respectivas obrigações, nomeadamente perante o Estado. Ora, essa concretização não se mostra minimamente efectuada, sendo inteiramente irrelevante, a este propósito, a alegação feita pelo Recorrente de que contraiu pessoal um empréstimo bancário sem sequer indicar o montante desse empréstimo, a data em que foi efectuado e, fundamentalmente, a finalidade do mesmo.
Tudo para concluir que não só, como bem assinalou a sentença recorrida, não ficou provado qualquer facto com virtualidade para afastar a dita presunção legal como também, logo ao nível da própria alegação, a sua insuficiência era manifesta e, deste modo, não logrando o Recorrente ilidir a presunção legal que sobre si recaia, outra não pode ser a sorte do presente “só senão a da respectiva improcedência.”
Logo, não tendo o oponente invocado qualquer facto susceptível de elidir a presunção de culpa do art. 24°, n.º 1, alínea b), da LGT, a oposição tem de improceder porquanto não foi invocado qualquer outro fundamento de oposição.
O oponente é, por isso, responsável pelo pagamento das dívidas revertidas contra si (arts. 22°, 23.º e 24°, nº 1, alínea b), da LGT), sendo parte legitima no PEF (art. 204°, n.º 1, alínea b), do CPPT, a contrario).
4 - Decisão.
Pelo exposto, julga-se a oposição improcedente por falta de fundamento”.

DECIDINDO NESTE STA

Questiona o recorrente a sentença recorrida a que atribui nulidade decorrente de ter sido proferida sem que antes tenha sido produzida a prova que ofereceu e que no seu dizer suficiente e adequada a afastar a presunção de culpa a que se refere a al. b) do nº 1 do artº 24º da LGT na sua actual redacção. Concretiza com o teor do artigo 41º da petição de Oposição, em que o oponente alega que a falta de pagamento ocorreu por absoluta carência de meios, precedendo-lhe, no articulado, a invocação e enumeração das razões pelas quais essa falta de meios ocorreu e a demonstração de que a mesma lhe não era imputável.

Por sua vez o Mº Juiz na sentença expressou as razões porque entendeu não produzir a prova testemunhal.

A primeira questão que se coloca é assim a de saber se foi bem ou mal dispensada a prova testemunhal oferecida. O que nos reconduz a averiguar se a prova oferecida tinha a virtualidade de poder elidir a presunção contida no preceito da LGT acabado de referir.

Foram oferecidas quatro testemunhas que o Mº juiz de 1ª Instância entendeu não ouvir em inquirição por considerar que o oponente não tinha alegado factos capazes de provar a sua não culpa pelo não pagamento dos tributos no prazo legal de pagamento (fundamento da alínea b9 do nº 1 do artº 24º da LGT pelo que se não tinha alegado os factos também a indicação das testemunhas arroladas não tinha a virtualidade de demonstrar a sua não culpa a que se refere o preceito mencionado.
Contrapõe o recorrente que pelo menos no articulado 41º da petição inicial em alegou que a falta de pagamento ocorreu por absoluta carência de meios, precedendo-lhe, no articulado, a invocação e enumeração das razões pelas quais essa falta de meios ocorreu e a demonstração de que a mesma lhe não era imputável.
Vejamos:
Como se expressou no acórdão deste STA de 05/02/2014 tirado no recurso 01113/12 “(…) De harmonia com o disposto no artº 24º, nº 1 da Lei Geral Tributária os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Como foi sublinhado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23.06.2010, recurso 304/10, in
www.dgsi.pt, «a bipartição de regimes quanto à repartição do ónus da prova que a LGT introduziu através das duas alíneas do n.º 1 do seu artigo 24.º (de forma inovadora em relação ao antes disposto no artigo 13.º do Código de Processo Tributário), parte da distinção fundamental entre "dívidas tributárias vencidas" no período do exercício do cargo e "dívidas tributárias vencidas" posteriormente (cfr. a alínea c) do n.º 15 do artigo 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto), sendo este igualmente o sentido que lhe atribui a generalidade da doutrina que ex professo versou o tema em face do regime actual..»
Assim a alínea a) é aplicável às dívidas tributárias: - cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo, mas postas à cobrança posteriormente à cessação do mesmo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício.
Já a alínea b) é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança (Vide, também neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.09.2010, recurso 498/10, in www.dgsi.pt.).
Ora relativamente a estas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo a Lei Geral Tributária (alínea b), n º 1, do artigo 24º) faz incidir sobre o gerente ou o administrador o ónus de provar que a falta de pagamento das dívidas tributárias pela sociedade não lhe é imputável.(…)”
No caso dos autos resulta do probatório que o recorrido exerceu a gerência da sociedade originária (alínea E) do probatório) e assim sendo a situação sub judice era enquadrável na previsão da al. b) do referido artº 24º competindo-lhe o ónus de provar que a falta de pagamento das dívidas tributárias pela sociedade não lhe era imputável.
É certo que o oponente dedicou imenso espaço da sua petição inicial de oposição a alegar a impossibilidade com que se debateu para evitar a situação a que a sociedade chegou.
Porém, ainda assim o oponente ao invés do que se sustenta na decisão recorrida alegou ainda que de forma reduzida a insuficiência ou carência de meios financeiros para com eles pagar os tributos que se venceram no período em que exercia o cargo de gerente. É o que resulta do articulado 41 da PI onde se refere: “ Em suma, os impostos em questão, só não foram pagos por absoluta carência de meios que resultou, em exclusivo, das dificuldades vividas pela sociedade, inerentes à falta de trabalho e aos prejuízos económicos financeiros decorrentes das duas obras, já citadas”. Também do articulado 33º da mesma petição se depreende o mesmo argumento/alegação.
Assim sendo com o devido respeito não podemos concordar com a não inquirição das testemunhas arroladas no entendimento de que a sua audição poderá eventualmente aportar para os autos com expressão no probatório factos capazes de ilidir a presunção de culpa a que se refere a al. b) do nº 1 do artº 24 da LGT.
Assim sendo a decisão recorrida não se poderá manter.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder provimento ao recurso revogando a sentença recorrida e determinando a baixa dos autos para inquirição das testemunhas arroladas, com os posteriores desenvolvimentos processuais.

Sem custas.

Lisboa, 15 de Outubro de 2014. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Dulce Neto.