Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0394/13
Data do Acordão:04/03/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PENHOR
Sumário:I - O artº 199º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário confere à administração uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da administração tributária.
II - Para efeito do disposto nos arts. 169º e 199º do Código de Procedimento e Processo Tributário garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos.
III - Dada a analogia entre a cessão de um crédito e a constituição de um penhor sobre ele, as relações entre o obrigado e o credor pignoratício estão sujeitas às disposições aplicáveis, na cessão de créditos, às relações entre o devedor e o cessionário, podendo o devedor opor ao credor pignoratício todos os meios de defesa que pudesse invocar contra o credor, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento do penhor (arts. 684º e 585º do Código Civil).
IV - Não padece de falta de fundamentação ou de fundamentação contraditória a decisão da Administração Tributária que não aceitou o penhor de crédito sobre um crédito em execução comum oferecido pelo executado por considerar que ficava onerada com um crédito futuro incerto e dependente de uma decisão judicial, sujeito a uma moratória acrescida e também porque considerou que « atendendo ao princípio da suficiência, os bens com vista a garantir a dívida têm de se encontrar livres e desembaraçados».
Nº Convencional:JSTA00068185
Nº do Documento:SA2201304030394
Data de Entrada:03/08/2013
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BEJA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXECUÇÃO FISCAL
Legislação Nacional:CPA91 ART125 N1
CPPTRIB99 ART169 ART199 ART195 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0786/11 DE 2011/09/21; AC STA PROC0730/12 DE 2012/07/11; AC STA PROC0916/12 DE 2012/10/10
Referência a Doutrina:RUI MORAIS - A EXECUÇÃO FISCAL PAG77.
ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E JOSÉ DA SILVA PAIXÃO - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO PAG474.
JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED AREAS EDITORA VOLIII ANOTAÇÃO ART199.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A……., Ldª, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja de 12 de Dezembro de 2012, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Grândola, que considerou inidónea a garantia oferecida através do penhor de créditos, no âmbito do processo de execução fiscal nº 2178201201007408.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) O acto que determina se uma garantia prestada é ou não idónea deve ser fundamentado nos termos do disposto no art.º 125.° do CPA;
B) A Fundamentação de um acto administrativo, nomeadamente em matéria de fundamentação jurídica, não pode aplicar de forma errada institutos jurídicos;
C) Ao considerar inidónea uma garantia oferecida — um crédito litigioso — por considerar que dar um crédito em garantia leva a Administração Fiscal a ficar na qualidade de Credor do Devedor, tornando-a Exequente numa acção em curso, está-se a confundir penhor de créditos com cessão de créditos;
D) Julgando inidóneo um penhor de créditos porque se formulou tal juízo com base na aplicação do regime da cessão de créditos, tal implica um erro na fundamentação e um conteúdo contraditório.
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência proferida decisão que:
a) anule todos os actos em que consubstanciou a prossecução da execução coerciva de bens da Reclamante sem que tivessem sido concluídos os procedimentos de prestação de garantia, e concretamente todas as penhoras acima identificados, por terem sido ilegalmente efectuadas, sendo ordenado o respectivo levantamento, bem como o cancelamento dos respectivos registos;
b) anule o Acto da Exmª Senhora Directora de Finanças em Substituição da Direcção de Finanças de Setúbal que julga inidónea a garantia oferecida do penhor de créditos identificado, por falta de fundamentação e erro de facto da decisão da mesma, bem como o acto de determinar o reforço da garantia sob pena da prossecução da execução, pelos mesmos fundamentos;
c) ordene que seja proferida, pela Exmª Senhora Directora de Finanças em Substituição da Direcção de Finanças de Setúbal, decisão sobre os requerimentos, apresentados pela executada nestes mesmos autos de execução, de prestação de garantia através de penhor de créditos, mantendo-se até lá a suspensão da execução.
Tudo com as legais consequências.»

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o douto parecer no sentido do não provimento do recurso.

4 – Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo vêm os autos à conferência.

