Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01004/17.0BEPRT 0588/18
Data do Acordão:10/17/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE INSUPRÍVEL
RGIT
Sumário:I - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT] tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa.
II - Não é nula por violação do disposto na segunda parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT – que impõe à decisão de aplicação da coima a «indicação das normas violadas e punitivas» – a decisão que, fazendo a indicação daquelas normas, não menciona a moldura abstracta da coima.
III - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “indicação dos elementos que contribuíram para a […] fixação” da coima [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT] deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima.
Nº Convencional:JSTA00070960
Nº do Documento:SA22018101701004/17
Data de Entrada:06/15/2018
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A....., LDA E AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURSIDICIONAL
Objecto:SENTENÇA TAF DO PORTO
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTRA-ORDENAÇÃO
Área Temática 2:DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS NA DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE APLICA A COIMA
Legislação Nacional:ARTIGO 79º, N.º 1, AL.S B) E C) DO RGIT
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de recurso judicial da decisão de aplicação da coima com o n.º 1004/17.0BEPRT

1 RELATÓRIO
1.1 O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele Tribunal, julgando procedente o recurso judicial interposto pela sociedade acima identificada, anulou a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima por considerar que a mesma enferma de nulidade insuprível nos termos do art. 63.º, n.ºs 1, alínea d) e 3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por violação do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime.
1.2 Apresentou para o efeito alegações, com o seguinte quadro conclusivo:
«1.ª Nos presentes autos, o Tribunal “a quo” entende que a decisão da autoridade tributária que aplicou a coima aqui impugnada não preenche os requisitos legais previstos no n.º 1, al. c), do art. 79.º do RGIT, nomeadamente no que diz respeito à falta dos elementos que contribuíram para aquela concreta fixação da coima única aplicada.
2.ª O MP entende que a decisão de aplicação de coima não padece de nulidade insuprível, pois a decisão de aplicação de coima observa os requisitos legais previstos no art. 79.º do RGIT, nomeadamente os previstos na al. c) do n.º 1, pois as normas infringidas e punitivas nela vêm concretamente referidas, sendo que da mesma decisão também constam os factos que lhe são imputados.
3.ª É nosso entendimento que aqueles elementos são suficientes para se poder concluir que a decisão condenatória preenche os requisitos legais previstos na al. c) do n.º 1 art. 79.º do RGIT e que, por esse motivo, não padece o processo de contra-ordenação da nulidade insuprível prevista na al. d) do n.º 1 do art. 63.º do RGIT.
4.ª A decisão de aplicação da coima contém pois todos os elementos legais exigidos, mas se estas exigências não foram levadas à perfeição, é elemento sem relevância jurídica, pois o essencial é que a decisão seja compreendida pela arguida, para o cabal exercício do direito à sua defesa, sendo que no caso concreto dos autos, tal exigência foi observada, o que se denota pela petição apresentada, o que nos permite concluir com maior facilidade que a decisão notificada foi cabalmente entendida – neste sentido, os conselheiros Jorge Sousa e Simas Santos, no seu RGIT anotado (4.ª edição), na nota 1 ao art. 79.º, o seguinte e acórdãos do STA de 12/12/2006, proferido no P. 1045/06, e de 25/06/2015, proferido no P. 382/15, disponíveis ambos em www.dgsi.pt.
5.ª Foram violados os artigos 79.º - n.º 1 – al. c) e 63.º - n.º 1 – al. d), ambos do RGIT.
Nestes termos, deverá ser julgado o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida para que seja substituída por outra que conheça do mérito da impugnação judicial da coima aplicada nestes autos pela ATA».
1.2 O recurso foi admitido e não foram apresentadas contra-alegações.
1.3 Cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a dirimir a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao anular a decisão administrativa de aplicação da coima por considerar verificada nulidade insuprível prevista no art. 63.º, n.ºs 1, alínea d) e 3, do RGIT («falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas», a determinar a «a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente»), por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime por desrespeito da exigência da «descrição sumária dos factos» e, relativamente à indicação das normas punitivas, por falta da indicação da moldura legal abstractamente aplicável, e também por violação do disposto na alínea c) do mesmo preceito por falta de indicação «dos elementos que contribuíram para a […] fixação» da coima.

* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade:
«1. Em 13.01.2017. foi instaurado contra a Recorrente, o processo de contra-ordenação n.º 39642017060000010962, por falta de pagamento de taxa de portagem, verificada em 22.02.2016, 23.2.2017. 25.2.2017 e 27.2.2017, relativamente ao veículo com a matrícula ……….., em violação do disposto no artigo 5.º, n.º 1, b) da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, punível nos termos do disposto no artigo 7.º do mesmo diploma legal (cfr. fls. 1 a 8 do processo de contra-ordenação para que se remete e que se dá por integralmente reproduzido).
2. Em 17.1.2017, foi remetido ofício à Recorrente, através do sistema Via CTT, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.º do RGIT (cfr. fls. 9 e 10 do processo de contra-ordenação para que se remete e que se dá por integralmente reproduzido).
3. Por despacho do Chefe de Finanças de Vila Nova de Gaia, de 27.02.2017, foi proferida decisão de aplicação de coima, à Recorrente, no valor de € 4 361,04, acrescida de custas no montante de € 76,50, nos seguintes termos:






(cfr. fls. 11 e 12 do processo de contra-ordenação).
4. Em 7.3.2017, foi remetido ofício à Recorrente, através do sistema Via CTT, ofício com o seguinte teor:


(cfr. fls. 13 e 14 do processo de contra-ordenação).
5. Em 4.04.2017, foi interposto, pela Recorrente, o presente recurso (cfr. fls. 18 a 42 do processo de contra-ordenação)».
*
2.2 DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
O Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia aplicou à Arguida e ora Recorrida uma coima única de € 4.361,04, imputando-lhe a prática de 11 infracções previstas no art. 5.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, e punidas pelo art. 7.º da mesma Lei.
A Arguida impugnou judicialmente essa decisão administrativa de aplicação da coima, ao abrigo do disposto no art. 80.º do RGIT, com diversos fundamentos.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto entendeu por bem, previamente à apreciação dos fundamentos invocados pela Arguida, «aferir da legalidade da decisão posta em crise nos presentes autos, verificando se esta padece de alguma nulidade».
É certo que considerou ainda que, «a título prévio», se impunha referir que dos autos não resulta que a Arguida tenha sido notificada nos termos legais para proceder ao pagamento das taxas de portagem em causa. Mas daí não retirou consequência alguma, como resulta das suas palavras: «Dito isto, importa então aquilatar da eventual nulidade da decisão de aplicação de coima».
Procedendo à anunciada verificação da nulidade da decisão de aplicação da coima, a sentença começou por alinhar as regras legais que convocou, designadamente os arts. 63.º e 79.º do RGIT, bem como o art. 27.º do mesmo Regime, e os arts. 5.º e 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, tecendo alguns considerandos em torno das mesmas.
Depois, deixou dito seguinte:
«Ora, compulsado o teor da decisão em apreço (cfr. n.º 3 dos factos provados), verifica-se que, na “descrição sumária dos factos” e nas “normas infringidas e punitivas”, o ilícito contra-ordenacional tipificado no n.º 1 da alínea b) do artigo 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, cuja prática é imputada à arguida é aí indicado como sendo a falta de pagamento de taxa de portagem tout court.
Sucede que o ilícito contra-ordenacional em causa não se resume à mera omissão de um dever de agir, in casu, o dever de pagamento da taxa de portagem.
Na verdade, constitui, ainda, elemento integrante do tipo de ilícito contra-ordenacional em apreço “a transposição de uma barreira de portagem através de uma via reservada a um sistema eletrónico de cobrança de portagens em incumprimento das condições de utilização previstas no contrato de adesão ao respectivo sistema, designadamente por falta ou deficiente colocação do equipamento no veículo, por falta de validação do equipamento nos termos contratualmente acordados, por falta de associação de meio de pagamento válido ao equipamento ou por falta de saldo bancário que permita a liquidação da taxa de portagem devida”, circunstância que é simplesmente omitida na decisão condenatória sub judice.
Acresce que, na referida decisão, nas “normas punitivas”, apenas é indicado o preceito legal de acordo com o qual a conduta contra-ordenacional em apreço é punida, sendo completamente omitida a moldura legal abstractamente aplicável.
