Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:065/20.9BALSB
Data do Acordão:09/22/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IVA
DEDUÇÃO DE IMPOSTO
CÁLCULO PRO RATA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
Sumário:Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Nº Convencional:JSTA00071252
Nº do Documento:SAP20210922065/20
Data de Entrada:07/03/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A……………., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CIVA ART23 N2 N3 AL.B) N4
Aditamento:JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA - acórdãos de 04/03/2020, proc. 052/19.0BASLB, de 06/05/2020, proc. 01745/10.2BELRS, de 30/09/2020, proc. 095/19.3BALSB, de 04/11/2020, proc.s 038/20.1BALSB e 0100/19.3BALSB, e de 20/01/2021, proc. 0101/19.1BALSB.
Texto Integral: 1. Relatório

1.1. A Autoridade tributária e aduaneira pediu – ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro – a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência, invocando contradição entre a decisão do Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), proferida em 15 de maio de 2020, no processo n.º 765/2019-T CAAD, na parte em que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado por A………………., S.A., com o número de identificação fiscal ………….., com sede na Rua …………, …… 1269-……, Lisboa, e a jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0485/17, de 15 de novembro de 2017.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

C. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

D. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

E. Em ambos os Acórdãos, Autora e Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo atividades sujeitas a IVA e atividades isentas de IVA.

F. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de Leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

G. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2012 e 2010, respetivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

H. Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório.

I. Ambas imputam aos atos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD.

J. Enquanto no acórdão fundamento se entendeu que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Diretiva e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce atividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros, a decisão arbitral entendeu, por oposição, que o referida norma da Sexta Diretiva (e Diretiva IVA) não foi transposta para o direito interno e, como tal, deve constar do denominador da fração a totalidade da renda (juros e capital), bem como que o artigo 23.º do Código do IVA não contém qualquer menção que permita à Autoridade Tributária impor condições à percentagem de dedução relativamente a um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, para além das instruções objectivas que são fornecidas por aquele artigo, recusando dessa forma a aplicação do Ofício-circulado n.º 30108/2009.

K. Para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

L. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

M. No concerne aos pressupostos da dita isenção, julgou aquele Tribunal arbitral que:

«Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.° 1 (que, para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º1] «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2. Assim, a questão que se coloca reconduz-se a saber se neste n.º 2 se inclui a possibilidade determinação da afectação real através de uma percentagem de dedução. Neste n.° 2 apenas se prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito». É manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.
Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º. Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo. E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».
Por isso, embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11- 2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55° da LGT) e explicitado no artigo 3.0, n.º1, do Código do Procedimento Administrativo. Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins». À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a correcção efectuada, que tem como pressuposto a obrigatoriedade de tal utilização. No que concerne à necessidade de aplicação do método referido por imposição do princípio da neutralidade, não são indicadas nem demonstradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira as razões por que tal método é necessário para assegurar a igualdade de todas as empresas, sendo certo que, na perspectiva do legislador nacional, a aplicação do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º é a forma adequada de assegurar o direito à dedução de todos os sujeitos passivos mistos, nos casos em que seja inviável a afectação real com critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito. Pelo contrário, como se explicou no Parecer do Senhor Prof. Doutor José Xavier de Basto e do Senhor Prof. Doutor António Martins, junto aos autos, afigura-se que «o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada». Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativa nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.0, n.° 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.°, n.° 2, e 165.°, nº 1, alínea i), da CRP]. Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, a orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem os Tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adaptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.° da CRP). ( 5 ) É com este alcance que o n.° 1 do artigo 68.°-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».

N. Acrescenta a ideia de que «Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n. 1, do Código do Procedimento Administrativo.»

O. Tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, sendo irrelevante a alegação do Tribunal arbitral de que ao TJUE somente cabe a interpretação dos Tratados, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

P. Por oposição ao decidido em sede arbitral, considerou diferentemente o STA que:

«(…) O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Isto, na consideração de que (cfr. os considerandos 30 a 35 do acórdão), atendendo à redacção de tal norma, ao contexto em que se insere, aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, e à finalidade desse mesmo preceito, resulta que qualquer Estado-Membro que exerça a faculdade ali prevista deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução. Concluindo o TJUE que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos. É que, na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel

Q. Concluindo, nesse seguimento, o STA que «a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento na interpretação do disposto nos n.º 2 e 3 do CIVA, em concordância, aliás, com a interpretação do art. 17.º, n.º 5, 3.º parágrafo, al. c) da Sexta directiva 77/3888/CEE».

