Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01303/15
Data do Acordão:10/12/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:ANULAÇÃO DA VENDA
DESPACHO DE REVERSÃO
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I - Ainda que, posteriormente à venda efectuada em processo de execução fiscal de um bem penhorado ao responsável subsidiário que foi chamado à execução, tenha sido deferido o pedido por este formulado de anulação do despacho de reversão no que se refere às coimas, não se justifica a anulação da venda, se esta foi promovida também para cobrança de dívidas de outras proveniências.
II - Sendo certo que a venda pode ser anulada por efeito da anulação ou revogação de acto anterior a ela, para tanto exige-se também que a venda dependa em absoluto desse acto.
Nº Convencional:JSTA00069848
Nº do Documento:SA22016101201303
Data de Entrada:10/12/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:RGIT01 ART8.
CPPTRIB99 ART276 ART248.
CONST76 ART32 N10.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG185.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de incidente da anulação da venda com o n.º 1482/11.0BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 A…………. (a seguir Executado, Requerente ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a anulação da venda de um prédio urbano que lhe foi penhorado num processo de execução fiscal que, instaurado contra uma sociedade, reverteu contra ele por o Serviço de Finanças de Benavente o ter considerado responsável subsidiário pelas dívidas exequendas.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.3 O Recorrente apresentou as alegações do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. Porque a inconstitucionalidade gera sempre a nulidade;

2. Teremos de concluir que os actos praticados declarados inconstitucionais são nulos;

3. E consequentemente, reconhecida que seja a inconstitucionalidade, os mesmos são considerados como inexistentes na ordem jurídica.

4. Porque a declaração de inconstitucionalidade de um despacho de reversão de dívidas fiscais da devedora originária para os seus gerentes por falta do exercício do direito de defesa e do contraditório viola o n.º 10 do artigo 32.º da CRP;

5. Porque o direito de defesa no âmbito procedimento deste tipo é de tal modo importante que implica um regime especial em sede de vícios procedimentais;

6. Porque, sendo um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a sua violação determina a nulidade do acto final;

7. Teremos de concluir que essa violação implica a nulidade do despacho de reversão;

8. Porque a ilação a retirar da douta decisão do Venerando STA que declarou a inconstitucionalidade da reversão das coimas e determinou a anulação do despacho reclamado, terá de ser a da obrigatoriedade de reformulação do despacho de reversão, expurgando-o das quantias afectadas pela decisão e, consequentemente, praticar um novo acto de reversão já expurgado das ilegalidades que lhe conferiam nulidade;

9. Porque tratando-se de um novo despacho de reversão, todos os actos praticados no seguimento do anterior despacho de reversão e que se tenham fundamentado no despacho de reversão declarado inconstitucional, são também eles nulos;

10. Porque a nulidade dos actos praticados posteriormente ao despacho de reversão considerado inconstitucional implica a nulidade do acto de venda ou de adjudicação do imóvel;

11. Porque a sentença proferida nos autos em primeira instância assim não julgou;

12. Teremos de concluir que ficou a mesma ferida de invalidade.

Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e com o sempre mui douto suprimento de Vs. Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência determinar-se a anulação da sentença proferida nos autos e determinar a nulidade do despacho de 5 de Dezembro de 2011 do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Benavente em que determinou a adjudicação da venda do prédio urbano sito na Rua …………, Lote ………. - …….., freguesia de ………., concelho de Benavente, inscrito na respectiva matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo 8337, e descrito na Conservatória de Registo Predial de Benavente sob o n.º 5056, da referida freguesia de ……….., considerando-se que a mesma é nula por ter ocorrido uma inconstitucionalidade na reversão para si de coimas e outros encargos do devedor originário, conforme sentença proferida pelo Venerando STA, só assim, se fazendo a costumada justiça, como o caso merece».

1.4 Contra-alegou apenas o “Banco B…………, S.A.”, que rematou a sua alegação com conclusões do seguinte teor:

«A. O Recorrente vem arguir a nulidade da reversão na parte que se refere a multas e coimas;

B. Para tal reclama, ao abrigo do disposto no art. 276.º, do C.P.P.T, do despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Benavente, solicitando que fosse decretada “a nulidade dos despachos de reversão na parte relativa a coimas e demais encargos”.

C. A pretensão de obter a nulidade dos referidos despachos na “parte relativa a coimas e demais encargos” veio a obter provimento, tendo o Venerando Supremo Tribunal Administrativo, revogado a sentença, mas apenas na parte impugnada ou seja, na parte referente a multas e coimas.