Ademais, a fundamentação da decisão, no que concerne à fixação da medida da coima, reconduz-se a um mero quadro-tipo, com os elementos consagrados no artigo 27.º do RGIT, consubstanciando, portanto, uma mera alusão formal a tais requisitos, sem indicação da ponderação concreta de cada um deles na graduação e fixação da coima.
A omissão da moldura legal aplicável onera o destinatário da decisão, impondo-lhe o acesso aos diplomas legais invocados para, por essa via, se aperceber dos moldes em que é punida a conduta cuja prática lhe é imputada, pois desconhece os respectivos limites máximos e mínimos, facto que é, em abstracto, passível de constituir uma limitação à respectiva defesa.
Assim como o recurso a um quadro-tipo para fundamentação da medida da coima obsta ao conhecimento, por parte do arguido, do peso e da forma como foram considerados cada um dos elementos previstos no artigo 27.º do RGIT na determinação da medida concreta da coima.
Para que se mostrasse cumprido o requisito vertido na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, não bastava o recurso a um quadro com a indicação dos elementos previstos no artigo 27.º do RGIT, acompanhado da mera afirmação de que esses elementos foram tidos em conta na graduação da coima.
Ao invés, impunha-se uma demonstração expressa do iter cognitivo e valorativo subjacente a tal fixação, que permitisse ao arguido, em primeira linha, e ao Tribunal, nesta sede, compreender as razões pelas quais se decidiu fixar a coima naquele valor e não noutro.
Face ao exposto, verifica-se que a decisão recorrida incumpre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 79.º do R.G.I.T., o que constitui uma nulidade insuprível, nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1 alínea d) e n.º 3 do RGIT e importa a respectiva anulação.
Por conseguinte, resulta prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil».
O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto discorda da sentença. Considerou, em síntese, que não se verifica a nulidade da decisão de aplicação de coima, que cumpre suficientemente com os requisitos legais previstos no art. 79.º do RGIT, designadamente os que se referem à descrição sumária dos factos que integram a infracção – que a Arguida deu mostras de ter compreendido perfeitamente, como resulta da leitura da petição inicial de recurso judicial daquela decisão, não havendo qualquer dúvida quanto à conduta que foi sancionada –, bem assim como os que respeitam à fixação da medida da coima. Por isso, entendeu que não ficou comprometido, em medida alguma, o direito de defesa que a observância daqueles requisitos visa assegurar.
Assim, a questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao anular a decisão administrativa de aplicação da coima com fundamento na verificação da nulidade insuprível prevista no art. 63.º, n.ºs 1, alínea d) e 3, do RGIT, por violação da exigência da «descrição sumária dos factos», por falta da indicação dos limites da moldura sancionatória abstractamente aplicável, que considera integrar-se na exigência de indicação das normas punitivas, e por falta de indicação «dos elementos que contribuíram para a […] fixação» da coima, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime.
2.2.2 DA NULIDADE DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA
2.2.2.1 DA DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
A «descrição sumária dos factos» imposta pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e, bem assim, os demais requisitos da decisão de aplicação da coima enumerados nesse número «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517. ). Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem.), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].
Quanto à descrição sumária dos factos na decisão administrativa, disse GERMANO MARQUES DA SILVA, em intervenção no Centro de Estudos Judiciários: «em resposta à questão de «qual o limite para a descrição sumária dos factos enquanto garantia de defesa» a minha resposta é também sumária: deve descrever o facto nos seus elementos essenciais para que o destinatário possa saber o que lhe é imputado e de que é que tem de se defender sem necessidade de consultar outros elementos em posse da administração» ( Cfr. Contra-ordenações Tributárias 2016 [Em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2016, pág. 20, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_contraordenacoes_t_2016.pdf.).
A sentença, oficiosamente, considerou que decisão administrativa que aplicou a coima não respeitou a exigência quanto à descrição sumária dos factos, uma vez que nesta o Chefe do Serviço de Finanças de Gaia se teria limitado a afirmar a «falta de pagamento da taxa de portagem», quando a norma que nela se considerou infringida – a alínea b) do n.º 1 do art. 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Julho – não se basta com essa falta de pagamento, uma vez que constitui ainda elemento integrante do tipo de ilícito contra-ordenacional aí previsto «a transposição de uma barreira de portagem através de uma via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens em incumprimento das condições de utilização previstas no contrato de adesão ao respectivo sistema, designadamente por falta ou deficiente colocação do equipamento no veículo, por falta de validação do equipamento nos termos contratualmente acordados, por falta de associação de meio de pagamento válido ao equipamento ou por falta de saldo bancário que permita a liquidação da taxa de portagem devida”, circunstância que é simplesmente omitida na decisão condenatória sub judice».