5 – A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos com relevância para a decisão:

1 - Foi instaurado relativamente à sociedade comercial reclamante, com o NIF ……., pelo Serviço de Finanças de Grândola o processo de execução fiscal nº 2178201201007408, por dívidas de natureza fiscal, concretamente IVA.
2 - Em 05/07/2012 a sociedade foi citada para a referida execução fiscal.
3 -. Em 13/07/2012 apresentou requerimento no SF dirigido àquela execução consubstanciado na apresentação de garantia para suspensão da mesma face à apresentação de impugnação judicial das liquidações de IVA que lhe estão subjacentes nos seguintes termos:
“a) Penhor de créditos relativo ao crédito que é titular sobre B……., Lda”, sociedade comercial por quotas, pessoa colectiva nº ……. com sede em apartado …., 4536-…… Lourosa e garantido por C……., NIF ……., D…….., NIF / ……., no total de 632.163,85€, em execução no processo 1135/107 TBSJM, onde se encontram já penhorados diversos bens, incluindo dinheiro, sendo este no valor de 280.000,00, encontrando-se prestada caução para o remanescente da execução e tendo sido jugada improcedente a oposição dos avalistas.
Alternativa, mas subsidiariamente,
b) Hipoteca sobre os seguintes prédios livres de ónus ou encargos:
Localização Artigo Matricial Valor Patrimonial
150502 - Grândola U-9544 €34.000,00
150502- Grândola U-10188-A € 71.800,00”
4 - Na sequência deste requerimento foi elaborada informação pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal em conformidade com a qual foi elaborado parecer nos seguintes termos: “Parecendo-me que não deverá ser decretada a suspensão dos presentes autos de execução fiscal porquanto o penhor de créditos não se mostra suficientemente idóneo e os imóveis já foram penhorados no âmbito dos PEF 2178201201002848 e 2178201201003690, não perfazem o valor previsto no n°6 do art. 199° do CPPT em nenhum daqueles processos. Acresce que não se mostram preenchidos in casu os requisitos de que depende a isenção de prestação de garantia nos termos do disposto no n°4 do art. 52° da LGT e nº 3 do art. 170° do CPPT e doutrina do Of. Circulado n°60.077 de 2010-07-29, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários. A executada deve prestar garantia idónea no prazo de 15 dias nos termos do disposto nos arts. 169°, n°1, 7 e 8 do CPPT, contados da notificação do despacho que vier a ser proferido que eventualmente venha a sufragar este entendimento caso pretenda a suspensão da execução, devendo a garantia ser prestada pelo valor previsto no art. 199°, nº 6 do referido diploma legal.”
5 - Quanto à apreciação do penhor de créditos oferecido em garantia refere, concretamente, a citada informação que “(…) apesar de pelo ofício circulado supra citado se dar preferência a garantias cuja realização seja mais fácil sob o ponto de vista da sua certeza pecuniária nada obsta à admissão de penhor de créditos como garantia até porque tal possibilidade vem prevista no art. 195° do CPPT e 50°, n°2 da LGT mas desde que, depois, de devidamente comprovada a impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução ou seguro-caução e, secundariamente, hipoteca voluntária sobre imóvel, é que se pode equacionar a admissibilidade de aceitação de penhor (enquanto direito real de garantia, enquadrado pelos arts. 666° e ss do Código Civil) ficando a mesma sujeita à verificação de determinados pressupostos. Desde logo, deve ser ajuizado se a garantia é (ou não) susceptível de assegurar o cumprimento dos créditos do exequente. Para além disso, na apreciação da idoneidade da garantia proposta pelo executado deve também ser tomado em consideração princípios jurídicos, como a proporcionalidade, que estabelece parâmetros a que não se pode furtar esse juízo de avaliação. Tal garantia, a nosso ver, viola o princípio da proporcionalidade ao onerar a Administração Tributária com um crédito futuro, incerto e dependente de uma decisão judicial. De forma que, o cumprimento dos créditos do exequente, estaria sujeito a factores externos à relação Jurídica tributária e, ao próprio executado e dependente de uma futura decisão judicial favorável. Acresce ainda que atendendo ao princípio da suficiência, os bens com vista a garantir a dívida têm de se encontrar livres e desembaraçados, i. e., não pode o executado dar de garantia um bem em que a Administração Fiscal, em caso de incumprimento do executado, teria de impulsionar uma acção executiva que lhe é alheia. (...) Em suma, somos de parecer que não pode ser considerada garantia idónea o penhor de crédito sobre um crédito em execução comum porque em caso de incumprimento para ser despoletada a garantia teria a Administração Fiscal que ficar dependente de uma futura decisão judicial eventualmente favorável, com custos e sujeitos a uma moratória acrescida de forma que seria violado o princípio da proporcionalidade”.
6 - Sobre o requerimento e tendo em conta a informação e parecer exarados foi proferido, em 25/07/2012, despacho de prosseguimento dos autos de execução fiscal mediante o não decretamento da suspensão dos mesmos.
7- Deste despacho foi a reclamante notificada em 03/08/2012.
8 - Não se conformando com o teor do despacho a reclamante deu entrada à presente reclamação no Serviço de Finanças em 16/08/2012.

