Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01004/11
Data do Acordão:06/27/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
PRÉDIO RÚSTICO
PRÉDIO URBANO
PEDREIRA
ERRO DE ESCRITA
Sumário:I - Ainda que na parte decisória da sentença se tenha deixado escrito que se anulavam as liquidações impugnadas e os actos impugnados sejam de avaliação, nada obsta à correcção do manifesto lapso, ao abrigo do disposto no art. 249.º do CC.
II - A mera não afectação ou não destinação normal de um prédio rústico, situado fora de aglomerado urbano, a uma utilização geradora de rendimentos agrícolas não basta, só por si, para “desclassificar” o prédio como rústico e classificá-lo como urbano, antes se exigindo que, nos casos em que não tenha tal afectação, o prédio não se encontre construído ou disponha apenas de edifícios ou construções de carácter acessório.
Nº Convencional:JSTA00067709
Nº do Documento:SA22012062701004
Data de Entrada:11/10/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIMI03 ART6 N1 N2 N3 N4 N6
CIRS01 ART8 N3
CCPIIA63 ART5
CCIV66 ART204 N2 ART249
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1109/11 DE 2012/05/30
Referência a Doutrina:DUARTE MORAIS - SOBRE O IRS 2ED PAG116.
SÁ GOMES - OS CONCEITOS FISCAIS DE PRÉDIO CADERNOS DE CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL 54.
SILVÉRIO MATEUS E CORVELO DE FREITAS.
SALGADO MATOS - CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES ANOTADO INSTITUTO SUPERIOR DE GESTÃO 1999.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……., S.A.” (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrida), discordando dos actos de fixação do valor patrimonial tributário relativamente a dois prédios, impugnou esses actos com fundamento na inexistência dos pressupostos que autorizariam a avaliação dos mesmos, uma vez que sustenta, contrariamente ao que considerou a Administração tributária (AT), que os mesmos não podem ser qualificados como prédios urbanos.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou a impugnação judicial procedente e anulou os actos impugnados.

