Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0985/11
Data do Acordão:02/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO DE SELO
AUTOLIQUIDAÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
DECLARAÇÃO
Sumário:I - A autoliquidação exige uma declaração, não servindo como tal um mero registo contabilístico.
II - Verifica-se a caducidade do direito à liquidação se esta não for notificada dentro do prazo de quatro anos contados, no caso dos impostos de obrigação única, como o é o Imposto de Selo, da data em que o facto tributário ocorreu (cfr. art. 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT).
Nº Convencional:JSTA00068579
Nº do Documento:SA2201402050985
Data de Entrada:11/03/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIS99 ART1 N1 ART2 H ART3 N1 N3 S ART5 A ART23 N1 N4 ART43 ART44
LGT98 ART45 N1 N4 ART20 ART36 N3 ART39 N2 ART81 N1 ART82 N1 ART83 N1 ART84 N1 N3 ART74 N1 ART18 N3 ART45 ART46 N1
CPPTRIB99 ART85 N3 ART59 N1 N2 N7
Referência a Doutrina:LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES E JORGE DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA COMENTADA E ANOTADA ENCONTRO DA ESCRITA EDITORA 4ED PAG826
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 795/08.3BEALM

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A………, S.A.” (a seguir Contribuinte, Impugnante ou Recorrente), na sequência do indeferimento tácito do recurso hierárquico da reclamação graciosa, apresentou impugnação judicial pedindo a anulação das liquidações de Imposto de Selo (IS) que sustenta que lhe foram efectuadas pela Administração tributária (AT) relativamente aos anos de 2000, 2001 e 2002, após uma acção inspectiva em que considerou que a Contribuinte não entregara nos cofres do Estado o imposto devido pela celebração dos contratos de fornecimento de serviços aos seus clientes.
Sustentou, em resumo, que se verifica a caducidade do direito à liquidação, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que as liquidações em causa não lhe foram notificadas dentro do prazo de 4 anos aí fixado.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou a impugnação judicial improcedente. Para tanto, em síntese, considerou que o instituto da caducidade não tem aplicação no caso. Entendeu que a situação da Impugnante em causa é em tudo paralela à do substituto tributário do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) retido na fonte e não entregue ao Estado, motivo por que não pode falar-se em liquidação efectuada pela AT nem em autoliquidação, mas em simples apuramento do imposto retido e não pago.

1.3 A Impugnante recorreu da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 Apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. Encontrando-se provado que a ora Recorrente se limitou a proceder a uma inscrição contabilística de um valor (um acréscimo de custos que representava uma mera estimativa, mas que, ainda que fosse um cálculo correcto, certo e definitivo, continuaria a ser uma mera inscrição contabilística), relativo ao Imposto do Selo que seria eventualmente devido, sem jamais o transcrever para uma declaração, sem jamais fazer dele menção nos escritos dos contratos a que o mesmo se referiria tal como lhe era exigido pelo artigo 23.º, n.º 4 do Código do Imposto do Selo e sem jamais preencher e entregar o DUC através da qual tal valor de imposto seria levado ao conhecimento das autoridades fiscais, conclui-se que a ora Recorrente não procedeu à autoliquidação de Imposto do Selo sobre escritos de contratos celebrados nos anos de 2000, 2001 e 2002.

B. Um conceito de autoliquidação de imposto que se baste com uma mera inscrição contabilística, sem qualquer formalização, exteriorização, declaração, comunicação, divulgação ou transmissão, seja a terceiros seja às próprias autoridades fiscais, não tem, qualquer apoio na letra ou no espírito de qualquer lei fiscal, maxime no Código do Imposto do Selo.

C. Mais, não só não tem apoio como tornaria incongruentes, incompreensíveis, contraditórios, inaplicáveis ou mesmo absurdos diversos preceitos do Código do Imposto do Selo e do CPPT, que manifestamente se fundam e desenvolvem em torno da concepção oposta, a de que uma autoliquidação impõe uma declaração, uma comunicação, uma divulgação, uma exteriorização mais ou menos formal do lançamento do imposto, pelo que uma correcta interpretação da lei não só não propicia como na realidade impede em absoluto que tal conceito possa proceder

D. Essa tem sido também, e de forma inquebrantável, a posição deste Supremo Tribunal Administrativo a propósito do conceito de autoliquidação, evidenciando a necessidade da “transcrição do que consta na contabilidade para a declaração”.

E. E é também, de forma unânime, a posição de toda a doutrina sobre a matéria.

F. Por conseguinte, a convicção do Tribunal a quo de que a ora Recorrente autoliquidou Imposto do Selo, que condiciona e conforma a sua decisão, encontra-se equivocada e deve ser rejeitada.

G. Por outro lado, também se demonstrou que o caminho “alternativo” de equiparação da posição do sujeito passivo do Imposto do Selo nos escritos dos contratos ao do substituto tributário no IRS retido na fonte é absolutamente insustentável.

H. A ora Recorrente não reteve, nem tinha de reter, imposto por conta de terceiros, nem de qualquer outra forma assumia aqui o papel de substituto tributário, responsável por assegurar uma forma mais eficiente ou prática de cobrança antecipada de imposto de que outrem era o contribuinte directo.

I. No caso dos autos, ao invés, a ora Recorrente era o próprio sujeito passivo do imposto e devia, isso sim, ter procedido à sua liquidação e entrega nos cofres do Estado (podendo ou não, de forma indirecta, repercutir tal custo sobre os seus clientes, à imagem do que sucede com o IVA, mas claramente não à semelhança do que sucede com a retenção na fonte de IRS).