R. Aqui chegados, é então de salientar que, enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, que os Estados-Membros, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral concluído que: «Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo. E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento». Por isso, embora o artigo 173.º, n.º 2, da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11- 2006, permita ao Estado Português, além do mais, «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55° da LGT) e explicitado no artigo 3.0, n.º1, do Código do Procedimento Administrativo. (…) Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a correcção efectuada, que tem como pressuposto a obrigatoriedade de tal utilização

T. Em suma, no Acórdão Fundamento concluiu-se que a dita restrição, ideia também patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir apenas os juros no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

U. O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014, cujo sumário se deixa transcrito: «Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros.»

V. O Acórdão Fundamento está também em linha com a mais recente jurisprudência do STA sobre a matéria, no âmbito dos processos n.º 52/19.0BALSB e 7/19.4BALSB, onde foi entendido que:

«Importa considerar que esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o Acórdão Banco Mais e o Acórdão BLC Baumarkt, proferido a 8 de Novembro de 2012 no Processo C-511/10).

Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”. Aquilo que importa, portanto, é que “sobre a matéria de facto se formuleum juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos”.

W. Da factualidade do acórdão arbitral ora contestado, infere-se que os contratos celebrados pela Recorrida se situam no leasing, alocando-se os recursos principalmente para o financiamento e a gestão desses contratos e não para a disponibilização dos veículos.

X. Neste sentido, o Acórdão do TJUE Banco Mais conclui que «A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.»

Y. A leitura da factualidade dada como provada no acórdão arbitral, permite concluir que um dos core business da Recorrida se situa na celebração de contrato de leasing em que, por contrapartida da referida prestação de serviços, o locatário fica obrigado a pagar uma retribuição, a qual assume a forma de renda.

Z. Contudo, ao arrepio do que vem sendo decidido pelo STA e do que foi sublinhado no âmbito do Acórdão Banco Mais, entendeu o tribunal arbitral ancorar a sua decisão na doutrina acolhida no Acórdão do TJUE C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, onde foi julgado que sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações.

AA. E que, por essa razão, «mesmo quando os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, na parte tributável da operação, mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, na parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, que os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.»

BB. Acontece que, salvo o devido respeito, no Acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd estava em causa uma sociedade financeira do Reino Unido – que também realizava operações de leasing automóvel -, mas cujo direito do Reino Unido, diferentemente do que acontece em Portugal, obrigava à desagregação das rendas de leasing em duas operações para efeitos de IVA.

CC. Aí, a componente do juro estava isenta de imposto e apenas a componente da amortização era tributada, sendo que, a somar a isto, as autoridades fiscais locais também excluíam a componente de amortização do pro rata, por entenderem que os custos mistos estavam predominantemente associados à componente juro do financiamento, que era o cerne da actividade.

DD. Assim, estando a componente juros isenta enquanto operação de crédito, o método aplicado pelo Reino Unido tinha um resultado mais gravoso para os contribuintes e não tão rigoroso quanto o assumido a nível nacional, uma vez que para o cálculo da percentagem de dedução, não eram tidas em conta as despesas com os bens e serviços repercutidos na componente juros.

EE. Tal raciocínio não pode ser aplicado à situação em concreto, porquanto o IVA incide sobre a totalidade da renda, abarcando a componente juro; componente, essa, que, de acordo com o Acórdão do TJUE C-183/13, e que é secundado pelo Acórdão Fundamento, constitui a contrapartida dos custos (bens e serviços) incorridos no financiamento e na gestão dos contratos de locação financeira suportados pelo locador financeiro, uma vez que constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel – ponto 34 do Acórdão TJUE C-183/13.