D. Ao reconhecer a irregularidade da reversão na parte relativa a colinas, sanou-se o vício alegado pelo Recorrente.

E. Não obstante, a dívida fiscal que originou a venda que se pretende anulada não se deve, exclusivamente, ao valor resultante de coimas, mas sim, e tal como o Requerente confessa no art. 5.º da Reclamação, “as dívidas que foram revertidas para o Requerente, englobam, também, dívidas de IVA, IRC e IRS”.

F. E, mantendo-se, nem que seja parcialmente, o despacho que ordenou a reversão das dívidas para o património do ora Requerente por dívidas decorrentes de impostos, não existe qualquer razão para se anular a venda do imóvel.

G. As dívidas decorrentes dos já referidos impostos, só por si, justificam a existência do processo de execução fiscal e consequente venda e adjudicação do imóvel penhorado.

H. Acresce que as dívidas provenientes de coimas, não foram sequer pagas pelo produto da venda do imóvel adjudicado ao Banco B………….., S.A.

I. Não há conforme resulta do exposto qualquer inconstitucionalidade com a adjudicação da venda do imóvel correspondente ao prédio urbano sito na Rua ……., Lote ………..- ……., freguesia de ………., concelho de Benavente, inscrito na respectiva matriz sob o art. 8337 e descrito na CRP de Benavente sob o n.º 5056, antes sim uma manifestação do Princípio do Aproveitamento dos Actos praticados

Termos em que se pede que o presente recurso seja julgado improcedente, considerando-se validamente adjudicado ao “BANCO B…………, S.A.” o imóvel correspondente ao prédio urbano sito na Rua …………, lote ……….- ………., freguesia de ………, concelho de Benavente, inscrito na respectiva matriz sob o art. 8337 e descrito na CRP de Benavente sob o n.º 5056».