6. Do objecto do recurso

São as seguintes as questões trazidas pela recorrente à apreciação deste Supremo Tribunal:
- Saber se o despacho proferido quanto à idoneidade da garantia oferecida está devidamente fundamentado nos termos do artº 125º do CPA.
- Saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que não padece de ilegalidade, por erro de fundamentação ou fundamentação contraditória, o despacho da autoridade tributária que não considerou idónea para suspender a execução fiscal a garantia oferecida pela executada, mediante penhor de créditos.

6.1 Da fundamentação do despacho reclamado.

Dispõe o artº 268º, nº 3 da Constituição da República que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
A consagração constitucional deste dever de fundamentação expressa, integrado nas chamadas garantias dos administrados, tem em vista assegurar a quem seja afectado nos seus direitos ou interesses, o direito de conhecer as razões que terão determinado a adopção da decisão administrativa que lhe diz respeito.
De harmonia com o disposto no artigo 125º, nº 1 do Código de Procedimento Administrativo a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.
E nos termos do n.º 2 do mesmo normativo equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A jurisprudência e a doutrina têm também consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua pratica. (Ver neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, pags. 396 e segs.)
Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Acresce dizer, na senda do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11. 12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».
No caso subjudice está em causa o eventual vício de falta de fundamentação do despacho da Administração Tributária que julgou inidónea a garantia oferecida (penhor de créditos).
A sentença recorrida considerou tal despacho devidamente fundamentado. Para o efeito ponderou que os fundamentos invocados pela Administração Fiscal para recusa do penhor de créditos eram de ordem objectiva, centrando-se na dependência que a garantia teria face a uma acção judicial e a consequente exposição da cobrança tributária a factores externos de incerteza.
E, considerando tal ordem de fundamentos, entendeu estar correctamente fundamentado o despacho reclamado «na medida em que é analisada a garantia com um juízo de prognose, ou seja, configurando a necessidade de a mesma ser accionada e a razoabilidade da sua cobrança».

Contra o assim decidido se insurge a sociedade recorrente alegando que o despacho reclamado incorreu erro na fundamentação sendo também contraditório ao julgar inidóneo o penhor de créditos, porquanto formulou tal juízo com base na aplicação do regime da cessão de créditos.

Prosseguindo neste discurso argumentativo sustenta nas conclusões das suas alegações que «ao considerar inidónea uma garantia oferecida — um crédito litigioso — por considerar que dar um crédito em garantia leva a Administração Fiscal a ficar na qualidade de Credor do Devedor, tornando-a Exequente numa acção em curso, está-se a confundir penhor de créditos com cessão de créditos».
E conclui que não se pode considerar fundamentado um acto que efectua «um juízo de idoneidade de uma garantia em pressupostos que não são aqueles que determinam saber se a garantia é ou não idónea».

Esta argumentação não pode, no entanto, proceder, como abaixo se demonstrará.
Antes de mais, atentos os termos que a recorrente configura a questão da falta de fundamentação nas suas alegações de recurso, impõe-se, que se faça uma referência à distinção entre fundamentação formal e fundamentação material.
Como sublinha Vieira de Andrade in O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, pág. 231, a diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Efectivamente constitui realidade diferente saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto, ou saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa, o que se situa já no âmbito da validade substancial do acto.
Ora no despacho em apreço mostram-se devidamente explanados os fundamentos de facto e de direito em que se baseou a decisão da Administração Tributária para concluir pela inidoneidade das garantias que o executado se propunha oferecer.
Ali se diz, quanto ao penhor de crédito sobre um crédito em execução comum oferecido pelo executado, que o mesmo não foi aceite porque onerava a Administração Tributária com um crédito futuro incerto e dependente de uma decisão judicial ( “em caso de incumprimento para ser despoletada a garantia teria a Administração Fiscal que ficar dependente de uma futura decisão judicial eventualmente favorável, com custos e sujeitos a uma moratória acrescida de forma que seria violado o princípio da proporcionalidade”) e também porque « atendendo ao princípio da suficiência, os bens com vista a garantir a dívida têm de se encontrar livres e desembaraçados»
Por outro lado, e quanto à também oferecida hipoteca voluntária sobre dois imóveis refere-se no dito despacho que a mesma não foi aceite porquanto o valor patrimonial dos mesmos não era suficiente para garantir a dívida exequenda e acrescido, sendo que, pelas mesmas razões, não foi a hipoteca de tais imóveis aceite nos processos de execução fiscal nºs 2178201201002848 e 2178201201003690, no âmbito dos quais tais imóveis já teriam sido penhorados.