1.3 A Fazenda Pública não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. Vêm impugnados os actos de avaliação dos prédios urbanos, artigos 3567, e 3568, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Vila das Aves, Santo Tirso, que se encontram a ser explorados industrialmente como pedreiras.
B. É fundamento da impugnação, tempestivamente apresentada, o entendimento de que os imóveis a que dizem respeito as avaliações devem ser classificados fiscalmente como prédios rústicos, nos termos do art. 3.º, n.º 3, al. b) do Código do IMI - CIMI, e não como urbanos, nos termos do art. 6.º, n.º 1, al. d) do mesmo Código, ainda que se encontrem a ser explorados como pedreiras.
C. Na douta sentença de que se recorre julgou-se a presente impugnação procedente, aderindo às alegações e ao Parecer junto pela Impugnante, considerando que os prédios em causa devem considerar-se prédios rústicos.
D. Com o assim decidido, não se conforma a Fazenda Pública, existindo erro na aplicação das normas legais aos factos, e lapso quanto à anulação de liquidações, quando o que está em causa é a classificação dos prédios acima identificados e respectivas avaliações.
E. No âmbito do IMI, a classificação dos prédios obedece a critérios próprios, concordantes com a noção que já lhes era dada pelo Código da Contribuição Autárquica (CCA), os quais são, no entanto, diferentes do conceito civilista, previsto no art. 204.º do Código Civil.
F. No que respeita ao conceito fiscal de prédio diga-se em súmula que o art. 2.º do CIMI constitui um exemplo da ressalva da parte final do n.º 2 do art. 11.º da LGT, que admite a interpretação de certos conceitos jurídicos seja feita afastando-se do sentido usual que têm em outros ramos de direito.
G. Desde logo, para os prédios serem classificados como rústicos relevam a localização e o destino económico.
H. Como se refere no próprio preâmbulo do CIMI, “nos prédios rústicos, continua a considerar-se como base para a tributação o seu potencial rendimento produtivo”.
I. Quanto à localização, releva a situação fora ou dentro de um aglomerado urbano.
J. Quanto ao destino económico, não sendo de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do art. 6.º do CIMI, ou têm uma utilização geradora de rendimentos agrícolas ou, não tendo nenhuma utilização agrícola, não se encontram construídos ou apenas dispõem de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
K. Pelo disposto em todo o art. 3.º do CIMI, para serem rústicos os prédios ou têm uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, concreta ou não geram qualquer outro rendimento, isto é, ou têm aptidão para gerar rendimentos agrícolas, ou não têm ou não podem ter uma utilização geradora de quaisquer outros rendimentos.
L. O n.º 2 do referido art. 3.º refere, inclusive, que, estando situados dentro de aglomerado urbano, só são considerados rústicos se por força de disposição legalmente aprovada não puderem ter utilização geradora de quaisquer rendimentos – doutro modo, são urbanos.
M. Quer-se dizer: sempre que o art. 3.º do CIMI se refere a alguma actividade económica para classificar um dado prédio como rústico, para este efeito aquela deve ser geradora de rendimentos agrícolas, tal como considerados em IRS.
N. Não estando afectados a utilização geradora de rendimentos agrícolas, os terrenos situados fora de aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção só poderão ser classificados de prédios rústicos se, não tendo uma utilização geradora de outros rendimentos, dispuserem apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor, sem estarem afectos ou terem como destino normal uma qualquer outra actividade económica.
O. Se tais prédios estiverem afectos a qualquer outra actividade económica, que não a agrícola, serão classificados como urbanos (campo de golfe, parque de campismo, campo de jogos, exploração de pedreiras, exploração de parqueamento automóvel, ciclovias, etc.)
P. Se se sufragasse o entendimento da impugnante, qualquer que fosse a actividade económica que se exercesse num prédio rústico situado fora de um aglomerado urbano tal não determinaria a sua classificação como prédio urbano, seria sempre um prédio rústico.
Q. Esse entendimento levaria à constatação de que, fora dos aglomerados urbanos, só seriam prédios urbanos os que tivessem, construção de edifícios habitacionais, comerciais, industriais ou serviços, desde que não fossem de carácter acessório, não tivesse autonomia económica ou fossem de reduzido valor.
R. Manifestamente não é esse o sentido e alcance da lei, considerada no conjunto de normas vertidas no art. 3.º do CIMI, que delimita o conceito de prédio rústico.
S. Do teor do art. 6.º, retira-se que enquanto os n.ºs 2 e 3 indicam as realidades a considerar prédios urbanos habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, ou terrenos para construção, o n.º 4 afirma que aceita na categoria Outros as realidades nele exemplificadas, e dá espaço a que outras se subsumam à sua previsão.
T. Temos por mais acertada, com todo o respeito devido por diferente opinião, a tese de que se mostra como essencial o destino económico do bem,
U. sendo que, as conclusões retiradas pela impugnante apenas o podem ser, na circunstância de o prédio não estar efectivamente afecto a uma actividade económica diferente da agrícola (quando não tem qualquer utilização geradora de rendimentos).
V. O conceito de prédio rústico é restritivo, apenas se incluindo nesta designação os prédios que realmente só tenham rendimentos agrícolas, que não tendo esses rendimentos tenham aptidão para os produzir, ou então que não tenham qualquer rendimento de outra actividade económica.
W. A tributação almeja a realização de outros fins e o cumprimento de diferentes objectivos que não os da exclusiva satisfação das necessidades financeiras do Estado, nos termos consagrados ao nível da lei fundamental, reafirmados na Lei Geral Tributária e repercutidos no regime legal de tributação do património, designadamente na classificação dos prédios e respectiva tributação.
X. Desta forma, o disposto nos art. 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 3 da CRP, art. 4.º, n.º 1 e art. 5.º da LGT, legitima e justifica a diferença de regras na tributação do património quanto a prédios rústicos e urbanos,
Y. sendo manifesto que se pretendeu aplicar as regras de tributação e avaliação dos prédios rústicos apenas àqueles que reúnem determinado tipo de características susceptíveis de os confinar à obtenção de rendimentos agrícolas ou à não obtenção de outros quaisquer rendimentos.
Z. Não se justifica a aplicação das regras de determinação do valor patrimonial e da tributação aplicada aos rústicos, a prédios cuja utilização esteja afecta a outra actividade que seja geradora de rendimentos nessa outra qualquer actividade económica, como é o caso da indústria de exploração de pedreiras.
AA. E naqueles prédios desenvolve-se efectivamente uma actividade industrial de extracção de pedras, destinadas a fins comerciais e industriais, geradora de rendimento sem qualquer ligação com rendimentos agrícolas.
BB. Sendo também verdade que a licença de estabelecimento de pedreira da recorrente concedida de acordo com o estabelecido nos diplomas, de licenciamento das pedreiras, bem como a sua revogação e a fiscalização do seu funcionamento compete às DRME no âmbito do Ministério da Economia, e não do Ministério da Agricultura sendo aquele Ministério que superintende na actividade em causa e não este (cfr. artigos 2.º, 9.º, 18.º, 29.º e 46.º do Decreto-Lei n.º 89/90 e 8.º, 12.º e 13.º do Decreto- Lei n.º 109/91).
CC. Em tais prédios não se produz, nem pode produzir-se qualquer actividade agrícola, silvícola ou pecuária, não têm qualquer aptidão agrícola, nem tem, nem podem ter actividade geradora de rendimentos agrícolas.
DD. A douta sentença de que se recorre fez assim errada aplicação no caso concreto das disposições legais vigentes à realidade dos prédios em causa, nomeadamente na aplicação dos arts. 3.º, e 6.º nº.1 al. d) do CIMI, pelo que deve ser revogada, sendo de manter os actos administrativos de avaliação dos prédios urbanos, impugnados neste autos, (1.ª avaliação) determinantes do valor patrimonial dos prédios urbanos em causa.
Termos em que
Deve a douta sentença de que se recorre ser revogada, e a final ser a presente impugnação julgada improcedente, com as legais consequências».