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«Como resulta do probatório, o recorrente foi revertido nos PEFs instaurados contra a devedora originária C………….., Lda., por dívidas de IVA, IRS, IRC e COIMAS.
No âmbito desses PEFs foi penhorado, vendido e adjudicado ao Banco B………., em 28 de Dezembro de 2011, um imóvel pertença do recorrente.
Entretanto, em 2011.11.08, o recorrente apresentou requerimento no PEF a solicitar o reconhecimento da nulidade do despacho de reversão quanto às coimas, o que foi indeferido pela autoridade administrativa por despacho de 2011.11.25.
Desse acto interpôs o recorrente ROEF, que foi indeferida pelo TAFL, mas que obteve provimento por decisão do STA, de 2012.06.27.
Nos termos do estatuído no artigo 257.º do CPPT a anulação da venda pode ser requerida, nos prazos ali referidos, com os seguintes fundamentos:
1. Se depois da venda se reconhecer a existência de algum ónus ou encargo, que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou se tiver havido erro sobre a coisa transmitida ou as suas qualidades, por falta de conformidade com o que foi anunciado.
2. Quando for apresentado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo do artigo 203.º/1/a).
3. Fundamentos previstos no artigo 909.º do VCPC (artigo 839.º do NCPC).
Nos termos do disposto no artigo 909.º do VCPC a venda fica sem efeito:
1. Quando for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a aposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial, a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada (art. 909.º/1/ a));
2. Quando toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado que tenha sido revel, salvo o disposto no art. 921.º/3 (art. 909.º/1/ b));
3. Se for anulado o acto da venda nos termos do disposto no art. 201.º (art. 909.º/1/ c));
4. Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono (art. 909.º/1/d)).
A venda pode, ainda, ser anulada:
1. No caso da venda ter sido em exclusivo benefício do exequente e o processo for anulado por falta de alguma das citações previstas no art. 864.º (n.º 10 do artigo);
2. Quando o proponente, o preferente ou o remidor não efectuem o depósito do preço (arts. 898.º/3 e 913.º/2);
3. Nos casos em que na venda em estabelecimento de leilão tenham sido praticadas irregularidades capazes de viciar o resultado final da licitação (art. 907.º/2/3);
4. Quando, posteriormente à venda, for revogado ou anulado despacho ou acto anterior a ela e de que dependa em absoluto.
Como expende Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, IV volume, página 186), «A anulação da venda nos termos do artigo 201.º do CPC depende de ter ocorrido relativamente ao acto de venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei, desde que a irregularidade possa ter influência na venda (nºs 1 e 2 do artigo referido).
Estão nestas condições, por exemplo, as irregularidades relativas à publicidade da venda, designadamente as que respeitam ao tempo e locais de afixação de editais, à publicação de anúncios e seu conteúdo as relativas às notificações das pessoas que devem ser notificadas para a venda.
Porém, mesmo nestes casos, a anulação da venda só deve ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar a venda.
Entre as irregularidades que podem relevar para o efeito de anulação da venda inclui-se a falta de citação de credores com garantia real relativamente aos bens vendidos e do cônjuge do executado, nos termos do artigo 239.º deste Código, nos casos em que o exequente haja sido o exclusivo beneficiário, como se referiu na anotação anterior».
O recorrente fundamenta a pretensão no facto do acto de reversão quanto às coimas, ser nulo, por alegada inconstitucionalidade, o que acarretaria a nulidade de todos os actos que daquele dependem, incluso o acto de venda do imóvel.
A nosso ver, o invocado e alegado fundamento de anulação da venda não constitui fundamento legal de anulação da venda, nos termos enunciados.
Antes de mais diga-se que, ao contrário do que refere o recorrente, o STA, no já referido acórdão, não julgou inconstitucional a reversão por coimas, sendo certo que o despacho de reversão, na parte relativa às coimas, apenas foi anulado (e não declarado nulo, como sustenta o recorrente) pelo facto de ser anterior à data da entrada em vigor da norma da alínea c) do artigo 148.º do CPPT e o recorrente não ter exercido o contraditório e a defesa relativamente à coima aplicada.
O competente Serviço de Finanças deu integral cumprimento ao julgado, anulando o despacho de reversão na parte relativa às coimas e extinguindo os PEFs a elas respeitantes, não tendo sido pagas quaisquer coimas com o produto da venda do imóvel.
Parece certo que a anulação (e não declaração de nulidade) do despacho de reversão na parte relativa às coimas não pode determinar a anulação da totalidade do despacho de reversão.
Com efeito, o despacho de reversão, na parte relativa aos tributos (IVA, IRS e IRC), mantém-se, plenamente, válido, sendo o recorrente responsável subsidiário pelo pagamento da inerente dívida.
Assim sendo, a anulação parcial do despacho de reversão nenhuma influência poderia ter ou teve no acto da venda do imóvel, sendo compatível com ela.
Na verdade, a autoridade tributária não poderia deixar de proceder à venda do imóvel pertença do recorrente, com vista ao pagamento das dívidas de IVA, IRS e IRC de sua responsabilidade.
Por fim, diga-se que o recorrente não fundamentou a reclamação do despacho do OEF de indeferimento do pedido de nulidade do despacho de reversão, quanto às coimas, em prejuízo irreparável (fls.26), de modo a obter efeito suspensivo da reclamação (artigo 278.º/3 do CCPT na redacção, então, vigente) nem resulta dos autos que tenha sido prestada garantia ou efectuada penhora de modo a obter a suspensão da execução (artigos 169.º e 199.º do CPPT)».

1.7 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.8 Cumpre apreciar e decidir.


*

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 MATÉRIA DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria deu como provados os seguintes factos:

«A) Em 14-10-2005, o Serviço de Finanças de Benavente, instaurou contra a sociedade C……….., Lda., NIPC ……….., o processo de execução fiscal n.º 1970200501046730 por dívida de IVA do período de 07-2005, na quantia de € 2.426,79 – (cfr. fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal em apenso).

B) Em 11-08-2008, o Serviço de Finanças de Benavente apensou ao processo identificado na alínea anterior quarenta e nove processos de execução fiscal, conforme melhor se identifica a fls. 198 do processo de execução fiscal apenso, passando a quantia exequenda para o montante de € 65.952,66 – (cfr. fls. 198 do processo de execução fiscal em apenso).

C) Em 30-04-2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Benavente determinou a preparação para reversão contra o aqui requerente do processo de execução fiscal indicado em A) e apensos, por dívidas provenientes de IRS, IRC, IVA e coimas fiscais, na quantia de € 56.412,28 – (cfr. fls. 246 a 249 e 256 do processo de execução fiscal em apenso).

D) Em 24-09-2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Benavente ordenou a reversão do processo de execução fiscal mencionado em A) e apensos contra o ora requerente, na quantia de € 56.412,28, conforme seguidamente se discrimina:

[segue-se, na sentença, a reprodução da lista constante de fls. 282 a 292 dos autos]

– (cfr. fls. 282 a 292 do processo de execução fiscal em apenso).

