Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03021/19.6BELRS
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PRESCRIÇÃO
SEGURANÇA SOCIAL
EFEITO DURADOURO
Sumário:Não tem efeito duradouro interruptivo da prescrição a diligência administrativa substanciada na recepção pelo executado de uma declaração emitida pelo Instituto de Segurança Social, na sequência de pedido por si nesse sentido formulado, relativa à sua situação contributiva, da qual consta narrativamente quais as dívidas já declaradas prescritas e as que permanecem em cobrança e valores em dívida, por tal recepção não se subsumir ao conceito de notificação judicial previsto no artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil.
Nº Convencional:JSTA000P27341
Nº do Documento:SA22021031003021/19
Data de Entrada:07/28/2020
Recorrente:A.........LDA
Recorrido 1:IGFSS-INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO


1. RELATÓRIO

1.1. A “A……….., LDA” recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a reclamação contra o acto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., que declarara parcialmente prescrita a dívida em execução nos processos nº 1101200602060949 e apensos.

1.2. Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou a respectiva motivação que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I. O PRESENTE RECURSO VEM INTERPOSTO DA DOUTA SENTENÇA DE FLS… QUE DECIDIU JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO APRESENTADA AO ABRIGO DO ART.º 276º DO CPPT ENTRETANTO INTERPOSTA PELA AQUI RECORRENTE;

II. VEM FUNDAMENTADA ESSA PROCEDÊNCIA MERAMENTE PARCIAL, JULGANDO-SE A RECLAMAÇÃO INTERPOSTA AO ABRIGO DO ART.º 276º DO CPPT PROCEDENTE QUANTO À INVOCAÇÃO DA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DA PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA RESPEITANTE AO PERÍODO DECORRIDO ATÉ FEVEREIRO DE 2003, INCLUSIVE, MAS IMPROCEDENTE NO DEMAIS;

III. ANCORANDO A SUA HERMENÊUTICA NA CIRCUNSTÂNCIA DO CONHECIMENTO DA COBRANÇA PELA RESPONSÁVEL PELO PAGAMENTO (E AQUI RECORRENTE) HAVER OCORRIDO EM 11.4.2008, SENDO, POR ISSO, A RESPECTIVA NOTIFICAÇÃO O PRIMEIRO FACTO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO PROVADO NOS AUTOS E TRAZENDO À COLAÇÃO O TEOR DOS ACÓRDÃOS DO STA DE 7-01-2016, PROC. 01564/15, DE 31.03.2016, PROC. 0184/16, DE 6.12.2017, PROC. 01300/17, DE 17.02.2018, PROC. 01463/17, E DE 11-09-2019, PROC. 01111/19.4BEPRT E AINDA O DISPOSTO NOS ART.ºS 326º E 327º, AMBOS, DO CÓDIGO CIVIL, SENDO QUE, ADVOGÁVAMOS, NENHUM DAQUELES ARRESTOS DO VENERANDO STA FOI PROFERIDO TENDO POR OBJECTO A DISCUSSÃO DA LEGALIDADE/EXIGIBILIDADE DE DÍVIDAS DE CONTRIBUIÇÕES E/OU COTIZAÇÕES À SEGURANÇA SOCIAL, RESPEITANDO ANTES A IMPOSTOS (V.G. IVA OU IRS), RELATIVAMENTE AOS QUAIS A CAUSA INTERRUPTIVA AQUI EM CAUSA NÃO TEM APLICABILIDADE;

IV. ADUZINDO A Mª JUIZ A QUO NO SENTIDO DE QUE “A INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PELO CONHECIMENTO DAS DILIGÊNCIAS DE COBRANÇA, IN CASU, DA PENDÊNCIA DE PROCESSOS DE EXECUÇÃO FISCAL TEM DOIS EFEITOS: O EFEITO INSTANTÂNEO DE INUTILIZAR TODO O PRAZO DECORRIDO ANTERIORMENTE, COMO DECORRE DO ART.º 326º DO CÓDIGO CIVIL E, BEM ASSIM, O EFEITO DURADOURO, ISTO É, O NOVO PRAZO NÃO COMEÇA A CORRER ENQUANTO NÃO TRANSITE EM JULGADO, OU NÃO SE FORME CASO DECIDIDO DA DECISÃO QUE PONHA TERMO AO PROCESSO QUE OPEROU O EFEITO INTERRUPTIVO, CONFORME RESULTA DO ART.º 327º Nº 1 DO CÓDIGO CIVIL.”;

V. NO QUE TANGE ÀS DÍVIDAS À SEGURANÇA SOCIAL, E QUANTO AO QUE NÃO ESTÁ ESPECIALMENTE REGULADO NO QUADRO NORMATIVO APLICÁVEL À SEGURANÇA SOCIAL, NOMEADAMENTE, QUANTO AO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO, SERÃO DE APLICAR AS REGRAS DOS ARTIGOS 48.° E 49.° DA LGT E AINDA SOBRE OS EFEITOS DA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO AS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL, UMA VEZ QUE, NEM A LGT, NEM A LEI DA SEGURANÇA SOCIAL DISPÕEM ESPECIALMENTE SOBRE ESTA MATÉRIA;

VI. ACEITÁVAMOS QUE O PRAZO DE PRESCRIÇÃO SE INTERROMPEU COM A NOTIFICAÇÃO QUE FOI EFECTUADA À AQUI RECORRENTE E QUE AQUELA RECEBEU EM 11.04.2008, TAL COMO ESTÁ NA ALÍNEA I) DO PROBATÓRIO, ADVOGANDO, TENDO ESTA PRIMEIRA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO, EFECTIVAMENTE E TAL COMO ADUZ A Mª JUIZ A QUO, O EFEITO INSTANTÂNEO DE INUTILIZAR PARA A PRESCRIÇÃO O TEMPO ATÉ ENTÃO DECORRIDO E DE DETERMINAR O INÍCIO DE NOVO PRAZO PRESCRICIONAL, MAS NÃO IGUALMENTE, POR NÃO HAVER SUPORTE LEGAL PARA QUE LHE SEJA ATRIBUÍDO, O ALUDIDO PELA Mª JUIZ A QUO EFEITO DURADOURO, APENAS PREVISTO EXCEPCIONALMENTE PARA OS CASOS ELENCADOS NO N.º 1 DO SEU ARTIGO 327.° DO CÓDIGO CIVIL;

VII. DISSENTÍAMOS ASSIM CLARAMENTE DO QUE A Mª JUIZ HAVIA JULGADO NA DECISÃO RECORRIDA, ANCORANDO A NOSSA HERMENÊUTICA NOS DOUTOS ENSINAMENTOS TIRADOS DO ARRESTO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE 20.5.2015, PROCESSO 01500/14, DISPONÍVEL IN HTTP://WWW.DGSI.PT/JSTA.NSF/35FBBBF22E1BB1E680256F8E003EA931/147B2D5793A6EF880257E5100499B0E?OPENDOCUMENT&HIGHLIGHT=0,TRIBUT%C3%A1RIO,PRESCRI%C3%A7%C3%A3O,2015%23_SECTION1 E AINDA ANCORADOS NO ARRESTO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE 14.4.2019, PROCESSO N.º 01437/18.4BEBRG, IN HTTP://WWW.DGSI.PT/JSTA.NSF/35FBBBF22E1BB1E680256F8E003EA931/0A776CA0C38520F2802583E6003C58FF?OPENDOCUMENT&EXPANDSECTION=1 ;