FF. A este respeito, vale a pena transcrever as palavras de Sérgio Vasques, no voto de vencido lavrado no processo arbitral n.º 442/2019-T, em que com primor esclareceu, relativamente aos Acórdãos do TJUE aqui em destaque, o que segue:

«No essencial, o TJUE previne que não se pode dar por adquirido que os custos mistos não tenham qualquer relação com a componente amortização das rendas de leasing e que há sempre que olhar ao caso concreto. A maior cautela do TJUE neste processo explica-se pelo diferente quadro legal e factualidade. Por um lado, no Reino Unido as rendas de leasing são quebradas em duas operações tributáveis, sendo que a componente juro está isenta, com o resultado de que a exclusão do pro rata da componente amortização tem um impacto mais gravoso do que se essa componente fosse tributada como sucede em Portugal. Por outro lado, diferentemente do que sucedia no processo Banco Mais, no processo VW Financial Services o tribunal de reenvio tinha já comprovado que os custos mistos (ou gerais) eram aproveitados por ambas as componentes de amortização e juros, o que impõe maior cautela.»

GG. Salvo o devido respeito, não é possível retirar da factualidade dada como provada no acórdão arbitral que os custos mistos tenham sido preponderantemente determinados pela disponibilização dos veículos e não tanto pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes.

HH. A tese defendida pela ora Recorrente entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade”– v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111.

II. II. Atendendo ao disposto no artigo 19.° da Sexta Directiva e ao art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o objectivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a actividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA.

JJ. A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de actividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui actividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução.

KK. No Caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a percepção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução.

LL. Deste modo, seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será totalmente dedutível.

MM. Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.

NN. No cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afetação real aqueles custos são directamente imputados e o respetivo IVA é integralmente dedutível.

OO. A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

PP. Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13 – TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento, «há que responder à questão submetida que o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar

QQ. O Acórdão Fundamento invocado, de resto, está em linha de convergência com o teor de outros Acórdãos do STA, de que, a título de exemplo, se dá conta o processo n.º 01075/13, de 29-10-2014, cujo sumário se deixa transcrito: «Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis, devem incluir no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros.»

RR. Por último, referenciar os mais recentes Acórdãos do STA, precisamente sobre a presente matéria, com os n.ºs 52/19.0BALSB e 7/19.4BALSB.

SS. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

TT. Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.».

Pediu fosse o presente recurso para uniformização de jurisprudência admitido e julgado procedente, com a consequente revogação da decisão arbitral recorrida e a sua substituição por outra que fosse «consentânea com o quadro jurídico vigente».

1.2. O recurso foi admitido liminarmente, com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

A. A Recorrida considera que não se verificam os pressupostos para a admissão do presente recurso jurisdicional de uniformização de jurisprudência nos termos do artigo 152.º do CPTA (ex vi artigo 25.º, n.º 3 do RJAT).

B. Com efeito, no acórdão fundamento, foi dado como não provado que “A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”. E, por ter sido dado como não provado este facto, o STA convoca a jurisprudência do TJUE (Caso Banco-Mais processo C-183/13), nos seguintes termos: Além de que foi também em obediência a essa decisão de ampliação da matéria de facto, (com vista à aplicação da doutrina do acórdão do TJUE) que o tribunal a quo julgou não ter ficado provado que os custos (suportados em 2010) relativamente aos quais não se conseguira apurar, especificamente, a que tipo de operações estavam associados (se a operações financeiras isentas de IVA ou a operações tributadas de locação mobiliária, tendo por objecto veículos automóveis, traduzidas na celebração de contratos de leasing e ALD) respeitassem à disponibilização dos veículos objecto dos contratos”.

C. Ou seja, no acórdão fundamento, a decisão assenta no facto não provado (o de que “Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”, tendo sido a esse facto aplicado o direito em linha com o entendimento do Caso Banco-Mais.

D. No acórdão arbitral recorrido não foi dado como não provado semelhante facto, o que pode constatar da leitura da matéria de facto dada como provada e não provada no mesmo.

E. Esta constatação é, por conseguinte, suficiente para se julgar inadmissível o recurso interposto pela AT por não existir identidade quanto à situação fáctica e jurídica.

F. Além do mais, o que vem dito pela AT nas suas alegações de recurso, nomeadamente, nos artigos 34.º e 36.º é totalmente FALSO.

G. Ora, analisada a matéria de facto dada como provada no acórdão arbitral recorrido, não se aceita nem se percebe a inferência que é retirada pela AT de que os custos comuns são determinados pelo financiamento e não pela disponibilização da viatura e que justifique aquela (errada) afirmação da AT de que “alocando-se os recursos principalmente para o financiamento e a gestão desses contratos e não para a disponibilização dos veículos” no artigo 34.º das respectivas alegações.