1.5 A Impugnante apresentou contra alegações, que resumiu no seguinte quadro conclusivo:
«
i. A Recorrida deduziu a presente acção de impugnação judicial contra os actos de avaliação, como urbanos, dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Aves sob os artigos P-3567 e P-3568;
ii. O presente recurso foi, assim, interposto no âmbito desse processo de impugnação judicial, que correu os seus termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel sob o número de processo 688/10.4BEPNF;
iii. Com efeito, interpôs a Fazenda Pública, ora Recorrente, recurso da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 11 de Julho de 2011, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida e, em consequência, declarou ilegais os actos tributários de avaliação, como urbanos, dos prédios inscritos na matriz urbana da freguesia de Aves, concelho de Santo Tirso, sob os artigos 3567 e 3568, corporizados nas fichas de avaliação n.º 3167858 e 3167859, determinando, consequentemente, a respectiva anulação;
iv. Concretizando, entendeu o Tribunal a quo que “(...) os imóveis a que dizem respeito as avaliações em causa devem ser classificados fiscalmente como prédios rústicos, nos termos do art. 3.º, n.º 3, al. b) do Código do lMl — CIMI e não como urbanos (…)”, pelo que “(...) nada obsta, de acordo com a referida disposição legal, que os prédios sub judice, propriedade da ora Impugnante, sejam classificados como rústicos, pois os mesmos preenchem os normativos em causa (não se encontram em aglomerados urbanos, não são terrenos para construção e não têm qualquer construção)”;
v. Não obstante, a Representante da Fazenda Pública invoca, nas respectivas alegações de recurso, que a indicada Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel padece de “uma errada aplicação no caso concreto, das disposições legais vigentes à realidade dos prédios em causa, nomeadamente na aplicação dos artº 3.º e 6.º, n.º 1 al. d) do CIMI, pelo que deve ser revogada (…)”;
vi. Todavia, ficou aqui devidamente comprovado que as razões esgrimidas pela Recorrente carecem de total fundamento, devendo, nessa medida, improceder em toda a linha o Recurso ora sob resposta, sendo, ao invés, de confirmar a douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel nos seus exactos termos;
vii. Desde logo na medida em que, em face da delimitação positiva do conceito fiscal de prédio rústico, a classificação dos prédios em urbanos (artigos 4.º e 6.º do Código do IMI) e mistos (artigo 5.º do mesmo diploma legal) assume natureza meramente residual. Por outras palavras, são os próprios prédios urbanos que, enquanto categoria, são residuais face aos prédios rústicos, O que significa que são classificados como tal todos os prédios que, de acordo com os critérios constantes da lei, não sejam susceptíveis de ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto quanto aos prédios mistos;
viii. Assim, só se um prédio não for classificado como rústico é que (residualmente) se classifica como urbano; e só se um prédio urbano não for enquadrado numa das sub-categorias (i) habitacional, (ii) comercial, industrial ou serviços ou (iii) terreno para construção), é que terá o enquadramento — duplamente residual — de (iv) outro prédio urbano;
ix. Tendo presente o exposto, são considerados como prédios rústicos os terrenos que (i) se situem fora de um aglomerado urbano; (ii) que não sejam de classificar como terrenos para construção; e que (iii) tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas ou, caso não tenham essa afectação, que não se encontrem construídos ou tenham construções de carácter acessório;
x. Não é, assim, estabelecido como requisito essencial para a qualificação e classificação de um prédio como rústico, que o mesmo seja afecto ao rendimento agrícola; antes é estipulado que se verifique, alternadamente, esta condição - prédios afectos ao rendimento agrícola - ou, caso tal não aconteça, que não tenham qualquer construção;
xi. Conclui-se, pois, que nada obsta a que os prédios sub judice, propriedade da ora Recorrida, sejam classificados como rústicos, pois os mesmos cumprem todos os requisitos de que a lei faz depender a sua classificação, pela positiva, como prédios rústicos (não se encontram em aglomerados urbanos, não são terrenos para construção e não têm qualquer construção);
xii. Com efeito, tratam-se de prédios (i) situados fora de um aglomerado urbano, (ii) não classificados como terrenos para construção, (iii) que não têm como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas (como definidos no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares - IRS) e que (iv) dispõem apenas de construções de carácter acessório sem autonomia económica;
xiii. Termos em que os prédios em causa são prédios rústicos, nos termos em que tais prédios são classificados pela alínea b), do n.º 1, do artigo 3.º do Código do IMI;
xiv. Acresce que, a Administração Fiscal errou, ainda, na qualificação da categoria em que se enquadram esses prédios, por o próprio artigo 6.º, n.º 4 do Código do IMI (que vem esclarecer a amplitude da previsão da alínea d) referente a classificação residual destes tais “outros” prédios) vir estipular que apenas se enquadram nesta previsão os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, que não sejam terrenos para construção, nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2, do artigo 3.º do Código do IMI;
xv. Termos em que, quer por aplicação directa do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 3.º, quer por aplicação, a contrario, do referido no n.º 4, do artigo 6.º, ambos do Código do IMI, a conclusão terá que ser, necessariamente a mesma: os prédios da Recorrida, ora sob sindicância, são prédios rústicos, ao abrigo do disposto no Código do IMI;
xvi. Adicionalmente, verifica-se que os conceitos adoptados pela Lei Fiscal em relação à definição de prédios urbanos e rústicos não foram afastados dos conceitos do CC, o que resulta quer da interpretação dos artigos 2.º a 6.º do Código do IMI, quer da interpretação do artigo 8.º do Código do IRS, que reproduz a definição civilística de prédio rústico e urbano;
xvii. No mais, são considerados prédios rústicos os prédios que não têm qualquer edificação ou construção (ou que não tenham qualquer possibilidade de os ter) e prédios urbanos os restantes, tendo o intérprete o ónus de prova de que assim não seja;
xviii. No caso das pedreiras e saibreiras - apesar de não ter sido feita qualquer prova de que as mesmas deveriam ter um tratamento excepcional em relação aos conceitos delimitados pelo CC - tal tratamento não teria qualquer justificação em termos de direito fiscal, por estas pedreiras e saibreiras - ou, no limite, as pedreiras dos prédios objecto da presente Impugnação - serem terrenos sem qualquer edificação ou construção, cujo rendimento é aferido pela extracção de minerais do próprio solo, não tendo estes prédios sofrido qualquer intervenção humana para gerar este aproveitamento económico, incluindo uma exploração das propriedades naturais dos terrenos, tal como é o caso das salinas, que também são considerados prédios rústicos para efeitos fiscais;
xix. O facto de esta actividade ser uma actividade comercial e industrial, e não uma actividade agrícola, não poderá influir como critério para que o prédio seja considerado urbano e não rústico, por o rendimento dos prédios não dever ser considerado como critério para proceder à sua classificação em termos de IMI, que deverá tributar o valor patrimonial dos terrenos e não o seu rendimento;
xx. Nestes termos, não há qualquer razão justificativa para que as pedreiras sejam consideradas como prédios urbanos, quer em termos civilísticos – onde a sua classificação tem necessariamente de ser como prédio rústico – quer em termos de lei tributária, não tendo a Circular procedido a qualquer justificação para que prédios com esta actividade (de pedreira) devam ser classificados como urbanos (a menos que tal Circular se aplique apenas às pedreiras e saibreiras situadas dentro dos aglomerados urbanos, o que se admite);
xxi. É, deste modo, ilegal o acto tributário de avaliação dos valores patrimoniais tributários dos prédios anteriormente identificados, com recurso às normas aplicáveis à avaliação de prédios urbanos;
xxii. Por fim, importa referir que da leitura dos artigos 13.º, n.º 3, alínea a) e 37.º do Código do IMI decorre que a Administração Fiscal só pode promover uma nova inscrição matricial verificada uma das situações contempladas nas alíneas do n.º 1 do referido artigo 13.º, maxime a conclusão de obras de edificação, mudança de proprietário ou, em geral, ter ocorrido “um evento susceptível de determinar uma alteração da classificação de um prédio” (alínea b)).
xxiii. E não, claro está, à superveniência de um novo entendimento jurídico sobre determinada realidade, sob pena do sujeito passivo ser confrontado com sistemáticas alterações ao registo matricial dos prédios de que é proprietário, ao sabor dos entendimentos alternados dos dirigentes da Administração Fiscal.
xxiv. Em razão do que deverão tais actos tributários ora impugnados ser anulados, nos termos peticionados.

nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de v. exas., deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pela recorrente, e assim, confirmada a douta sentença recorrida, nos seus exactos termos».

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto remeteu para o parecer emitido pelo Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª instância, no sentido de que a impugnação judicial devia ser julgada procedente.

1.7 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 A questão suscitada pela Recorrente e de que cumpre conhecer é a de saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que os actos de fixação de valor patrimonial impugnados são ilegais por inexistência dos pressupostos para a avaliação, o que, como veremos, passa por verificar se os prédios avaliados podem ser fiscalmente qualificados como prédios urbanos.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«A - Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:

1.º - A ora Impugnante é proprietária dos prédios originariamente inscritos na matriz predial rústica da freguesia de Aves sob os artigos 102 a 106, destinados à extracção de granitos ornamentais e rochas similares.

2.º - Com base nos elementos fornecidos pelo Ministério da Economia à Direcção de Finanças do Porto, foi levada a efeito acção inspectiva à Impugnante, tendo os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) constatado que os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos 102 a 106 da freguesia de Aves, Concelho de Santo Tirso, se encontravam afectos à actividade de exploração de pedreiras.

3.º - Para esse efeito, a Impugnante é detentora, desde o ano de 2001, de licença de exploração, com o n.º 4806, designada Sobrado 1, localizada na freguesia de Vila das Aves, Concelho de Santo Tirso.

4.º - A ora Impugnante foi notificada pelos SIT para dar cumprimento ao disposto no art. 13.º do CIMI, com efeitos a partir do ano de 2001.

