Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0815/11
Data do Acordão:01/15/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
CUSTOS
PROVISÕES
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - Não pode considerar-se que o recorrente põe em causa a matéria de facto se a sua alegação aceita e se suporta em factualidade que foi dada como assente pela 1.ª instância, ainda que esta seja contraditória com outra matéria consignada sob os factos provados.

II - A conclusão a que chegou a sentença, de que uma provisão efectuada por uma instituição bancária, apesar de inscrita contabilisticamente como “para riscos gerais de créditos”, se refere na realidade a provisões específicas efectuadas no âmbito de disciplina definida pelo Banco de Portugal, se não estribada em matéria de facto que a suporte e até em contradição com a que foi dada como assente, não pode ser aceite pelo STA, que, porque no caso apenas tem competência para aplicar o direito aos factos fixados, deve anular a sentença nessa parte e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para ampliação da matéria de facto.

III - São de considerar como custos fiscalmente dedutíveis, para efeitos da determinação da matéria colectável em sede de IRC (art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável), os encargos suportados por uma sociedade que se dedica à actividade bancária e respeitantes à reposição nas contas dos seus clientes dos montantes que delas foram ilegitimamente desviados por um seu colaborador.

IV - A AT não pode fazer depender a dedutibilidade dos custos de quaisquer requisitos adicionais àqueles que a lei estabelece.

Nº Convencional:JSTA00068531
Nº do Documento:SA2201401150815
Data de Entrada:09/16/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A........,SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PONTA DELGADA
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIRC ART23 N1 ART34 N1.
Referência a Doutrina:ALBERTO PINHEIRO XAVIER - CONCEITO E NATUREZA DO ACTO TRIBUTÁRIO ALMEDINA 1972 PAG205.
JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO ÁREAS EDITORA VOLII PAG358-359.
ANTÓNIO MOURA PORTUGAL - A DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS NA JURISPRUDÊNCIA FISCAL PORTUGUESA PAG243 E SEGS.
TOMÁS CASTRO TAVARES - DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA PARCIAL ENTRE A CONTABILIDADE E O DIREITO FISCAL.
CIFISCAL 396 PAG101-133 - A DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS EM SEDE DE IRC FISCO N101/102 JAN2002 PAG40.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 42/08.8BEPDL

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo (1) (Apesar de nem no requerimento de interposição do recurso nem nas alegações se identificar o tribunal para que recorre, irregularidade que o Tribunal a quo não cuidou de suprir, a Fazenda Pública veio ulteriormente,na sequência da notificação que para aquele efeito lhe foi endereçada pelo Supremo Tribunal Administrativo (cfr. despacho de fls. 409), indicar ser este o tribunal ad quem.) da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A……, S.A.” (a seguir Impugnante, Recorrida ou, abreviadamente “A…….”) contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada na sequência de duas correcções à matéria tributável declarada por a Administração tributária (AT) não ter aceitado como custos fiscais do exercício de 2003 duas verbas referentes, uma ao montante (€ 1.378.437,98) declarado como “reforço da Provisão para Riscos Gerais de Crédito” e, a outra, à perda declarada (€ 4.177.445,80) em resultado de um acto de infidelidade de um colaborador.
O Juiz do Tribunal a quo, anuindo à tese sustentada pela Impugnante, anulou a liquidação impugnada. Para tanto, em síntese,

  • quanto à primeira das referidas correcções, e após ter levado aos factos que deu como provados que o valor contabilizado como reforço da provisão para riscos gerais de crédito «é o resultado ou saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003» (cf. n.º 2 dos facto provados, a fls. 3 da sentença), considerou que, apesar de o montante em causa ter sido contabilizado como provisão do exercício para riscos gerais de crédito, «a verdade é que a impugnante demonstra que tal é inexacto, pois o mesmo corresponde ao saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003, qualificáveis como reforço de provisões específicas efectuadas no âmbito de disciplina definida pelo Banco de Portugal», motivo por que «caem no âmbito da previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC e não podem ser excepcionadas dela, já que não consubstanciam “provisões para riscos gerais de crédito”»;
  • quanto à segunda daquelas correcções, que as mesmas não se referem a indemnização alguma, mas apenas a perdas resultantes da reposição nas contas dos clientes dos montantes que dela foram desviados por um funcionário da Impugnante, pelo que «essas perdas devem ser incluídas na genérica previsão do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC», tanto mais que o risco decorrente desse facto não era susceptível de ser assumido pelas seguradoras, tudo como é jurisprudência dos tribunais superiores.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. Em face do apresentado e de acordo com o descrito, nas presentes alegações a correcção à matéria colectável no valor de € 1 378 437,98 deverá ser de manter, uma vez que tal reforço não é dedutível face ao preceituado na alínea d) do n.º 1 do art. 34.º do Código do IRC (na redacção dada pelo art. 5.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29/12).
2. A douta sentença recorrida considerou assistir razão à impugnante, quando existe um parecer elaborado pelo Centro de Estudos Fiscais a pedido da impugnante – pedido de informação vinculativa – onde após análise do caso conclui que as perdas resultantes da fraude cometida não devem ser aceites como componente negativa do lucro tributável por não se enquadrarem, nomeadamente, no previsto no art. 23.º e por estarem abrangidas pelo disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 42.º do Código do IRC.

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V Ex, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida».