H. Por sua vez, como foi recentemente decidido pelo STA, no processo n.º 01/20.2BALSB, de 30.09.2020, em que o acórdão fundamento é precisamente o mesmo que subjaz a este recurso (ie., o proferido processo n.º 0485/17): Cumpre ainda ter presente que enquanto na situação do acórdão fundamento a AT demonstrou que a aplicação do pro rata na situação concreta conduziria a distorções significativas na tributação, na situação da decisão arbitral recorrida não fez essa demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA.

I. Ora, também neste acórdão recorrido a AT não fez prova de que a aplicação do pro rata conduzia a distorções significativas de tributação. E no acórdão fundamento tê-lo-á feito.

J. Repise-se, pois, que no acórdão arbitral recorrido a AT não fez aquela demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA, como decidiu este STA no processo n.º 01/20.2BALSB. Assim, face ao disposto no Acórdão n.º 01/20.2BALSB, considera a Recorrida que também não existe identidade fáctica e jurídica das questões suscitadas entre os dois julgados, devendo não ser admitido o recurso interposto pela AT.

K. A Recorrida considera desde sempre que, à luz do direito constituído, a AT não pode mitigar o seu pro rata (através da substração das rendas, das alienações e indemnizações) nos moldes ditados pelo Ofício-Circulado n.º 30108 (que não é lei como é sabido), uma vez que NADA na letra da lei o permite. Com efeito, analisando o artigo 23.º do Código do IVA (ou qualquer outra disposição deste Código), não se concede outra opinião, tendo sido detalhadamente explicado na petição arbitral (que se reproduz para todos os efeitos legais) os motivos da discordância com a posição da AT.

L. Assim, embora sabendo da tarefa herculeana que lhe assiste, a Recorrida não se conforma com a jurisprudência do STA que sobre esta matéria tem sido sancionada, e, quanto mais não seja por mero dever de ofício, vem novamente suscitar nestas contra-alegações essas mesmas questões que espera serem elucidadas pelo julgador, sob pena de a função jurisdicional não contribuir para, em definitivo, resolver este litígio.

M. Quanto à interpretação do Caso “Banco-Mais”, conclui-se que o TJUE tão só consentiu no afastamento do método do pro rata quando aferido em função do volume de negócios, mas cometeu ao tribunal nacional avaliar a função económica dos contratos de locação, na actividade do locatário, a fim de averiguar se os clientes dos sujeitos passivos que recorrem a tais contratos o fazem sobretudo determinados pela função de financiamento e gestão dos contratos.

N. Nada mais se retira do Caso “Banco-Mais”, muito menos que a AT possa, por Ofício, legislar, com carácter geral, abstracto e eficácia externa, pois, quanto às concretas disposições do direito nacional caberá sempre a pronúncia pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

O. Apelando à conclusão contida no parágrafo 35 do Acórdão do TJUE no Caso “Banco- Mais”, refere-se que «o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar». Nesta última parte, o TJUE cometeu, pois, a função ao órgão jurisdicional de avaliar então a função económica da locação financeira.

P. Importa, a este propósito, chamar à colação o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, segundo o qual: «2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é: h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário».

Q. Como é sabido, as operações financeiras (vulgo concessão de crédito e outras formas de financiamento) são operações isentas de IVA nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA. No entanto, as operações de locação financeira não estão abrangidas por esta última isenção destinada às operações de financiamento, nem por qualquer outra isenção, sendo, pois, sujeitas e não isentas de IVA.

R. Face ao exposto, conclui-se que se o legislador quisesse ter qualificado as operações de locação financeira como correspondendo a uma actividade de financiamento/concessão de crédito, tê-las-ia isentado de IVA (artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA). MAS o que sucedeu foi precisamente o contrário.

S. E ao ter especificamente previsto a sua tributação em IVA, para que dúvidas não surgissem quanto à sua não subsunção à isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, veio expressamente afirmar que é pela concessão do gozo do veículo, e não pela concessão de financiamento, que é motivada a actividade de locação financeira/ALD e que, por conseguinte, se justifica a tributação (e não isenção) em IVA das rendas daqueles contratos.