J. Por conseguinte, ambos os alegados fundamentos são erróneos e insusceptíveis de alicerçar a decisão ora recorrida.

K. Surpreendentemente, porém, a Sentença Recorrida revela-se ainda mais frágil porquanto procurou compatibilizar os dois, perfilhando em simultâneo, como se tal fosse coerente, a concepção da autoliquidação como mera inscrição contabilística (afirmando que a ora Recorrente liquidou o imposto) e a concepção de que estava em causa uma situação análoga à do IRS retido na fonte, na qual, como repetidas vezes este Douto Tribunal esclareceu, “se não [pode] falar ainda em liquidação efectuada pela AF nem mesmo em autoliquidação”.

L. Ou seja, a Sentença Recorrida começou por afirmar ter havido uma autoliquidação e depois foi “na esteira” de um Acórdão que deixa bem claro não existir uma autoliquidação, nem se poder sequer falar dela: “efectivamente neste caso não houve a prática de qualquer desses actos do processo de liquidação quer por parte da AF quer do próprio contribuinte”!

M. Esta dupla incoerência atinge o seu paroxismo quando, defendendo que houvera uma autoliquidação e ao mesmo tempo que não se está sequer perante um caso de liquidação ou autoliquidação de imposto, a Sentença Recorrida dá como provada a existência de liquidações emitidas pelas autoridades fiscais e as deixa subsistir.

N. Na realidade, o direito de liquidar Imposto do Selo relativamente aos factos tributários subjacentes da situação em apreço encontra-se sujeito ao prazo de caducidade de quatro anos, nos termos do artigo 39.º do Código do Imposto do Selo.

O. E as notas de liquidação notificadas no dia 25 de Setembro de 2007 constituem, elas próprias verdadeiras liquidações de Imposto do Selo, aliás dadas com provadas enquanto tal pela Sentença Recorrida;

P. Foram apresentadas e numeradas como tal,

Q. Concedendo um prazo de pagamento voluntário próprio das liquidações de imposto,

R. E informando o sujeito passivo das formas de reacção adequadas às liquidações de imposto,

S. De forma perfeitamente distinta do que sucede num processo de execução fiscal (que teria sido o único coerente com qualquer um dos “caminhos alternativos”, ainda que errados, que o Tribunal a quo procurou trilhar).

T. Tais liquidações foram notificadas para além do prazo de caducidade do exercício do direito à liquidação

U. Inquinando as liquidações de ilegalidade.

V. Pelo que, em suma, o Imposto do Selo controvertido já não podia ser validamente liquidado,

W. Porque não o tinha sido pela ora Recorrente

X. E não o foi a tempo pelas autoridades fiscais,

Y. Impondo-se, nesses termos, a anulação das liquidações,

Z. Como, confia a ora Recorrente, será a decisão desse Douto Tribunal,

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. entenderem, deverá ser julgado procedente o presente recurso e consequentemente revogada a Sentença Recorrida, julgando a impugnação procedente e determinando, em conformidade, a anulação das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2007 6430001670, 2007 6430001671 e 2007 6430001672».

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que, declarando a caducidade do direito à liquidação, anule os actos tributários impugnados. Isto, com a seguinte fundamentação:

«1. A liquidação em sentido estrito consiste na operação de quantificação da prestação tributária, mediante a aplicação da taxa legal à matéria colectável apurada.
O regime legal de alguns impostos permite a autoliquidação, isto é, a quantificação da prestação tributária pelo próprio contribuinte, com base na matéria colectável constante das declarações periódicas que esteja vinculado a apresentar perante a administração fiscal (cf. arts. 82.º al. a), 83.º n.º 1 al. a) CIRC; arts. 26.º n.º 1, 28.º n.º 1 al. c) e 40.º n.º 1 CIVA).
Nestes casos a liquidação dos impostos pela administração tributária apenas ocorre em caso de incumprimento da obrigação de autoliquidação pelos sujeitos passivos (arts. 82.º al. b) e 83.º n.º 1 als. b) e c) CIRC; arts. 27.º n.º 1 e 83.º n.º 1 CIVA).

2. No caso concreto a celebração de contratos de prestação de serviços de internet, telefone e televisão por cabo entre a A…….., SA e os seus clientes está sujeita à incidência do imposto, cujo sujeito passivo é o prestador dos serviços (arts. 1.º n.º 1, 2.º n.º 1 al. h) e 30 n.º s 1 e 3 al. s) CIS).
O Imposto de Selo está igualmente sujeito ao regime de autoliquidação pelo respectivo sujeito passivo, devendo a liquidação constar do contrato sujeito a tributação (art. 23.º n.ºs 1 e 4 CIS).
O mero registo contabilístico em conta da classe 27 de quantias classificadas como Imposto de Selo (e não da classe 24, como seria correcto face à natureza de imposto das quantias registadas) não constitui autoliquidação relevante, porquanto não constante do documento onde deveria constar nem de qualquer declaração apresentada pelo sujeito passivo à administração tributária, ainda que não acompanhada de meio de pagamento.
Esta desconsideração do registo contabilístico com liquidação do imposto foi reconhecida pela própria administração tributária que resolveu efectuar as necessárias liquidações do imposto em data situada entre 10.07.2007 e 6.09.2007 (probatório n.º s 3/5; docs. fls. 70, 78 e 83).