1.3 O “A….” apresentou contra alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. O presente recurso enferma de uma objecção ligada ao tribunal ad quem, porquanto não menciona o tribunal para o qual se recorre nem, bem assim, o despacho de admissão do recurso versa sobre esta matéria.
2. No que se refere à matéria substantiva, o Recorrido considera que o recurso não tem qualquer fundamento de suporte.
3. Com efeito, relativamente à questão do reforço da Provisão para Riscos Gerais de Crédito, ficou assente, nos autos de impugnação, que o mesmo, realizado no exercício de 2003, no montante de € 1.378.437,98, respeita, efectivamente, ao reforço de provisões específicas, fiscalmente dedutíveis e elegíveis como custo, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, pelo que a decisão do tribunal a que compreende a correcta aplicação da lei à situação de facto, não podendo ser outra.
4. A segunda questão, que constitui o objecto do recurso interposto pelo Representante da Fazenda Pública, relativa à perda patrimonial sofrida pelo Recorrido, a qual, no entender da Fazenda Pública, não se afigura passível de ser considerada como custo fiscal do exercício de 2003, porquanto:
configura uma indemnização;
não se apresenta indispensável para a obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora; e,
deveria ter sido objecto de seguro, por constituir “risco segurável”.

Assenta em pressupostos de facto e de direito erróneos, pelas seguintes razões:
a. A Fazenda Pública defende que a perda patrimonial sofrida pelo Recorrido resulta da reposição de verbas nas contas dos clientes e, nessa medida, assume a natureza de indemnização. Todavia, à luz do regime jurídico do contrato de depósito, os montantes depositados ficam na titularidade do depositário (in casu, o Recorrido), pelo que este, sujeito a uma perda patrimonial interna, limitou-se a cumprir a obrigação creditícia junto dos seus clientes (cfr. arts. 1205.º e 1206.º do Código Civil), ou seja, procedeu à restituição dos montantes desviados pelo seu colaborador, situação que não é configurável como indemnização, não lhe sendo aplicável o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC.
b. Por outro lado, acresce que o risco associado a actos de infidelidade de colaboradores não era segurável pelas companhias de seguros a operar em Portugal à data dos factos. Concretamente, no ano 2003, afigurava-se difícil a contratação de uma apólice de seguro para cobrir o risco decorrente da prática de actos de infidelidade de colaboradores em virtude da inexistência de oferta no mercado segurador nacional e do elevado valor da franquia exigido para a celebração deste tipo de contrato de seguro, contratado internacionalmente.
c. Acresce ainda que a Fazenda Pública está a exigir requisitos adicionais à dedutibilidade do custo que não encontram acolhimento no tipo legal (artigo 23.º do Código do IRC), nem remotamente, na sua letra, no seu espírito ou no seu elemento teleológico. Tais requisitos adicionais são (i) que as consequências da fraude inviabilizem a reposição, na sua totalidade, das verbas desviadas e (ii) que coloquem em causa a manutenção da actividade do Banco.
d. Ademais, o próprio argumento em si afigura-se desprovido de qualquer racionalidade económica, uma vez que, na opinião da Administração Tributária, apenas se a perda se traduzisse na “falência” do sujeito passivo poderia ser a mesma aceite como custo.
e. O Recorrido considera, ainda, que houve uma inversão da posição da Administração Tributária, quanto aos requisitos exigidos para a dedutibilidade dos custos em questão, situação que consubstancia a violação do princípio da confiança e da autovinculação da Administração Tributária.
f. Salienta-se também que o princípio da não retroactividade, constitucionalmente consagrado no artigo 103.º, n.º 3 da CRP e no artigo 128.º do CPA, exige, quer na vertente subjectiva de protecção da confiança, quer na vertente objectiva de segurança jurídica, a não aplicação a procedimentos pretéritos de interpretações de normas tributárias que não eram as vigentes à data em que esses mesmos procedimentos tiveram lugar.
g. Na opinião do Recorrido, o entendimento da Fazenda Pública colide, ainda, com o princípio da capacidade contributiva, na medida em que o fim visado com a alteração da posição pela Administração Tributária revela uma exclusiva e parcial procura de obtenção de receita fiscal, desligando-se do elemento racional, essência da tributação, que assenta o antedito princípio da capacidade contributiva. Neste domínio, o Recorrido alicerça-se no parecer do Professor Casalta Nabais (vide documento 1), emitido com referência a uma situação análoga à questão em análise.
5. Em face do que antecede, o Recorrido considera que no caso vertente estão verificados os requisitos legais à dedutibilidade do custo previsto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, designadamente, a comprovação e a indispensabilidade. Com efeito, ficou assente nos autos de impugnação a existência da perda patrimonial, a qual se encontra intimamente associada à actividade produtiva desenvolvida pelo Recorrido, afigurando-se indispensável ao seu normal funcionamento e à prossecução da sua actividade comercial.

Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, não deve ser dado provimento ao recurso deduzido pela Fazenda Pública, e se pugna pela manutenção da sentença recorrida».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi notificada a Recorrente para indicar qual o tribunal para que pretendia recorrer – uma vez que nem essa indicação tinha sido feita no requerimento de interposição de recurso ou nas alegações, nem o Juiz do Tribunal a quo tinha suprido essa irregularidade –, tendo sido indicado o Supremo Tribunal Administrativo como tribunal ad quem.

1.5 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja declarada a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia, porque considerou que «o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito sendo o STA-SCT incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento e competente o TCA Sul-SCT (arts. 26.º al. b) e 38.º al. a) ETAF 2002; art. 280.º n.º 1 CPPT)»; isto, uma vez que, a seu ver, «[a] 1.ª conclusão (interpretada à luz do art. 5.º do texto das alegações) contraria o juízo conclusivo fáctico formulado na fundamentação jurídica da sentença, extraído dos factos provados, segundo o qual ficou demonstrado que o montante de 1.378.437,98 € corresponde ao saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003, qualificáveis como reforço de provisões específicas efectuadas no âmbito da disciplina definida pelo Banco de Portugal, dela pretendendo a recorrente obter consequência jurídica no sentido da indedutibilidade fiscal da provisão constituída (inaplicação do art. 34.º n.º 1 al. d) do CIRC)».