T. Deve, pois, ser analisado o fundamento da não inclusão destas operações pela isenção que incide sobre as operações financeiras (concessão de crédito), através do qual se conclui que a própria sujeição a IVA comprova que para o legislador nacional o que releva é a disponibilização da viatura e não a de financiamento:

a. O legislador nacional optou por tratar estas operações como sujeitas e não isentas de IVA na totalidade (alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA);

b. A Directiva do IVA não obriga a que estas operações sejam sujeitas e não isentas de imposto;

c. Existem, além do mais, ordenamentos jurídicos em que o legislador não optou pela tributação integral em IVA da locação financeira, como se explicou (Caso Volkswagen);

d. Se o legislador tivesse entendido que esta actividade se reconduz apenas ao financiamento, não teria previsto o que previu na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, e bastar-se-ia pela inclusão destas operações na isenção que impende sobre as operações de crédito (n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA);

e. Como não o fez, foi o próprio legislador que estabeleceu que a locação financeira é sujeita a IVA porque traduz uma actividade de disponibilização de uma viatura.

U. O que vem dito ganha ainda mais força quando se analisa Acórdão do TJUE proferido em 18.10.2018, no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, doravante «Caso Volkswagen», o qual veio repensar expressamente a jurisprudência proferida no Caso Banco Mais.

V. ISTO É: de acordo com a jurisprudência mais recente do TJUE, repensando explicitamente a jurisprudência do Caso Banco Mais, foi esclarecido que «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (acórdão de 18-10-2018, processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd).

W. Na verdade, volvidos vários anos sobre o Caso “Banco-Mais”, mostrou-se o TJUE no Caso “Volkswagen” preocupado em mitigar (para não referir mesmo, corrigir) os efeitos da interpretação daquele primeiro aresto. E afirma que “importa garantir o direito à dedução do IVA, sem o subordinar a um critério relativo, designadamente, ao resultado da atividade económica do sujeito passivo”.

X. Diga-se que a situação escrutinada naquele aresto não diverge da situação da Recorrida. No Caso Volkswagen, o contribuinte era uma instituição financeira que se dedica a adquirir os veículos da marca VWFS para, sob a forma de vários produtos financeiros, entre os quais, a locação financeira, os disponibilizar aos clientes, sendo um sujeito passivo misto. Para efeitos de dedução do IVA dos custos gerais, pretendia a VWFS estipular um critério pro rata junto da administração fiscal, apurando-se o volume de negócios de cada um dos sectores, entre os quais, o da locação financeira que terá de ter em conta o volume desta actividade (incluindo a aquisição dos veículos).

Y. Neste contexto, o TJUE decidiu não ser de afastar o valor dos veículos em locação financeira (o que, vertendo para a situação sub judice, se reconduz à amortização financeira), para calcular o IVA dedutível dos custos comuns, e concluiu que o seu afastamento não permitiria apurar, de forma mais precisa, sob pena de ofensa do princípio da neutralidade do IVA, o imposto dedutível.

Z. Face ao exposto, e tendo em conta esta decisão mais recente do TJUE, permite-nos concluir que «o método preconizado pela Administração Tributária, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, também sob esta perspectiva é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 [a que corresponde que alínea c) do n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Diretiva]» (cfr. acórdão arbitral proferido no processo 854/2019-T), o que se invoca para todos os efeitos legais.

AA. Assim, a jurisprudência do Caso Volkswagen permite, afastar, precisamente a jurisprudência do Caso “Banco-Mais”, e estando os tribunais nacionais vinculados à mesma, deverá ser, na aplicação do direito, tida em consideração, sendo que, caso se suscitem dúvidas na aplicação do direito comunitário, dever-se-á então submeter novo reenvio prejudicial da questão para o TJUE.

BB. No acórdão recorrido considerou-se, ao arrimo de variadíssimas decisões arbitrais nele citadas, que, em qualquer caso, não é consentido pela Constituição da República Portuguesa (CRP) que, com carácter geral e abstracto e eficácia externa, venha a ser regulado o direito à dedução do IVA, pela AT através de direito circulatório, ainda para mais quanto diz respeito a matéria de reserva de lei da Assembleia da República.