5.º - Não o tendo feito, o Chefe do Serviço de Finanças da área da localização dos prédios, Santo Tirso, promoveu oficiosamente a avaliação dos mesmos, em conformidade com o disposto no art. 37.º do CIMI.

6.º - Os prédios foram avaliados em 22.06.2010, tendo-lhes sido atribuídos os artigos urbanos P-3567 e P-3568 e o VPT de 117.000,00 euros e 3.380,00 euros, respectivamente, crf. notificação efectuada à Impugnante através dos Ofícios 682995 e 6823644, ambos datados de 29/06/2010 e recepcionados em 07/07/2010 e 08/07/2010 - cfr. teor de docs. de fls. 38 a 40 dos autos.

7.º - O resultado da avaliação encontra-se expresso nas fichas de avaliação n.ºs 3167858 e 3167859 - cfr. docs. de fls. 38 e 40 dos autos.

B - Factos não provados com relevância para a decisão da causa:

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa».

*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A questão ora sub judicio foi já apreciada e decidida por acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Maio de 2012, proferido no processo com o n.º 1109/11 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/203f79cabcda0c5c80257a1a004edf3e?OpenDocument) em recurso em tudo semelhante a este – a Recorrente e a Recorrida são as mesmas e as alegações e contra alegações são absolutamente idênticas –, sendo apenas que os prédios sujeitos a avaliação são outros.
Porque concordamos plenamente com a fundamentação aduzida naquele acórdão, iremos limitar-nos a remeter para ela, reproduzindo-a na íntegra, o que passamos a fazer (Por razões de ordem prática, as notas de rodapé seguirão a numeração do presente acórdão e não do original. ):

«3.1. Como flui do Probatório, a AT promoveu oficiosamente a avaliação dos prédios em causa nos autos, considerando que os mesmos têm natureza de prédios urbanos (na categoria “outros” – al. d) do n.º 1 do art. 6.º do CIMI), por estarem afectos à exploração de pedreiras, que configura uma actividade industrial e, assim, determina aquela classificação.
A sentença recorrida veio, porém, a decidir pela anulação das «liquidações impugnadas» por, em síntese, entender o seguinte:
- Nos termos do art. 4.º do CIMI são prédios urbanos todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos.
- Os prédios urbanos podem dividir-se em habitacionais, comerciais, terrenos para construção e “outros” (art. 6.º, n.º 1 do CIMI) enquadrando-se no conceito de “outros” os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano (n.º 4 deste art. 6.º).
- No caso, os prédios foram avaliados como urbanos na categoria de «outros», mas não deviam ter tido essa classificação dado que se situam fora do aglomerado urbano, não têm uma afectação geradora de rendimentos agrícolas e não se encontram construídos. Pelo que, encontrando-se os mesmos inscritos nas respectivas matrizes como prédios rústicos, não deveria ter ocorrido alteração destas já que não ocorreu qualquer evento que fosse susceptível de determinar uma alteração da classificação dos mesmos, sendo que também não pode entender-se que a Circular n.º 13, de 24/5/2000 (que sancionou o entendimento da AT no sentido de que um prédio rústico afectado à exploração de uma pedreira ou saibreira deverá ser classificado como prédio urbano na categoria de «outros»), seja evento susceptível de determinar a alteração da classificação do prédio.
- Assim, não existindo qualquer razão justificativa para que as pedreiras sejam consideradas como prédios urbanos, é ilegal o acto tributário de avaliação dos valores patrimoniais tributários dos prédios identificados, com recurso às normas aplicáveis à avaliação dos prédios urbanos.

3.2. A Fazenda Pública discorda sustentando que sempre que o art. 3.º do CIMI se refere a alguma actividade económica para classificar um dado prédio como rústico, para este efeito aquela deve ser geradora de rendimentos agrícolas, silvícolas ou de pecuária tal como considerados em IRS, pelo que, não estando afectados a utilização geradora de rendimentos agrícolas, os terrenos situados fora de aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, só poderão ser classificados de prédios rústicos se, não tendo uma utilização geradora de outros rendimentos, dispuserem apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor, sem estarem afectos ou terem como destino normal uma qualquer outra actividade económica. Se tais prédios estiverem afectos a qualquer outra actividade económica, que não a agrícola, serão classificados como urbanos.
O conceito de prédio rústico é restritivo, apenas se incluindo nesta designação os prédios que realmente só tenham rendimentos agrícolas, que não tendo esses rendimentos tenham aptidão para os produzir, ou então que não tenham qualquer rendimento de outra actividade económica.
Até porque a sufragar-se o entendimento da impugnante, qualquer que fosse a actividade económica que se exercesse num prédio rústico situado fora de um aglomerado urbano, tal nunca determinaria a sua classificação como prédio urbano (seria sempre um prédio rústico), ou seja, fora dos aglomerados urbanos, só seriam prédios urbanos os que tivessem construção de edifícios habitacionais, comerciais, industriais ou serviços, desde que não fossem de carácter acessório, não tivessem autonomia económica ou fossem de reduzido valor; sendo que, manifestamente, não são esses o sentido e alcance da lei, considerados no conjunto de normas vertidas no art. 3.º do CIMI, que delimita o conceito de prédio rústico.
Ou seja, do teor do art. 6.º retira-se que enquanto os n.ºs 2 e 3 indicam as realidades para considerar prédios urbanos habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, ou terrenos para construção, o n.º 4 afirma que aceita na categoria «outros» as realidades nele exemplificadas, e dá espaço a que outras se subsumam à sua previsão.