1.6 Os Juízes Conselheiros adjuntos tiveram vista.

1.7 As questões que cumpre apreciar e decidir, a primeira suscitada pelo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo e as demais suscitadas pelos Recorrentes, são as de saber (i) se o Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso jurisdicional, o que passa por indagar se no recurso foi suscitada questão de facto; na afirmativa, saber se a sentença fez correcto julgamento (ii) quando considerou que a ora Recorrida podia deduzir como custo fiscal o montante declarado como “reforço da Provisão para Riscos Gerais de Crédito” e (iii) quando considerou que deve ser tido como custo fiscal do exercício a perda suportada pela ora Recorrida com os actos de infidelidade praticados por um seu colaborador.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. A Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção interna baseada na análise formal e de coerência da Declaração de Rendimentos Modelo 22, do exercício de 2003.

Em resultado da referida análise, foram propostas diversas correcções que se traduziam num acréscimo global ao lucro tributável de € 5.588.137,36, as quais foram notificadas à Impugnante, no Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, para efeitos de exercício do correspondente direito de audição prévia.

A Impugnante exerceu o direito de audição explicitando as razões pelas quais considerava indevidas as propostas de correcção propugnadas pela Administração Tributária.

A Administração Tributária não aceitou os argumentos invocados pela Impugnante relativamente às duas correcções, consubstanciadas no acto tributário que constitui o objecto exclusivo da presente impugnação judicial, e que se traduzem no acréscimo ao lucro tributável de 2003, nos seguintes montantes:

(a) € 1.378.437,98, referente ao reforço da Provisão para Riscos Gerais de Crédito; e

(b) € 4.177.445,80, relativo a Outras Perdas Extraordinárias, resultantes de um acto de infidelidade de um colaborador não aceites enquanto custo indispensável para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora da Impugnante.

Consequentemente, a Impugnante foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária, no qual se preconiza o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2003, pelo valor total de € 5.555.883,78, do qual resultou a liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios no valor global de € 1.386.554,92.

A Impugnante apresentou, em 12 de Março de 2007, reclamação graciosa do acto de liquidação adicional em causa, solicitando a sua anulação. Em 15 de Março de 2007, a Impugnante apresentou um aditamento à referida reclamação graciosa, com vista a prestar esclarecimentos e juntar documentação adicional.

Na ausência de decisão expressa, dentro do prazo legal, por parte da Administração Tributária quanto ao procedimento tributário de reclamação graciosa, a Impugnante apresentou, no passado dia 12 de Outubro de 2007, recurso hierárquico do acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa.

Não foi a Impugnante notificada de qualquer decisão relativa ao recurso hierárquico por si interposto.

2. A Impugnante procedeu, no exercício de 2003, ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito, no montante de € 1.378.437,98. Tal valor foi contabilizado na conta #7990 – Provisões do exercício – Para riscos gerais de crédito.

O que está em causa nesse “reforço da provisão para riscos gerais de crédito” é o resultado ou saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003.

3. A Impugnante identificou, no exercício de 2003, actos de infidelidade de um dos seus colaboradores que se traduziram no desvio, para benefício próprio, de montantes avultados de aplicações financeiras de clientes.

Em concreto, o colaborador da Impugnante procedeu à abertura de contas bancárias em nome de clientes, utilizou indevidamente elementos de identificação desses clientes e falsificou as respectivas assinaturas. Em seguida, o colaborador em causa procedeu a ordens de transferência em nome desses clientes para as referidas contas bancárias e dessas contas para o estrangeiro.

Em 18 de Outubro de 2003, a Impugnante apresentou queixa-crime contra o referido colaborador, submetendo o respectivo requerimento ao Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária de Ponta Delgada. Ao processo de inquérito, assim iniciado, foi atribuído o número de processo 144/03.5JAPDL.

Tais actos, traduzidos em desvio de fundos das contas de clientes da Impugnante, ocorreram de Maio a Outubro de 2003, tendo afectado o exercício de 2003, e resultaram numa perda patrimonial de € 4.177.445,80.

Perante tal constatação, a Impugnante reconheceu a perda patrimonial na sua esfera e, para cumprir com as obrigações creditícias decorrentes dos contratos de depósito bancário celebrados com os seus clientes, procedeu à reposição, nas respectivas contas, dos valores desviados pelo seu colaborador.

Por considerar que a perda patrimonial em apreço enquadrável como custo fiscal, a Impugnante procedeu à sua dedução no cômputo do lucro tributável do exercício de 2003. Em concreto, o valor da perda patrimonial foi registado como custo na conta #671927.

A Administração Tributária não aceitou a referida perda patrimonial como custo fiscal, tendo, em consequência, procedido ao respectivo acréscimo ao lucro tributável de 2003 e à emissão da respectiva liquidação adicional de imposto e juros compensatórios.

A Impugnante submeteu, em 31 de Dezembro de 2003, um pedido de informação vinculativa, sobre esta concreta situação tributária, ao abrigo do artigo 68.º da LGT.

A Impugnante foi notificada do Parecer n.º 107/06, emitido em 7 de Dezembro de 2006 pelo Centro de Estudos Fiscais, no qual se considera que as perdas motivadas por uma fraude não serão consideradas como custo fiscal, excepto se conduzirem a uma situação excepcional de impossibilidade ou extrema dificuldade de obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora, sendo que a perda patrimonial sofrida pela Impugnante não se mostra passível de ser aceite como custo fiscal do exercício de 2003».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT considerou que a ora Recorrida, com referência ao exercício do ano de 2003, no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC, tinha deduzido indevidamente como custos fiscais os seguintes montantes:
a) € 1.378.437,98, declarado como “reforço da Provisão para Riscos Gerais de Crédito”, porque a mesma não é dedutível;
b) € 4.177.445,80, declarado como perda resultante de um acto de infidelidade de um colaborador, uma vez que (i) configura uma indemnização, (ii) não se apresenta indispensável para a obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e (iii) deveria ter sido objecto de seguro, por constituir “risco segurável”.