CC. E também esta questão não foi, ainda, resolvida pela jurisprudência deste STA.

DD. Ora, entendendo o acórdão fundamento que a lei conferiu essa possibilidade à AT (ie., que transpôs devidamente a Directiva IVA e que a AT pode pelo Ofício-Circulado 30108, ao abrigo da possibilidade que legislativamente lhe foi conferida, regular/definir/modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA), então:

EE. Invoca-se, assim, expressamente e para todos os efeitos legais, que o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao permitir à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna (Ofício-Circulado 30108) definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, e eficácia externa, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) são MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP].

FF. Acresce que, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, a AT não a pode aplicar, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n. 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).

GG. Efectivamente, como muito doutamente foi referido na decisão arbitral proferida no processo 811/2019-T “só por via legislativa se poderia alterar o que por via legislativa foi fixado”;

HH. Assim sendo, não pode a Recorrida deixar de novamente realçar que um Ofício-Circulado, ie,, o Ofício-Circulado n.º 30108, não é lei, e é por Ofício-Circulado que está a ser regulado o direito à dedução em IVA.

II. Como não se desconhece, o princípio da legalidade tributária, previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), impõe que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

JJ. A definição (através de restrição in casu) do âmbito do direito à dedução do IVA carece de aprovação através de Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei Autorizado do Governo (artigo 165.º, n.º 1, i) da CRP), não podendo ser delimitado por Ofício-Circulado (que não é lei e nem sequer emana de um órgão de soberania com poderes legislativos).

KK. Além do mais, a CRP não consente que a lei possa conferir essa possibilidade à AT, para “legislar”, como não consente que se atribua a um acto (que não é lei nem decreto-lei autorizado) o poder de, com eficácia externa, regular uma determinada matéria, estando pois violando o n.º 5 do artigo 112.º da CRP.

LL. Os n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, ao conferirem à AT, por Ofício-Circulado, modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, com carácter geral, abstracto, e eficácia externa, violam frontalmente o n.º 5 do artigo 112.º da CRP e o princípio da tipicidade da lei. E jamais pode uma lei ou decreto-lei consentir que a um Ofício lhe seja conferida aquela eficácia externa e a aplicação geral e abstracta, em especial, em matéria de impostos (que é de reserva de lei).

MM. Também os princípios da separação dos ponderes (artigos 2.º e 111.º da CRP) não se compatibilizam com a permissão conferida pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA à AT para legislar ou modificar, por Ofício-Circulado, em matéria de dedução do IVA, mitigando o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, uma vez que tal poder apenas é conferido ao poder legislativo (Assembleia da República do Governo devidamente autorizado nos termos do artigo165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).

NN. Por último, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”, preceito este igualmente violado pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao conferirem à AT a possibilidade de mitigar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, porquanto, como se viu, jamais por Ofício pode ser regulada com carácter geral, abstracto e eficácia externa o direito à dedução do IVA.

OO. Face ao exposto, por inconstitucionalidade formal e material dos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, nos termos acabados de explicar, também seria procedente o pedido de pronúncia arbitral, devendo ser mantido na ordem jurídica o acórdão recorrido.

PP. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, sempre se dirá que, muito diversamente do que alega a AT, nomeadamente, no artigo 34.º das respectivas alegações, da matéria de facto dada como provada NÃO se “ (…) infere(-se )que os contratos celebrados pela Recorrida se situam no leasing, alocando-se os recursos principalmente para o financiamento e a gestão desses contratos e não para a disponibilização dos veículos”.

QQ. Por conseguinte, sempre terá de se decidir, nomeadamente como foi decidido no acórdão fundamento proferido por este STA no processo 07/19.4BALSB ou no processo 52/19.0BALSB, em caso de improcedência dos argumentos expostos anteriormente, que seja ordenada a ampliação da matéria de facto junto do tribunal a quo para se apurar se a “utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos”.

Rematou as contra alegações pedindo fosse o recurso interposto pela AT julgado totalmente improcedente.

Pediu ainda:

- fosse «APRECIADA E RECONHECIDA A INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DOS ARTIGOS 23.º, N.º 2 E 3 DO CÓDIGO DO IVA, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES (ARTIGOS 2.º E 111.º DA CRP), DO ARTIGO 112.º, N.º 5, DA CRP, DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA (103.º, N.º 2 DA CRP). DA RESERVA DE LEI DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA [165.º, N.º 1, ALÍNEA I) DA CRP], E DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA ACTUAÇÃO DA AT (ARTIGOS 266.º, N.º 2, DA CRP), O QUE CONDUZ À PROCEDÊNCIA DO PEDIDO ARBITRAL, MANTENDO-SE NA ORDEM JURÍDICA A DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA».

