Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0334/14
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:PORTAGEM
NOTIFICAÇÃO ENTRE MANDATÁRIOS
TEMPESTIVIDADE DO RECURSO
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PRESCRIÇÃO
COIMA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:I - O dever de notificação entre mandatários das partes dos actos processuais que pratiquem por escrito, actualmente previsto no artigo 221.º do CPC, é subsidiariamente aplicável ao processo judicial tributário.
II - A instauração do processo de execução fiscal para cobrança coerciva de coimas não constitui facto interruptivo da prescrição da execução das coimas previsto no n.º 1 do artigo 30.º-A do RGCO.
III - A suspensão do processo de execução fiscal em virtude da dedução de oposição acompanhada de garantia da dívida exequenda pode constituir causa de suspensão da prescrição da coima subsumível no artigo 30.º do RGCO.
IV - Sendo o probatório fixado na sentença recorrida omisso quanto a factos relevantes para ajuizar se está ou não prescrita a dívida exequenda, impõe-se a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para ampliação da matéria de facto com vista a obter todos os elementos que suportem a decisão jurídica, o que importa a anulação da decisão recorrida em conformidade com o disposto nos artigos 662.º, n.º 2, al, c) e 682.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Nº Convencional:JSTA000P19168
Nº do Documento:SA2201506170334
Data de Entrada:03/17/2014
Recorrente:INSTITUTO DE MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, IP
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – O Instituto de Mobilidade e Transportes, I.P., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 29 de Novembro de 2013, que, na oposição deduzida por A……….. aos autos de execução contra si instaurados no Serviço de Finanças de Braga 1 com o n.º 0361201101107763 e apensos para cobrança coerciva de dívidas decorrentes de taxas de portagem, custos administrativos e coimas, declarou extinta a instância - por inutilidade superveniente da lide, em relação aos processos executivos já declarados extintos, e por prescrição, relativamente aos demais.
O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. As infrações e os procedimentos contraordenacionais, que estão na génese dos processos de execução agora em causa, são regulados pela Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.
B. Já estatuía o artigo 16.º-B da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, que as coimas e sanções acessórias prescreviam no prazo de dois anos.
C. Às contraordenações em causa aplicam-se subsidiariamente as disposições do regime geral do ilícito de mera ordenação social (RGIMOS), nos termos do artigo 18.º da Lei n.º 25/2006.
D. O Tribunal a quo entendeu na sentença ora recorrida que “Quanto às causas de interrupção ou suspensão da execução importa referir o regime previsto nos artigos 30.º e 30.º-A n.º 1 do RGIMOS”.
E. Porém, na apreciação subsequente o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da suspensão da prescrição, tendo apreciado apenas a interrupção da prescrição da coima.
F. Assim considerou que “… tendo a decisão condenatória sido proferida em 8/11/2009, conforme é assumido pela Exequente na certidão de dívida e transitado em julgado em 04/03/2010, já que a partir de 05/03/2010 iniciou-se a contagem de juros de mora, há muito se encontra decorrido o prazo prescricional sendo que as diligências efectuadas com vista à cobrança coerciva da coima não têm eficácia interruptiva, razão pela qual se impõe declarar extinta a coima por verificação da prescrição, …”.
G. Contudo, o Tribunal a quo, para apreciar a prescrição das coimas, oficiosamente, nos termos do artigo 175.º do CPPT, deveria ter diligenciado pela obtenção de todos os elementos e factos que influem naquela decisão.
H. Vejamos a este respeito o sumário e corpo do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul n.º 05689/12, de 14-11-2013, disponível em www.dgsi.pt, que se transcreve parcialmente:
“4. O Tribunal tem o dever de indagar sobre a tramitação do processo de execução fiscal no âmbito do exame e decisão da eventual prescrição da dívida exequenda. A isso o obriga o princípio da investigação, o qual traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr. art. 99.º, n.º 1 da L.G.Tributária; art.º 13, n.º 1, do C.P.P.Tributário).”
“Voltando ao caso concreto dir-se-á, antes de mais, que o Tribunal “a quo” tinha o dever de indagar sobre a tramitação do processo de execução fiscal n.º 3522-2001/182085.0 no âmbito do exame e decisão da eventual prescrição da dívida exequenda. A isso o obrigava o princípio da investigação, o qual traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário (cfr. art. 99.º, n.º 1, da LGTributária; art.º 13, n.º 1, do CPPTributário; Ac. do TCA-Sul – 2.ª secção, 10/9/2013, proc. 6918/13; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág. 103 e seg.).” (nosso sublinhado).
I. Na verdade, os processos executivos encontram-se suspensos desde Fevereiro de 2012, primeiro pela existência de hipoteca de bens imóveis e, depois, pela prestação de garantia efetuada pelo executado.
J. E estatui a alínea a) e b) do artigo 30.º do RGIMOS que a prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que, por força da lei, a execução não pode continuar a ter lugar ou em que a execução foi interrompida.
K. Assim, estando os processos executivos suspensos, a prescrição da coima está necessariamente suspensa, por força do artigo 30.º do RGIMOS.
L. Entendimento semelhante tiveram os Excelentíssimos Desembargadores (sic) do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão n.º 0514/12, de 30/05/2012, disponível em www.dgsi.pt, que se transcreve parcialmente:
“III - Uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação do efeito interruptivo da prescrição.
Constitui jurisprudência uniforme e reiterada deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros, no Acórdão, de 14/9/2011, proc. nº 01010/2010, que “das normas contidas nos artigos 169º, nº 1, do CPPT e 49º, nº 3, da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de impugnação judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda «desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido» e que «o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso». O que significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição””. (nossos sublinhado).
M. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre suspensão da prescrição, o que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do n.º 1, do artigo 125.º do CPPT e da parte final do n.º 2, do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
N. Acresce que, o Tribunal a quo considerou, sobre o instituto da interrupção da prescrição, como supra transcrito no ponto 5, que a instauração da execução não constitui facto interruptivo da prescrição das coimas.
O. No entanto, é entendimento do ora recorrente que a instauração da execução tem carácter interruptivo da prescrição das coimas.
P. Aliás, como referido in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, de Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, 2.ª edição, atualizada e ampliada, 2003, Áreas Editora, em anotação ao artigo 30.-A do RGCO. “2 – A prescrição da coima e das sanções acessórias (por força do art. 31.º) – aliás como a prescrição do procedimento contra-ordenacional – tem como fundamento principal a sua desnecessidade, pelo esquecimento em que, pouco a pouco, o tempo vai envolvendo a infracção que a determinou.
Esse mesmo fundamento implica que o acto de instauração da execução revelador do não esquecimento da infracção por parte do Estado, se considere interruptivo da prescrição.” (nosso sublinhado).
Q. Veja-se, a respeito da prescrição das coimas aplicadas em processos de contra-ordenação da Lei n.º 25/2006, de 20 de Junho, excerto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 06953/13, em 28-11-2013, disponível em www.dgsi.pt:
“A instauração do processo de execução, nos termos do art. 30.º-A, n.º 1, do RGCO, interrompe o prazo de prescrição da coima, interrupção esta que, apesar disso, não bule com o termo absoluto para a prescrição da coima consagrado no citado art. 30-A, n.º 2, do RGCO (no caso, de três anos).
Por outro lado, a simples instauração do processo executivo visando a cobrança coerciva da coima não reveste virtualidade, por si só, para constituir uma causa de suspensão da prescrição, dado não constar do elenco das medidas suspensivas previstas no citado art. 30.º, do RGCO (cfr. ac. do TRLisboa, 27/9/2006, proc. 7034/2003-3; Ac. TCA Sul – 2.ª Secção, 27/9/2011, proc. 2907/09; ac. TCA Sul – 2.ª Secção, 2/10/2012, proc. 5436/12).” (nosso sublinhado)
Termos em que, e nos mais de Direito aplicável, deverá ser dado integral provimento ao presente recurso, julgando-o procedente, por provado e, em consequência ser:
- Declarada nula a sentença, por omissão de pronúncia sobre a suspensão da prescrição,
- Ordenada a baixa dos autos ao Tribunal a quo, e ser repetido o julgamento da prescrição, uma vez habilitado com os dados factuais indispensáveis, designadamente os inerentes à apreciação da suspensão da prescrição,
- Revogada a sentença quanto à procedência da questão da prescrição.
Assim fazendo, V. Exas., Venerandos Conselheiros, a costumada JUSTIÇA!