VIII. E APROPRIÁMO-NOS DO ARGUMENTÁRIO ALI ENUNCIADO, NELE NOS LOUVANDO PARA SUSTENTAR O MANIFESTO ERRO DE JULGAMENTO EM QUE INCORREU A Mª JUIZ A QUO CAUCIONANDO EM PARTE A DECISÃO RECORRIDA DE NÃO DECLARAÇÃO IN TOTUM DA PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA À SEGURANÇA SOCIAL AQUI EM CAUSA E QUE, DO NOSSO PONTO DE VISTA, ESTÁ MANIFESTAMENTE ENFERMADA DE VIOLAÇÃO DE LEI, JÁ QUE À CAUSA INTERRUPTIVA AQUI APLICÁVEL NÃO SE PODE CONFERIR O ALUDIDO EFEITO DURADOURO, MAS SIM EFEITO MERAMENTE INSTANTÂNEO À INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO DECORRENTE DAS DILIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS LEVADAS À ALÍNEA I) DO PROBATÓRIO.

IX. ISTO DITO, NÃO PODÍAMOS DEIXAR DE ADVOGAR QUE AS CONTRIBUIÇÕES E COTIZAÇÕES NÃO DECLARADAS PRESCRITAS NÃO PODEM DEIXAR DE ESTAR GROSSEIRAMENTE ENFERMADAS PELA VERIFICAÇÃO DA REFERIDA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA, DONDE A SUA INEXIGIBILIDADE».

1.3. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público, tendo a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitido parecer nos seguintes termos:

- 1- A reclamante interpõe o presente recurso da sentença proferida nos autos que julgou apenas parcialmente procedente a reclamação, decidindo estar prescrita a dívida respeitante aos períodos anteriores a fevereiro de 2003, mas não prescritas todas as posteriores, uma vez que as contribuições relativas a março de 2003 deveriam ser pagas até 15 de abril de 2003 e, antes de se perfazerem 5 anos sobre aquela data, a reclamante tomou conhecimento da pendência dos PEF e das respectivas dívidas exequendas, em 11/4/2008, através da declaração de situação contributiva que recebeu nessa data.

- 2 - Fundamentou a sentença recorrida o seu entendimento no facto de a referida comunicação de 11/4/2008 constituir um facto interruptivo da prescrição não apenas com efeito instantâneo, mas simultaneamente com efeito duradouro, discorrendo nos seguintes termos:

“A regra geral do efeito instantâneo da interrupção admite exceção (isto é, tem também efeito duradouro) na situação prevista no art. 327º do Código Civil, a qual inclui a citação, notificação ou ato equiparado e ainda o compromisso arbitral.

Aplicando aos factos: em 11.04.2008 o prazo de prescrição interrompeu-se, ficando inutilizado todo o prazo que anteriormente havia corrido, por efeito do conhecimento pela aqui Reclamante da pendência dos PEF, através da receção da declaração de situação contributiva, em relação às dívidas mencionadas nas correspondentes notificações de valores em dívida, o que deve considerar-se como notificação ou ato equiparado.

Pelo que, dado não ter cessado o processo executivo então trazido ao conhecimento da aqui reclamante, o prazo prescricional não voltou a decorrer.” ( negrito aditado )

- 3 – A reclamante/recorrente discorda deste entendimento, em síntese, conforme ponto VIII das suas conclusões, por considerar que o mesmo incorre em manifesto erro de julgamento por violação de lei, “já que à causa interruptiva aqui aplicável não se pode conferir o aludido efeito duradouro, mas sim efeito meramente instantâneo à interrupção da prescrição decorrente das diligências administrativas levadas à alínea i) do probatório”.

Cita a recorrente em abono do seu entendimento o teor dos acórdãos do STA de 20/5/2015 ( Rec. nº 01500/14 ) e de 10/4/2019 ( Proc. nº 01437/18.4BEBRG ), ambos versando sobre dívidas à Segurança Social.

Salvo melhor opinião, cremos que assiste razão à reclamante.

- 4 – Importa antes de mais sublinhar que a douta sentença recorrida considerou como único facto interruptivo da prescrição o ocorrido em 11/4/2008, consubstanciado no recebimento pela reclamante da declaração de situação contributiva referida nas als. e) e f) da matéria de facto provada e no doc. nº 1 junto com a p.i. – uma vez que não se provou que a executada tenha recebido o ofício de citação para os termos da execução, emitido em 18.09.2006.

Contudo, salvo o devido respeito, cremos que deveria igualmente ter sido considerado como provado um outro facto interruptivo da prescrição que se encontra descrito na al j) da matéria de facto:

“- j) Em 15.03.2010, o I.G.F.S.S., IP declarou a prescrição das dívidas respeitantes ao período de 10/1997 a 8/2001 – cfr. doc. 4, junto aos autos com a petição inicial, e fls. 2 do processo instrutor apenso”.

Com efeito, foi dado conhecimento à reclamante dessa decisão do exequente, através de ofício enviado à mesma em 17/3/2010, conforme se reconhece expressamente no artº 11º da p.i., o que determinava a continuação da execução pelas restantes dívidas não declaradas prescritas.

Assim, a nosso ver, os factos descritos nas alíneas e) e j) da matéria de facto têm natureza interruptiva da prescrição, uma vez que constituem diligências administrativas, das quais foi dado conhecimento ao responsável pelo pagamento e conducentes à cobrança da dívida - art. 63º, nº 2 da Lei nº 17/2000, de 8/8 e artº 187º nº 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social.

Este tribunal superior não pode, contudo, alterar a matéria de facto, atento o disposto no artº 2º do CPPT e artºs 150º nº 2 e 4 e 151º nº 3 do CPTA.

De qualquer modo, o resultado final, considerando-se unicamente como facto interruptivo o ocorrido em 11/4/2008, mostra-se inteiramente idêntico ao que se obteria se fosse igualmente considerado o facto interruptivo de 17/3/2010, uma vez que ambos têm, a nosso ver, um efeito interruptivo meramente instantâneo, não lhes sendo aplicável o disposto no artº 49º nº 3 da LGT, nem o disposto no artº 327º nº 1 do Código Civil.

Esta é, pois, a questão a decidir nos autos - a de saber se o facto interruptivo ocorrido em 11/4/2008 possui simultaneamente efeito instantâneo ( de inutilizar o prazo já decorrido) e também efeito duradouro, ( de impedir o início do novo prazo enquanto decorra o processo executivo), ou seja, se o prazo de prescrição das dívidas voltou ou não a iniciar-se a partir de 11/4/2008.