Da recensão atrás efectuada forçoso é concluir que não subsistem dúvidas de que a recorrente teve possibilidade de conhecer das razões de facto e de direito que estão na base da decisão da rejeição das garantias oferecidas, e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão.
Afigura-se-nos, pois, nesta perspectiva, que foram observadas as exigências de da transparência da decisão, tornando acessível à compreensão de um destinatário normal (colocado na situação concreta do real destinatário e no contexto circunstancial que rodeou a prática do acto) o conhecimento das razões que levaram ao indeferimento do peticionado.

6.2 Questão diversa, e já noutro plano, é a de saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que não padece de ilegalidade, por erro de fundamentação ou fundamentação contraditória, o despacho da autoridade tributária que não considerou idónea para suspender a execução fiscal a garantia oferecida pela executada, mediante penhor de créditos.
Trata-se de questão que se situa já num plano diferente, qual seja o da exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados pela Administração Tributária para rejeição da garantia apresentada e que nos reconduz à análise dos pressupostos legais da idoneidade da garantia.
Assim, de harmonia com o disposto no artigo 199.° nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo que a garantia idónea referida no n.º 1 poderá, consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

Este normativo confere à Administração Tributária uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da Administração Tributária.
A utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito impreciso, pois que a norma do nº 2 não determina, de forma exacta, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente.
Poderá concluir-se, no entanto, que emana das disposições conjugadas dos arts. 169° e 199° do Código de Procedimento e Processo Tributário que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.
A garantia idónea será pois aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos - neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, Recurso n° 0786/11, de 11.07.2012, recurso 730/12, de 10.10.2012, recurso 916/12, e, na doutrina, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 77, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pag. 474, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199°.
Por outro lado, não se olvidando que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.) (E também neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.07.2012, recurso 730/12 e de 15.02.3012, recurso 126/12.), não poderá deixar de se argumentar também que, em relação à hipoteca voluntária e ao penhor, a lei impõe a concordância da administração tributária.
Ora no caso em apreço não está em causa a ponderação pela Administração Fiscal de meros riscos hipotéticos, ou da menor solidez do penhor de créditos em contraponto com outras garantias admitidas no elenco do artº 199º, mas sim um juízo de avaliação sobre a idoneidade da garantia oferecida, sendo na avaliação dessa idoneidade a Administração Tributária goza, por força da lei, de uma certa margem de discricionariedade.
Trata-se de um juízo que não é feito apenas com base nas premissas a lei e que assenta também na ponderação dos elementos de facto relativos a cada situação concreta.
No caso dos autos a questão que se impunha, pois, colocar, na perspectiva da análise da exactidão ou validade substancial dos fundamentos invocados pela Administração Tributária, era a saber se a garantia oferecida, mediante penhor de créditos, era suficiente para, em caso de incumprimento do devedor, assegurar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.

Ora, sobre esta matéria o que nos diz a recorrente?
Diz-nos tão somente – vide conclusões das alegações de recurso - que « ao considerar inidónea uma garantia oferecida — um crédito litigioso — por considerar que dar um crédito em garantia leva a Administração Fiscal a ficar na qualidade de Credor do Devedor, tornando-a Exequente numa acção em curso, está-se a confundir penhor de créditos com cessão de créditos».
E que «Julgando inidóneo um penhor de créditos porque se formulou tal juízo com base na aplicação do regime da cessão de créditos, tal implica um erro na fundamentação e um conteúdo contraditório».