2 – Contra-alegou o recorrido, apresentando as seguintes conclusões (aperfeiçoadas, precedendo Despacho da Relatora nesse sentido – fls. 421 dos autos):
1. A alínea e), do n.º 2, do artigo 282º do Código de Procedimento e Processo Tributário manda aplicar subsidiariamente, ao processo judicial tributário, o Código de Processo Civil.
2. Pelo que se aplicam ao processo judicial tributário os artigos 221.º e 255.º do Código de Processo Civil.
3. O Recorrente IMT não só não cumpriu o disposto nas referidas normas legais, no que concerne ao requerimento de interposição de recurso, como também não o faz no que respeita às doutas alegações que juntou aos autos.
4. O Oponente/Recorrido não foi notificado, nos termos do disposto nos artigos 221.º e 255.º do Código de Processo Civil, do teor das doutas alegações juntas aos autos.
5. A omissão da notificação a que se alude no citado artigo 255.º consubstancia uma irregularidade processual, que fica desde já arguida para todos os efeitos legais e que em muito prejudicou o exercício do contraditório pelo Oponente/Recorrido.
6. Pelo que, deve o recorrente IMT ser condenado na multa a que se alude nas disposições conjugadas dos artigos 148.º, n.º 3 e 139.º do Código de Processo Civil.
7. Nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 282º do Código e Procedimento e de Processo Tributário, o prazo para alegações a efetuar no tribunal recorrido é de 15 (quinze) dias a contados para o recorrente – aqui IMT – a partir da notificação do despacho que admite o recurso.
8. Do douto despacho que admite recurso consta, como data de registo o dia 17/1/2014, pelo que, Recorrente e Recorrido presumem-se notificados do referido despacho no terceiro dia útil após a data constante do registo, ou seja, consideram-se notificados no dia 20/1 (2.ª feira).
9. O primeiro dos 15 (quinze) dias do prazo, que o recorrente IMT dispunha para juntar aos autos as suas alegações de recurso foi o dia 21/1 (3.ª feira).
10. E o último dia, dos 15 (quinze) dias de prazo para juntar as alegações aos autos, foi o dia 4/2 (3.ª feira).
11. O Recorrente IMT juntou as suas alegações aos autos por e-mail a 6/2 (5.ª feira) no segundo dia após o termo do prazo de 15 (quinze) dias de que dispunha para o efeito, sem que, no entanto, tenha pago a multa que lhe permite praticar o ato, no 3.º (terceiro) dia útil após o termo do prazo.
12. Por terem sido juntas aos autos após o termo do prazo perentório de 15 (quinze) dias, as alegações em causa não devem ser admitidas, devendo ser desentranhadas e devolvidas à parte, considerando-se para todos os efeitos legais como não apresentadas.
13. Nos termos do disposto no n.º 4, do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve o presente recurso ser julgado deserto por falta de apresentação das alegações.
14. Diz o Recorrente IMT que a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” se encontra ferida de nulidade, pelo facto de a mesma não se pronunciar sobre as causas de suspensão da prescrição.
15. Entende o Recorrente IMT que, tal falta de pronúncia sobre a eventual suspensão dos prazos de suspensão reveste uma das causas de nulidade da sentença nos termos do disposto do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente, pelo facto de o tribunal “a quo” apenas se ter pronunciado sobre a interrupção da prescrição e não sobre a sua suspensão.
16. Mas a douta sentença ora em crise, não deixou de se pronunciar sobre todas as questões que deveria apreciar, a nulidade por omissão de pronúncia, expressamente prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário que, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer” esta norma tem redação idêntica ao disposto no n.º 2, do artigo 608.º do Código de Processo Civil.
17. Atentos ao teor de tais normas legais, constatamos que só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questões colocadas pelas partes e no articulado de Oposição junto aos autos pelo Oponente/Recorrido, constatamos que, o mesmo alega o decurso do prazo de prescrição de dois anos, dos procedimentos, das coimas e das sanções acessórias, nos termos do disposto nos artigos 16-A e 16-B constantes da Lei n.º 25/2006 de 30 de Junho.
18. Pelo que, a douta sentença ora em crise, no início da apreciação que faz sobre a questão colocada, começa por explicar que o Oponente remete a apreciação da prescrição para o âmbito do processo de contra ordenação, o que, no seu entendimento, deixa de ser possível após ter sido proferida sentença, tanto mais que, tal questão se prenderia com a apreciação da legalidade do tributo.
19. A douta questão aprecia a questão que lhe é colocada pela parte, aqui Oponente/Recorrido para determinar que, no que à prescrição concerne não é possível a apreciação da prescrição do procedimento, mas, antes e apenas a apreciação da prescrição da coima.
20. A douta sentença emite o seu parecer sobre a prescrição da coima e determina que, ao caso em apreço é aplicável o DL n.º 433/82 de 27 de Outubro.
21. A douta sentença não deixou, assim, de se pronunciar sobre as questões que lhe foram colocadas pelo Oponente/Recorrido, a saber, a prescrição do procedimento e da coima.
22. A douta sentença não emite qualquer decisão no sentido de não poder tomar conhecimento de determinada questão que lhe tenha sido colocada, nem indica razões para justificar qualquer abstenção de conhecimento sobre essa questão e pronuncia-se sobre todas as questões que lhe foram colocadas pelas partes no que à prescrição concerne.
23. A questão da suspensão do prazo prescricional não foi submetida à apreciação do tribunal “a quo”, pelo Recorrente no seu articulado de contestação e por esse motivo, não pode agora o mesmo arguir a nulidade da douta sentença, por falta de apreciação de uma questão que não foi colocada por nenhuma das partes à apreciação do tribunal.
24. Atentos ao teor da douta sentença ora em crise, verificamos facilmente que os argumentos do Recorrente IMT carecem completamente de fundamento, com efeito, no seguimento da apreciação da questão da prescrição da coima, a sublinhado e a bold, a páginas 9 da douta sentença proferida consta a seguinte expressão “Da interrupção e/ou suspensão”. Neste segmento da douta sentença, ora em crise, o Meritíssimo Juiz a quo faz uma apreciação das causas de interrupção ou suspensão da prescrição e refere os artigos 30.º e 30.º A do RGIMOS para referir, através de exemplos jurisprudenciais que, no que à suspensão concerne, “a simples instauração do processo executivo para cobrança coerciva da coima, não tem virtualidade por si só de constituir qualquer causa de suspensão da prescrição, na medida em que não consta do elenco das causas de suspensão da coima prevista no artigo 30.º do DL 433/82 de 27 de Outubro.”.
25. A decisão proferida pelo tribunal a quo, através deste exemplo jurisprudencial justifica a inexistência nos autos de qualquer causa suspensiva do prazo de prescrição, remetendo tais causas para o elenco taxativo do artigo 30º do DL 433/82 de 27 de Outubro.
26. Inexistindo causas de interrupção ou suspensão, o prazo da prescrição da coima, neste caso de dois anos, conta-se desde a data em que a decisão se tornou definitiva, ou seja, desde 25/3/2010. Pelo que, outra não poderia ser a decisão constante da douta sentença que não fosse da declaração da prescrição da dívida com a consequente extinção das execuções.
27. Defende, por outro lado a Recorrente IMT que nos termos das alíneas a) e b) do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro, o facto de o presente processo executivo estar suspenso, em virtude da constituição de garantia pelo Oponente/Recorrido, desde 12 de Fevereiro de 2012, implicaria também a suspensão do prazo de prescrição da coima.
28. Acontece que, como explicado na douta sentença ora em crise, não é possível confundir o processo de execução fiscal no qual se visa obter o pagamento coercivo da coima com a expressão “execução” que se pretende referir ao pagamento voluntário da coima, constante das alíneas a) e b) do artigo 30.º do Decreto-lei 433/82 de 27 de Outubro;
29. Com efeito, a expressão “execução” constante das alíneas a) e b) do artigo 30º e n.ºs 1 e 2 do artigo 30.º-A Decreto-lei 433/82 de 27 de Outubro não se refere à “instauração do processo executivo para cobrança coerciva da coima mas, antes, ao cumprimento/pagamento da coima.
30. Assim a instauração do processo de execução fiscal não tem efeito suspensivo ou interruptivo do prazo de prescrição da coima.
31. Sendo, por tal facto, completamente indiferente que os autos executivos estejam suspensos desde Fevereiro de 2012.
32. Ou que, a presente execução tenha sido instaurada em Outubro de 2011, pois que tais factos não se encontram no elenco taxativos das causas de suspensão ou interrupção dos prazos de prescrição da coima constantes dos artigos 30º e 30-A do Decreto-Lei 433/82 de 27 de Outubro.
33. Quando a douta sentença foi proferida o prazo de prescrição de 2 (dois) anos que se iniciou a 25/3/2010 havia já decorrido.
34. O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena, ou seja, no dia em que a decisão da autoridade administrativa se tornou definitiva e exequível – n.º 2 do art. 122.º do Código Penal, aplicável “ex vi” art. 40.º do Decreto-lei 433/82 de 27 de Outubro.
35. A decisão que aplicou a coima tornou-se definitiva a 25/3/2010.
36. Por outro lado, a instauração da acção executiva para cobrança da coima não tem efeito interruptivo da prescrição, em virtude de aquela execução não ter a natureza de execução ou cumprimento da mesma pena.
37. Nestes autos, não se verifica qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição a que se referem os artigos 30º e 30-A do Decreto-lei 433/82 de 27 de Outubro.
38. A coima prescreveu em 25/3/2012 data em que se acham decorridos 2 (dois) anos desde a data em que a decisão que aplicou a coima se tornou definitiva e exequível.
39. Ao exposto acresce que, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 30-A o decurso do prazo de prescrição sempre ocorreria, desde o seu início – ressalvado o tempo de suspensão, que não se verifica neste caso – quando ocorra o prazo normal de prescrição acrescido de metade, ou seja 3 (três) anos.
40. Pelo que, a coima sempre estaria prescrita desde 25/3/2013.
41. A coima encontra-se extinta pelo decurso do prazo de prescrição e outra não pode ser a decisão que não a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, como bem decidiu o tribunal a quo.
TERMOS EM QUE,
Mantendo na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, farão V. Exas., Sábios Desembargadores a habitual JUSTIÇA!