E) Em 17-09-2009 o ora requerente foi citado pessoalmente, mediante carta registada com aviso de recepção, para os processos de execução fiscal identificados na alínea anterior – (cfr. fls. 293 e 294 do processo de execução fiscal em apenso).

F) Em 25-10-2010, o Serviço de Finanças de Benavente, através da ap. 5073, registou na Conservatória do Registo Predial de Benavente a favor da Fazenda Nacional penhora sobre o prédio inscrito sob o n. 5056, sito na Rua …………, lote ……………, ………., freguesia de ………., inscrito na matriz predial sob o artigo 8337, em nome de A……….., para garantia da quantia exequenda de € 117.377,00 respeitante ao processo de execução fiscal n.º 1970200501046730 – (cfr. fls. 522 a 525 do processo de execução fiscal apenso).

G) Em 20-10-2011, o Chefe do Serviço de Finanças de Benavente proferiu despacho de marcação da venda do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 8337 da freguesia ……….., penhorado no processo de execução fiscal mencionado na alínea antecedente, para o dia 05-12-2011, pelas 10,00, mediante proposta em carta fechada (venda n. 1970.2011.38) – (cfr. fls. 526 do processo de execução fiscal apenso).

H) Na mesma data endereçou ao ora requerente o ofício n.º 5155 de notificação da marcação da venda referida na alínea anterior – (cfr. fls. 544 do processo de execução fiscal apenso).

I) Em 08-11-2011, A……….. e D…………. apresentaram junto do Serviço de Finanças de Benavente requerimento a solicitar o reconhecimento da nulidade do despacho de reversão relativamente às coimas e que fosse fixada a quantia em dívida da responsabilidade dos requerentes apenas no montante relativo aos impostos – (cfr. fls. 566 a 569 do processo de execução fiscal em apenso).

J) Em 25-11-2011, o Chefe do Serviço de Finanças de Benavente proferiu despacho de indeferimento do requerimento indicado na alínea anterior e determinou o prosseguimento dos termos legais dos processos, designadamente com as vendas marcadas – (cfr. fls. 579 do processo de execução fiscal em apenso).

K) Em 03-12-2011, o ora requerente apresentou reclamação prevista no art. 276.º do CPPT da decisão mencionada na alínea anterior, a que coube o n.º 1526/11.6BELRA deste TAF – (cfr. fls. 119 e 120 destes autos e 582 e 593 do processo de execução fiscal em apenso).

L) Em 05-12-2011, no Serviço de Finanças de Benavente foi lavrado auto de abertura e aceitação de propostas em carta fechada relativa ao prédio urbano, artigo 8337, sito na Rua …………, lote ………, ………, freguesia de ……….., sendo único proponente o Banco B………….., S.A., com o valor proposto de € 115.480,00 – (cfr. fls. 536 do processo de execução fiscal em apenso).

M) Em 12-12-2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Benavente o presente incidente de anulação de venda – (cfr. doc. de fls. 543 dos autos).

N) Em 28-12-2011, o Serviço de Finanças de Benavente emitiu a favor de Banco B………., S.A. título de adjudicação relativo ao imóvel identificado em L) – (cfr. fls. 705 a 707 do processo de execução fiscal apenso).

O) Em 27-06-2012, no âmbito do processo identificado em K) foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo em que é reconhecida a ilegalidade do despacho reclamado e determinada a sua anulação – (cfr. fls. 122 a 137 destes autos).

P) Em 22-02-2013, o Serviço de Finanças de Benavente emitiu certidão, a pedido do ora requerente, onde consta designadamente o seguinte:

Certifico (…) que em nome de A…………., NIF …………, correram por este Serviço de Finanças os seguintes processos de execução fiscal, por reversão da sociedade “C…………, Lda.” NIPC ……….., onde ocorreram os pagamentos por parte do revertido a seguir descriminados:
Processo n.º 1970200501046730 e aps.
Natureza da dívida – custas processuais
Valor em dívida - € 1.737,90 e € 676,83
Valor pago - € 1.737,90 e € 676,83
Data Pagamento - 06-02-2013 (...)” – a (cfr. doc. de fls. 158 destes autos).