Consequentemente, procedeu às correcções do lucro tributável declarado e à liquidação adicional do imposto que considerou em falta.
O “A………” discordou dessas correcções e, após formação da presunção de indeferimento tácito do recurso hierárquico que interpôs da decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa, impugnou judicialmente a liquidação.
O Juiz do Tribunal a quo, anuindo à tese sustentada pela Impugnante, anulou a liquidação impugnada. Para tanto, em síntese,

  • quanto à primeira das referidas correcções, e após ter consignado como facto provado que o valor contabilizado como reforço da provisão para riscos gerais de crédito «é o resultado ou saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003» (cf. n.º 2 dos facto provados, a fls. 3 da sentença), considerou que, apesar de o montante em causa ter sido contabilizado como provisão do exercício para riscos gerais de crédito, «a verdade é que a impugnante demonstra que tal é inexacto, pois o mesmo corresponde ao saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003, qualificáveis como reforço de provisões específicas efectuadas no âmbito de disciplina definida pelo Banco de Portugal», motivo por que «caem no âmbito da previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC e não podem ser excepcionadas dela, já que não consubstanciam “provisões para riscos gerais de crédito”»;
  • quanto à segunda daquelas correcções, que as mesmas não se referem a indemnização alguma, mas apenas a perdas resultantes da reposição nas contas dos clientes dos montantes que dela foram desviados por um funcionário da Impugnante, pelo que «essas perdas devem ser incluídas na genérica previsão do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC», tanto mais que o risco decorrente desse facto não era susceptível de ser assumido pelas seguradoras, tudo como é jurisprudência dos tribunais superiores.
Daí, as questões a apreciar e decidir serem as que deixámos já enunciadas em 1.7

2.2.2 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA

O Procurador-Geral Adjunto, representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, suscitou a questão da competência do tribunal em razão da hierarquia, por considerar que «o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito», uma vez que «[a] 1.ª conclusão (interpretada à luz do art. 5.º do texto das alegações) contraria o juízo conclusivo fáctico formulado na fundamentação jurídica da sentença, extraído dos factos provados, segundo o qual ficou demonstrado que o montante de 1.378.437,98 € corresponde ao saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003, qualificáveis como reforço de provisões específicas efectuadas no âmbito da disciplina definida pelo Banco de Portugal, dela pretendendo a recorrente obter consequência jurídica no sentido da indedutibilidade fiscal da provisão constituída (inaplicação do art. 34.º n.º 1 al. d) do CIRC)».
Cumpre, pois, antes do mais, ajuizar da competência, questão que é de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra (cfr. art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro). Cumpre, designadamente aferir da incompetência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, como o foi no caso sub judice, pelo Ministério Público [cfr. art. 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].
Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário é da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» [art. 38.º, alínea a), do ETAF].
Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face das mesmas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (2) (Vide, entre outros, os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 16 de Dezembro de 2009, proferido no processo com o n.º 738/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2052/2057, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/faa144134d6efbf5802576a30041135b?OpenDocument;
– de 21 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 189/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 ( http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 670/674, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8445188eb602055b80257711005292ba?OpenDocument.).
Sustenta o Procurador-Geral Adjunto que a Recorrente, na primeira conclusão – onde afirma que «[…] a correcção à matéria colectável no valor de € 1 378 437,98 deverá ser de manter, uma vez que tal reforço não é dedutível face ao preceituado na alínea d) do n.º 1 do art. 34.º do Código do IRC (na redacção dada pelo art. 5.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29/12)» –, conjugada com o artigo 5.º das alegações, contraria o juízo conclusivo fáctico formulado na fundamentação jurídica da sentença, extraído dos factos provados, segundo o qual ficou demonstrado que o montante de 1.378.437,98 € corresponde ao saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003, qualificáveis como reforço de provisões específicas efectuadas no âmbito da disciplina definida pelo Banco de Portugal.
Assim, prossegue aquele Magistrado, porque a Recorrente dela pretende obter consequência jurídica no sentido da não dedutibilidade fiscal da provisão constituída [por não ser aplicável o art. 34.º, n.º 1, alínea d), do CIRC], existe controvérsia factual a dirimir, o que significa que a matéria controvertida neste recurso não se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados, motivo por que a competência em razão da hierarquia para dele conhecer pertenceria, não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas ao Tribunal Central Administrativo Sul.
Salvo o devido respeito, entendemos que a Recorrente não questiona a matéria de facto que foi dada como assente na 1.ª instância. Vejamos:
Na sentença recorrida deu-se como provado que «A Impugnante procedeu, no exercício de 2003, ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito, no montante de € 1.378.437,98. Tal valor foi contabilizado na conta #7990 – Provisões do exercício – Para riscos gerais de crédito»; é com base nesses factos que a Recorrente pretende demonstrar (extraindo consequência juridicamente relevante) que essa provisão não constitui custo fiscalmente dedutível, motivo por que o seu reforço, tal como a sua constituição, não releva negativamente no apuramento do lucro tributável.
É certo que na sentença recorrida se consignou também na parte respeitante aos factos provado que «[o] que está em causa nesse “reforço da provisão para riscos gerais de crédito” é o resultado ou saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003».
Sem prejuízo de, como procuraremos demonstrar adiante, se verificar uma contradição entre a afirmação de que a Impugnante procedeu ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito e a conclusão, não suportada em factualidade concreta, de que o respectivo movimento contabilístico mais não é do que «o resultado ou saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003», a verdade é que o recurso está estruturado no pressuposto fáctico, consignado na sentença como facto provado, de que a Impugnante efectuou um reforço da provisão para riscos gerais de crédito, no montante de € 1.378.437,98.
Assim, se bem que da referida contradição haja, oportunamente, que retirar as devidas consequências processuais, por ora, para efeitos da determinação da competência em razão da hierarquia, não nos parece possível concluir que a Recorrente põe em causa matéria de facto, quando a factualidade que está subjacente à sua alegação foi, de modo expresso, dada como assente na sentença recorrida.
Por isso, entendemos que a competência para conhecer do presente recurso é deste Supremo Tribunal Administrativo.