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 401 a 405 dos autos, pronunciando-se no sentido da procedência da primeira questão prévia suscitada pelo recorrido (falta de notificação das alegações de recurso à parte contrária), da improcedência da segunda questão prévia por ele suscitada (intempestividade das alegações de recurso), pela improcedência da arguida nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia e, quanto ao mérito, pela procedência do recurso, devendo os autos baixarem à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto de modo a que possa apreciar-se a eventual suspensão do prazo de prescrição da coima.

As partes foram notificadas do parecer do Ministério Público e nada vieram dizer (fls. 421 a 423 dos autos).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 – Questões a decidir
Como questões prévias suscitadas pelo recorrido nas suas contra-alegações haverá que indagar da existência de irregularidade processual, decorrente da não notificação ao mandatário do recorrido das alegações de recurso, bem como da tempestividade das alegações.
O recorrente, por sua vez, imputa à sentença recorrida nulidade por omissão de pronúncia, por alegadamente a sentença recorrida não se ter pronunciado sobre a suspensão da prescrição das coimas, e erro de julgamento ao julgar não prescritas as coimas, concretamente por ter entendido que a instauração da execução não constitui facto interruptivo da prescrição e por se ter verificado a suspensão da execução desde Fevereiro de 2012, em virtude de penhora, depois substituída por prestação de garantia.

5 – Na sentença objecto do presente recurso encontram-se fixados os seguintes factos:
1. O processo executivo n.º 0361201101107763 foi instaurado em 21/10/2011, contra A……………, residente em :………….,, ………. ………. – 4715 Braga, por dívidas ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P. – INIR, no montante de €1.065,80 – cfr. consta da cópia dos respetivos autos aqui em anexo
2. Ao processo executivo supra foram apensos os autos de execução que a seguir se enunciam, todos instaurados em 21/10/2011, por dívidas ao Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P. – INIR, pelos montantes também discriminados, ficando a dívida a valer por €9.687,80:



PEF n.º
Dívida
0361201101107771
734,25
0361201101107780
680,70
0361201101107798
1.395,75
0361201101107801
880,20
0361201101107810
1.354,80
0361201101107828
475,95
0361201101107836
1.581,60
0361201101107844
986,85
0361201101124269
231,95
0361201101124277
299,95
Total
8.622,00



Tudo conforme consta da cópia dos respetivos autos aqui em anexo.
3. Serviu de base à instauração dos processos supra, as cartas precatórias que a seguir se enunciam, todas emitidas em 21/10/2011, pelo Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P. – INIR, com sede na R. dos Lusíadas n.º 9 – 4.º Frt 1300-364 Lisboa, para cobrança coerciva dos créditos compostos por taxa de portagem, coimas e custos administrativos – cfr. consta dos autos de execução aqui em anexo.



N. carta PrecatóriaPEF n.º
20769955000237300361201101107763
20769955000237310361201101107771
20769955000237320361201101107780
20769955000237330361201101107798
20769955000237340361201101107801
20769955000237350361201101107810
20769955000237360361201101107828
20769955000237370361201101107836
20769955000237380361201101107844
20769955000237960361201101124269
20769955000237970361201101124277




Tudo conforme consta da cópia dos respetivos autos aqui em anexo
4. Nas certidões de dívida junto às cartas precatórias supra refere-se, quanto à dívida e proveniência o que a seguir, parcialmente, se transcreve:
“(…)
Natureza: Taxa de portagem, coimas e custos administrativos, decorrentes da prática de contra-ordenações previstas na Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, pelo não pagamento ou pelo pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias.
Proveniência: Por deliberação do Conselho Directivo do InIR, IP de 8-11-2009, no âmbito do processo de concurso de contra-ordenações n.º (…) o(a) Executado(a) foi condenado(a) ao pagamento da quantia global de € (…), que abrange os valores da taxa de portagem (…), da coima (…) e dos custos (…), por ter transposto, nos dias e horas constantes do quadro anexo, que constitui parte integrante da presente certidão para todos os efeitos legais, as barreiras de portagem neles discriminadas, através da via reservada a aderentes a sistema electrónico de cobrança de portagens, sem que o veículo utilizado respeitasse a obrigação legal relativa ao pagamento de taxas de portagem devidas em infra-estruturas rodoviárias e, em consequência, ter cometido infracções previstas e punidas nos arts. 5.º e 7.º, ambos da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.
Notificada e tornada definitiva a decisão definitiva, e não tendo o(a) Executado(a) procedido ao pagamento da quantia devida, passou-se à cobrança coerciva dos créditos em causa.
(…)
Data em que começaram a vencer-se juros de mora: 05-03-2010
(…)”
Tudo conforme consta do respetivo PEF aqui em anexo.
5. Descrimina-se a seguir os n.ºs de processos de contra-ordenação identificados nas certidões de dívida, valores da condenação e respetivas datas:


PEF N.º Proc. de contra-ordenac Valores
Qt global Taxa port. Coima custos

03612011011077631000935471.065,80180,3860,0025,50
0361201101107771100093548734,2533,75675,0025,50
0361201101107780100093549680,7031,20624,0025,50
03612011011077981000935501.395,7565,251.305,0025,50
0361201101107801100093551880,2040,70 814,0025,50
03612011011078101000935521.354,8063,301.266,0025,50
0361201101107828100093553475,9521,45 429,0025,50
03612011011078361000935551.581,6074,101.482,0025,50
0361201101107844100093556986,85146,35 815,0025,50
03612011011242691000543182231,9513,70 205,5012,75
03612011011242771000543184299,9517,95 269,2512,75
Total9.687,80688,058.744,75255,00



Tudo conforme consta do respetivo PEF aqui em anexo.
6. Em 11/01/2012 o aqui Oponente, tomou conhecimento, na pessoa do seu representante legal dos elementos referentes aos autos de execução – cfr. fls. 49/50 dos autos – não contestado;
7. Em 01/02/2012 foi deduzida a presente oposição – cfr. fls. 6 e seguintes dos autos – não contestado
8. O aqui Oponente recorreu das decisões de aplicação da coima perante os Tribunais Comuns, já decididas – conforme docs. de fls. 92 e seguintes; 171 e seguintes; 199 e seguintes; 228 e seguintes; 263 e seguintes dos autos
9. Aos 26/06/2013, foi emitida certidão pelo Serviço de Finanças de Braga dando como extintas a execuções referentes aos processos executivos n.ºs 0361201101107763; 0361201101107798; 03611201101107801 e 0361201101107844 – cfr. fls. 309 e seguintes dos autos.
10. No âmbito dos processos de contra-ordenação a que nos vimos referindo foram dirigidas cartas ao aqui Oponente pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., em 2008 e 2009, para o endereço sito na Praça Paulo Vidal, n.º 16, 1.º D Poente em Braga, devolvidas ao remetente com a indicação de: “Mudou-se”; “não atendeu”; - cfr. consta do PA aqui em anexo
11. O Oponente é residente na morada que consta em 1., deste probatório pelo menos desde 30/09/2005 – cfr. fls. 138 a 160, dos autos
Factos não provados:
Dos autos não resulta provada a data em que o Oponente tenha tido conhecimento da instauração dos processos de execução.
Também não resulta provado que o Oponente tenha tido conhecimento do conteúdo das cartas referidas no ponto 10, do probatório.

6 – Apreciando.
6.1. Questão prévia 1: Da falta de notificação das alegações de recurso ao mandatário do recorrido
Nas conclusões 1 a 6 das suas contra-alegações de recurso suscita o recorrido como questão prévia a da falta de cumprimento do disposto nos artigos 221.º e 255.º do Código de Processo Civil (CPC), alegando que a omissão de notificação ao mandatário do requerimento de interposição do recurso e respectivas alegações constitui irregularidade processual que em muito prejudicou o exercício do contraditório pelo Oponente/Recorrido e pedindo que o recorrente seja condenado na multa a que se alude nas disposições conjugadas dos artigos 148.º, n.º 3 e 139.º do Código de Processo Civil.
Na sua resposta às questões prévias suscitadas (fls. 394 a 396 dos autos) o recorrente pugna pela inexistência de irregularidade processual, porquanto no CPPT não está prevista a notificação das alegações de recurso ao recorrido, não se aplicando por isso o disposto no artigo 221.º do novo CPC (antigo 229.º-A do CPC), invocando em abono da sua tese o Acórdão deste STA de 23-04-2008, processo n.º 22/08, que parcialmente transcreve.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer oportunamente notificado às partes entende que assiste razão à recorrida, pois que : «Sendo as normas indicadas (sucessoras dos arts. 229.º-A e 260.º-A, ambos do CPC revogado) aplicáveis no âmbito do processo judicial tributário (ex vi do art. 2.º do CPPT) não podia o mandatário do recorrente deixar de observar o dever inserto nas normas citadas, não sendo ponderável, no caso, a doutrina do Acórdão de 23.04.2008 – P. 022/08, não só porque não há correspondência entre a redacção do preceito neste aresto considerada e aquela cuja aplicação ora se questiona mas também porque, ao invés do que então ocorria, não está em causa nos presentes autos o cumprimento daquela formalidade pelo MP ou pelo Representante da Fazenda Pública, entidades que, em princípio, estarão arredadas na obrigação do cumprimento daquela formalidade legal nos processos em que tenham intervenção como parte. Neste sentido se pronuncia Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5.ª edição, Vol. I, pgs. 363 a 366.//Porém, a lei não especifica qual a consequência legal do não cumprimento do dever de notificação entre mandatários e não é pacífica a jurisprudência que se vem pronunciando sobre a matéria. Por nós entendemos, na esteira do acórdão da Relação de Coimbra de 21/06/2004 – P. 1781/04, que a solução da questão passa por considerar que a omissão de notificação entre mandatários (arts. 221.º a 255.º, ambos do CPC), “consubstancia somente a existência de uma mera irregularidade processual, importando, como consequência, que notificação em falta seja suprida pela secretaria judicial (se o mandatário faltoso entretanto notificado para o efeito o não fizer) e com a condenação da parte, que este último representa, na multa a que se alude nas disposições conjugadas dos arts. 152, n.º 3, e 145.º, n.º 5, ex vi art. 260.º-A, n.º 1, do CPC, acrescida do custo da actividade desenvolvida pela secretaria com vista a supra tal omissão”» (cfr. parecer, a fls. 403 dos autos).
Vejamos.
Não oferece dúvidas que a posição processual do Instituto de Mobilidade e Transportes, I.P. nos presentes autos não se confunde com a do Ministério Público ou a Representante da Fazenda Pública, entidades em relação às quais a jurisprudência deste STA vem decidindo não ter aplicação a obrigação de notificação entre os mandatários das partes prevista no artigo 229.º-A do CPC, correspondente ao actual artigo 221.º do CPC, designadamente porque tais entidades não devem ser consideradas como mandatários das partes – cfr. os Acórdãos deste STA de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 788/07 e de 25 de Maio de 2005, rec. n.º 195/05).
Não se vê, ao invés do que sucede em relação àquelas entidades, razão para entender que o mandatário judicial do Instituto de Mobilidade e Transportes, I.P. - que é parte no processo e tem mandatário judicial constituído -, esteja desobrigado de cumprir o dever de notificação entre mandatários das partes dos actos processuais que pratiquem por escrito, ex vi do disposto no artigo 221.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força da alínea e) do Artigo 2.º do CPC, que corresponde, além do mais, a um corolário dos princípio da cooperação, boa-fé e correcção processuais (artigos 7.º, 8.º e 9.º do CPC), princípios fundamentais não apenas do direito processual civil, mas do direito processual em geral, incluindo o direito processual tributário.
É certo que no processo judicial tributário o despacho que admita a interposição do recurso é sempre notificado pela secretaria judicial ao recorrente, ao recorrido e ao Ministério Público (artigo 282.º, n.º 2 do CPPT), contando-se o prazo para alegações pelo recorrente a partir daquela notificação e para o recorrido a partir do termo do prazo para alegações do recorrente (artigo 282.º, n.º 3 do CPPT), não estando o prazo para contra-alegações dependente de qualquer outra notificação da secretaria judicial ou do mandatário do recorrente (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, pp. 443/444 – nota 12 a) e b) ao artigo 282.º do CPPT), não se prevendo igualmente a notificação pela secretaria judicial das alegações apresentadas.
Não obstante, faz todo o sentido em face dos princípios processuais supra referidos que também no processo judicial tributário os mandatários das partes se notifiquem reciprocamente, designadamente, das alegações e contra-alegações apresentadas, evitando à contra-parte o incómodo de ter de consultar o processo para inteirar-se do teor de tais peças processuais, cujo conhecimento se lhe impõe por dever de patrocínio.
No caso dos autos alega o recorrido que o mandatário do recorrente não notificou o seu mandatário do teor das alegações de recurso, não sendo possível apurar se o mandatário do recorrido o fez ou não relativamente às contra-alegações que apresentou. Resulta, porém, claro do teor de umas e outras que tal omissão de notificação não terá prejudicado o exercício do contraditório, daí que, não obstante a afirmação do dever de notificação recíproca entre os mandatários das partes também no processo judicial tributário, se entenda ser de relevar a falta(s) cometida(s), abstendo-se este STA de condenação em qualquer multa processual.