Q) Em 13-10-2014, o Serviço de Finanças de Benavente informou os autos de que “(...) em cumprimento do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-06-2012, foi promovida a extinção do procedimento de reversão das pretensões executivas instauradas originariamente contra C…………, Lda., NIF …………., com vista à cobrança coerciva de coimas fixadas no âmbito de processos de contraordenações fiscais.
Em anexo à presente informação, segue listagem de 104 processos de execução fiscal, em que é revertido o contra interessados nos vossos autos, onde, os instaurados com vista à cobrança coerciva de coimas (identificados pela Proveniência 11J), se mostram com o valor total em dívida de 0,00 euros.
(...)” – (cfr. doc. de fls. 273 dos autos).

R) A listagem de processos referidos na alínea anterior tem o seguinte teor:

[segue-se, na sentença, a reprodução da lista constante de fls. 274 a 280 dos autos]

– (cfr. fls. 274 a 280 dos autos).».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada contra uma sociedade e que prosseguiu para cobrança coerciva de dívidas de IRS, IRC, IVA e coimas fiscais, foi proferido despacho de reversão contra o ora Recorrente. Este pediu ao chefe do órgão da execução fiscal a anulação do despacho de reversão no que respeita às dívidas provenientes de coimas com fundamento na inconstitucionalidade do art. 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT). O pedido foi indeferido, o que determinou a prossecução da execução fiscal para a venda do bem imóvel penhorado ao revertido. Este reclamou judicialmente dessa decisão ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT e a reclamação judicial veio a ser julgada procedente por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em que foi «reconhecida a ilegalidade do despacho reclamado [que indeferiu o pedido de reconhecimento da nulidade do despacho de reversão no que se refere às coimas] e determinada a sua anulação» [cfr. alínea O) dos factos provados]. Note-se, contudo, que o referido acórdão não julgou com fundamento na inconstitucionalidade do art. 8.º do RGIT, como sustenta o Recorrente, mas com fundamento de que, porque a reversão foi ordenada antes da entrada em vigor da alínea c) do art. 148.º do CPPT (A alínea c) do art. 148.º do CPPT foi introduzida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Lei do Orçamento do Estado para 2010.) e não fora facultado aos revertidos o exercício do contraditório e da defesa relativamente às coimas aplicadas à devedora originária, havia preterição dos direitos de contraditório e de defesa, em violação do direito fundamental previsto no n.º 10 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa (O acórdão, da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 623/12, está publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Outubro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32220.pdf), págs. 2110 a 2115, e também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/96224977d30140cf80257a37002deedf.).
Entretanto, o Executado por reversão pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a anulação da venda, entretanto ocorrida, invocando como fundamento do seu pedido a “nulidade” do despacho de reversão na parte em que se refere às coimas, a nulidade do despacho que ordenou a prossecução da execução fiscal antes de decidida a reclamação judicial em que pediu a anulação do despacho do órgão da execução fiscal que desatendeu a invocada inconstitucionalidade e a consequente nulidade do despacho que determinou a abertura das propostas para aquisição do imóvel que lhe foi penhorado.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, após uma primeira decisão no sentido da inutilidade superveniente do pedido de anulação da venda, que veio a ser anulada por acórdão deste Supremo Tribunal, de fls. 250 a 258 (Proferido no processo n.º 218/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 2098 a 2102, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/079a34a022c03ea380257cfd00488960.), proferiu nova decisão, desta feita no sentido da improcedência do pedido.
O Juiz daquele Tribunal, que teceu diversos e pertinentes considerandos em torno da anulação da venda, após enunciar a questão a dirimir como sendo a de saber «se estando uma parte da dívida contenciosamente impugnada, a venda deve ou não realizar-se», respondeu-lhe negativamente. Em síntese, referiu que na execução fiscal estavam a ser cobradas não só as referidas dívidas por coimas, mas também dívidas provenientes de IRS, IRC e IVA, «cuja cobrança através da venda não poderia ficar prejudicada pela existência de controvérsia sobre a dívida de coimas, o que obstava à suspensão da venda com este fundamento». Considerou ainda que, contrariamente ao alegado pelo Reclamante, o despacho de reversão não foi declarado nulo por inconstitucionalidade, mas apenas anulado na parte em que se referia às coimas, sendo certo que nenhuma dívida com tal proveniência veio a ser paga pelo produto da venda. Assim, e porque a anulação parcial do despacho de reversão não é susceptível de influir na venda, que sempre teria de se realizar para cobrança das dívidas por impostos, não faz sentido argumentar que a venda devia ser anulada com fundamento na anulação do despacho de reversão quanto a coimas.
O Executado por reversão recorre para este Supremo Tribunal Administrativo dessa sentença, sustentando que a nulidade do despacho de reversão implica a nulidade de todos os actos ulteriormente praticados na execução fiscal e que tenham aquele como fundamento, designadamente o acto da venda.
Sustenta, em síntese, que o despacho de reversão foi declarado ferido de inconstitucionalidade, o que determina a nulidade do mesmo, com a consequência do seu desaparecimento da ordem jurídica, motivo por que se impunha a prolação de novo despacho; porque não foi proferido novo despacho de reversão, devem ter-se por nulos todos os actos praticados com base no despacho que foi declarado nulo, designadamente a venda cuja anulação pediu.
Assim, a questão que ora cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento quando julgou improcedente o pedido de anulação da venda, o que passa por saber se a anulação do despacho de reversão na parte que se refere a coimas determina a anulação da venda.