3.3. A questão a decidir no presente recurso é, portanto, a de saber se os actos de fixação de valor patrimonial impugnados são ou não ilegais por inexistência dos respectivos pressupostos (ou seja, por inexistência dos pressupostos para a avaliação).
Vejamos.

4.1. Diga-se desde já que, apesar de na parte dispositiva da sentença se determinar a anulação das «liquidações impugnadas», estamos perante manifesto erro material, revelado no próprio contexto da declaração, pois que, como da fundamentação da sentença bem se vê, o que se impugnou foram os referidos actos de fixação de valor patrimonial (Veja-se que, logo em sede de apreciação da questão prévia sobre a propriedade do meio processual empregue – imediata impugnação do valor patrimonial dos ditos prédios, apesar de não ter sido requerida a 2ª avaliação – a sentença diz que «A Impugnante não pretende impugnar o quantitativo da avaliação feita aos prédios nos termos das regras do Código do IMI aplicáveis aos prédios urbanos, mas a impossibilidade de se classificar tais prédios como urbanos, independentemente do quantitativo da liquidação feita» e que «Assim, tendo a presente Impugnação Judicial por fundamento um diferendo na apreciação jurídica da classificação dos prédios em questão e, não o quantitativo da sua avaliação, a impugnação judicial directa, autónoma e própria dos mesmos é, o meio processual correcto»; e, além disso, na parte final da fundamentação também se exara o seguinte: «É deste modo, ilegal o acto tributário de avaliação dos valores patrimoniais tributários dos prédios identificados, com recurso às normas aplicáveis à avaliação dos prédios urbanos. Pelo que, procede a presente Impugnação, nos termos peticionados»..) Pelo que, visto o disposto no art. 249.º do CCivil, se rectifica tal erro, no sentido de que onde se diz «liquidações impugnadas» se deve entender como sendo «os actos de fixação de valor patrimonial impugnados».

4.2. O art. 2.º do CIMI dispõe:
«1. Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2. Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3. (…)
4. (…)»
Por sua vez, os arts. 3.º, 4.º e 6.º do mesmo CIMI, estabelecem o seguinte:
Artigo 3.º - Prédios rústicos
«1. São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2. São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.
….
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.
4. Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.»
Artigo 4.º – Prédios urbanos
«Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.»
Artigo 6.º – Espécies de prédios urbanos
«1. Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2. Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3. Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4. Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.»

4.3. De acordo com o art. 2.º do CIMI o conceito de prédio assenta em três elementos: um elemento de natureza física (fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência), um elemento de natureza jurídica (exigência de que a coisa - móvel ou imóvel - faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva) e um elemento de natureza económica (exigência de que a coisa tenha valor económico em circunstâncias normais).
Trata-se de um conceito de prédio que diverge, quer do conceito de prédio constante do n.º 3 do art. 8.º do CIRS (No entanto, para Rui Duarte Morais («Sobre o IRS», 2ª edição, Almedina, 2008, p. 116) o CIRS não define o que é prédio, pelo que, numa interpretação sistemática, entendemos dever socorrer-nos da noção contida no CIMI. Isto porque «Na realidade, o nº 3 do art. 8º do CIRS apresenta as definições de prédio rústico, urbano e misto, para efeitos deste imposto. Além de tais noções, por demasiado simplistas, não procederem a uma delimitação rigorosa destes conceitos (cfr. os art. 3º a 6º do CIMI), existem realidades prediais não inseríveis em qualquer uma destas categorias (será o caso de prédios que não tenham como componente física uma fracção de solo))., quer do constante do n.º 2 do art. 204.º do CCivil (Neste âmbito, cfr. Nuno Sá Gomes, «Os Conceitos Fiscais de Prédio», in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 54 (e também publicado na Ciência e Técnica Fiscal nºs. 101 e 102 – Maio e Junho de 1967), estudo que embora reportando à evolução legislativa que culminou no antigo Código da Contribuição Predial, mantém alguma actualidade.).
No caso, não se questiona que as pedreiras constituam prédios para efeitos fiscais. O que se questiona é que sejam prédios urbanos, nos termos do art. 4.º e da al. d) do n.º 1 do art. 6.º, ambos do CIMI.
Ora, porque o conceito de prédio urbano constante do art. 4.º do CIMI é um conceito residual, relativamente ao de prédio rústico (pois que prédios urbanos são todos os que não devam ser classificados como rústicos) importa, então, em primeiro lugar, averiguar se os prédios dos autos podem, ou não, classificar-se como prédios rústicos.
Tais prédios estavam originariamente inscritos nas respectivas matrizes prediais rústicas (cfr. n.º 2 do Probatório) e a AT entendeu classificá-los como prédios urbanos, na categoria de “outros”, em face da indicação de que os mesmos estão afectos à exploração de pedreiras (actividade industrial que, segundo a AT, determina a qualificação de tais prédios como prédios urbanos) e a consequente avaliação (cfr. n.ºs 3 a 5 do Probatório).