- 5 - A sentença recorrida entendeu que se verifica um efeito duradouro do facto interruptivo em causa por ter considerado que a declaração da situação contributiva “deve considerar-se como notificação ou ato equiparado”, para os efeitos previstos no artº 327º nº 1 do Código Civil.

Porém, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que uma declaração de situação contributiva, pedida pela própria executada, constitui apenas uma diligência administrativa, - apesar de levada a cabo no interior do processo judicial executivo - não podendo equiparar-se a uma citação ou notificação judicial, as quais se destinam a desencadear uma actividade de defesa dos visados.

Por isso, só os actos de citação, notificação ou equiparados têm os efeitos previstos no artº 327º nº 1 do Código Civil.

Já as diligências administrativas constituem facto interruptivo, nos termos do artº 187º nº 2 do Código Contributivo, mas o efeito desse facto interruptivo é unicamente o previsto no artº 326º do CC – inutiliza todo o tempo de prescrição anteriormente decorrido.

Assim, no caso dos autos, a partir da data da diligência administrativa ocorrida em 11/4/2008, teve início novo prazo de prescrição de 5 anos, durante o qual não se verificou nenhum outro facto suspensivo ou interruptivo da prescrição – pelo que, à data em que foi proferido o acto reclamado já se encontravam prescritas as contribuições e quotizações em dívida.

- 6 – A jurisprudência do STA tem vindo a reconhecer um efeito duradouro do facto interruptivo apenas quando este resulta de um acto de citação, como se vê, entre muitos outros, dos acórdãos citados pela recorrente, nomeadamente o proferido em 20/05/2015, no recurso nº 01500/14, em que se considerou ter efeito meramente instantâneo o acto de notificação do potencial revertido para audiência prévia à reversão.

No mesmo sentido se decidiu no acórdão proferido em 12/10/2016, no recurso nº 0984/16, bem como, mais recentemente, no acórdão proferido em 12/02/2020, no Processo nº 0440/10.7BECBR 01088/17, em cujo sumário se consignou:

“II - Constituem factos interruptivos do prazo de prescrição de dívidas à segurança social a notificação do potencial revertido para audiência prévia à reversão bem como a citação deste para a execução fiscal, sendo que este segundo facto interruptivo tem eficácia duradoura (artigo 327.º n.º 1 do Código Civil), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal.”

Ora, tal como a notificação para audiência prévia à reversão, também o envio de uma “declaração de situação contributiva”, constitui mera diligência administrativa, não equiparável à citação.

Veja-se, aliás, em caso similar ao dos autos, o acórdão proferido em 29/9/2016, no recurso nº 0956/16, onde, na parte relevante, se entendeu:

“I - De acordo com o disposto no artigo 63.º, n.º 2 da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, a prescrição da obrigação de pagamento das cotizações e das contribuições para a Segurança Social interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.

II - Constituem factos interruptivos do prazo de prescrição de dívidas à segurança social a notificação do devedor, mediante ofício, para pagamento da dívida exequenda, bem como a citação deste para a execução fiscal, sendo que este segundo facto interruptivo tem eficácia duradoura (artigo 327.º n.º 1 do Código Civil), mantendo-se o efeito interruptivo até ao termo do processo de execução fiscal.”

- 7 – Em termos doutrinais, pode ainda ver-se o trabalho de Tiago Lourenço Afonso intitulado “ Notas práticas acerca do regime de prescrição das contribuições e quotizações para a segurança social”, constante do Ebook do CEJ “ Prescrição da obrigação tributária” e disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_PrescricaoTributario.pdf, onde se refere o seguinte:

“A este título, com natural aptidão a produzir este efeito interruptivo, cuja eficácia aqui se deve ter por meramente instantânea [artigo 326.º, n.º 1, do Código Civil], adiantam-se assim, entre outras, os seguintes exemplos de diligências [administrativas] praticadas no âmbito de procedimentos administrativos ou do processo de execução fiscal, todas com vista à liquidação ou cobrança voluntária ou coerciva do tributo:

– Notificação de valores em dívida levada a cabo pelo Instituto de Segurança Social ou pela respetiva Secção de Processo Executivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social;

– Notificação do responsável subsidiário para exercício do seu direito de audição prévia à efetivação da reversão do processo de execução fiscal” (…) ( negrito aditado).

- 8 - Pelo exposto, é nosso entendimento que a declaração de situação contributiva enviada à reclamante em 11/4/2008 pelo IGFSS constitui acto interruptivo do prazo de prescrição das dívidas exequendas à segurança social, o qual se reveste de um efeito meramente instantâneo, nos termos previstos no artº 326º do CC, não constituindo um acto equiparável à citação ou notificação, para os efeitos previstos no artº 327º nº 1 do CC.

Em consequência, dado que não ocorreu qualquer outro acto interruptivo da prescrição nos 5 anos posteriores àquela data, as dívidas exequendas já se encontravam prescritas à data em que foi proferido o acto reclamado.

- 9 - Nestes termos, emite-se pronúncia no sentido de ser concedido provimento ao recurso da reclamante».

1.4. Por despacho do Exmo. Juiz Conselheiro, em turno, foi determinada a baixa dos autos para que se procedesse a nova notificação do IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., para contra-alegar, com escrupuloso cumprimento do preceituado no artigo 283, n.º 2 do CPPT, na redacção que a este foi atribuída pela Lei n.º 118/019, de 17 de Setembro.

1.5. Cumprido o determinado, o Recorrido não contra-alegou, limitando-se a juntar aos autos, após a referida notificação, procuração a Ilustre Mandatário.

1.6. Atenta a natureza urgente do processo, foram dispensados os vistos dos Conselheiros Adjuntos, cumprindo, agora, decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto a questão a apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida fez correcta interpretação do regime de interrupção do prazo de prescrição das dívidas à Segurança Social, designadamente ao configurar como acto interruptivo com efeito duradouro a recepção da declaração da situação contributiva - pedida pela Recorrente e recebida a 11-4-2008 - por força do preceituado, conjugadamente, nos artigos 49.º da LGT e 326.º e 327.º do Código Civil.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Em face da prova documental constante dos autos e das posições assumidas pelas partes no procedimento e no processo, considera-se provada a seguinte matéria de facto com relevância para a decisão da causa:

a) Em 6.09.2006, foi emitida a certidão de dívida n° 717522/2006, em nome de "A………., Lda.", aqui Reclamante, relativa a cotizações para a Segurança Social respeitantes aos períodos de 12/1997 a 11/2005 - cfr. fls. 1 e 25 a 26 do processo instrutor apenso;

b) Em 6.09.2006, foi instaurado em nome da aqui Reclamante o PEF n° 1101200602060949, com base na certidão de dívida mencionada na alínea anterior - cfr. fls. 1 e 25 a 26 do processo instrutor apenso;

c) Em 6.09.2006, foi emitida a certidão de dívida n° 752222/2006, em nome de "A………., Lda.", aqui Reclamante, relativa a contribuições para a Segurança Social respeitantes aos períodos de 12/1997 a 11/2005 - cfr. fls. 1 e 26 v. e 27 do processo instrutor apenso;