- subsidiariamente, fosse «ORDENADA A AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JUNTO DO TRIBUNAL A QUO PARA SE APURAR SE A “UTILIZAÇÃO DE BENS OU SERVIÇOS DE UTILIZAÇÃO MISTA POR PARTE DA RECORRIDA FOI SOBRETUDO DETERMINADA PELO FINANCIAMENTO E PELA GESTÃO DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA CELEBRADOS COM OS SEUS CLIENTES OU, AO INVÉS, PELA DISPONIBILIZAÇÃO DOS VEÍCULOS”. »

O Digno Magistrado do M.º P.º foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer, do qual transcrevemos as conclusões:

«(…)

VI. EM CONCLUSÃO:

1. No acórdão do TJUE de 10/07/2014, proferida no proc. C-183/13, foi adotado entendimento no sentido de que na aplicação do método de afetação real previsto no nº2 do artigo 23º do CIVA, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo, que seja um banco que exerce atividades de “Leasing” e de “ALD”, a incluir no numerador e no denominador, que serve para o cálculo da percentagem da dedução, apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa atividade, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respetivos.

2. Na sequência desse aresto do TJUE, o STA adotou jurisprudência, que se pode considerar consolidada (na sequência da prolação de diversos acórdãos da secção e ultimamente do Pleno no mesmo sentido)), em ordem a aquilatar da legalidade da aplicação de um coeficiente específico por parte da Administração Tributária, no cálculo do pro-rata, no sentido de que «em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos bens dados em locação»

3. Não tendo a decisão arbitral fixado matéria de facto em relação a tais elementos, em ordem a apreciar a questão decidenda na perspetiva supra enunciada, a mesma padece de défice instrutório, que impõe a sua revogação e a necessidade de ampliação da matéria de facto, julgando-se o recurso procedente.».

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


◇◇◇

2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

A) No dia 05 de Junho de 2012, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Abril de 2012, com o n.º 112000207594 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B) No dia 12 de Junho de 2012, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Maio de 2012, com o n.º 112000819611 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C) No dia 11 de Julho de 2012, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Junho de 2012, com o n.º 112001741004 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D) A Requerente é, para efeitos de IVA, um sujeito passivo misto (realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem direito a dedução;

E) Nas declarações periódicas relativas aos três períodos do exercício de 2012 aqui em causa, o IVA foi determinado com base no cálculo do pro rata provisório, correspondente ao pro rata definitivo para o exercício de 2011;

F) Nessas mesmas declarações, a Requerente, na determinação do cálculo do pro rata, excluiu do numerador as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G) Incluindo no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados apura-se o pro rata definitivo de 66% para o ano de 2011 e o valor de IVA dedutível de € 397.229,03 nos três períodos a que se referem as declarações impugnadas (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, artigos 14.º e 15.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionados);

H) Não incluindo no cálculo do pro rata o valor das amortizações financeiras e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, apura-se o pro rata definitivo de 22% para o ano de 2011 e, nos três períodos a que se referem as declarações impugnadas, e o valor de IVA dedutível de€ 132.994,04 (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e artigos 14.º e 15.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionados);

I) A Requerente passou a desconsiderar do numerador e do denominador as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados, em virtude da posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, sancionado pelo Director Geral e seguida pelos Serviços de Inspecção em sede de inspecção junto da Requerente em exercícios anteriores (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

J) Por força dos contratos de Leasing celebrados nos três períodos de 2012 aqui em causa, a Requerente, a solicitação e indicação do Locatário (Cliente), adquiriu determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento integral e a pronto do mesmo, acrescido de IVA, entregando-o de imediato, para uso e fruição – ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do aludido contrato – ao Locatário (documento n.º 10 e artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);

K) Como contrapartida pela referida prestação de serviços, o Locatário fica obrigado a pagar à Requerente uma retribuição a qual assume a forma de renda, em cujo cálculo são considerados o preço de aquisição do bem (veículo), os encargos e a margem de lucro (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 25.º do pedido de pronúncia arbitral);