Salvo o devido respeito, bastando-se a lei como uma descrição sumária dos factos, afigura-se-nos que esta exigência se há-de considerar satisfeita quando, como no caso sub judice, o elemento essencial do tipo – a falta de pagamento da taxa de portagem pela circulação de veículo automóvel em infra-estruturas rodoviárias, designadamente auto-estradas e pontes – está descrito na decisão administrativa; e está, não apenas por referência à norma que prevê a contra-ordenação, o que não seria suficiente, mas mediante a descrição detalhada do comportamento: falta de pagamento de taxas de portagem referente ao veículo identificado pela respectiva matrícula e com referência aos trajectos expressamente indicados, com indicação dos locais, datas e horas a que se verificaram as infracções e aos montantes das respectivas taxas.
É certo que a “Falta de pagamento da taxa de portagem” não está referida na parte da decisão administrativa que tem como epígrafe “Descrição Sumária dos Factos”, mas na parte intitulada “Normas Infringidas e Punitivas”, sob a indicação das dessas normas. Mas essa menção, apesar de fora do lugar adequado na decisão administrativa condenatória, constitui uma efectiva descrição da factualidade que integra o tipo contra-ordenacional (Vide o comentário de JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit, na nota de rodapé com o n.º 153, pág. 425, a propósito de uma situação paralela, objecto do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Junho de 2007, proferido no processo n.º 353/07, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0633394c326a59e6802573150037201b.) e, conjugada com a demais, aduzida no lugar próprio, não deixa à Arguida qualquer dúvida sobre a factualidade que lhe foi imputada. Essa factualidade, conjugada com a indicação das normas que prevêem e punem a infracção, permite à Arguida exercer plenamente o seu direito de defesa relativamente à decisão de aplicação da coima.
Como, lapidarmente, ficou dito no acórdão de 7 de Outubro de 2015 desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 218/15, «O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º, do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada» (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/307ae8d6f83e653780257ed9003d5b80.).
O ilícito em causa é a falta de pagamento da taxa de portagem e os comportamentos imputados à Arguida, descritos com pormenor, preenchem o tipo legal, permitindo à Arguida entender claramente o facto que lhe é imputado.
A norma em apreço – art. 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho – tutela o pagamento da taxa de portagem, sendo indiferente o modo como o não pagamento se concretizou, que também não releva quanto à coima aplicável ou à respectiva medida (cfr. art. 7.º da mesma Lei). É certo que no referido art. 5.º se descrevem, nos seus n.ºs 1, alíneas a) e b), e 2, os diversos modos como pode concretizar-se essa falta de pagamento, uma vez que esta, em razão da diversidade de modos de pagamento, pode resultar de uma multiplicidade de circunstâncias. Mas essas circunstâncias não constituem elementos essenciais do tipo, pois se destinam apenas a concretizar um e o mesmo ilícito, qual seja a falta de pagamento da portagem. Por isso, não se exige a menção às mesmas na “descrição sumária dos factos” requerida pela primeira parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.
Acresce que esses elementos não essenciais do tipo foram oportunamente comunicados à Arguida aquando da notificação que lhe foi efectuada ao abrigo do art. 70.º do RGIT (cfr. os documentos para que se remete no facto provado sob o n.º 2).
Em suma, a descrição sumária da factualidade constante da decisão administrativa que aplicou a coima permite à Arguida o exercício cabal do seu direito de defesa, não subsistindo dúvida alguma quanto aos factos que lhe são imputados, motivo por que não concordamos com a sentença quando considera que essa decisão enferma de nulidade por inobservância do requisito constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º, do RGIT.
2.2.2.2 DA NÃO INDICAÇÃO DA MOLDURA ABSTRACTA DA COIMA
A sentença considerou também que a decisão administrativa enfermava de nulidade por não ter respeitado o requisito constante da segunda parte da mesma alínea b) do n.º 1 do art. 79.º, do RGIT, na medida em que se limitou a indicar a norma punitiva, «sendo completamente omitida a moldura legal abstractamente aplicável», o que «onera o destinatário da decisão, impondo-lhe o acesso aos diplomas legais invocados para, por essa via, se aperceber dos moldes em que é punida a conduta cuja prática lhe é imputada, pois desconhece os respectivos limites máximos e mínimos, facto que é, em abstracto, passível de constituir uma limitação à respectiva defesa».