3. Em consequência verifica-se a caducidade do direito à liquidação do Imposto de Selo, considerando as seguintes premissas:
a) prazo de caducidade de 4 anos, iniciado na data dos factos tributários (contratos), correspondendo os mais recentes ao período de Dezembro 2002 (doc. fls. 83; art. 45.º n.º s 1 e 4 LGT/art. 39.º n.º 1 CIS);
b) o início da acção de inspecção externa em 16.11.2006 e a conclusão em 10.08.2007, data da notificação do relatório final ao contribuinte (art. 62.º n.º s 1/2 RCPIT; termo de diligência fls. 94);
c) a cessação do efeito suspensivo do prazo de caducidade, resultante da ultrapassagem do prazo de seis para a conclusão da inspecção (art. 46.º n.º 1 LGT);
d) a notificação das liquidações ao sujeito passivo em data indeterminada mas posterior a 6.09.2007 (na versão da recorrente em 25.09.2007 – petição de impugnação judicial art. 317.º)».

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando considerou que não se verificava a invocada caducidade do direito à liquidação, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se pode considerar-se que a Contribuinte autoliquidou o IS referido nas notas de liquidação de IS que lhe foram remetidas pela AT relativamente aos anos de 2000, 2001 e 2002 e com referência a «escritos de quaisquer contratos».


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito:

1. Em 08/08/2007 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal do qual constam correcção, entre outras, em sede de Imposto de Selo relativamente aos exercícios de 2000 a 2002 (cfr. doc. junto a fls. 90 a 143 dos autos);

2. Do Relatório identificado no ponto anterior, relativamente à matéria em apreço nos presentes autos, consta o seguinte: “(…)

III - 4. Imposto do Selo

O Código do Imposto do Selo refere no seu art. 1.º, que estão sujeitos a imposto do selo todos os “… actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral...”. Assim, ficam sujeitos a imposto do selo, os contratos celebrados pela A…….com os seus clientes, nos termos que a seguir se discriminam:

III - 4.1 Contratos de Prestação de Serviços

Exercício 2003

Os serviços prestados pela A……. aos seus clientes encontram-se suportados por contratos, nos quais os mesmos podem optar por subscrever o máximo de três serviços: internet, telefone e televisão por cabo.

Em 2003 o imposto do selo contabilizado na conta 6313 por contrapartida da “27393 - Imposto do Selo” foi de € 420.395,00.

Para o apuramento dos valores registados nas contas anteriormente mencionadas, o s.p. utiliza os mapas denominados “Daily Report” (anexos 23 a 26), elaborados mensalmente pelo departamento de marketing, onde são apuradas os novos clientes do serviço básico de televisão por cabo (....), internet e telefone.

Da análise aos elementos disponibilizados pela contribuinte para validar o montante de imposto do selo registado na contabilidade, e na Impossibilidade de apurar correctamente o n.º de novos contratos efectuados em cada exercício, adoptou-se como critério, o n.º de novos subscritores do serviço básico (........), pois são muito poucos os clientes que subscrevem outros serviços sem disporem deste.

Analisados os “Daily Report”, verificou-se que no total, durante o exercido de 2003, foram efectuadas 43.798 instalações de ....... No entanto, os cálculos para o apuramento do Imposto do Selo registado contabilisticamente, basearam-se no número de serviços assinalados pelos clientes e não no número de contratos celebrados, perfazendo um total de 84.079 instalações. Analisados 36 contratos celebrados nesse exercido com novos clientes, concluiu-se que em alguns deles foram subscritos os três serviços.

De acordo com o art. 1.º, n.º 1.º e 5.º, al. a) do CIS, deveriam ter sido entregues € 5,00 de Imposto do Selo por cada um dos contratos celebrados com os clientes, conforme está previsto na verba 8 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Assim, no exercício de 2003, foi considerado na subconta “273909 Imposto do selo” um montante de imposto do selo superior ao que se mostra devido, e registados na subconta «63131 - Imposto do selo - Clientes” custos efectivamente não incorridos, como a seguir se discrimina:

valores em €
Períodos
Anexo 26
N.º subscritores
Imposto Selo
Verba 8 TGIS
Contabilidade
Subconta 63131
Valor não aceite
como custo fiscal
Jan-03
(folha 4)
5.665
28.325,000
0,00
28.325,00
Fev-03
(folha 8)
5.116
25.580,00
9.070,00
16.510,00
Mar-03
(folha 12)
4.489
22.445,00
22.445,00
0,00
Abr-03
(folha 16)
3.201
16.005,00
4.765,00
11.240,00
Mai-03
(folha 20)
3.206
16.030,00
88.245,00
- 72.215,00
Jun-03
(folha 24)
3.024
15.120,00
47.555,00
- 32.435,00
Jul-03
(folha 28)
3.100
15.500,00
38.620,00
- 23.120,00
Ago-03
(folha 32)
2.628
13.140,00
32.400,00
- 19.260,00
Set-03
(folha 36)
3.439
17.195,00
44.165,00
- 26.970,00
Out-03
(folha 40)
3.918
19.590,00
53.010,00
- 33.420,00
Nov-03
(folha 44)
3.192
15.960,00
42.735,00
- 26.775,00
Dez-03
(folha 48)
2.820
14.100,00
37.385,00
- 23.285,00
TOTAIS
43.798
218.990,00
420.395,00
- 201.405,00

Face ao exposto, propõe-se uma correcção ao Lucro Tributável de € 201.405,00 relativamente ao exercício de 2003, uma vez que se trata de custos contabilizados em duplicado e até triplicado e não imprescindíveis à manutenção da fonte produtora.