d) Em 6.09.2006, foi instaurado em nome da ora Reclamante o PEF n° 1101200602060957, com base na certidão de dívida mencionada na alínea anterior - cfr. fls. 1 e 25 a 26 do processo instrutor apenso;

e) Em 8.04.2008, foi emitida a declaração de situação contributiva n° 688010, da qual consta que a aqui Reclamante "deve à Segurança Social contribuições no valor de Oitenta mil oitocentos e quinze Euros e quarenta e sete cêntimos. A este valor acrescem juros de mora, a calcular à taxa legal em vigor" - cfr. doc. 1, junto aos autos com a petição inicial;

f) Foram emitidas, em nome da aqui Reclamante, documentos de "Notificação de Valores em Dívida", com respeito aos PEF n° 1101200602060949 e apenso n° 1101200602181541, quantia exequenda de € 22.286,66, relativa a cotizações para a Segurança Social respeitantes aos períodos de 12/1997 a 6/2006, 1101200602060957 e apenso 1101200602181550, quantia exequenda de € 48.531,71, relativa a contribuições para a Segurança Social respeitantes aos períodos de 12/1997 a 6/2006, 1101200701100653 e apenso 1101200701100661, quantia exequenda de € 3.927,49, relativa a cotizações e contribuições para a Segurança Social respeitantes aos períodos de 7/2006 a 12/2006, e 1101200701452428 e apenso 1101200701452436, quantia exequenda de € 3.560,88, relativa a cotizações e contribuições para a Segurança Social respeitantes aos períodos de 1/2007 a 9/2007 - cfr. doc. 1, junto aos autos com a petição inicial;

g) Em datas não apuradas, foram apensos ao PEF 1101200602060949 os PEF n° 1101200602060957 e outros, nomeadamente os mencionados na alínea anterior - cfr. fls. 1 a 4 e 25 a 29 do processo instrutor apenso;

h) No âmbito do PEF n° 1101200602060949 e apensos, foi efetuada a penhora de contas bancárias da aqui Reclamante - cfr. fls. 1 a 4 do processo instrutor apenso;

i) Em 24.07.2008, a aqui Reclamante apresentou oposição às execuções fiscais n° 1101200602060949 e apensos e 1101200602060957 e apensos, alegando que "na sequência de pedido de certidão sobre a sua situação contributiva, tomou a aqui oponente conhecimento, em 11.4.2008, de que, entre outros que aqui não se contraditam, pendiam os processos executivos em referência" e que a "citação pessoal [...] ainda não ocorreu" - cfr. docs. 2 e 3, junto aos autos com a petição inicial, e informação prestada a fls. 2 e ss. dos autos;

j) Em 15.03.2010, o I.G.F.S.S., IP declarou a prescrição das dívidas respeitantes ao período de 10/1997 a 8/2001 - cfr. doc. 4, junto aos autos com a petição inicial, e fls. 2 do processo instrutor apenso;

k) Em 1.07.2015, foi emitido o documento único de cobrança (DUC) n° 1511011133000635868, no valor de € 36.480, 47, para efeitos do pagamento por conta do PEF 110120060206949 e apensos, incluindo contribuições e cotizações respeitantes ao período de 2/2000 a 7/2000 e de 10/2000 a 8/2001 - cfr. doc. 5, junto aos autos com a petição inicial;

l) Em 1.07.2015, com referência ao DUC 1133000635868, o valor de € 36.480,47 foi aplicado pelo Exequente no pagamento da quantia exequenda no PEF 1101200602060949 e apensos - cfr. fls. 24 do processo instrutor apenso;

m) Em 21.10.2015, a aqui Reclamante enviou ao IGFSS, que o recebeu em 23.10.2015, requerimento solicitando informação sobre a falta de envio da oposição, apresentada em 24.07.2008, a tribunal, uma vez que não tinha sido declarada prescrita a totalidade da dívida exequenda, invocando a prescrição da dívida e questionando sobre a aplicação de valores penhorados em dívida prescrita - docs. 7, 9, 10-A e 10-B, juntos aos autos com a petição inicial;

n) Com data de 12.11.2015, foi remetido à aqui Reclamante o ofício com referência de saída n° 36146/2015, que declara a dívida parcialmente prescrita, do qual consta: “Na sequência da sua exposição de 23.10.2015 [...] cumpre-nos informar que: PEF nº 1101200602060949 - o único tributo prescrito é o de 09/2001, porém os tributos de 01/2002 até 11/2005 não se encontram prescritos e PEF nº 1101200602060957 - os tributos prescritos são os de 2/2000 a 2001/09, porém os tributos de 01/2002 até 11/2005 não se encontram prescritos. Desta forma, os processos de execução fiscal n° 1101200602060949, 1101200602060957 continuam ativos e com dívida que se encontra por enquadrar e o PEF nº 1101200602060965 encontra-se extinto conforme notificações de valores em dívida que enviamos com a presente missiva. Face ao exposto, e dado que não foi apresentada garantia para suspensão do processo de oposição, nos termos do art. 169° do CPPT, a penhora bancária continua activa." - cfr. doc. 8, junto aos autos com a petição inicial;

o) Em 24.11.2015, a petição inicial de reclamação foi remetida por correio registado ao IGFSS - cfr. introito da reclamação e informação de fls. 2 e ss. dos autos, tendo-se a referência ao ano de 2012 como lapso de escrita;

p) Em 20.12.2019, a reclamação foi remetida pelo IGFSS a este Tribunal, através de correio registado - cfr. fls. 1 a 190 dos autos, no SITAF.

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

Com relevância para a decisão da causa, não resulta provada a seguinte factualidade:

i) Que a executada tenha recebido o ofício de citação para os termos da execução, emitido em 18.09.2006.

Inexistem outros factos com relevância para a decisão da causa, que importe destacar como não provados.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo instrutor apenso, relativo ao PEF 1101200602060949 e apensos, não impugnados, e nas posições assumidas pelas partes no procedimento administrativo, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.

Quanto à matéria de facto considerada não provada, a convicção do tribunal baseou-se no facto de os elementos probatórios atinentes à realização da citação pessoal remetidos pelo Exequente IGFSS, resultarem do print do sistema informático, desacompanhada de qualquer outro elemento documental, designadamente, registos postais, avisos de receção ou quaisquer outros. Com efeito, a mera inserção de uma menção "com citação pessoal" no histórico do processo de execução não é, de todo, suficiente para se concluir que a executada tenha sido citada para os termos da execução fiscal, dado que são meros documentos internos, não confirmados por qualquer outra prova, documental, ou outra, como a admissão da executada, por exemplo.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. A presente reclamação foi deduzida pela Executada visando, por um lado, a anulação do despacho do acto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (doravante, IGFSS) que, na sequência do pedido de declaração de prescrição total das dívidas em cobrança coerciva no processo 1101200602060949 e apensos, não reconheceu prescritas as dívidas relativas ao período compreendido entre 1/2002 e 11/2005 e, por outro lado, a anulação de todas as decisões de aplicação dos valores penhorados aplicados nas dívidas prescritas e a restituição total desses valores à Reclamante ou, não sendo reconhecida integralmente a sua pretensão, a sua restituição parcial.

