Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01303/15 |
Data do Acordão: | 10/12/2016 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | ANULAÇÃO DA VENDA DESPACHO DE REVERSÃO ANULAÇÃO PARCIAL |
Sumário: | I - Ainda que, posteriormente à venda efectuada em processo de execução fiscal de um bem penhorado ao responsável subsidiário que foi chamado à execução, tenha sido deferido o pedido por este formulado de anulação do despacho de reversão no que se refere às coimas, não se justifica a anulação da venda, se esta foi promovida também para cobrança de dívidas de outras proveniências. II - Sendo certo que a venda pode ser anulada por efeito da anulação ou revogação de acto anterior a ela, para tanto exige-se também que a venda dependa em absoluto desse acto. |
Nº Convencional: | JSTA00069848 |
Nº do Documento: | SA22016101201303 |
Data de Entrada: | 10/12/2015 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF LEIRIA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL. |
Legislação Nacional: | RGIT01 ART8. CPPTRIB99 ART276 ART248. CONST76 ART32 N10. |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG185. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de incidente da anulação da venda com o n.º 1482/11.0BELRA 1. RELATÓRIO 1.1 A…………. (a seguir Executado, Requerente ou Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a anulação da venda de um prédio urbano que lhe foi penhorado num processo de execução fiscal que, instaurado contra uma sociedade, reverteu contra ele por o Serviço de Finanças de Benavente o ter considerado responsável subsidiário pelas dívidas exequendas. 1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.3 O Recorrente apresentou as alegações do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1. Porque a inconstitucionalidade gera sempre a nulidade; 2. Teremos de concluir que os actos praticados declarados inconstitucionais são nulos; 3. E consequentemente, reconhecida que seja a inconstitucionalidade, os mesmos são considerados como inexistentes na ordem jurídica. 4. Porque a declaração de inconstitucionalidade de um despacho de reversão de dívidas fiscais da devedora originária para os seus gerentes por falta do exercício do direito de defesa e do contraditório viola o n.º 10 do artigo 32.º da CRP; 5. Porque o direito de defesa no âmbito procedimento deste tipo é de tal modo importante que implica um regime especial em sede de vícios procedimentais; 6. Porque, sendo um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a sua violação determina a nulidade do acto final; 7. Teremos de concluir que essa violação implica a nulidade do despacho de reversão; 8. Porque a ilação a retirar da douta decisão do Venerando STA que declarou a inconstitucionalidade da reversão das coimas e determinou a anulação do despacho reclamado, terá de ser a da obrigatoriedade de reformulação do despacho de reversão, expurgando-o das quantias afectadas pela decisão e, consequentemente, praticar um novo acto de reversão já expurgado das ilegalidades que lhe conferiam nulidade; 9. Porque tratando-se de um novo despacho de reversão, todos os actos praticados no seguimento do anterior despacho de reversão e que se tenham fundamentado no despacho de reversão declarado inconstitucional, são também eles nulos; 10. Porque a nulidade dos actos praticados posteriormente ao despacho de reversão considerado inconstitucional implica a nulidade do acto de venda ou de adjudicação do imóvel; 11. Porque a sentença proferida nos autos em primeira instância assim não julgou; 12. Teremos de concluir que ficou a mesma ferida de invalidade. Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e com o sempre mui douto suprimento de Vs. Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência determinar-se a anulação da sentença proferida nos autos e determinar a nulidade do despacho de 5 de Dezembro de 2011 do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Benavente em que determinou a adjudicação da venda do prédio urbano sito na Rua …………, Lote ………. - …….., freguesia de ………., concelho de Benavente, inscrito na respectiva matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo 8337, e descrito na Conservatória de Registo Predial de Benavente sob o n.º 5056, da referida freguesia de ……….., considerando-se que a mesma é nula por ter ocorrido uma inconstitucionalidade na reversão para si de coimas e outros encargos do devedor originário, conforme sentença proferida pelo Venerando STA, só assim, se fazendo a costumada justiça, como o caso merece». 1.4 Contra-alegou apenas o “Banco B…………, S.A.”, que rematou a sua alegação com conclusões do seguinte teor: «A. O Recorrente vem arguir a nulidade da reversão na parte que se refere a multas e coimas; B. Para tal reclama, ao abrigo do disposto no art. 276.