No que diz respeito ao valor em dívida relativamente a Imposto do Selo no montante de € 218.990,00, o sujeito passivo regularizou voluntariamente efectuando a entrega das declarações de imposto do selo, como descrito no ponto VI.2 do presente relatório.

Exercícios de 2000 a 2002

Tendo em conta o relatado no ponto anterior verificou-se que também nos exercícios de 2000 a 2002 foi contabilizado imposto do selo que não foi entregue nos Cofres do Estado.

Os montantes e imposto do selo em dívida ao Estado foram evidenciados nas contas:

–“27393 Outro acréscimo” (anexo 19) que reflecte o imposto do selo de contratos celebrados com clientes, de € 592.341,61 (anexo 20) sendo € 255.553,27 do exercício de 2000 e € 336.788,34 de 2001, o qual deveria ser entregue através da correspondente Guia Mod. 100, nos prazos estipulados no art. 44.º do Código do Imposto do Selo.

AnosN.º Subscritores
Daily Report (a)
Imposto Selo
Verba 8 TGIS
Contabilidade
273909/27391/27393
200051.115270.575,00255.553,27
200198.912494.560,00336.788,34
2002100.848504.240,00421.014,43

a) Dado o n.º elevado de doc. suporte os mesmos encontram-se arquivados no processo.

Assim, e caso o s.p. tivesse evidenciado imposto do selo sobre todos os contratos realizados, o imposto do selo em dívida ao Estado por exercícios seria superior, porém observando o disposto no art. 45.º da LGT não se propõe qualquer liquidação adicional, mas tendo em conta o previsto no art. 48.º LGT – “As dívidas tributárias prescrevem … no prazo de oito anos…”, o s.p. é devedor da 2000 a 2002 das importâncias de € 255.553,27, € 336.788,34 e € 421.014,43 respectivamente, o que perfaz o montante global de € 1.013.356,04, valor este que vai ser recolhido com data de Janeiro de 2003.

(…)

3 - Imposto do Selo

Os argumentos apresentados pelo sujeito passivo (pontos 80.º a 113.º) e que a seguir se resumem são os seguintes:

Dúvidas quanto à classificação dos contratos de adesão celebrados com os seus clientes como “escritos de contratos - sujeitos a Imposto do Selo - artigo 1.º do Código do Imposto de Selo, e a verba n.º 8 da Tabela Geral do Imposto do Selo;

O Imposto do Selo contabilizado corresponde a uma mera estimativa do valor, que seria devido caso se concluísse que os contratos celebrados pela A….. estariam sujeitos a Imposto do Selo, pois segundo o s.p. nunca existiu qualquer liquidado de I.S., individualizada de cada contrato;

Discorda da proposta no Projecto de Relatório relativamente à correcção a efectuar neste âmbito aos exercícios de 2000, 2001 e 2002, invocando o art. 45.º LGT - caducidade de liquidação de tributos;

Invoca a aplicabilidade do disposto no art. 48.º da LGT “As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos…” porquanto;

a prescrição corresponde à extinção de uma obrigação vencida em consequência do decurso de um prazo fixado na lei, ou seja, pressupõe a prévia liquidação da dívida tributária, a qual deverá ser certa, líquida e exigível;

a liquidação corresponde à aplicação das normas substantivas a um determinado evento tributável de modo a determinar qual a posição do sujeito passivo perante as autoridades fiscais, isto é, sujeição ou não a imposto e aro caso afirmativo a determinação do imposto devido;

a liquidação/autoliquidacão do imposto inicia-se, regra geral, com uma declaração do contribuinte ou de um terceiro (submissão de uma guia de pagamento) na qual se identificam as pessoas obrigadas ao pagamento do encargo, data, determina-se a matéria colectável e, ainda, a montante do imposto a pagar. Invoca a interpretação de Pedro Soares Martínez in Manual de Direito Fiscal, Almedina - 1984, pág. 298, “(...) a liquidação tem natureza declarativa, tomando-se a dívida tributária corta e quando a exigibilidade não dependa de praias legais, exigível também”.

Assim, um mero evento ou acção interna levada a cabo pelo contribuinte (ex. lançamento contabilístico) para fazer face a um evento incerto, em virtude das dúvidas existentes quanto à incidência do Imposto do selo não configura a ocorrência da “auto-liquidação”, o que conjugado com o facto de nunca ter procedido a qualquer declaração/comunicação às competentes autoridades fiscais da ocorrência de um facto tributário nem da quantificação do mesmo, impossibilitaria a aplicação do prazo de prescrição de oito anos, aplicando-se sim o prazo de caducidade de quatro anos pois a dívida não é certa, líquida exigível.

Analisados os argumentos apresentados pelo sujeito passivo, cumpre informar o seguinte:

- Os “Contratos de prestação de serviços”, dos quais se anexa um a título exemplificativo (cf. anexo 44), têm as características de “escritos de contratos”, sujeitos a Imposto do Selo de acordo com n.º 1, do art. 1.º do CIS e verba 8 da Tabela Geral do Imposto do Selo sendo a selagem de € 5,00 por cada contrato celebrado.