4.4. O art. 3.º do CIMI (que corresponde ao art. 3.º do anterior CCAutárquica) estabelece uma definição positiva de prédio rústico, assumindo a classificação dos restantes prédios (em urbanos e mistos – cfr. arts. 4.º a 6.º do CIMI) natureza meramente residual: são assim classificados todos os que, de acordo com os critérios constantes do art. 3.º, não devam ser classificados como rústicos.
E como apontam Silvério Mateus e Corvelo de Freitas (Neste âmbito, cfr. Nuno Sá Gomes, «Os Conceitos Fiscais de Prédio», in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 54 (e também publicado na Ciência e Técnica Fiscal nºs. 101 e 102 – Maio e Junho de 1967), estudo que embora reportando à evolução legislativa que culminou no antigo Código da Contribuição Predial, mantém alguma actualidade)., na classificação de um prédio como rústico relevam duas ordens de critérios: a localização e o destino económico, sendo que, no que respeita à localização, a referência relevante se centra na situação do prédio dentro ou fora de aglomerados urbanos e no que respeita ao destino económico o prédio não deve ser classificável como terreno para construção, deve estar afecto ou ter como utilização normal a produção de rendimentos agrícolas [tais como estes são considerados para efeitos de IRS] (Note-se que, como refere André Salgado Matos [Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, Instituto Superior de Gestão, Coimbra Editora, 1999], embora a al. b) do nº 1 do art. 5º do CIRS considere como rendimentos agrícolas os lucros das actividades agrícolas, silvícolas ou pecuárias, os rendimentos imputáveis, entre outros, a actividades de exploração de «outros produtos espontâneos», esta referência deve ser entendida com alguma cautela, uma vez que estes nunca abrangerão as explorações mineiras e outras indústrias extractivas, referidas pela al. b) do nº 1 do art. 4º do mesmo CIRS.) ou, não tendo afectação agrícola, não se encontre construído ou disponha apenas de edifícios ou construções meramente acessórias sem autonomia económica e de reduzido valor.
Como se disse, a classificação de um prédio como urbano assume natureza residual (art. 4.º do CIMI): classificar-se-ão como urbanos todos os prédios que não integrem os conceitos de rústico ou misto, constantes dos arts. 3.º e 5.º, respectivamente (a delimitação da categoria de prédios urbanos é, pois, feita por via negativa).
E nos prédios classificados como urbanos compreendem-se diversas espécies, de acordo com o destino económico que lhes é atribuído: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção, «outros» (cfr. as diversas alíneas do n.º 1 do art. 6.º do CIMI, tendo sido nesta espécie «outros» que a AT classificou, ao abrigo da al. d) do n.º 1 deste artigo, os prédios aqui questionados).
Volvendo, pois, ao caso dos autos, verificamos que se trata, desde logo, de prédios situados fora de um aglomerado urbano (o que é aceite por ambas as partes) e que nem estão afectos nem têm como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como estes rendimentos são considerados para efeitos de IRS (al. a) do n.º 1 do art. 3.º do CIMI).
E se, em princípio, a não afectação a uma utilização geradora de rendimentos agrícolas poderia levar à desclassificação dos ditos prédios como rústicos, tal desclassificação é impedida pelo disposto na al. b) do mesmo n.º 1, que dispõe que os terrenos situados fora de aglomerado urbano também são classificados como prédios rústicos desde que, não tendo a afectação indicada na alínea anterior (isto é, desde que não tendo afectação a actividade geradora de rendimentos agrícolas), não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
É certo que, apesar de a impugnante ter alegado (cfr. art. 31.º da Petição Inicial) que os prédios em causa não têm qualquer construção ou edificação, excepto pré-fabricados ligeiros, insusceptíveis de serem classificados como edifícios ou construções, que são meramente acessórios à actividade da pedreira, tal factualidade não foi levada ao Probatório.
Contudo, também vem provado que o entendimento da AT no sentido de determinar a qualificação daqueles prédios como urbanos, na categoria de “outros” de acordo com o disposto no art. 6.º do CIMI, assenta na circunstância de a impugnante exercer nos ditos prédios uma actividade industrial.
Ora, sendo esta a fundamentação constante dos actos de avaliação, e sendo certo que, como se viu, a mera não afectação ou não destinação normal a uma utilização geradora de rendimentos agrícolas não basta para «desclassificar» o prédio como rústico e classificá-lo como urbano, antes se exigindo que, nos casos em que não tenha tal afectação, o prédio não se encontre construído ou disponha apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, é, então, de concluir que, estando os prédios dos autos classificados como prédios rústicos e não se verificando as circunstâncias referidas na al. b) do n.º 1 do art. 3.º do CIMI, não poderá tal classificação ser alterada (para prédios urbanos) em função do disposto nos arts. 4.º e 6.º do mesmo código (o art. 4.º limita-se a estabelecer que prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos e o art. 6.º limita-se a distribuir os prédios urbanos por várias espécies ou categorias).
Por isso, a mera afectação de prédios rústicos à exploração de pedreiras, saibreiras, argilas e fins análogos, não pode determinar, desde logo, a sua classificação como prédios urbanos, na mencionada categoria de «outros» prevista na al. d) do n.º l do art. 6.º do CIMI, como parece decorrer da Circular da DGCI n.º 13/2000, de 24/5/2000, invocada pela AT. Com efeito, não obstante essa afectação, a al. b) do n.º 1 do art. 3.º do CIMI classifica o prédio como rústico se o mesmo, estando situado fora de aglomerado urbano, não se encontrar construído ou dispuser apenas de edifícios ou construções de carácter acessório e sem autonomia económica e de reduzido valor.
Pressupostos estes que, no caso, a AT não provou.