º, do C.P.P.T, do despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Benavente, solicitando que fosse decretada “a nulidade dos despachos de reversão na parte relativa a coimas e demais encargos”. C. A pretensão de obter a nulidade dos referidos despachos na “parte relativa a coimas e demais encargos” veio a obter provimento, tendo o Venerando Supremo Tribunal Administrativo, revogado a sentença, mas apenas na parte impugnada ou seja, na parte referente a multas e coimas. D. Ao reconhecer a irregularidade da reversão na parte relativa a colinas, sanou-se o vício alegado pelo Recorrente. E. Não obstante, a dívida fiscal que originou a venda que se pretende anulada não se deve, exclusivamente, ao valor resultante de coimas, mas sim, e tal como o Requerente confessa no art. 5.º da Reclamação, “as dívidas que foram revertidas para o Requerente, englobam, também, dívidas de IVA, IRC e IRS”. F. E, mantendo-se, nem que seja parcialmente, o despacho que ordenou a reversão das dívidas para o património do ora Requerente por dívidas decorrentes de impostos, não existe qualquer razão para se anular a venda do imóvel. G. As dívidas decorrentes dos já referidos impostos, só por si, justificam a existência do processo de execução fiscal e consequente venda e adjudicação do imóvel penhorado. H. Acresce que as dívidas provenientes de coimas, não foram sequer pagas pelo produto da venda do imóvel adjudicado ao Banco B………….., S.A. I. Não há conforme resulta do exposto qualquer inconstitucionalidade com a adjudicação da venda do imóvel correspondente ao prédio urbano sito na Rua ……., Lote ………..- ……., freguesia de ………., concelho de Benavente, inscrito na respectiva matriz sob o art. 8337 e descrito na CRP de Benavente sob o n.º 5056, antes sim uma manifestação do Princípio do Aproveitamento dos Actos praticados Termos em que se pede que o presente recurso seja julgado improcedente, considerando-se validamente adjudicado ao “BANCO B…………, S.A.” o imóvel correspondente ao prédio urbano sito na Rua …………, lote ……….- ………., freguesia de ………, concelho de Benavente, inscrito na respectiva matriz sob o art. 8337 e descrito na CRP de Benavente sob o n.º 5056». 1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «Como resulta do probatório, o recorrente foi revertido nos PEFs instaurados contra a devedora originária C………….., Lda., por dívidas de IVA, IRS, IRC e COIMAS. 1.7 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos. 1.8 Cumpre apreciar e decidir. * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 MATÉRIA DE FACTO O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria deu como provados os seguintes factos: «A) Em 14-10-2005, o Serviço de Finanças de Benavente, instaurou contra a sociedade C……….., Lda., NIPC ……….., o processo de execução fiscal n.º 1970200501046730 por dívida de IVA do período de 07-2005, na quantia de € 2.426,79 – (cfr. fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal em apenso). B) Em 11-08-2008, o Serviço de Finanças de Benavente apensou ao processo identificado na alínea anterior quarenta e nove processos de execução fiscal, conforme melhor se identifica a fls. 198 do processo de execução fiscal apenso, passando a quantia exequenda para o montante de € 65.952,66 – (cfr. fls. 198 do processo de execução fiscal em apenso). C) Em 30-04-2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Benavente determinou a preparação para reversão contra o aqui requerente do processo de execução fiscal indicado em A) e apensos, por dívidas provenientes de IRS, IRC, IVA e coimas fiscais, na quantia de € 56.412,28 – (cfr. fls. 246 a 249 e 256 do processo de execução fiscal em apenso). D) Em 24-09-2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Benavente ordenou a reversão do processo de execução fiscal mencionado em A) e apensos contra o ora requerente, na quantia de € 56.412,28, conforme seguidamente se discrimina: [segue-se, na sentença, a reprodução da lista constante de fls. 282 a 292 dos autos] – (cfr. fls. 282 a 292 do processo de execução fiscal em apenso). E) Em 17-09-2009 o ora requerente foi citado pessoalmente, mediante carta registada com aviso de recepção, para os processos de execução fiscal identificados na alínea anterior – (cfr. fls. 293 e 294 do processo de execução fiscal em apenso). F) Em 25-10-2010, o Serviço de Finanças de Benavente, através da ap. 5073, registou na Conservatória do Registo Predial de Benavente a favor da Fazenda Nacional penhora sobre o prédio inscrito sob o n. 5056, sito na Rua …………, lote ……………, ………., freguesia de ………., inscrito na matriz predial sob o artigo 8337, em nome de A……….., para garantia da quantia exequenda de € 117.377,00 respeitante ao processo de execução fiscal n.º 1970200501046730 – (cfr. fls. 522 a 525 do processo de execução fiscal apenso). G) Em 20-10-2011, o Chefe do Serviço de Finanças de Benavente proferiu despacho de marcação da venda do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 8337 da freguesia ……….., penhorado no processo de execução fiscal mencionado na alínea antecedente, para o dia 05-12-2011, pelas 10,00, mediante proposta em carta fechada (venda n. 1970.2011.38) – (cfr. fls. 526 do processo de execução fiscal apenso). H) Na mesma data endereçou ao ora requerente o ofício n.