- Apesar das dúvidas da A……. relativas à incidência do IS sobre os referidos contratos a “estimativa” efectuada quer em 2003 quer nos exercícios de 2000 a 2002 teve sempre por base o n.º de contratos celebrados e o valor do I.S. definido na tabela Geral do I.S., portanto face ao referido afigura-se que não é uma “estimativa” mas um cálculo baseado na contagem dos contratos efectuados à semelhança do ocorrido de 2003 a 2006, regularizados pelo s.p. no decurso da acção;

Quanto à Caducidade/Prescrição:

- Não foi liquidado qualquer tributo adicional, porque se assim fosse, conforme já foi referido no ponto III.4 do projecto de relatório o valor seria muito superior ao contabilizado, e nesse caso sim, vigoraria o prazo de caducidade previsto no n.º 4 do art. 45.º da LGT, pelo que o s.p. teria razão na sua argumentação.

- Porém, tendo era conta o referido anteriormente, não se traia de uma liquidação por parte dos Serviços de Inspecção Tributária, mas sim de uma dívida tributária reconhecida na contabilidade do s.p., na conta 63 por contrapartida da 27, ou seja, já liquidada, apesar de não declarada fiscalmente através das correspondentes guias, que está sujeita ao prazo de anos previsto no n.º 1, do art. 48.º da LGT.

- Liquidação consiste precisamente no processo de apuramento de uma dívida e dos seus acréscimos legais, de um devedor ao Estado. De facto o s.p. apurou a sua dívida perante o Estado, relativa ao imposto do acto dos exercícios de 2000 a 2002, evidenciou-a na sua contabilidade, considerou como custo nos respectivos exercícios o montante desse imposto, no entanto, não efectuou a sua auto-liquidação, que corresponderia ao acto contabilizável por sua iniciativa, com a apresentação das correspondentes declarações, acompanhadas do respectivo meio de pagamento.

Em síntese, a divida relevada na contabilidade está quantificada e não é uma estimativa pois teve por base a contagem dos contratos de prestações de serviços assinados pelos novos clientes e evidenciados nos “Daily Reports” (mapas elaborados pelo Departamento de Marketing), contratos estes sujeitos a Imposto do Selo, não sendo relevante o facto de a mesma não ter sido comunicada à Administração Fiscal, através das correspondentes guias para a aplicabilidade do disposto no art. 48.º da LGT.

Resumindo, os actos alegados não são susceptíveis de alterar a posição firmada em sede do projecto de relatório, pelo que se conclui que o s.p. é devedor de 2000 a 2002 das importâncias de € 255.553,27, € 336.788,34 e € 421.014,43 respectivamente, o que perfaz o montante global de € 1.013.356,04, valor este que vai ser recolhido nos respectivos exercícios, ao abrigo das Ordens de Serviço Internas n.º 200700802/803 e 804, ao contrário do referido no Projecto de Relatório que mencionava como data de recolha Janeiro de 2003.

(cfr. doc. junto a fls. 90 a 141 dos autos);

3. Em data que não se pode precisar mas que se situará entre 10/07/2007 e 06/09/2007, foi efectuada a liquidação de Imposto de Selo n.º 2007 6430001670 relativamente aos meses de Março de 2000 a Dezembro de 2000 em nome da Impugnante no montante de € 255.553,27 acrescida de juros compensatórios no montante de € 90.922,52 (cfr. doc. junto a fls. 70 dos autos);

4. Em data que não se pode precisar mas que se situará entre 10/07/2007 e 06/09/2007, foi efectuada a liquidação de Imposto de Selo n.º 2007 6430001671 relativamente aos meses de Junho de 2001 a Dezembro de 2001 em nome da Impugnante no montante de € 336.788,34 acrescida de juros compensatórios no montante de € 94.297,32 (cfr. doc. junto a fls. 78 dos autos);

5. Em data que não se pode precisar mas que se situará entre 10/07/2007 e 06/09/2007, foi efectuada a liquidação de Imposto de Selo n.º 2007 6430001672 relativamente aos meses de Janeiro de 2002 a Dezembro de 2002 em nome da Impugnante no montante de € 421.014,43 acrescida de juros compensatórios no montante de € 96.770,40 (cfr. doc. junto a fls. 83 dos autos);

6. A Impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações identificadas nos três pontos anteriores em 23/11/2007 (cfr. doc. junto a fls. 2 a 24 do processo administrativo referente à Reclamação graciosa junto aos autos):