6.2. Questão prévia 2: Da (in)tempestividade das alegações do recorrente
Nas conclusões 7 a 13 das suas contra-alegações de recurso suscita ainda o recorrido como questão prévia a da intempestividade das alegações de recurso, porquanto alegadamente teriam sido apresentadas no segundo dia após o termo do prazo de 15 (quinze) dias de que dispunha para o efeito, sem que, no entanto, tenha pago a multa que lhe permite praticar o ato, no 3.º (terceiro) dia útil após o termo do prazo, razão pela qual entende que as alegações em causa não devem ser admitidas, devendo ser desentranhadas e devolvidas à parte, considerando-se para todos os efeitos legais como não apresentadas, devendo o presente recurso ser julgado deserto por falta de apresentação das alegações.
Na sua resposta às questões prévias suscitadas (fls. 394 a 396 dos autos) o recorrente pugna pela tempestividade das alegações, porquanto a data da admissão do recurso é 20/01/2014 (cfr. doc. 1 que se anexa) e não 17/01/2014, como o recorrido menciona, daí que o recorrente só se considera notificado no dia 23/01/2014, terceiro dia posterior ao do registo, completando-se o prazo de 15 dias para alegações no dia 07/02/2014. Daí que, as alegações apresentadas no dia 06/02/2014 sejam tempestivas, improcedendo a excepção suscitada.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer oportunamente notificado às partes entende que o recorrido não tem razão quanto à alegada intempestividade das alegações, pelas razões expostas pelo recorrente e corroboradas pelos documentos por ele juntos aos autos (a fls. 398/399).
A alegação do recorrido quanto à intempestividade das alegações do recorrente parte de um pressupostos que a recorrente veio demonstrar que não se verifica, a saber, o de que a notificação da admissão do recurso fora registada no dia 17/01/2014.
Sucede, porém, que consta do rosto da carta de notificação como data de expedição/registo o dia 20/01/2014 (cfr. doc.1, junto pela recorrente, a fls. 398 dos autos), e não o dia 17/01/2014, que embora seja a data constante do despacho de admissão do recurso terá sido efectuada após a saída do correio (como dele expressamente consta, cfr. doc. 2 junto pelo recorrente, a fls. 399 dos autos).
Contados os quinze dias para apresentação das alegações de recurso do recorrente - artigo 282.º, n.º 3 do CPPT - do terceiro dia posterior ao registo do despacho de admissão (artigo 39.º, n.º 1 do CPPT), forçoso é concluir que o prazo para apresentação de alegações só terminava no dia 7 de Fevereiro de 2014, daí que tendo sido apresentadas no dia 6 de Fevereiro o foram em tempo.

Improcede, pois, a excepção de intempestividade das alegações.

6.3. Da alegada omissão de pronúncia da sentença recorrida quanto à suspensão da prescrição das coimas
Imputa o recorrente à sentença recorrida nulidade por omissão de pronúncia, porquanto alegadamente o Tribunal a quo não se pronunciou sobre suspensão da prescrição, o que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do n.º 1, do artigo 125.º do CPPT e da parte final do n.º 2, do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT (cfr. conclusão M) das suas alegações de recurso).
A Meritíssima juíza “a quo” sustentou a inexistência da arguida nulidade, considerando que o mesmo não se verifica em nenhum dos aspectos referidos tanto mais que na sentença se expressa claramente a não verificação de qualquer causa de suspensão da prescrição (fls. 385 dos autos).
Também o recorrido e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA sustentam a inexistência da arguida nulidade, este último porquanto a questão sobre a qual o tribunal se tinha de pronunciar era a da prescrição da dívida exequenda e sobre ela não deixou de emitir pronúncia.// Se não teve em conta na decisão dessa questão as causas de suspensão ou interrupção atendíveis ou se as apreciou incorrectamente o que ocorre não é, salvo melhor entendimento, omissão de pronúncia mas erro de julgamento, sendo que, no caso, ao apreciar a questão da prescrição não deixou a sentença de expressamente aludir à interrupção e suspensão da prescrição.//De resto, como se vê dos respectivos articulados, a suspensão da prescrição não foi questão que tivesse sido colocada pelas partes à apreciação e decisão do tribunal a quo.
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT constitui causa de nulidade da sentença, entre outras, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, considerando-se como tais, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do novo CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
No caso dos autos, o ora recorrido fundamentara a sua oposição à execução, entre outros fundamentos, na prescrição do procedimento de contra-ordenação e da coima (cfr. petição de oposição, a fls. 7 a 16 dos autos), sendo que na contestação apresentada em 1.ª instância o ora recorrente pugnou pela improcedência de tal fundamento em virtude da interrupção da prescrição que, no caso da prescrição da coima, decorreria do início da execução, com a emissão do título executivo respectivo, que teria tido lugar antes de completados dois anos da data em que a decisão condenatória se tornou definitiva (cfr. contestação, a fls. 76 a 78 dos autos), reiterando-o nas suas alegações finais em 1.ª instância (fls. 259 a 262 dos autos).
A suspensão da prescrição da coima não foi, pois, questão que as partes tenham colocado ao tribunal “a quo”, embora este, ao decidir a questão da prescrição das coimas, tenha ponderado da eventual interrupção e/ou suspensão da coima, consignando a tal propósito o seguinte:
«Quanto às causas de interrupção ou suspensão da execução importa aqui referir o regime previsto nos artigos 30.º e 30.º-A n.º 1, do mencionado RGIMOS.
Nesta matéria, acompanhamos o entendimento MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA (in Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, Vislis Editores, 6.ª Edição 2011) no sentido de que “O n.º 1 do artigo 30.º-A do RGCO atribui efeito interruptivo da prescrição à «execução» da coima e não explicitamente à sua instauração.”
E por conseguinte consideramos que a instauração da execução não constitui facto interruptivo, já que aquela expressão “execução da coima” se refere ao cumprimento ou pagamento da coima, sendo que o processo destinado a obter o pagamento coercivo da coima não tem a natureza de execução ou cumprimento da coima (No mesmo sentido, ANTÓNIO DE OLIVEIRA MENDES e JOSÉ DOS SANTOS CABRAL, in Notas ao RGCO e Coimas, Almedina, 3.ª Edição, 2009, pág. 86).
Ainda no mesmo sentido pode ver-se entre outros o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/09/2006, proferido no processo n.º 7034/2006-3, no qual se refere que: “A simples instauração do processo executivo para cobrança coerciva da coima, não tem a virtualidade por si só de constituir qualquer causa de suspensão da prescrição, na medida em que não consta do elenco das causas de suspensão da coima previstas no art. 30.º, do DL n.º 433/82, de 27 OUT”.».