2.2.3 DA DEDUTIBILIDADE DA PROVISÃO INSCRITA NA CONTABILIDADE COMO PARA RISCOS GERAIS DE CRÉDITO - INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO

Como deixámos já dito, na origem da liquidação impugnada encontra-se, para além do mais, uma correcção da matéria tributável que teve origem na desconsideração como custo fiscalmente dedutível da verba respeitante ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito.
A AT procedeu a essa correcção por ter considerado que as provisões para riscos gerais de crédito, e por isso a sua constituição e reforço, não podiam ser tidas como custos para efeitos fiscais, atento o disposto no art. 34.º, n.º 1, alínea d), do CIRC (3)( «1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
[…]
d) As que, no âmbito da disciplina definida pelo Banco de Portugal, e por força de uma imposição de carácter genérico e abstracto, tiverem sido obrigatoriamente constituídas pelas empresas sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e de outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da União Europeia, com excepção da provisão para riscos gerais de crédito, […]».), na redacção aplicável, que é a do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho (4) (Redacção à que se referirão todas as ulteriores menções do mesmo preceito.).
Note-se que o regime das provisões das instituições de crédito e sociedades financeiras vigente em 2003 consta do Aviso de Banco de Portugal n.º 3/95, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 30 de Junho de 1995 (5) (Alterado pelos seguintes Avisos do Banco de Portugal:
n.º 2/99, de 15 de Janeiro, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Janeiro de 1999,
n.º 3/99, de 23 de Março, publicado no Diário da República, I Série, de 30 de Março de 1999,
n.º 7/2000, de 27 de Outubro, publicado no Diário da República, I Série, de 6 de Novembro de 2000,
n.º 4/2002, de 11 de Junho, publicado no Diário da República, I Série, de 25 de Junho de 2002,
n.º 8/2003, de 30 de Janeiro, publicado no Diário da República, I Série, de 8 de Fevereiro de 2003 e
n.º 9/2003, de 12 de Março, publicado no Diário da República, I Série, de 21 de Março de 2003.), e do Plano de Contas para o Sistema Bancário, aprovado pelo Banco de Portugal pela Instrução n.º 4/96 (6) (Publicada no Boletim de Normas e Informações do Banco de Portugal, n.º 1, de 17 de Junho de 1996, com várias alterações ulteriores, e disponível em
http://www.bportugal.pt/sibap/application/app1/instman.asp?PVer=P&PNum=4/96.), ao abrigo da competência que lhe é atribuída pelo art. 115.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
Ou seja, as provisões para riscos gerais de crédito estavam expressamente excluídas da possibilidade de serem deduzidas para efeitos fiscais e só eram admissíveis como custos fiscalmente dedutíveis as provisões para riscos bancários gerais que fossem constituídas de harmonia com a disciplina imposta pelo Banco de Portugal (7)( Ao contrário do que sucede relativamente a outras provisões, em que o legislador enunciou o seu critério definidor e reservou para a AT o poder regulamentar de fixar as respectivas taxas e limites, neste caso delegou no Banco de Portugal o exercício do poder tributário de fixação da disciplina relativa à constituição das provisões próprias da actividade bancária e susceptíveis de serem consideradas como custos para efeitos de IRC (cf. art. 33.º, n.º 1, alínea d), do CIRC, na referida redacção.). «Estamos perante um caso nítido de delegação do poder administrativo próprio de certa administração directa do Estado (a administração fiscal) numa outra administração não fiscal do Estado exercida por forma indirecta, numa administração levada a cabo através de institutos públicos, como é o caso do Banco de Portugal, cuja explicação se prende com o facto de este se encontrar melhor posicionado para surpreender e dar satisfação ao interesse público que aqui se resolve numa certa conciliação entre os interesses da obtenção de receitas fiscais com os da execução de uma correcta política monetária e financeira a ser concretizada por todos os agentes financeiros e que constitui uma específica atribuição do Banco de Portugal» (8-9)(Como ficou dito no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Março de 1998, proferido no processo com o n.º 16.745, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Maio de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1998/32410.pdf), págs. 34 a 38 e com sumário disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/144636bf876b7826802568fc0039aa0d?OpenDocument.-() Desde 1 de Janeiro de 2007, o próprio CIRC prevê o regime das provisões aplicável ao sistema financeiro, tipificando as provisões fiscalmente aceites, nos termos do art. 35.º-A, que foi aditado pelo art. 53.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007.).
A sentença, acolhendo a tese da Impugnante, considerou que, não obstante o referido reforço da provisão ter sido contabilizado como “para riscos gerais de crédito”, a realidade material que lhe está subjacente é diversa, sendo que «a impugnante demonstra que tal é inexacto, pois o mesmo corresponde ao saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003, qualificáveis como reforço de provisões específicas efectuadas no âmbito de disciplina definida pelo Banco de Portugal», motivo por que «caem no âmbito da previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC e não podem ser excepcionadas dela, já que não consubstanciam “provisões para riscos gerais de crédito”».
A Fazenda Pública discorda e insiste na impossibilidade legal, em face do disposto no art. 34.º, n.º 1, alínea d), do CIRC, de a referida provisão ser fiscalmente dedutível, ou seja, do seu montante ser relevado negativamente na determinação do lucro tributável. Se bem interpretamos a sua posição, esgrime exclusivamente com a circunstância de a referida provisão ter sido contabilizada como provisão para riscos gerais de crédito, registada na conta # 7990.
Vejamos:
Por certo, não será uma eventual menos correcta ou até errada contabilização por parte da Impugnante que determinará, em absoluto, que não possa ser deduzida fiscalmente uma provisão a que lei reconheça essa possibilidade.
Ou seja, caso as provisões em causa tenham sido constituídas, como alegou a Impugnante na petição inicial (cfr. artigos 16.º e 17.º), com vista ao reforço de provisões que não respeitam a riscos gerais de crédito, mas a “provisões específicas” e no âmbito da disciplina definida pelo Banco de Portugal, não será o facto de terem sido relevadas contabilisticamente como provisões para “riscos gerais de crédito” (conta # 7990) que impedirá a sua aceitação como custos fiscais do exercício, ao abrigo da alínea d) do art. 34.º, n.º 1, do CIRC.
A Impugnante sempre poderá demonstrar na presente impugnação judicial a ilegalidade da liquidação com fundamento num lapso por ele cometido na declaração (a declaração teve por base a contabilidade), revelando a verdadeira natureza das provisões em causa, bem como que estão verificados os requisitos para que as mesmas sejam consideradas dedutíveis como custos fiscais.