7. A Reclamação graciosa foi indeferida (cfr. doc. junto a fls. 236 a 240 do processo administrativo junto aos autos);

8. Em 14/04/2008, foi interposto recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa (cfr. doc. junto a fls. 2 a 21 do processo administrativo referente ao recurso hierárquico junto aos autos)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A “A……., S.A.” ao longo dos anos de 2000, 2001 e 2002 celebrou com os seus clientes diversos contratos de fornecimento de serviços de televisão, telefone e internet, contratos pelos quais era devido IS no momento da respectiva assinatura, que ela deveria liquidar nesse momento, fazendo menção no próprio contrato a essa liquidação e respectiva data, e suportando o imposto liquidado, que deveria entregar nos cofres do Estado até ao 20 do mês seguinte àquele em que se constituiu a obrigação tributária, mediante documento de cobrança, tudo nos termos do disposto nos arts. 1.º, n.º 1 O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral».), 2.º, alínea h) 1. São sujeitos passivos do imposto:
[…]
h) Outras entidades que intervenham em actos e contratos ou emitam ou utilizem os documentos, livros, títulos ou papéis».), 3.º, n.ºs 1 O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º».), e 3, alínea s) 3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:
[…]
s) Em quaisquer outros actos, contratos e operações, o requerente, o requisitante, o primeiro signatário, o beneficiário, o destinatário dos mesmos, bem como o prestador ou fornecedor de bens e serviços».), 5.º, alínea a)A obrigação tributária considera-se constituída:
a) Nos actos e contratos, no momento da assinatura pelos outorgantes».), 23.º, n.ºs 1 A liquidação do imposto compete aos sujeitos passivos referidos no n.º 1 do artigo 2.º».) e 4Nos documentos, livros e títulos sujeitos a imposto são mencionados o valor do imposto e a data da liquidação».), 43.º O imposto do selo é pago mediante documento de cobrança de modelo oficial».) e 44.ºO imposto é pago nas tesourarias de finanças, ou em qualquer outro local autorizado nos termos da lei, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído».), todos do Código do Imposto do Selo (CIS), na redacção em vigor à data, que é a anterior à do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
Não se questiona nos autos que os contratos de prestação de serviço em causa estejam sujeitos a IS, nem que seja a ora Recorrente quem deve suportar o respectivo encargo, competindo-lhe liquidar o imposto e entregar o respectivo montante ao Estado. De igual modo, não se questiona que a ora Recorrente não procedeu à entrega do IS devido pelos contratos celebrados naqueles anos. Não se questiona sequer o montante do imposto que a AT considerou devido.
O que está em causa nos presentes autos é apenas saber se estava ou não caducado o direito à liquidação do IS respeitante aos contratos celebrados nos referidos anos de 2000 a 2002, uma vez que quando a ora Recorrente foi notificada – seguramente após 6 de Setembro de 2007 (cfr. n.ºs 3, 4 e 5 dos factos provados) – tinham decorrido mais de 4 anos sobre os mais recentes dos contratos em causa, que são os celebrados em Dezembro de 2002.
A Impugnante sustentou que se verificava a caducidade do direito à liquidação, atento o disposto no art. 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT 1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
[…]
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário».), porque entre a data do mais recente dos factos tributários e a data em que foi notificada da liquidação decorreram mais de 4 anos.
A AT opôs que não pode verificar-se a caducidade do direito à liquidação porque não efectuou liquidação alguma, mas antes se limitou a exigir o IS que a Contribuinte autoliquidou e não entregou nos cofres do Estado, motivo por que no caso não tem lugar a aplicação do instituto da caducidade.
A Juíza do Tribunal a quo julgou a impugnação judicial improcedente. Em síntese, entendeu que deve considerar-se que a Impugnante autoliquidou o IS em causa, rectius, que «não logrou a Impugnante provar que não liquidou o imposto em causa», sendo que, se bem interpretamos a sentença, alicerça esse entendimento no facto de a Impugnante ter contabilizado diversos montantes a título de IS e de não relevar que, eventualmente, essa inscrição não tenha sido feita na conta adequada. Mais considera que, apesar de o montante contabilizado não corresponder à totalidade dos contratos celebrados, a AT entendeu estar impossibilitada de exercer o direito à liquidação (adicional) em virtude de estar já excedido o prazo para o efeito, de acordo com o disposto no art. 45.º da LGT. Ou seja, parece inequívoco que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada considerou que estava caducado o direito à liquidação do IS relativo aos anos em causa, mas que tal caducidade não influía na decisão da causa, porque não estamos perante liquidações oficiosas por parte da AT, mas antes simplesmente perante a exigência do IS que a Contribuinte autoliquidou e não entregou nos cofres do Estado.
A Impugnante insurgiu-se contra essa sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo.
Continua a sustentar que não efectuou liquidação alguma (autoliquidação) de IS, sendo que a mera inscrição contabilística (correcta ou incorrecta) nunca pode ser tida como uma declaração para efeitos de IS, sendo que a autoliquidação sempre exigiria da sua parte uma «qualquer formalização, exteriorização, declaração, comunicação, divulgação ou transmissão, seja a terceiros seja às próprias autoridades fiscais».
Sustenta ainda que não pode estabelecer-se qualquer paralelismo entre a situação dos autos e a que foi decidida pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Novembro de 2007 (Acórdão proferido no processo n.º 730/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Maio de 2008 (https://dre.pt/pdfgratisac/2007/32240.pdf), págs. 1652 a 1655, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/528bff3d273bba468025739900528aa8?OpenDocument.), em que se louvou a decisão recorrida. É que os autos em que foi proferido esse acórdão referem-se a uma retenção de IRS na fonte por parte de um substituto tributário, em que havia obrigação por parte do impugnante de reter o imposto devido por terceiro, ou seja, uma situação em que, nos termos do art. 20.º da LGT 1 - A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte.
2 - A substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido».), a prestação tributária, por imposição legal, é exigida a pessoa diferente do contribuinte, através do mecanismo da retenção na fonte. «Daí que nestas situações se não possa falar ainda em liquidação efectuada pela AF nem mesmo em autoliquidação», como ficou expressamente dito nesse aresto. Situação bem diversa da sub judice, em que a AT sustenta que houve autoliquidação e a Contribuinte sustenta que houve liquidação oficiosa por parte da AT.
Concluiu que as liquidações foram efectuadas pela AT e lhe foram notificadas depois do prazo da caducidade do direito à liquidação.
Ou seja, a divergência de posições entre a Recorrente e a sentença recorrida, que acolheu a tese da AT, é quanto à existência ou não de autoliquidação do IS relativamente aos contratos de prestação de serviços que celebrou com os seus clientes nos anos de 2000, 2001 e 2002. É da existência dessa autoliquidação que ora cumpre averiguar: se houve autoliquidação, a exigência do imposto não está sujeita a prazo algum de caducidade, mas apenas ao prazo de prescrição das obrigações tributárias; se não houve, as liquidações impugnadas, porque foram notificadas após o prazo fixado pelo art. 45.º da LGT, que é aplicável ex vi do n.º 1 do art. 39.º do CIS Só pode ser liquidado imposto nos prazos e termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da LGT, salvo […]». As diversas excepções, previstas nos vários números do artigo não têm aplicação ao caso.), serão ilegais por caducidade do direito à liquidação.