3.2.2. Considerando a particularidade das circunstâncias que motivaram a formulação dos pedidos mencionados, importa salientar que a Reclamante funda a ilegalidade do despacho invocando a prescrição total das dívidas à luz do disposto nos artigos 49°, n° 1 e 3, da Lei Geral Tributária (daqui em diante, LGT) e 187° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009 (doravante, Código Contributivo), sublinhando que o seu pedido remonta a 24 de Julho de 2008, data em que deduziu Oposição, que o Recorrido reteve nos seus Serviços até 2015, e que se recusa a prestar informação sobre a aplicação dos montantes objecto de penhora bancária nos processos de execução fiscal (PEF) activos, sendo certo dos elementos a que entretanto acedeu, foram aplicados valores penhorados para pagamento de dívidas que o próprio Recorrido já havia formalmente reconhecido como prescritas.

3.2.3. A Meritíssima Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, depois de ter enunciado como questões a decidir a da ilegalidade da decisão de 12 de Novembro de 2015 que não reconheceu a prescrição de parte da dívida exequenda e a ilegalidade da decisão que não aplicou os valores penhorados à Reclamante em dívidas não prescritas, veio a julgar parcialmente procedente a primeira e integralmente procedente a segunda, mais determinando que os valores ilegalmente aplicados nas dívidas prescritas fossem aplicados nas que entendeu que ainda eram exigíveis.

3.2.4. Vejamos, então, se o julgamento realizado pelo Tribunal a quo é merecedor da censura que lhe vem dirigida, salientando que as dívidas cuja prescrição não foi reconhecida são as relativas ao período posterior a Fevereiro de 2003 e que, a concluir-se pela anulação do despacho impugnado na parte mantida na ordem jurídica, a restituição de todos os valores penhorados que foram aplicados desde a data da prescrição deverão ser integralmente restituídos à Recorrente.

3.2.5. Na sentença recorrida, o reconhecimento parcial da ilegalidade do despacho objecto desta reclamação teve como fundamento em síntese nossa, o seguinte juízo: sendo de cinco anos o prazo de prescrição das dívidas à Segurança Social, contados desde a data em que essa obrigação devia ter sido cumprida, e interrompendo-se o prazo prescricional no caso com a realização de qualquer diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança (artigos 49.º da LGT, 63.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto e 49.º da Lei n.º 32/2002, de 20-12), há que concluir que não estão prescritas as dívidas posteriores a Fevereiro de 2003 por, a 11 de Abril de 2008, a Reclamante ter tomado conhecimento, através da recepção de uma declaração relativa à sua situação declarativa, dos valores em dívida, possuindo tal factualidade a virtualidade de produzir simultaneamente efeito interruptivo instantâneo e duradouro do prazo de prescrição em curso.

Em suma, para o Tribunal a quo, o prazo de prescrição - interrompido pela diligência administrativa consubstanciada no envio e recebimento de uma declaração relativa à situação contributiva da Recorrente - não volta a correr enquanto “não transite em julgado, ou não se forme caso decidido da decisão que ponha termo ao processo que operou o efeito interruptivo, conforme resulta do artigo 327.º n.º 1 do Código Civil”, concretizando que, não volta a correr enquanto não tiver “cessado o processo executivo então trazido ao conhecimento da aqui reclamante”.

3.2.6. Para Recorrente, a sentença tem que ser revogada, uma vez que, ainda que admita que recepção a 11-4-2008 da declaração das dívidas pendentes constitui diligência administrativa, constituindo este o primeiro facto interruptivo da prescrição provado nos autos, não lhe pode ser reconhecido efeito duradouro, mas apenas o efeito instantâneo de inutilização para a prescrição do tempo até então decorrido, isto é, não obsta a que comece a correr novo prazo prescricional, por a referida recepção da declaração em causa ser insusceptível de integrar o elenco de factos enunciados no artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil, a que excepcionalmente é atribuído efeito duradouro.

Mais salienta que os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo convocados pela sentença recorrida não tem aplicação nos autos, por em nenhum deles estar em apreciação dívidas à Segurança Social nem, consequentemente, o especial regime que a esta nesta matéria é aplicável, e que em diversos outro arestos, que convoca e identifica, se vem decidindo unanimemente que apenas à citação realizada no processo de execução instaurado para cobrança deste tipo de dívidas deve ser reconhecido efeito duradouro.

3.2.7. A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, depois de salientar que se detectam no probatório dois factos interruptivos e que a nenhum deles deve ser reconhecido efeito interruptivo duradouro, pugnou pela revogação do julgado com fundamento apenas no facto interruptivo relevado na sentença recorrida, por a este Supremo Tribunal estar vedada a alteração da matéria de facto, invocando os artigos 150.º, nºs 2 e 4 e 151.º, n.º 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Sem prejuízo do julgamento que infra se irá realizar, não podemos deixar de realçar desde já que do facto de esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo apenas conhecer de matéria de direito nos recursos que para si directamente sejam interpostos de decisões proferidas pelos tribunais tributários (artigo 15.º do ETAF) não significa que não possa relevar todos os factos dados como provados. Ou seja, ainda que nos esteja vedado que apreciemos o erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais, não existe obstáculo legal a que os factos fixados (e não discutidos), não sejam considerados na apreciação do erro de julgamento de direito na questão que nos foi colocada, especialmente, como é o caso, nas situações em que a questão trazida para sua apreciação é também de conhecimento oficioso.

Afastamo-nos, pois, do douto parecer da Exma. Procuradora-Gral-Adjunta na parte em que, após ter identificado um outro facto interruptivo no probatório, conclui que o mesmo não deve ser relevado, por essa relevância não equivaler, como afirmou, a “alterar a matéria de facto

3.2.6. Posto isto, avançando na apreciação do mérito do recurso, adiantamos que também nós entendemos que a razão está do lado da Recorrente e, consequentemente, que o acto impugnado não deve ser mantido na ordem jurídica, nem com fundamento no facto interruptivo que a sentença teve por referência nem com fundamento em qualquer outro integrado no probatório.

Explicitemos porque assim concluímos, recordando que no processo de execução de que emergiu o despacho reclamado estão em causa - para o que ora releva, atento o trânsito em julgado da sentença na parte relativa às dívidas até Fevereiro de 2003 -, dívidas emergentes de contribuições em falta para a Segurança Social do período de Março de 2003 a Novembro de 2005.

Considerando a natureza e o período de tempo a que se reportam as dívidas em análise, importa enunciar os pressupostos de direito que nuclearmente suportarão a nossa decisão.

O primeiro é relativo à definição do prazo: o prazo de prescrição da obrigação de pagamento das contribuições para a segurança Social é o prazo de cinco anos – era esse o prazo no âmbito da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto (artigo 63.º), que posteriormente se manteve nas Leis n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (artigo 49.º), n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (artigo 60.º), n.º 32/2002 e no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, doravante designado apenas por Código dos Regimes Contributivos (artigo 187.º, n.º 1), aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, que hoje se encontra em vigor.