Na verdade, nada obsta a que um contribuinte invoque a ilegalidade da liquidação com fundamento num lapso por ele cometido num registo contabilístico e, consequentemente, na declaração de rendimentos para efeitos de IRC. Isto, porque a declaração não tem efeitos constitutivos e a lei permite a impugnação judicial com fundamento em qualquer ilegalidade, quer ela tenha origem na actuação da AT, quer no erro do contribuinte na declaração (10)( Neste sentido, ALBERTO PINHEIRO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág. 205: «o acto tributário é impugnável sempre que ilegal, quer o seu conteúdo se identifique, quer divirja do da declaração do contribuinte».), mesmo que tenha sido este a proceder à (auto) liquidação. Ainda que o contribuinte não tenha corrigido o lapso mediante a oportuna apresentação de declaração de substituição (cf. art. 59.º do CPPT), nada obsta a que venha ulteriormente, mediante impugnação judicial (precedida de reclamação graciosa obrigatória, como o impõe o art. 131.º do CPPT, no caso de autoliquidação com fundamento não exclusivo em matéria de direito e de a autoliquidação não ter sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT) invocar a ilegalidade da liquidação que tenha tido origem em erro na declaração.
Dito isto, cumpre agora verificar se ficou demonstrado que as provisões em causa se referem a “provisões específicas” efectuadas no âmbito da disciplina definida pelo Banco de Portugal e não a provisões para “riscos gerais de crédito”, como consta da contabilidade da Impugnante, e, por isso, fiscalmente dedutíveis e elegíveis como custos.
O Juiz do Tribunal a quo considerou que sim, que «a impugnante demonstra que tal é inexacto, pois o mesmo corresponde ao saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003, qualificáveis como reforço de provisões específicas efectuadas no âmbito de disciplina definida pelo Banco de Portugal», pelo que «caem no âmbito da previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC e não podem ser excepcionadas dela, já que não consubstanciam “provisões para riscos gerais de crédito”».
No entanto, fê-lo de modo conclusivo, sem alicerce em factualidade alguma e, bem pelo contrário, em contradição com o facto que deu como provado, de que «[a] Impugnante procedeu, no exercício de 2003, ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito, no montante de € 1.378.437,98».
É certo que na factualidade provada consta também que «[o] que está em causa nesse “reforço da provisão para riscos gerais de créditoé o resultado ou saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003», mas, salvo o devido respeito, tal facto é inócuo no sentido da qualificação desses movimentos como correspondendo a provisões e, muito menos, permitiria a sua qualificação como sendo para riscos gerais de crédito ou como provisões específicas, isto é, para fazer face a perdas identificadas, previsíveis ou latentes, do valor de determinados créditos ou activos, ou sequer para determinar se as mesmas se integram ou não no âmbito da disciplina definida pelo Banco de Portugal.
Ou seja, o Juiz do Tribunal a quo chegou na sentença a uma conclusão que não está, de todo, apoiada em factualidade que tenha sido por ele dada como assente. Ademais, essa conclusão está em contradição com o facto que deu como assente, de que «[a] Impugnante procedeu, no exercício de 2003, ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito, no montante de € 1.378.437,98».
Salvo o devido respeito, deveria na sentença, por um lado, ter-se procedido ao julgamento da matéria de facto pertinente para apurar a realidade substancial subjacente à constituição das provisões em causa e, por outro, cuidar-se de que não se verificassem contradições entre a matéria de facto assente e as conclusões fácticas dela extraídas: aquelas provisões não podem corresponder «ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito» e ser «qualificáveis como reforço de provisões específicas efectuadas no âmbito de disciplina definida pelo Banco de Portugal», pois essas qualificações excluem-se reciprocamente.
Aliás, na petição inicial (artigos 41.º a 65.º) a Impugnante ensaiou a explicação dos motivos por que aquelas provisões constituem a provisões específicas e dentro do âmbito da disciplina do Banco de Portugal e, apesar disso, foram contabilizadas como para “riscos gerais de crédito”; acresce que a Impugnante também alegou que o procedimento contabilístico seguido no ano a que se refere a liquidação ora impugnada – 2003 – relativamente às provisões em causa foi também o seguido nos anos de 2001 e 2002 e não suscitou reparo algum da AT, sendo que uma alteração no entendimento por parte desta, para além de constituir uma “violação do princípio da autovinculação”, teria repercussões no resultado tributável daqueles exercícios com repercussões no ano de 2003.
A sentença recorrida não se pronunciou sobre toda essa matéria de facto e, em face dessa omissão e daquela contradição, fica agora este Supremo Tribunal Administrativo impedido de sindicar o julgamento de direito no que se refere à parte em que a liquidação teve origem na correcção da matéria tributável decorrente da não-aceitação como custo fiscal do exercício de 2003 da verba de € 1.378.437,98 declarada como “reforço da Provisão para Riscos Gerais de Crédito”.
Na verdade, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos recursos interpostos directamente das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância, apenas tem competência para conhecer de matéria de direito (cfr. arts. 12.º, n.º 5, 26.º, alínea b) e 38.º, alínea a) do ETAF, e art. 280.º, n.º 1, do CPPT). Tem, portanto, meros poderes de revista, limitando-se à aplicação do direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (n.º 1 do art. 729.º do CPC, actual art. 682.º (11)(No novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.)), sendo que, por outro lado, o n.º 2 do art. 123.º do CPPT estabelece a obrigação de o tribunal discriminar a matéria provada da não provada, sob pena de nulidade (art. 125.º, n.º 1, do CPPT).
O que significa que, numa situação como a dos autos, a insuficiência e a contradição da matéria de facto fixada (sendo que esta se reconduz à sua insuficiência, pois não se podem ter como assentes os factos em que se concretiza a contradição) são fundamento de ampliação da matéria de facto (12) Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 7 b) ao art. 125, págs. 358/359.), nos termos do disposto no art. 729.º (actual art. 682.º), n.º 3, do CPC.
A ampliação da matéria de facto envolve a anulação oficiosa da decisão recorrida, à semelhança do que expressamente se preceitua no art. 712.º, n.º 4, do CPC [actualmente com correspondência na alínea c) do n.º 2 do art. 662.º].
Ou seja, a sentença, no segmento em que conheceu da legalidade da liquidação com origem na correcção da matéria tributável decorrente da não-aceitação como custo fiscal do exercício de 2003 da verba de € 1.378.437,98 declarada como “reforço da Provisão para Riscos Gerais de Crédito”, será anulada, com a consequente devolução dos autos à 1.ª instância para que aí se proceda ao julgamento e fixação de base factual suficiente para a decisão de direito.