2.2.2 DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a tese de que a AT não efectuou liquidação alguma e se limitou a vir exigir à Contribuinte o imposto que ela autoliquidou e não entregou nos cofres do Estado.
Desde logo, se assim fosse, mal se compreenderia que a AT tivesse notificado a Contribuinte nos termos em que o fez: enviando-lhes «demonstração de liquidação» com «nota de apuramento do imposto de selo», concedendo-lhe prazo para pagamento e notificando-a da possibilidade de «reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos art. 70. e 102. do CPPT» (cfr. os documentos para que remete a sentença nos factos provados sob os n.ºs 3., 4. e 5.).
Por certo, teria a AT optado pela cobrança coerciva da dívida, extraindo de imediato os pertinentes títulos executivos – certidões de dívida – e com base nos mesmos instaurado execução fiscal para cobrança do montante autoliquidado mas não entregue nos cofres do Estado. Tanto mais que o 36.º, n.º 3, da LGT A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei».) proíbe a concessão de moratórias no pagamento das obrigações tributárias, sendo que a concessão de moratória em casos não autorizados por lei pode mesmo gerar a responsabilidade subsidiária da pessoa que a conceder [cfr. art. 85.º, n.º 3 A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária».), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].
Na verdade, se tivesse havido autoliquidação, como afirma a AT, a dívida seria já certa e exigível, não se vislumbrando motivo para que a Administração viesse notificar nos termos em que o fez, que apenas são compatíveis com a prática de liquidações oficiosas, ou seja, de liquidações efectuadas na sequência da verificação em sede inspectiva da omissão do dever declarativo por parte da Contribuinte e sendo a matéria tributável fixada com base nos elementos colhidos na contabilidade desta.
Por outro lado, não podemos acompanhar a tese da AT e subscrita pela Juíza do Tribunal a quo, que equipara um registo contabilístico à declaração.
Na verdade, declarar, é sinónimo de «manifestar de modo claro e terminante; patentear, tornar conhecido dar a saber» (Cfr. “declarar”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,
http://www.priberam.pt/dlpo/declarar [consultado em 31-01-2014].) e as declarações, que constituem uma obrigação acessória dos sujeitos passivos (cfr. art. 39.º, n.º 2, da LGT São obrigações acessórias do sujeito passivo as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações».)) e que, em regra, estão na origem do procedimento de liquidação (cfr. art. 59.º, n.º 1, do CPPT O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente».)), só relevam para o apuramento da matéria tributável se efectuadas nos termos legais e desde que permitam à AT verificar a regularidade da situação tributária do sujeito passivo (cfr. art. 59.º, n.º 2, do CPPT O apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária».)).
Não pode, pois, considerar-se como declaração de autoliquidação a mera inscrição contabilística (certa ou errada, não releva para este efeito) de determinados montantes a título de imposto suportado. Porque essa inscrição contabilística não foi transcrita para uma declaração e porque a ora Recorrente nunca preencheu e entregou os documentos por que deveria proceder à entrega do montante desse imposto ao Estado (nem sequer fez menção à liquidação do IS nos contratos de prestação de serviços celebrados com os clientes nos anos de 2000, 2001 e 2002), não pode considerar-se que tenha efectuado a autoliquidação do imposto.
A autoliquidação exigirá sempre uma declaração, que não pode ser dispensada por qualquer registo contabilístico. Se é certo que as declarações devem basear-se nos registos contabilísticos (cfr. art. 59.º, n.º 2, do CPPT), estes não substituem aquelas.
Como bem salienta a Recorrente, «[u]m conceito de autoliquidação de imposto que se baste com uma mera inscrição contabilística, sem qualquer formalização, exteriorização, declaração, comunicação, divulgação ou transmissão, seja a terceiros seja às próprias autoridades fiscais, não tem, qualquer apoio na letra ou no espírito de qualquer lei fiscal, maxime no Código do Imposto do Selo».
O que sucedeu no caso sub judice foi que a AT, na sequência de uma fiscalização à ora Recorrente, verificou a existência de factos tributários não declarados – a realização dos referidos contratos de prestação de serviços –, motivo por que instaurou oficiosamente o procedimento de liquidação, como lhe é imposto pelo n.º 7 do art. 59.º do CPPT Sempre que a entidade competente tome conhecimento de factos tributários não declarados pelo sujeito passivo e do suporte probatório necessário, o procedimento de liquidação é instaurado oficiosamente pelos serviços competentes».). No âmbito desse procedimento, serviu-se dos registos contabilísticos do sujeito passivo para avaliar a matéria tributável (cfr. art. 81.º, n.º 1 A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei».), 82.º, n.º 1 A competência para a avaliação directa é da administração tributária e, nos casos de autoliquidação, do sujeito passivo».), 83.º, n.º 1 A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação».) e 84.º, n.ºs 1 e 3 1 - A avaliação dos rendimentos ou valores sujeitos a tributação baseia-se em critérios objectivos.
[…]
3 - A fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado.».), da LGT) e, a final, procedeu à liquidação oficiosa do IS que considerou ser devido.