Resulta do exposto que o tribunal “a quo” não deixou de emitir pronúncia sobre questão que lhe fosse colocada, nem sequer deixou de ponderar da suspensão da execução da coima em virtude da instauração da execução, tendo decidido, porém, por adesão ao Acórdão da Relação de Lisboa citado, pela irrelevância da instauração da execução fiscal enquanto facto interruptivo da prescrição da coima, por ausência de previsão legal.
Se o fez correcta ou incorrectamente é questão que releva apenas para avaliar do mérito da decisão, o que adiante se apreciará a propósito do alegado erro de julgamento da sentença recorrida, mas que não fere a sentença de nulidade.

Improcede, pois, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

6.4. Do mérito da sentença recorrida no segmento em que julgou prescritas as coimas exequendas
A sentença recorrida, a fls. 323 a 333 dos autos, na procedência da oposição deduzida pelo ora recorrido, declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, relativamente aos processos executivos identificados no ponto 9. do probatório já declarados extintos e prescrita a dívida relativamente aos restantes, com a consequente extinção das execuções, fundamentando o decidido quanto à prescrição das coimas no entendimento de que o prazo de prescrição da coima se conta a partir do momento em que a decisão se tornou definitiva (Artigos 29.º, n.º 2 do RGIMOS e 34.º do RGIT), e que à data em que a decisão se tornou definitiva (25/03/2010 – Data em que se começaram a vencer juros de mora – Ponto 4. Do probatório), o prazo legal de prescrição da coima era de dois anos (Artigo 16.º-B da Lei 25/2006 na redacção dada pela Lei 67-A/2007), porquanto, tendo a decisão condenatória sido proferida em 08/11/2009, conforme é assumido pela Exequente na certidão de dívida e transitado em julgado 04/03/2010, já que a partir de 05/03/2010 iniciou-se a contagem de juros de mora (ponto 4. do probatório), há muito se encontra decorrido o prazo prescricional sendo que as diligências eventualmente efectuadas com vista à cobrança coerciva da coima não têm eficácia interruptiva, razão pela qual se impõe declarar extinta a coima por verificação da prescrição (cfr. sentença recorrida, a fls. 332/333 dos autos).
Discorda do decidido quanto à prescrição das coimas o recorrente, imputando à sentença recorrida erro de julgamento, alegando que, contrariamente ao decidido, a instauração da execução constitui facto interruptivo da prescrição da coima – e citando JORGE LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS, bem como o Acórdão do TCA Sul de 28/11/2013, rec. n.º 06953/13 em apoio da sua alegação – e bem assim que ocorreram factos suspensivos da prescrição da coima que o tribunal “a quo” devia ter indagado oficiosamente, pois que os processos executivos encontram-se suspensos desde Fevereiro de 2012, primeiro pela existência de hipoteca de bens imóveis e, depois, pela prestação de garantia efetuada pelo executado e estatui a alínea a) e b) do artigo 30.º do RGIMOS que a prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que, por força da lei, a execução não pode continuar a ter lugar ou em que a execução foi interrompida, daí que estando os processos executivos suspensos, a prescrição da coima está necessariamente suspensa, por força do artigo 30.º do RGIMOS, invocando em abono da sua alegação o decidido por este STA em Acórdão de 30 de Maio de 2012, rec. n.º 514/12.
O recorrido pugna pela manutenção do julgado recorrido.
Já o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA acompanha o recorrente na sua alegação de que a instauração da execução é facto interruptivo da prescrição da coima, nos termos do art. 30.º-A n.º 1 do RGIMOS e bem assim que a suspensão da execução instaurada para pagamento coercivo da coima, decorrente da prestação de garantia ou da isenção dessa prestação, não poderá, (…) deixar de se reflectir sobre o decurso do prazo prescricional uma vez que se trata de uma situação que se prolonga no tempo e que para ou interrompe, por força da lei, o prosseguimento do processo tendente ao cumprimento coercivo da coima, daí que, uma vez que a sentença recorrida não fornece base factual que permita apreciar a questão da eventual suspensão do prazo da prescrição da coima, entenda ser necessário determinar a baixa do processo à 1.ª Instância para ampliação da matéria de facto (cfr. parecer, a fls. 404/405 dos autos).
Vejamos.
Embora as dívidas exequendas respeitem a “taxas de portagem”, “coimas” e “custos”, discriminadas no n.º 5 do probatório fixado, certo é que a sentença recorrida decidiu, na procedência da oposição, extinguir as execuções em razão da prescrição das coimas, não ressalvando a subsistência da execução relativamente à parte da dívida respeitante às taxas de portagem, como se lhe impunha, e sem que o recorrente tenha reagido contra tal omissão.
Ora, no que às coimas respeita, entendeu a sentença recorrida, e bem – em conformidade com o disposto no artigo 16.º-B da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (vigente à prática dos factos e aplicável ir caso, pois que a alteração posterior da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, no sentido do alargamento do prazo de prescrição das coimas para 5 anos, não se revela em concreto mais favorável) -, que o prazo de prescrição aplicável era o de 2 (dois) anos, contado da data em que a decisão de aplicação da coima se tornou definitiva (artigo 29.º, n.º 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações – RGCO -, aplicável ex vi do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, na sua redacção originária), ou seja, no caso dos autos, contado desde 5/03/2010.
Mais entendeu a sentença recorrida, com o que não se conforma o recorrente, que a instauração da execução fiscal – ocorrida em 21/10/2011, segundo o n.º 1 do probatório fixado –, não interrompeu ou suspendeu o prazo de prescrição da coima, importando saber se ao assim decidir incorreu em erro de julgamento.
A Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, não prevê específicas causas de interrupção ou suspensão da execução das coimas e sanções acessórias, sendo-lhes, pois, aplicáveis as previstas no RGCO (por remissão do artigo 18.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho).

Dispõe o artigo 30.º-A do RGCO, sob a epígrafe “Interrupção da prescrição da coima”, que: «1 – A prescrição da coima interrompe-se com a sua execução. 2 – A prescrição da coima ocorre quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade».
Trata-se de norma de teor idêntico à prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 126.º do Código Penal e em relação à qual, no que à prescrição da pena de multa respeita, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de que: A mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respectivo pagamento, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal (cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2012, de 8 de Março de 2012, DR, n.º 73, I Série, 12-4-2012, p. 1862 ss.), com a seguinte fundamentação, que com a devida vénia passamos a transcrever:
«(…)
2. A prescrição da pena após o decurso de um determinado período de tempo sobre a sua aplicação sem que tenha sido executada decorre, como ensina Figueiredo Dias, de «exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade», sendo que, por um lado, «quem sofresse a execução de uma sanção criminal há muito tempo já ditada, correria o risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança» e, por outro, «o decurso de um largo período (…) sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas» (Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, § 1125).
Mas a ocorrência de certas situações processuais que excluem a possibilidade de execução imediata da pena e a prática pelo Estado de determinados actos que têm o alcance de a não deixar cair no esquecimento justificam uma interferência no curso dos prazos de prescrição. É assim que a lei prevê causas de suspensão e de interrupção da prescrição da pena.

As causas de interrupção estão previstas, desde a revisão do Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, no artigo 126º, nos termos seguintes: // 1. A prescrição da pena (…) interrompe-se:// a) Com a sua execução;// b) Com a declaração de contumácia. // 2. (…). // 3. (…).

É sobre a interpretação da norma da alínea a) do nº 1 que divergem os dois acórdãos.

Em ambos, não tendo sido paga voluntariamente a multa, o Ministério Público instaurou execução patrimonial contra o condenado com vista à obtenção do respectivo pagamento coercivo, sem qualquer sucesso.