2.2.4 DA DEDUTIBILIDADE DO CUSTO SUPORTADO EM CONSEQUÊNCIA DOS ACTOS DE INFIDELIDADE PRATICADOS POR UM COLABORADOR

A sentença vem também questionada na parte em que a liquidação teve origem na correcção resultante da desconsideração pela AT como custo fiscalmente dedutível das perdas sofridas pela ora Recorrente – entidade bancária – com a reposição nas contas dos clientes dos montantes que dela foram desviados por um seu funcionário.
A AT considerou que essa perda não pode ser havida como custo para efeitos da determinação da matéria tributável, uma vez que (i) configura uma indemnização, (ii) não se apresenta indispensável para a obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e (iii) deveria ter sido objecto de seguro, por constituir “risco segurável”. Consequentemente, procedeu à correcção do lucro tributável declarado e à liquidação adicional do imposto que considerou em falta, o que tudo a Contribuinte impugnou.
O Juiz do Tribunal a quo deu razão à Impugnante, aceitando os argumentos aduzidos, de que as mesmas não se referem a indemnização alguma, mas apenas a perdas resultantes da reposição nas contas dos clientes dos montantes que dela foram desviados por um funcionário da Impugnante, pelo que «essas perdas devem ser incluídas na genérica previsão do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC», tanto mais que o risco decorrente desse facto não era susceptível de ser assumido pelas seguradoras, tudo nos termos da jurisprudência que citou (13)( O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada invocou os seguintes acórdãos:
– da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Junho de 1997, proferido no processo com o n.º 12.610, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32220.pdf), págs. 1739 a 1745, também disponível emhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/54b787b381c5980e802568fc0039c876?OpenDocument;
– da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, de 2 de Julho de 2002, proferido no processo com o n.º 6.540/02, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/ed6a36fc8a26355180256bf20051188f?OpenDocument.).
A Fazenda Pública discorda e remete a sua posição para um parecer elaborado pelo Centro de Estudos Fiscais a pedido da Impugnante – pedido de informação vinculativa – onde se conclui que as perdas resultantes da fraude cometida não devem ser aceites como componente negativa do lucro tributável por não se enquadrarem na previsão do n.º 1 do referido art. 23.º do Código do IRC, designadamente da sua alínea j) (14) (Sempre na versão em vigor à data, que rezava:
«1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, designadamente os seguintes:[…]
j) As indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável;[…]».), e por estarem abrangidas pelo disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 42.º, do mesmo Código (15) (Sempre na versão em vigor à data, que rezava:«1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:[…]
e) As indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável;[…]».), que determina a não dedutibilidade das indemnizações respeitantes a riscos seguráveis. Mais se refere no referido parecer que as perdas motivadas por uma fraude não serão consideradas como custo fiscal, a menos que conduzam a uma situação excepcional de impossibilidade ou extrema dificuldade de obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora. Vejamos:
Desde logo, como bem sustenta a Recorrida e reconheceu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, a reposição nas contas dos clientes dos valores que delas foram abusiva e ilicitamente desviados por um seu colaborador não configuram indemnização alguma, uma vez que essa reposição mais não constitui do que o cumprimento da obrigação de reembolso que para ela decorria do contrato de depósito celebrado com os seus clientes. Na verdade, uma das obrigações do depositário é a restituição da coisa [cfr. arts. 1187.º, alínea c), e 1185.º do Código Civil (CC)].
A indemnização (16)( Note-se que, não existindo no direito fiscal um conceito próprio de indemnização, o termo deve ser interpretado no mesmo sentido que assume no direito civil, como estipula o n.º 2 do art. 11.º da Lei Geral Tributária, que reza: «Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».) apenas poderia resultar no âmbito da responsabilidade civil, de acordo com o disposto no art. 483.º, n.º 1, do CC (17) («Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».) e no art. 562.º do mesmo Código (18)( «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».). Ora, os autos não revelam que tenha existido qualquer dano (19)( O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil que, na sua modalidade “por factos ilícitos”, extracontratual ou delitual, também dita aquiliana, tem como pressupostos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.) para os depositantes que possa ter-lhes conferido o direito a uma indemnização por parte da ora Recorrida. Dano houve, sim, na esfera jurídica desta, consistente na perda sofrida pela necessidade de repor nas contas dos seus clientes os fundos que delas foram desviados.
Não será, pois, com base numa pretensa natureza de indemnização, que as perdas em causa não assumem, que poderá justificar-se a exclusão das referidas perdas como custos fiscais.
Mas a AT sustenta ainda que «as perdas motivadas por uma fraude não serão consideradas como custo fiscal, excepto se conduzirem a uma situação excepcional de impossibilidade ou extrema dificuldade de obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora».
Salvo o devido respeito, trata-se de requisitos que a lei não impõe e, por isso, também a AT, que está sujeita ao princípio da legalidade, não pode erigir em critério para desconsiderar a relevância fiscal das perdas em causa.