O segundo prende-se com o momento em que se inicia a contagem do prazo: até à data de entrada em vigor do novo Regime Contributivo, contava-se a partir da data em que a obrigação devia ser cumprida, isto é, a partir do dia 15 do mês subsequente àquele que as cotizações respeitavam (artigos 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho e 6.º do Decreto-Regulamentar n.º 26/99, de 27 de Outubro). Com a entrada em vigor do referido Código, por imposição directa do seu artigo 43.º, deve ser contado a partir dos dias 10 a 20, também do mês seguinte àquele a que as contribuições respeitem.

O terceiro é relativo ao regime de interrupção e suspensão do prazo de prescrição: (i) por força do regime especial, sucessivamente consagrado nos artigos 63.º, n.º 3 da Lei 17/2000, 49.º, n.º 2 da Lei n.º 32/2002, 60.º, n.º 4 da Lei 4/2007 e 187.º, n.º 2 do Código dos Regimes Contributivos, o prazo de prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa realizada com o conhecimento do responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da dívida; (ii) por força da aplicação subsidiária do regime geral consagrado da Lei Geral Tributária, interrompe-se e suspende-se nos termos previstos no artigo 49.º desta última Lei, com as devidas adaptações, o que significa que, embora tenham impacto no cômputo do prazo os factos elencados no n.º 1 do identificado preceito, há que distinguir rigorosamente as situações em que o facto tem natureza instantânea das situações em que tem natureza duradoura, valendo, no caso das dívidas à segurança social, o entendimento de que a limitação imposta ao número de interrupções está circunscrita às situações em que ela emerge de um facto interruptivo com efeito duradouro; (Neste sentido, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 1500/14, bem como os demais acórdãos aí citados, todos integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. ) (iii) a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo dos casos em que a interrupção resulte de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, por quanto a estes ter ficado legalmente estabelecido que não começa a correr novo prazo de prescrição enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo – artigos 326.º n.º 1 e 327.º n.º 1, ambos do Código Civil.

Antevendo-se do teor da sentença recorrida e das alegações e conclusões do presente recurso a relevância que no caso concreto assume o conceito de “diligência administrativa conducente à cobrança da dívida exequenda(expressão através da qual o legislador consagrou uma das particularidades do regime especial de prescrição das dívidas à Segurança Social) e os efeitos desta, importa desde já adiantar que a doutrina e a jurisprudência vêm incluindo nesse conceito todas as diligências levadas a efeito em processo administrativo de liquidação e em processo de execução fiscal conducentes à liquidação e cobrança da dívida de que seja dado conhecimento ao devedor.

Subjacente ao recorte doutrinal e jurisprudencial citado, que subscrevemos, está, se bem vemos, por um lado, a estrutura do regime de restituição e cobrança coerciva das contribuições ou prestações devidas à Segurança Social e, por outro, a natureza especial do regime em apreço.

Quanto ao primeiro, regista-se que desde a Lei n.º 17/2000 até ao actual Código de Regimes Contributivos - embora com nuances de redacção ou sistematização ligeiramente distinta, a que não deve ser atribuído especial relevo -, o legislador deixou sempre expresso que essa cobrança, impulsionada pelo Instituto de Segurança Social, se deve realizar no âmbito de um processo executivo (cfr. artigos 63.º n.º 1 da Lei n.º 17/2000, 48.º n.º 1 da Lei n.º 32/2002, 60.º, n.º 1 da Lei n.º 4/2007 e 186.º, n.º 3 do Código dos Regimes Contributivos.

Quanto à natureza especial do regime contributivo, sabemos que está centrado em três aspectos fundamentais: menor prazo prescricional quando comparado com o regime geral (respectivamente 5 e 8 anos); elemento de fixação do dies a quo (momento em que a obrigação devia ter sido cumprida, nos termos supra expostos) e, para o que ora importa sobremaneira registar, na enunciação dos factos interruptivos que, aqui, são quaisquer diligências administrativas realizadas com conhecimento do responsável pelo pagamento e conducentes à liquidação ou à cobrança, bem como, desde a entrada em vigor do Código dos Regimes Contributivos, também a apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação – tudo conforme artigos e diplomas já citados.

Ora, a forma como o legislador enunciou ou caracterizou aquele primeiro facto interruptivo privativo do regime especial exige que só deve ser qualificada como diligência administrativa capaz de produzir efeito interruptivo a diligência praticada num procedimento administrativo de liquidação ou num processo de execução fiscal tendo em vista a liquidação ou a cobrança. Ou seja, exige que do conceito de diligência administrativa com apetência interruptiva sejam excluídas todas as diligências que, mesmo que realizadas pela Entidade Administrativa, não são praticadas dentro daquele circunstancialismo procedimental e processual, fora das suas vestes de Autoridade e/ou da qualidade de Exequente e/ou que não sejam directamente conducentes à liquidação ou cobrança do crédito.

Amparados nos ensinamentos da doutrina podemos dizer que «Diligências administrativas serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao titular». “Embora o processo de execução fiscal tenha natureza judicial na sua totalidade, nele são praticados pelas autoridades administrativas actos que não tenham natureza jurisdicional (art. 103.º, n.º 1, da LGT), actos esses que, embora praticados em processo de natureza judicial, são «diligências administrativas» e, por isso, desde que cheguem ao conhecimento do devedor têm efeito interruptivo.

«Aliás, parece não haver outras diligências administrativas conducentes à cobrança da dívida de que seja dado conhecimento ao devedor que não sejam as praticadas pela administração tributária nos processos de execução fiscal (a única diligência anterior à execução conducente à cobrança da dívida parece ser a extracção da certidão de dívida de que não é dado conhecimento ao devedor antes da execução, mas apenas através da citação no processo de execução fiscal). Assim, terão efeito interruptivo não só os actos praticados no processo de liquidação de que seja dado conhecimento ao devedor (como as notificações para exercício do direito de audiência e da liquidação), mas também os actos praticados no processo de execução fiscal de que seja dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide) (Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2.ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, páginas 128 e 129.)

Em suma, para a doutrina, porque “só as diligências praticadas dentro de um procedimento ou processo, no sentido de um conjunto de actos previstos e concatenados com vista à prossecução de um resultado, se podem dizer que são “conducentes” a esse resultado, no caso à liquidação ou à cobrança”, há que concluir que diligências administrativas com efeito interruptivo são apenas as “praticadas no processo administrativo quando estamos ainda na fase da liquidação e as praticadas no processo executivo quando estamos na fase de cobrança coerciva da dívida devidamente liquidada.”