Salvo o devido respeito, o requisito que a segunda parte da alínea b) do art. 79.º do RGIT estabelece é a «indicação das normas violadas e punitivas». Nem aí nem em qualquer outra das alíneas que elencam os requisitos legais da decisão que aplica a coima descortinamos a exigência de que seja mencionada a moldura abstracta da coima.
Admitimos que essa indicação poderia ajudar na tarefa da fixação da medida da coima e na compreensão dos fundamentos que presidiram à respectiva fixação, mas a verdade é que o art. 79.º do RGIT não a erigiu em requisito da decisão que aplicar uma coima.
Sempre salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o facto invocado na sentença para justificar a exigência dessa indicação – qual seja o ónus de o arguido aceder aos diplomas legais que prevêem a norma punitiva para aferir da justiça da coima aplicada e sua medida – é o ónus que se impõe a todos os arguidos que queiram exercer o seu direito de defesa. Seja como for, a lei não a prevê como requisito da decisão administrativa condenatória.
Não concordamos, por isso, que essa omissão constitua uma violação ao disposto no art. 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT e que determine a nulidade insuprível da decisão nos termos do art. 63.º, n.ºs 1, alínea d e 3, do mesmo Regime.
2.2.2.3 DA NÃO INDICAÇÃO DA PONDERAÇÃO DOS ELEMENTOS PREVISTOS NO ART. 27.º DO RGIT NA FIXAÇÃO DA COIMA
A sentença considerou ainda que a decisão administrativa enfermava de nulidade insanável, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 63.º do RGIT por desrespeito pelo requisito constante da alínea c) do n.º 1 do art. 79.º, do mesmo Regime, uma vez que, para o cumprimento desse requisito, «não bastava o recurso a um quadro com a indicação dos elementos previstos no artigo 27.º do RGIT, acompanhado da mera afirmação de que esses elementos foram tidos em conta na graduação da coima.// Ao invés, impunha-se uma demonstração expressa do iter cognitivo e valorativo subjacente a tal fixação, que permitisse ao arguido, em primeira linha, e ao Tribunal, nesta sede, compreender as razões pelas quais se decidiu fixar a coima naquele valor e não noutro».
Convém recordar o disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT: «1. A decisão que aplica a coima contém: […] c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação».
Ora, essa exigência deve ter-se por satisfeita no caso sub judice, pois quanto à fundamentação da concreta coima aplicada foram ponderados os factores a que manda atender o art. 27.º do RGIT; assim, como consta da decisão, foram ponderados: a inexistência de actos de ocultação e de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida por negligência simples, a situação económica e financeira do agente baixa e terem decorrido mais de seis meses desde a prática da infracção.
Assim, contrariamente ao decidido, entendemos não ser nula a decisão de aplicação da coima, pois que dela constam os requisitos mínimos que a lei manda observar quanto ao dever de fundamentação da decisão e que visam permitir ao visado contra ela reagir no exercício do seu direito de defesa; direito que, como ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 382/15(Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/96227826215066e080257e770035334c.
No mesmo sentido, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 14 de Dezembro de 2016, proferido no processo n.º 1270/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a75dc76a097b3c3d8025808e00440621.), ditado pelo Recorrente, «não se vê tenha sido postergado pela forma estandardizada como foi cumprido o dever de fundamentação da decisão».
Ou seja, a decisão de aplicação da coima respeitou o requisito da alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.
2.2.3 CONCLUSÕES
O recurso será, pois, provido e, em consequência, os autos regressarão ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar.
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT] tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa.
II - Não é nula por violação do disposto na segunda parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT – que impõe à decisão de aplicação da coima a «indicação das normas violadas e punitivas» – a decisão que, fazendo a indicação daquelas normas, não menciona a moldura abstracta da coima.
III - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “indicação dos elementos que contribuíram para a […] fixação” da coima [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT] deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima.
* * *
3. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento do recurso judicial, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
*
Lisboa, 17 de Outubro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.