2.2.2 DA ANULAÇÃO DA VENDA

O Recorrente sustenta que da declaração de inconstitucionalidade do despacho de reversão no que respeita às dívidas por coimas resulta a nulidade da venda.
Salvo o devido respeito não tem razão.
Desde logo, cumpre ter bem presente, como a sentença referiu, que o despacho de reversão não se referia exclusivamente às dívidas provenientes de coimas, mas também a dívidas provenientes de IRS, IRC e IVA.
Ora, o despacho de reversão só foi anulado (e não declarado nulo) na parte respeitante às coimas. Nem podia ser de outro modo, uma vez que foi só nessa medida que foi atacado. Ou seja, o ora Recorrente nunca pôs em causa a legalidade da reversão no que respeita às dívidas provenientes de impostos, motivo por que não havia que questionar a legalidade daquele acto nessa parte, sendo que o fundamento invocado e aquele que determinou a anulação se referem exclusivamente à responsabilidade subsidiária por coimas.
Assim, mal se compreende que o Recorrente venha esgrimir a necessidade de reformulação do despacho de reversão, a qual só faria sentido se pudesse de novo o órgão da execução fiscal proferir despacho de reversão relativamente às coimas. Nesse caso, sim, a reposição da legalidade exigiria a prática de novo acto expurgado do vício que determinou a anulação. Mas, não é esse o caso. O órgão da execução fiscal, atento o motivo da anulação parcial do despacho de reversão, não mais pode reverter a execução fiscal contra o ora Recorrente no que respeita às dívidas exequendas por coimas.
Já relativamente às dívidas exequendas por impostos, o despacho de reversão permanece intocado, inexistindo motivo algum para que a execução fiscal deixe de prosseguir quanto a essas dívidas, com a prática dos necessários actos em ordem à cobrança coerciva, designadamente a venda do bem penhorado.
Assim, não se discutindo a possibilidade em abstracto de a anulação do despacho de reversão se erigir em fundamento de anulação da venda (A hipótese recai sob a previsão de “outros motivos de anulação de venda previstos no CPC”, como bem assinala JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 7 ao art. 257.º, pág. 185, que diz: «Há ainda outras situações que não têm enquadramento, pelo menos claro, nos arts. 908.º e 909.º do CPC e no art. 257.º do CPPT em que deve entender-se que a venda fica sem efeito, pois ela resulta de normas do próprio CPC. […] Outra das situações é a de ser revogado, em recurso, algum despacho de que o acto de venda ou adjudicação dependeu absolutamente. Trata-se de uma situação que não é enquadrável na alínea c) do art. 909.º do CPC, uma vez que não é uma situação de anulação do acto da venda «nos termos do artigo 201.º»». Note-se que as disposições do CPC se referem à versão anterior à aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.), essa possibilidade só poderá ponderar-se se a dependência da venda desse acto anulado for absoluta, o que não sucede no caso. Por isso, o recurso não pode ser provido, como decidiremos a final.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Ainda que, posteriormente à venda efectuada em processo de execução fiscal de um bem penhorado ao responsável subsidiário que foi chamado à execução, tenha sido deferido o pedido por este formulado de anulação do despacho de reversão no que se refere às coimas, não se justifica a anulação da venda, se esta foi promovida também para cobrança de dívidas de outras proveniências.
II - Sendo certo que a venda pode ser anulada por efeito da anulação ou revogação de acto anterior a ela, para tanto exige-se também que a venda dependa em absoluto desse acto.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 12 de Outubro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.