O acórdão recorrido, argumentou assim:

«(…) no caso da pena de multa, a simples instauração de execução patrimonial para a sua cobrança, através da penhora e venda dos bens do arguido, não pode considerar-se e valorar-se para além de um meio posto à disposição do exequente para alcançar a execução da dita pena. Por outras palavras, as penas de multa só se mostram executadas com o pagamento voluntário – necessariamente parcial, pois se integral operaria a extinção da pena – ou coercivo. A instauração de execução patrimonial, através dos bens do arguido, constitui apenas e tão só um meio posto ao alcance de quem tem competência para tanto – na situação revelada pelos autos, o Ministério Público – de modo a que seja alcançado o fim a que se destina – a execução da pena de multa. Por outro lado, da mesma forma que um mandado de captura e detenção não constitui execução da pena de prisão, por idêntica razão não pode considerar-se como execução da pena de multa os meios utilizados pelo Ministério Público, previstos nos artigos 469º e 491º, ambos do Código de Processo Penal, para obtenção da cobrança coerciva do valor correspondente. Do que se expôs se conclui que a instauração infrutífera de execução destinada ao pagamento coercivo da multa imposta por sentença transitada em julgado não integra a previsão da alínea a) do nº 1 do artigo 126º do Código Penal, não sendo, por isso, apta a interromper o prazo de prescrição da pena de multa».

Por sua vez, o acórdão fundamento considerou:

«A alínea a) do nº 1 do artigo 126º do Código Penal só tem sentido e alcance enquanto aí se contemple e entenda a “execução” como o processo dinâmico, previsto na lei, dirigido à obtenção, à custa de bens do condenado, da quantia necessária para o posterior pagamento da multa (…). Tal efeito interruptivo houve o legislador por bem atribuir à “execução” da pena; execução que, tratando-se de pena de multa, se formaliza com a apresentação pelo Ministério Público do requerimento de instauração dessa execução».

3. Importa, pois, determinar o sentido do conceito execução da pena, estando em causa uma pena de multa.

Toda a pena criminal, por definição, envolve um sacrifício ou perda para o condenado, sacrifício ou perda que é de ordem patrimonial quando se trate de pena de multa. A execução da pena é a sua efectivação ou materialização; a pena está em execução a partir do momento em que o sacrifício que lhe é co-natural se concretiza na esfera de interesses ou valores do condenado. É desse modo que se cumprem as finalidades visadas com a execução da pena: a recuperação social do condenado e a defesa da sociedade. Tal como a execução da pena de prisão só se inicia com a privação da liberdade do condenado, também não há execução da pena de multa (fora dos casos de substituição por trabalho ou conversão em prisão subsidiária, figuras que aqui não estão em discussão) enquanto não houver perda patrimonial, consubstanciando-se esta num pagamento, voluntário ou coercivo, por conta do valor da multa. Por outras palavras, a pena entra em execução com o início do seu cumprimento. Em relação à pena de multa, parece ser esse o entendimento de Cavaleiro de Ferreira quando, depois de referir o prazo de pagamento da multa, identifica o pagamento com a execução da multa: «Assim se indica o início do prazo para a execução voluntária da multa devida» (Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, 1989, página 172).

Essa materialização da pena, ou início do seu cumprimento, exige a prática no processo de determinados actos idóneos a esse fim.

Assim, no caso de pena de multa, transitada a decisão que a aplica, o condenado é notificado para proceder ao seu pagamento em 15 dias, excepto se o pagamento houver sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações (artigo 489º do Código de Processo Penal). Não tendo sido requerida a substituição por dias de trabalho, findo o prazo para pagar a multa ou alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial, que é promovida pelo Ministério Público (artigos 490º, nº 1, e 491º do mesmo código).

Estes actos situam-se já na fase da execução da pena de multa, inserindo-se no capítulo I (Da execução da pena de multa) do Título III (Da execução das penas não privativas da liberdade) do Livro X do Código de Processo Penal (Das execuções). Pertencem ao procedimento executivo da pena de multa. Mas não constituem ainda a sua execução; têm-na como fim. A execução da pena, como se disse, só tem lugar com a sua materialização, com a efectivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento. São, pois, actos destinados a fazer executar a pena de multa. Tanto a instauração da execução patrimonial como a notificação do condenado para em certo prazo pagar a multa (ambas com idêntico alcance, nesta matéria). Execução da pena e actos destinados a fazê-la executar são realidades distintas, como até as próprias palavras indicam. Estes são apenas um meio para realizar aquela, não sendo raro que, como aconteceu nos casos sobre que incidiram os acórdãos fundamento e recorrido, o fim visado não seja atingido.

Não é, pois, por um determinado acto estar sistematicamente inserido na fase processual da execução de uma espécie de pena que constitui acto de execução dessa pena. Valendo a norma do artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal tanto para a pena de prisão como para a pena de multa, a instauração da execução patrimonial contra o condenado em pena de multa está, para este efeito, no mesmo plano que os procedimentos previstos no artº 477º do Código de Processo Penal, os quais, não obstante o preceito estar integrado na fase da execução da pena de prisão (Título II do Livro X), ninguém considerará como actos de execução dessa pena, sendo até que o do nº 4 tem lugar antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, numa altura em que a pena nem pode ser executada, à luz do artigo 467º, nº 1, deste último diploma. Este mesmo entendimento foi já afirmado em acórdão da Relação de Lisboa de 09/10/1985: «A instauração da execução patrimonial não é execução ou cumprimento da pena, como não o é (no que se julga haver consenso unânime) a ordem para passar mandados de captura e as diligências para a execução destes, só o sendo o acto da prisão» (Colectânea de Jurisprudência, Ano X, Tomo IV, página 177).

Que execução da pena e actos destinados a fazê-la executar são realidades distintas é ainda a conclusão imposta pela história do actual artigo 126º do Código Penal.

Esse preceito corresponde ao artigo 124º da versão inicial do Código Penal de 1982, cujo texto, no que aqui importa, era o seguinte:

1. A prescrição da pena interrompe-se:// a) Com a sua execução;// b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado.// 2. (…).// 3. (…).

Previam-se aqui como causas de interrupção da prescrição da pena «a sua execução» [alínea a) do nº 1] e «a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar», se a execução se tornasse «impossível» por o condenado se encontrar em local donde não pudesse «ser extraditado» ou onde não pudesse «ser alcançado» [alínea b)].

Nesta versão, não haverá dúvidas de que os actos destinados a fazer executar a pena não podiam ser vistos como execução da pena, pois aqueles e esta configuravam causas de interrupção da prescrição distintas. Se os actos destinados a fazer executar a pena se devessem já considerar como execução, a disposição da alínea b) seria totalmente inútil, por prever matéria já abarcada na previsão da alínea a), sendo de afastar uma tal conclusão em face da regra de interpretação estabelecida no artigo 9º, nº 3, do Código Civil: «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

Já no artigo 115º do Projecto de 1963, da autoria do Prof. Eduardo Correia, que está na génese do artigo 124º da versão originária do Código Penal de 1982, execução da pena e actos destinados a fazê-la executar eram colocados lado a lado, sem se confundirem: «A prescrição da pena interrompe-se pela sua execução, bem como por qualquer acto da autoridade competente que vise fazê-la executar» (BMJ 151º, páginas 53 e 54). A distinção veio a tornar-se mais nítida no texto da lei (esse artigo 124º), integrando, como se viu, a execução da pena e os actos destinados a fazê-la executar diferentes causas de interrupção da prescrição da pena, operando os últimos somente se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado.

E nesta matéria nada se alterou da versão inicial do Código Penal de 1982 para a versão actual, introduzida pela reforma de 1995, visto o texto da alínea a) do nº 1 do anterior artigo 124º ter passado a constituir, sem qualquer alteração, o texto da alínea a) do nº 1 do actual artigo 126º: «A prescrição da pena (…) interrompe-se: Com a sua execução».