Em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, tanto mais que, por imperativo constitucional (cfr. art. 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (20) («A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».)), a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. O que significa que devem excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os custos incorridos na obtenção do rendimento.
Há, no entanto, que ter presente que o legislador, na ponderação de motivos que considerou relevantes (21)( E que se prendem com os fins extra-fiscais prosseguidos pelo Direito Fiscal, com os princípios da legalidade fiscal e da segurança jurídica, bem como com o princípio da soberania fiscal e com fins de prevenção e combate à evasão fiscal.), não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais (22) (Adoptando um modelo de dependência parcial, que tomando como ponto de referência as normas contabilísticas e o resultado contabilístico, sujeita-o a ajustes extra-contabilísticos para cumprimento das normas fiscais) e entendeu que só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável «os [custos] que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» (cfr. o já referido art. 23.º, n.º 1, do CIRC).
No caso sub judice não está em causa a comprovação da efectividade do custo, mas apenas a sua indispensabilidade. Vejamos:
Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (23) (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).
Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (24) (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa.
Ora, como referiu a Impugnante na petição inicial, a sua actividade consiste, designadamente, em receber depósitos, mantê-los e aplicar os respectivos fundos, não sendo conjecturável, pelo menos num quadro de normalidade, que se eximisse de restituir os fundos depositados com o fundamento de que um seu funcionário os tinha desviado; e, se o fizesse, por certo poria em risco a continuação da sua actividade, quer por força da perda de credibilidade junto de clientes e do mercado, quer porque o Banco de Portugal poderia inibi-la do respectivo exercício.
O que significa que a perda patrimonial sofrida com a reposição nas contas dos clientes dos fundos por eles depositados, não só está associada à sua actividade, como se afigura indispensável à prossecução da mesma. Tudo em paralelo com a situação de furto de existências, a que a jurisprudência tem vindo a conceder relevância como custo fiscal (25) (Ver nota 13 supra.).
A AT sustenta que só seria assim se as perdas conduzissem «a uma situação excepcional de impossibilidade ou extrema dificuldade de obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora».
Salvo o devido respeito, não lobrigamos o fundamento legal em que se alicerça tal posição e a AT não pode fazer depender a dedutibilidade dos custos de quaisquer requisitos adicionais àqueles que a lei estabelece. Em todo o caso, tal entendimento levaria à conclusão, difícil de compreender e de aceitar, de que só seriam relevadas como custos fiscais as perdas que determinassem o fim da empresa e já não aquelas que, constituindo embora uma lesão do seu património, não determinassem tão funesto resultado.
Por tudo o que ficou dito, afigura-se-nos que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, ao anular a liquidação de IRC na parte em que se refere à correcção do lucro tributável motivada pela desconsideração da perda originada pelo acto de infidelidade do colaborador da ora Recorrida, fez correcto julgamento.

2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Não pode considerar-se que o recorrente põe em causa a matéria de facto se a sua alegação aceita e se suporta em factualidade que foi dada como assente pela 1.ª instância, ainda que esta seja contraditória com outra matéria consignada sob os factos provados.
II - A conclusão a que chegou a sentença, de que uma provisão efectuada por uma instituição bancária, apesar de inscrita contabilisticamente como “para riscos gerais de créditos”, se refere na realidade a provisões específicas efectuadas no âmbito de disciplina definida pelo Banco de Portugal, se não estribada em matéria de facto que a suporte e até em contradição com a que foi dada como assente, não pode ser aceite pelo STA, que, porque no caso apenas tem competência para aplicar o direito aos factos fixados, deve anular a sentença nessa parte e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, para ampliação da matéria de facto.
III - São de considerar como custos fiscalmente dedutíveis, para efeitos da determinação da matéria colectável em sede de IRC (art. 23.º do CIRC, na redacção aplicável), os encargos suportados por uma sociedade que se dedica à actividade bancária e respeitantes à reposição nas contas dos seus clientes dos montantes que delas foram ilegitimamente desviados por um seu colaborador.
IV - A AT não pode fazer depender a dedutibilidade dos custos de quaisquer requisitos adicionais àqueles que a lei estabelece.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
· confirmar o julgamento de procedência da impugnação judicial na parte em que se refere à correcção respeitante ao acto de infidelidade do colaborador da ora Recorrida, mantendo a anulação da liquidação na parte em que teve origem nessa correcção;
· anular o julgamento na parte em que se refere à correcção respeitante ao reforço da provisão para riscos gerais de crédito e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância a fim de aí, após se efectuar o pertinente julgamento da matéria de facto, se apreciar da legalidade dessa correcção e da liquidação impugnada na parte que nela teve origem.

Custas pela Recorrente na parte em que decaiu e sem custas na parte restante.

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Lisboa, 15 de Janeiro de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Valente TorrãoDulce Neto