Esta argumentação da recorrente, até pelos termos em que restringe o ataque à sentença recorrida, não pode colher vencimento.
Com efeito a decisão sindicada (cf. fls. 61) entendeu que «independentemente do regime (Referindo-se aos invocados regimes legais da cessão de créditos e do penhor de créditos) que fosse concretamente aplicado ao caso assiste ao credor tributário o direito de eventual rejeição da garantia apresentada se, analisada a mesma, objectivamente for concluído pela sua inaptidão para o fim de garantir a efectiva cobrança do crédito».
E mais ponderou que no caso «a sociedade não detém a razão na medida que as disposições aplicáveis são não apenas a que cita mas especialmente as contidas nos arts. 179° e seguintes do Código Civil.»

Cremos que esta alusão ao artº 179º e seguintes do Código Civil constitui mero lapso material querendo a decisão recorrida, seguramente, referir-se aos arts. 679º e segs. do mesmo diploma legal, que contêm as disposições aplicáveis ao penhor de direitos.
Efectivamente naqueles normativos entendeu o legislador regular certos aspectos do penhor de créditos, fazendo também uma remissão para o regime legal da cessão de créditos, dada a analogia entre a cessão de um crédito e a constituição de um penhor sobre ele. (Ver neste sentido Código Civil Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, vol. I, anotação ao artº 684º.)
Neste particular aspecto é de realçar o disposto no artº 684º do Código Civil nos termos do qual, dando em penhor um direito por virtude do qual se possa exigir uma prestação, as relações entre o obrigado e o credor pignoratício estão sujeitas às disposições aplicáveis, na cessão de créditos, às relações entre o devedor e o cessionário.
E desta remissão relevam, com especial interesse, as disposições do artigo 585.° do Código Civil, segundo o qual o devedor pode opor ao cessionário (credor pignoratício) todos os meios de defesa que pudesse invocar contra o cedente (credor), com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (penhor).
Ora, no caso subjudice a Administração Tributária não aceitou o penhor de crédito sobre um crédito em execução comum oferecido pelo executado por considerar que ficava onerada com um crédito futuro incerto e dependente de uma decisão judicial (“em caso de incumprimento para ser despoletada a garantia teria a Administração Fiscal que ficar dependente de uma futura decisão judicial eventualmente favorável, com custos e sujeitos a uma moratória acrescida de forma que seria violado o princípio da proporcionalidade”) e também porque «atendendo ao princípio da suficiência, os bens com vista a garantir a dívida têm de se encontrar livres e desembaraçados»
E a sentença recorrida sancionou tal entendimento por concluir que os fundamentos para recusa do penhor de créditos eram «de ordem objectiva, centrando-se na dependência que a garantia teria face a uma acção judicial e a consequente exposição da cobrança tributária a factores externos de incerteza» por terem sido «invocados os princípios da proporcionalidade e da supremacia do interesse público como contraponto à natureza de um crédito litigioso que sempre envolveria uma moratória na cobrança no caso de esta vir a ter lugar»
É certo que a fundamentação da decisão da Administração Tributária não prima por grande rigor na terminologia jurídica aplicada, no que é também acompanhada pela sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.
Ainda assim haveremos de convir que não se vislumbram os apontados erros de fundamentação (por errada aplicação de institutos jurídicos) ou fundamentação contraditória já que, como se viu, dada a analogia entre a cessão de um crédito e a constituição de um penhor sobre ele, as relações entre o obrigado e o credor pignoratício estão sujeitas às disposições aplicáveis, na cessão de créditos, às relações entre o devedor e o cessionário, podendo o devedor opor ao credor pignoratício todos os meios de defesa que pudesse invocar contra o credor, com ressalva dos provenientes de facto posterior ao conhecimento do penhor.
Justificavam-se, pois, as reservas da Administração Tributária quanto à exposição da cobrança tributária a factores externos de incerteza e à possibilidade de uma moratória na cobrança no caso de esta vir a ter lugar.
Em suma, e para concluir, se dirá que, no caso em apreço, não padece de ilegalidade por falta de fundamentação ou fundamentação contraditória, o despacho da Administração Tributária que considerou que os bens oferecidos não constituíam garantia idónea.
A sentença recorrida que assim decidiu, deve ser confirmada.
7- Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao presente recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 3 de Abril de 2013. - Pedro Delgado (relator) - Ascensão Lopes - Valente Torrão.