A alteração que houve foi da alínea b), sendo que, se na versão inicial do Código a prescrição da pena se interrompia com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazer executar a pena, se a execução se tornasse impossível por o condenado se encontrar em local donde não pudesse ser extraditado ou onde não pudesse ser alcançado, com a reforma de 1995, essa causa de interrupção da prescrição foi substituída pela «declaração de contumácia», leitura que, segundo Figueiredo Dias, já devia fazer-se da anterior redacção, após a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987: «Fundamentos da interrupção são, por um lado, a execução da pena e, por outro, a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em lugar onde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado (…). Torna-se notório que este segundo fundamento deve ser lido, de acordo com o nosso novo sistema processual penal, como correspondendo às situações de contumácia» (ob. cit., § 1155).

Essa alteração teve consequências, pois restringiu a aplicação da causa de interrupção da prescrição da alínea b) à pena de prisão e à medida de internamento, as únicas reacções criminais que podem conduzir à situação de contumácia, mas não interferiu com o âmbito de previsão da disposição da alínea a), sendo-lhe alheia.

Conclui-se, pois, que a instauração de execução patrimonial pelo Ministério Público para obtenção do pagamento coercivo da multa não paga voluntariamente, sendo só um acto que visa a execução da pena de multa, não interrompe a prescrição dessa pena.

Se, como se disse, só se entra na execução da pena se houver um princípio de cumprimento (A questão que se debate só se coloca se houver pena para cumprir, ou seja, enquanto o cumprimento não for total), são actos de execução e, por isso, com efeito interruptivo da prescrição da pena de multa: a) o cumprimento de parte dos dias de trabalho pelos quais a multa foi substituída, mas não a decisão de substituição; b) o pagamento voluntário ou coercivo de parte da multa aplicada, mas não a notificação para pagamento nem a instauração da execução patrimonial; c) o cumprimento parcial da prisão subsidiária, mas não a decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.

E compreende-se que seja esta a solução legal. Na verdade, se a prescrição encontra fundamento no facto de a execução de uma pena muito tempo depois da sua aplicação não cumprir já as suas finalidades, tanto do ponto de vista da prevenção especial como da prevenção geral, então, para além da situação em que a execução da pena é impossível, por indisponibilidade do condenado (contumácia), a sua interrupção só deve ser activada por actos que não se limitem ao desenvolvimento de determinada actividade processual e tenham impacto fora do processo, junto da comunidade e do condenado, mantendo nos dois planos a actualidade da pena. Esses actos só podem ser de materialização da pena na esfera de interesses ou valores do condenado, ou seja, actos de cumprimento da pena, actos que podem ser múltiplos, visto o cumprimento nem sempre ser contínuo.

Na doutrina, pronuncia-se neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque: «(…) a instauração da acção de execução da pena de multa (…) não corresponde ainda à “execução” da pena de multa. (…) só com o início do pagamento da pena de multa, isto é, só com o pagamento parcial da pena de multa se verifica a interrupção da prescrição da pena» (Comentário do Código Penal, 2ª edição actualizada, página 387).

Na jurisprudência das Relações, encontram-se decisões no sentido de ambos os acórdãos em conflito, sendo claramente maioritária a corrente em que se integra o acórdão recorrido. Assim, no sentido deste decidiram, no essencial com os mesmo fundamentos, os acórdãos da Relação do Porto de 04/02/2004, proferido no processo nº 0315181, de 28/04/2004, proferido no processo nº 0410042, de 22/09/2010, proferido no processo nº 245/03.ITASTS.P1, e de 21/09/2011, proferido no processo nº 70/06.2PBMAI.P1, da Relação de Évora de 07/10/2010, proferido no processo nº 394/03.6PCSTB.E1, da Relação de Lisboa de 25/03/2010, proferido no processo nº 347/04.7GEOER.L1 (www.dgsi.pt) e da Relação de Coimbra de 14/10/2009 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXIV, Tomo IV, página 51). Como o acórdão fundamento decidiram, coincidindo nos fundamentos, os acórdãos da Relação do Porto de 19/10/2005, proferido no processo nº 0411498, e de 17/01/2007, proferido no processo nº 0615889 (www.dgsi.pt). » (fim de citação).

Ora, o entendimento firmado pelo STJ no que à execução da pena de multa respeita, pode e deve ser transposto para a execução da coima, pois que, como se afirmou no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5 de Fevereiro de 2013, proa. n.º 2TAELV.E1 não se descortina razão alguma para, no que à prescrição da coima diz respeito, se decidir em sentido diverso. Mal se compreenderia que, em matéria de contra-ordenações, o legislador afirmasse uma vontade de perseguição sancionatória superior à que reserva para a pena de multa, sanção reservada à prática de crimes. Daí que, como decidido e contrariamente ao alegado pelo recorrente, se deve entender que a instauração do processo de execução fiscal não constitui “execução da coima” para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 30.º-A do RGCO, antes consubstancia a prática de um acto inserido numa determinada actividade processual que visa tal execução mas que não a consubstancia, daí que não tenha efeito interruptivo da prescrição.

Já que à suspensão da prescrição da coima respeita dispõe o artigo 30.º do RGCO que: «A prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que: a) Por força da lei a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar; b) A execução foi interrompida; c) Foram concedidas facilidades de pagamento.»

A sentença recorrida entendeu, por remissão para o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/09/2006, proferido no processo n.º 7034/2006-3 que A simples instauração do processo executivo para cobrança coerciva da coima, não tem a virtualidade por si só de constituir qualquer causa de suspensão da prescrição, na medida em que não consta do elenco das causas de suspensão da coima previstas no art. 30.º do DL n.º 433/82, de 27 de Out., entendimento do qual o recorrente não discorda, pois que reproduz Acórdão do TCA-Sul em que o mesmo se refere (cfr. a conclusão Q das suas alegações de recurso).

Entende, porém, o recorrente que se verificam outras causas de suspensão da prescrição, não atendidas na sentença recorrida, porquanto os processos executivos encontram-se suspensos desde Fevereiro de 2012, primeiro pela existência de hipoteca de bens imóveis e, depois, pela prestação de garantia efetuada pelo executado e estando os processos executivos suspensos, a prescrição da coima está necessariamente suspensa, por força do artigo 30.º do RGIMOS.

Terá razão o recorrente se a suspensão do processo executivo e da coima se tiverem verificado antes de completado o prazo de prescrição de 2 anos, contado desde 5 de Fevereiro de 2010, o que importa averiguar pois que a sentença recorrida o não fez e este STA não tem poderes de cognição em matéria de facto.

Resulta do probatório fixado, apenas – cfr. o seu n.º 7 – que em 1 de Fevereiro de 2012 o ora recorrido deduziu oposição à execução fiscal, o que apenas determina a suspensão da execução fiscal – e consequentemente a impossibilidade legal de a execução coerciva da coima continuar a ter lugar (artigo 30.º A) do RGCO) - se a dívida exequenda se encontrar garantida – por penhora, garantia prestada ou isenção de prestação de garantia (artigos 169.º e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), afirmando o recorrente que assim foi, mas não se encontrando no probatório fixado qualquer referência a tal facto, que importa ponderar – quanto à respectiva ocorrência e momento - para a boa decisão da causa quanto à prescrição das coimas exequendas.

E importa igualmente que a sentença recorrida pondere, na decisão que venha a tomar, que as considerações que fizer quanto às coimas não valem de igual modo para as taxas de portagem e encargos com os processos, igualmente objecto da execução fiscal, porquanto tais prestações não têm natureza sancionatória, não se lhes aplicando o prazo de prescrição das coimas.

Pelo exposto, impõe-se a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para ampliação da matéria de facto com vista a obter todos os elementos que suportem a decisão jurídica, o que importa a anulação da decisão recorrida em conformidade com o disposto nos artigos 662.º, n.º 2, al. c) e 682.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.


- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em anular a decisão recorrida, ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para ampliação da matéria de facto e aplicação do direito nos termos acima enunciados.

Sem custas.

Lisboa, 17 de Junho de 2015. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado (voto a decisão) – Fonseca Carvalho.