É também este o entendimento que, de forma pacífica e recorrente, o Supremo Tribunal Administrativo vem firmando sobre o conceito em apreço: “no âmbito do regime especial previsto pela Lei 17/2000 a instauração da execução não constitui circunstância interruptiva, sendo a prescrição interrompida por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida. Como vem sublinhando de forma unânime a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (vide, por exemplo, os Acórdãos de 11.03.2009, recurso 1033/08 e de 02.12.09, recurso 951/09, ambos in www.dgsi.pt), diligências administrativas, para este efeito, serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide)». (Acórdão de 21-04-2010, proferido no processo n.º 23/10. No mesmo sentido, vide, acórdãos de 11-03-2009 e de 12-11-2008, proferidos, respectivamente, nos, processos n.º 50/09 e 588/08, todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt)


3.6.7. Feito este enquadramento jurídico, com o qual, de resto, pelo menos no essencial, as partes estão de acordo, uma primeira conclusão podemos extrair face aos factos apurados: se nenhum facto interruptivo se tiver verificado, a obrigação das dívidas relativas às contribuições para a Segurança Social, cujo cumprimento estava imposto à Recorrente desde 15 de Março de 2003 até 15 de Novembro de 2005 (data de vencimento da última da última das contribuições em falta), estariam todas integralmente prescritas a 15 de Dezembro de 2010.

No caso concreto, porém, foi precisamente na existência de uma causa interruptiva que o Tribunal a quo fundou a não prescrição das referidas dívidas, a saber, o recebimento pela Recorrente, a 11 de Abril de 2008, de uma declaração da sua situação contributiva.

Acompanhamos a Meritíssima Juíza nesta parte do seu raciocínio. Na verdade, independentemente de a recepção dessa declaração ter ocorrido na sequência de um dos múltiplos pedidos da Recorrente ao Recorrido para que lhe fosse prestada informação sobre a situação dos vários processos de execução que contra si aí se encontravam pendentes, o certo é que da declaração que lhe foi enviada constam os processos de execução pendentes e quais os valores em dívida em cada um desses processos, bem como os juros moratórios e o total da quantia exequenda que permanecia em dívida.

Em suma, não subsistem dúvidas quanto, ainda que despoletada pela Reclamante, a actividade administrativa desenvolvida pelo Recorrido na satisfação desse pedido e o conhecimento que lhe adveio com a emissão dessa declaração constituir uma diligência administrativa praticada no processo de execução.

Porém, já não acompanhamos a Meritíssima Juíza na parte em que, ancorada nesse reconhecimento de diligência administrativa e, consequentemente, na sua qualificação como facto interruptivo, lhe atribui simultaneamente o efeito de destruir ou inutilizar o prazo prescricional já decorrido (efeito instantâneo) e também o de impeditivo o início do curso de um novo prazo prescricional (efeito duradouro).

Na verdade, como de resto o Tribunal a quo igualmente reconheceu, na ausência de norma no regime especial que permita sustentar qual o efeito a atribuir aos factos interruptivos que se substanciem em diligências administrativas, impõe-se que recorramos à disciplina constante do Código Civil, subsidiariamente aplicável por força do preceituado no artigo 2.º, al. d) da LGT, por nesta última também esta matéria não se encontra regulada.

Ora, da conjugação do preceituado nos artigos 326.º, n.º 1 e 327.º, n.ºs 1 e 3 do 327.º do Código Civil, resulta que, no que respeita aos efeitos dos factos interruptivos, a regra é a de que a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, só assim não sucedendo nas situações em que o facto gerador da interrupção da prescrição é a citação, notificação ou acto equiparável.

Foi tendo presente estas disposições e com fundamento no que delas consta que o Tribunal a quo veio a concluir que a recepção da declaração de situação contributiva pela Recorrente não só inutilizava o tempo decorrido como obstava a que este se reiniciasse enquanto o processo de execução não estivesse findo.

Todavia, sem razão. Porque, para o que ora releva, a notificação e os actos equiparáveis previstos no n.º 1 do artigo 327.º do código Civil não são todas as notificações ou actos praticados no processo de execução fiscal realizados na pessoa do devedor mas, sim, as notificações judiciais ou actos equiparáveis, isto é, tal como sucede com a citação, as que são emanadas pelo credor e se destinam a dar conhecimento ao devedor do direito que se arrogam e a desencadear uma actividade de defesa por parte daquele último.

Como salienta a doutrina, no ordenamento jurídico português “apenas a prática de actos judiciais (citação, notificação judicial ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dá conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido) pode operar a interrupção da prescrição.” (JÚLIO GOMES, in Comentário ao Código Civil -Parte Geral (Coord. Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença), Universidade Católica Editora, anotação 4 ao artigo 323.º, pág. 772.)

Aliás, essa exigente densidade jurídica do acto a que o legislador civil atribui efeito duradouro resulta, por um lado, da inserção sistemática do preceito em apreço e do tipo de actos aí elencados, mas também da posição assumida pela jurisprudência quanto ao recorte legal e doutrinário do tipo de actos elencados no artigo 327.º do Código Civil.

Note-se que, no que respeita às “ notificações”, em que a Meritíssima Juíza a quo inclui a recepção da declaração da situação contributiva pedida pela Recorrente, nem mesmo após a prolação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/98, de 23-3-1998, vingou um aposição uniforme quanto às situações em que uma notificação judicial avulsa produz efeito interruptivo, subsistindo uma posição significativa na jurisprudência que exige que desta resulte claramente que através da prática do acto porque o devedor optou por dirigir-se ao devedor, resulte claro que se assume como titular de um direito e que essa actuação tenha em vista desencadear uma futura actuação da parte deste.

Ora, no caso concreto, é de sublinhar que embora se venha entendendo há muito que o processo executivo tem natureza judicial, também este Supremo Tribunal Administrativo vem reafirmando que nele são praticados pelas autoridades administrativas actos que não têm natureza jurisdicional - como é o caso o envio de uma declaração emitida na sequência de um pedido formulado pela Recorrente para ser informado da sua situação contributiva perante a Segurança Social- que, todavia, chegando ao conhecimento do devedor, têm efeito interruptivo (cfr. artigos 103.º da LGT e artigos e diplomas especiais supra identificados).

Em suma, sem prejuízo de reconhecermos que a actividade administrativa desenvolvida na sequência desse pedido constitua uma diligência objectiva e subjectivamente administrativa, o certo é que não constitui nem uma citação (que nunca foi realizada entre 2001 e 2015), nem uma notificação ou acto equiparável para efeito de lhe ser reconhecida a potencialidade de interromper, de forma duradoura, o curso do prazo prescricional nos termos do artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil.

Aliás, no que respeita a diligências administrativas capazes de produzir efeitos duradouros este Supremo Tribunal Administrativo vem sendo extremamente rigoroso, reconhecendo recorrentemente o efeito duradouro da citação em processo de execução fiscal por dívidas à Segurança Social mas excluindo, também recorrentemente, o reconhecimento do efeito duradouro a um conjunto de diligências praticados no âmbito do processo executivo, incluindo a notificação do devedor para efeitos de audição prévia (que em rigor devem ser acompanhados de um projecto de decisão em que o Instituto se assume claramente como detentor de um direito e a situação e decisão se mostra, ainda que sob a forma de projectado, devidamente definida e fundamentada) e, até, a própria notificação do devedor, mediante ofício, para pagamento da dívida exequenda (Acórdão da Secção de Contencioso Tributário de 29 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 956/16, integralmente disponível em www.dgsi.pt), o que, como está bem de ver, nem sequer foi o caso da diligência cujos efeitos ora curamos de determinar.