4.5. É certo, também, que a recorrente Fazenda Pública alega (Conclusões K a O) que, do disposto no art. 3.º do CIMI, o que resulta é que, para serem rústicos, os prédios ou têm uma utilização concreta geradora de rendimentos agrícolas, ou não geram qualquer outro rendimento: isto é, ou têm aptidão para gerar rendimentos agrícolas, ou não têm ou não podem ter uma utilização geradora de quaisquer outros rendimentos. Tanto que o n.º 2 do mesmo art. 3.º refere que, estando situados dentro de aglomerado urbano, os prédios só são considerados rústicos se por força de disposição legalmente aprovada não puderem ter utilização geradora de quaisquer rendimentos.
No entanto, além de esta referência ao n.º 2 do art. 3.º colidir, desde logo, com o facto de, no caso dos autos, estarmos perante terrenos situados fora de aglomerado urbano, aquela alegação também colide, no mais, com o facto de, apesar de a al. a) do n.º 1 do citado artigo impor a afectação ou o destino normal a uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, logo a al. b) estabelecer que, nos casos em que assim não suceda, a classificação de rústico só se altera se o prédio estiver construído.
Ou seja, ao contrário do que sucedia no âmbito da Contribuição Predial, em que se considerava prédio urbano o que estava afecto a quaisquer outros fins (que não a agricultura), ou não pudesse destinar-se à agricultura (cfr. o § 2.º do art. 5.º do respectivo Código), não parece que decorra da actual lei que se tais prédios estiverem afectos a qualquer outra actividade económica que não a agrícola, devam, sem mais e apenas em face de tal afectação, ser classificados como urbanos, nem que o conceito de prédio rústico seja restritivo em termos de apenas se incluírem nesta designação os prédios que realmente só tenham rendimentos agrícolas, os que não tendo esses rendimentos tenham aptidão para os produzir ou então que não tenham qualquer rendimento de outra actividade económica (cfr. Conclusões P a DD das alegações de recurso).
A ser assim, ficaria destituída de sentido a norma da citada al. b), acrescendo que, como aponta a recorrida, face à classificação abrangente do termo «outros» constante da al. d) do n.º 1 do art. 6.º do CIMI, tem que entender-se o n.º 4 desse mesmo art. 6.º como uma delimitação necessária daquela classificação, duplamente residual, sob pena de se admitir uma interpretação tão ampla que seria violadora do princípio da legalidade do imposto.
Em suma, a sentença recorrida, ao decidir pela anulação dos actos de fixação de valor patrimonial impugnados, decidiu, em face dos factos provados, de acordo com a lei aplicável, improcedendo, portanto, as Conclusões do recurso».

É no apontado sentido que decidiremos também o presente recurso.

2.2.2 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, sendo a do n.º II decalcada do sumário do citado acórdão de 30 de Maio de 2012, proferido no processo com o n.º 1109/11:

I- Ainda que na parte decisória da sentença se tenha deixado escrito que se anulavam as liquidações impugnadas e os actos impugnados sejam de avaliação, nada obsta à correcção do manifesto lapso, ao abrigo do disposto no art. 249.º do CC.

II- A mera não afectação ou não destinação normal de um prédio rústico, situado fora de aglomerado urbano, a uma utilização geradora de rendimentos agrícolas não basta, só por si, para “desclassificar” o prédio como rústico e classificá-lo como urbano, antes se exigindo que, nos casos em que não tenha tal afectação, o prédio não se encontre construído ou disponha apenas de edifícios ou construções de carácter acessório.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência,

a) rectificar o erro de escrita verificado na parte decisória da sentença, de modo a que onde aí se escreveu liquidações impugnadas se leia actos de fixação de valor patrimonial impugnados;
b) negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

*
Lisboa, 27 de Junho de 2012. – Francisco Rothes(relator) – Valente Torrão – Dulce Neto.