º 5155 de notificação da marcação da venda referida na alínea anterior – (cfr. fls. 544 do processo de execução fiscal apenso). I) Em 08-11-2011, A……….. e D…………. apresentaram junto do Serviço de Finanças de Benavente requerimento a solicitar o reconhecimento da nulidade do despacho de reversão relativamente às coimas e que fosse fixada a quantia em dívida da responsabilidade dos requerentes apenas no montante relativo aos impostos – (cfr. fls. 566 a 569 do processo de execução fiscal em apenso). J) Em 25-11-2011, o Chefe do Serviço de Finanças de Benavente proferiu despacho de indeferimento do requerimento indicado na alínea anterior e determinou o prosseguimento dos termos legais dos processos, designadamente com as vendas marcadas – (cfr. fls. 579 do processo de execução fiscal em apenso). K) Em 03-12-2011, o ora requerente apresentou reclamação prevista no art. 276.º do CPPT da decisão mencionada na alínea anterior, a que coube o n.º 1526/11.6BELRA deste TAF – (cfr. fls. 119 e 120 destes autos e 582 e 593 do processo de execução fiscal em apenso). L) Em 05-12-2011, no Serviço de Finanças de Benavente foi lavrado auto de abertura e aceitação de propostas em carta fechada relativa ao prédio urbano, artigo 8337, sito na Rua …………, lote ………, ………, freguesia de ……….., sendo único proponente o Banco B………….., S.A., com o valor proposto de € 115.480,00 – (cfr. fls. 536 do processo de execução fiscal em apenso). M) Em 12-12-2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Benavente o presente incidente de anulação de venda – (cfr. doc. de fls. 543 dos autos). N) Em 28-12-2011, o Serviço de Finanças de Benavente emitiu a favor de Banco B………., S.A. título de adjudicação relativo ao imóvel identificado em L) – (cfr. fls. 705 a 707 do processo de execução fiscal apenso). O) Em 27-06-2012, no âmbito do processo identificado em K) foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo em que é reconhecida a ilegalidade do despacho reclamado e determinada a sua anulação – (cfr. fls. 122 a 137 destes autos). P) Em 22-02-2013, o Serviço de Finanças de Benavente emitiu certidão, a pedido do ora requerente, onde consta designadamente o seguinte: “Certifico (…) que em nome de A…………., NIF …………, correram por este Serviço de Finanças os seguintes processos de execução fiscal, por reversão da sociedade “C…………, Lda.” NIPC ……….., onde ocorreram os pagamentos por parte do revertido a seguir descriminados: Q) Em 13-10-2014, o Serviço de Finanças de Benavente informou os autos de que “(...) em cumprimento do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-06-2012, foi promovida a extinção do procedimento de reversão das pretensões executivas instauradas originariamente contra C…………, Lda., NIF …………., com vista à cobrança coerciva de coimas fixadas no âmbito de processos de contraordenações fiscais. R) A listagem de processos referidos na alínea anterior tem o seguinte teor: [segue-se, na sentença, a reprodução da lista constante de fls. 274 a 280 dos autos] – (cfr. fls. 274 a 280 dos autos).». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Numa execução fiscal instaurada contra uma sociedade e que prosseguiu para cobrança coerciva de dívidas de IRS, IRC, IVA e coimas fiscais, foi proferido despacho de reversão contra o ora Recorrente. Este pediu ao chefe do órgão da execução fiscal a anulação do despacho de reversão no que respeita às dívidas provenientes de coimas com fundamento na inconstitucionalidade do art. 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT). O pedido foi indeferido, o que determinou a prossecução da execução fiscal para a venda do bem imóvel penhorado ao revertido. Este reclamou judicialmente dessa decisão ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT e a reclamação judicial veio a ser julgada procedente por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em que foi «reconhecida a ilegalidade do despacho reclamado [que indeferiu o pedido de reconhecimento da nulidade do despacho de reversão no que se refere às coimas] e determinada a sua anulação» [cfr. alínea O) dos factos provados]. Note-se, contudo, que o referido acórdão não julgou com fundamento na inconstitucionalidade do art. 8.º do RGIT, como sustenta o Recorrente, mas com fundamento de que, porque a reversão foi ordenada antes da entrada em vigor da alínea c) do art. 148.º do CPPT (A alínea c) do art. 148.º do CPPT foi introduzida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Lei do Orçamento do Estado para 2010.) e não fora facultado aos revertidos o exercício do contraditório e da defesa relativamente às coimas aplicadas à devedora originária, havia preterição dos direitos de contraditório e de defesa, em violação do direito fundamental previsto no n.º 10 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa (O acórdão, da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 623/12, está publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Outubro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32220.pdf), págs. 2110 a 2115, e também disponível em 2.2.2 DA ANULAÇÃO DA VENDA O Recorrente sustenta que da declaração de inconstitucionalidade do despacho de reversão no que respeita às dívidas por coimas resulta a nulidade da venda. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. * Lisboa, 12 de Outubro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves. |