Acresce que, sempre salvo o devido respeito, não faz sentido esgrimir o argumento de que «a Impugnante não logrou provar que não liquidou o imposto em causa». Na verdade, a Impugnante nunca teria como provar que não procedeu à autoliquidação; seria a AT, se pretende exercer o direito com base na autoliquidação que teria que demonstrar foi esta foi efectuada (cfr. art. 74.º, n.º 1, da LGT O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».)), prova a fazer, nos termos referidos, mediante a apresentação da respectiva declaração.
Concluímos, pois, que não estamos perante uma situação de autoliquidação, como sustentou a AT, mas de liquidação oficiosa.
Assim sendo, como é, cai pela base o pretenso paralelismo que a sentença considerou existir entre a situação sub judice e aquela que foi objecto da decisão pelo acórdão em que a sentença se louvou.
Na verdade, a situação a que se refere aquele acórdão é totalmente diversa: aí não estava em causa uma liquidação oficiosa, como entendemos que está nos presentes autos, nem sequer uma autoliquidação, como na tese da sentença; a situação de que aí se tratava era, antes, uma daquelas em que, nas palavras daquele aresto, “se não pode falar ainda em liquidação efectuada pela AT nem mesmo em autoliquidação”, pois o que sucedeu foi que, numa acção de fiscalização efectuada pela AT à aí recorrente, «foram detectadas retenções na fonte por ela efectuadas no decurso do ano de 2001 sobre determinados rendimentos sem que ela tenha procedido à entrega das quantias retidas nos cofres do Estado, como lhe competia e legalmente estava obrigada» e perante essa situação «a AF só se limitou a apurar os montantes retidos e não entregues pela recorrente e a exigir-lhe o cumprimento da obrigação [em processo de execução fiscal, como é óbvio] que sobre ela impendia enquanto substituta tributária, não tendo procedido a qualquer liquidação». E prossegue o referido acórdão: «[…] neste caso não houve a prática de qualquer desses actos do processo de liquidação quer por parte da AF quer por parte do próprio contribuinte», «[r]azão por que se não possa falar aqui na existência duma verdadeira liquidação».
Ora, a situação dos autos, sempre salvo o devido respeito, nada tem em comum. Não estamos aqui, como se estava ali, perante uma situação de retenção de imposto na fonte por parte de um substituto tributário. «A retenção na fonte é o fenómeno que se verifica quando a lei, aproveitando a circunstância da existência de pagamento de um para outro sujeito e cuja constituição está conexionada com a existência dos factos tributários, atribui a obrigação de reter uma certa quantia a título de imposto e de a entregar nos cofres do Estado a uma pessoa diferente (o substituto) daquela em relação à qual se verificam esses factos tributários (o substituído)» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Encontro da Escrita Editora, 4.ª edição, anotação 7 ao art. 95.º, pág. 826.). A ora Recorrente não estava obrigada a reter imposto algum que fosse devido por um terceiro. O imposto não é devido senão por ela, que o devia ter liquidado, fazendo disso menção no contrato, e pago, tudo nos termos que deixámos já referidos. Ou seja, a ora Recorrente surge nas relações tributárias em causa como sujeito passivo na qualidade de contribuinte directo e não de substituto (cfr. art. 18.º, n.º 3, da LGT O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável».)).
Já no referido acórdão estavam em causa as retenções de IRS na fonte por parte de um substituto tributário, em que havia obrigação por parte do sujeito passivo de reter o imposto devido por terceiro, ou seja, uma situação em que, nos termos do art. 20.º da LGT, a prestação tributária, por imposição legal, é exigida a pessoa diferente do contribuinte, através do mecanismo da retenção na fonte.
Dando como assente que estamos perante liquidações oficiosas de IS, é inequívoco que as mesmas estão sujeitas ao instituto da caducidade, nos termos do art. 45.º da LGT, aplicável ex vi do n.º 1 do art. 39.º do CIS.
Ora, tomando por referência o último dia do ano de 2002, temos que, em princípio, a notificação da liquidação respeitante a contrato efectuado nesse dia deveria ser notificada à Contribuinte até 31 de Dezembro de 2006.
Porque essa notificação foi efectuada em data não anterior a 6 de Setembro de 2007 e porque não pode relevar-se o efeito suspensivo decorrente da inspecção externa, uma vez que esse efeito cessou por força da duração superior a seis meses daquela inspecção (cfr. n.º 1 dos factos provados e o relatório da inspecção para que remete o n.º 2 dos factos provados (Dos quais resulta que a Contribuinte foi notificada do início e do fim da inspecção em 16 de Novembro 2006 e em 10 de Agosto de 2007, respectivamente.)), temos que concluir pela caducidade do direito à liquidação (art. 46.º, n.º 1, da LGT O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação».)).
Pelo exposto, verifica-se a caducidade do direito à liquidação, motivo por que, provendo o recurso e revogando a sentença, que decidiu em sentido diverso, deve julgar-se procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação das liquidações impugnadas.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A autoliquidação exige uma declaração, não servindo como tal um mero registo contabilístico.
II - Verifica-se a caducidade do direito à liquidação se esta não for notificada dentro do prazo de quatro anos contados, no caso dos impostos de obrigação única, como o é o Imposto de Selo, da data em que o facto tributário ocorreu (cfr. art. 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT).


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando procedente a impugnação judicial, anular as liquidações impugnadas.

Custas pela Recorrida, mas apenas em 1.ª instância, uma vez que não contra alegou o recurso.


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Lisboa, 5 de Fevereiro de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves - Ascensão Lopes.