Temos, pois, que à diligência administrativa em apreço deve ser reconhecido tão só um efeito interruptivo instantâneo, o que significa que, tendo o prazo de prescrição sido interrompido a 11-4-2008, se nenhum outro facto interruptivo se tiver apurado – e pode ser relvado por a limitação do n.º 3 do artigo 49.º da LGT apenas se aplicar aos factos interruptivos com efeito duradouro, o que vimos não ser o caso – as dívidas em causa prescreveram a 11-4-2013, bem antes da prolação do despacho do recorrido que não reconheceu a prescrição.

Duas últimas notas nos cumpre ainda realizar face ao probatório e à questão que fomos chamados a apreciar.

A primeira relativa ao relevo que a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta deu à factualidade vertida na alínea j) do probatório, da qual, associada à “confissão” exarada no artigo 11.º, extrai a conclusão, se bem interpretamos a sua pronúncia, de que se teria verificado um segundo facto interruptivo que não podia ser relevado por implicar alteração da matéria de facto, bem como ao entendimento que perfilhou de que, de todo o modo, é inútil o seu apuramento porque o resultado em termos de decisão de verificação da prescrição é o mesmo, já que, entre 15-3-2010 (data de declaração da prescrição) e 12-11-2015 (data do despacho que não reconheceu aquela prescrição), ter decorrido período de tempo superior ao prazo de prescrição.

Desde já se diga que se a questão fosse apenas de falta de apuramento do facto ou, mais rigorosamente, de défice instrutório ou insuficiência de factos capazes de permitir a este Supremo Tribunal sindicar a valia do julgado, se imporia a baixa dos autos para que, instruído o processo e reformulado o probatório, se decidisse em conformidade.

Acontece porém que não só não há défice instrutório como, mesmo que se verificasse, se devia ter por irrelevante e inútil a instrução probatória a ele atinente.

Não há défice instrutório porque uma declaração de prescrição de uma dívida não constitui, per se, nenhuma diligência administrativa tendente à cobrança da dívida, antes uma mera confirmação de que havia uma dívida que deixou de ser cobrável. E nessa declaração se esgota a diligência realizada, não podendo, pois, nesta medida, atribuir-se-lhe efeito interruptivo do prazo de prescrição.

De todo o modo, concordamos inteiramente com a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, quando afirma que sempre seria inútil qualquer alteração da matéria de facto, uma vez que, mesmo que o ofício recepcionado pelo Recorrido, a 13 de Março de 2010, constituísse diligência administrativa e, consequentemente, lhe fosse atribuído potencial interruptivo, o efeito instantâneo que lhe está associado, por força do n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil, conduzir-nos-ia ao mesmo resultado em termos de verificação de prescrição, já que, mais uma vez, como muito bem diz, a 12-11-2005 também o novo prazo de prescrição de cinco anos legalmente consagrado iniciado naquela data já se teria completado.

A segunda nota prende-se com a factualidade apurada na alínea i) do probatório - de que decorre que a 24.07.2008, a aqui Reclamante apresentou oposição às execuções fiscais n° 1101200602060949 e apensos e 1101200602060957 e apensos – para que fique claro que, conforme resulta da alínea m) dos factos apurados, não foi prestada garantia bancária e, consequentemente, o efeito suspensivo previsto no artigo 49.º, n.º 1, al. b) da LGT também se não verificou.

Em conclusão, o Tribunal a quo ao não julgar totalmente prescritas as dívidas que constituem objecto do despacho reclamado errou, impondo-se, em conformidade, a revogação da sentença recorrida.

E, em conformidade com o pedido realizado, determinar que todos os valores monetários ilegalmente aplicados nas dívidas prescritas, após 14-3-2013, que se encontram identificados nas alíneas j), K) e l) do probatório, sejam devolvidos à Recorrente, por tal actuação se apresentar como ostensivamente ilegal se tivermos em atenção que a referida aplicação ocorreu no âmbito de processos cujas dívidas o próprio Recorrido havia anterior e expressamente declaradas prescritas.

Registe-se que este Supremo Tribunal Administrativo já por diversas vezes afirmou que a “omissão, por parte do órgão da execução fiscal, do dever de declarar prescrita a dívida no momento oportuno e de se abster da prática de posteriores actos executivos, constitui (…) um facto ilícito à luz do conceito de ilicitude previsto no art. 9º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro (Diploma que estabelece o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública), que gera o direito de o lesado ser indemnizado pelos danos causados por esse acto omissivo que constitui o facto ilícito. Por isso, como bem esclarece JORGE LOPES DE SOUSA (In “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas”, áreas Editora, página 29.), «Consubstanciando o prosseguimento indevido da execução um facto ilícito, está-se perante um acto gerador de responsabilidade civil extracontratual, que pode ser efectivada através de acção de indemnização», acção que é da competência dos tribunais da administrativos em conformidade com a doutrina firmada no acórdão do STA (Plenário) de 10/09/2014, no processo nº 0621/14. E como frisa esse Ilustre Juiz Conselheiro, embora a administração tributária não esteja dispensada do dever de devolver, oficiosamente ou a requerimento do interessado, aquilo que indevidamente foi cobrado, essa devolução não se insere no âmbito do processo de execução fiscal, que termina quando a dívida é cobrada (Obra citada, página 30)”. (Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 10 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 1323/14, integralmente disponível em www.dgsi.pt)

Esta doutrina, que subscrevemos integralmente, é, todavia, directamente dirigida às situações em que o pagamento das dívidas foi integralmente realizado e os processos executivos já foram declarados extintos, não existindo, nessas circunstâncias, fundamento legal para anular os actos impugnados nem, consequentemente, determinar a devolução dos montantes ilegalmente aplicados.

No caso, não estando o processo de execução fiscal extinto nada obsta, como igualmente este Supremo Tribunal Administrativo também tem vindo a decidir, (Neste sentido, acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 954/17, integralmente disponível em www.dgsi.pt)


a que o pedido de devolução dos referidos valores ilegalmente aplicados não seja deferido, o que, a final, se determinará.

Procedendo, pois, as conclusões do presente recurso jurisdicional, há que julgar este integralmente procedente.

4. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, concedendo provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, em conformidade:

a) Anular o despacho objecto da presente reclamação, na parte em que ainda subsistia na ordem jurídica, julgando integralmente prescritas as dívidas relativas ao período de tempo compreendido entre Março de 2003 e Novembro de 2015;

b) Ordenar a devolução à Recorrente de todos os valores monetários penhorados aplicados após 11 de Abril de 2013 nas dívidas declaradas prescritas.

Custas pelo Recorrido, em 1ª instância e em recurso, com dispensa de taxa de justiça por não ter contestado nem oferecido contra-alegações.

Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Março de 2021. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.