L) Nos termos do Contrato de Leasing, o Locatário pode, no final do contrato e se assim o pretender adquirir o bem ao Locador (BSCP) mediante o pagamento do valor residual (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 26.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);

M) Por força dos contratos de ALD Financeiro celebrados pela Requerente nos três meses de 2012 aqui em causa, esta adquiriu determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento imediato do mesmo, cedendo-o, ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do aludido contrato, ao Locatário (Cliente da Requerente), para uso e fruição que abrangesse “a maior parte da vida útil do bem” (cópia de um contrato de ALD Financeiro que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

N) Como contrapartida pela prestação de serviços realizada no âmbito do contrato de ALD, o Locatário fica obrigado a pagar ao BSCP uma retribuição, a qual assume a forma de renda, para cuja determinação são considerados, designadamente, os seguintes factores: o preço de aquisição do bem (veículo), os demais encargos e a margem de lucro (documento n.º 11 e artigo 30.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);

O) Também nos contratos de ALD Financeiro, o Locatário tem a possibilidade de, no final do contrato, adquirir o bem ao Locador (BSCP) mediante o pagamento de um montante adicional (documento n.º 11 e artigo 31.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);

P) Nas situações em que não houve transmissão da propriedade – quer porque os contratos de Leasing ou de ALD Financeiro foram resolvidos por incumprimento do Locatário, quer porque este, no final do contrato, não accionou a opção de compra constante dos mesmos –, os veículos foram vendidos pela Requerente a diversas entidades tendo acrescido IVA aos valores das vendas (artigos 33.º e 34.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionados e documento n.º 12);

Q) Nos casos em que os contratos foram resolvidos por ocorrência de perda total do bem, o Locatário fica obrigado, nos termos do contrato de locação financeira, a pagar o capital em dívida (documento n.º 10 e artigo 36.º do pedido de pronúncia arbitral não questionado);

R) Nestes casos, a Requerente emitiu factura pelo montante em dívida ao qual acresce, nos termos legais, o respectivo IVA (cópia da factura aqui se junta que consta do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

S) Nas operações sujeitas, Leasing e ALD, a Requerente liquidou IVA sobre o valor total da renda (documentos n.ºs 14 e 15 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

T) No caso das operações não sujeitas, como a concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário, a Requerente não liquidou IVA no período em causa, sujeitando as referidas operações a Imposto do Selo (verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, doravante TGIS) na parte relativa aos juros (documentos n.ºs 16 e 17 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e artigo 39.º do pedido de pronúncia arbitral);

U) Em 23-07-2012, a Requerente deduziu impugnação judicial no Tribunal Tributário de Lisboa tendo por objecto as autoliquidações em causa no presente processo, dando origem ao processo n.º 2109/12.98BELRS, em que foi declarada extinta a instância, por sentença de 30-09-2019, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro (documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

V) Em 14-11-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro.

2.2. O acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

2. Na sentença recorrida [referenciando-se o «interesse para a decisão» e o «cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.° 970/13-30)»] julgou-se provada e não provada a factualidade seguinte:

2.1. Factos provados

1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA — gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:

1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).

No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).

2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação ……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).

3) A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).

4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).

5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).

6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.

7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).

2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:

A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).

Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.».


***

3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 765/2019-T, do CAAD, na parte em que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral e anulou parcialmente as autoliquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) respeitantes aos períodos de abril a junho de 2012.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente por entender, em primeiro lugar, que a decisão arbitral está em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de novembro de 2017, tirado no processo n.º 0485/17.

E por entender, em segundo lugar, que é de acolher o entendimento firmado no acórdão fundamento.

Invocou como fundamento da admissibilidade do recurso o n.º 2 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”) e o artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”).

Decorre do sobredito que o presente recurso tem na sua base a oposição de julgados e tem como objetivo fundamental a uniformização de jurisprudência.

Como vem sendo dito em processos idênticos, a apreciação do mérito da decisão recorrida depende da verificação de um conjunto de pressupostos substantivos. Ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo só uniformiza jurisprudência sobre a questão suscitada no recurso depois de se assegurar da verificação desses pressupostos.

Que, no essencial se destinam a confirmar que a questão suscitada nas duas decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) é substancialmente idêntica e que a resposta que neles foi dada a essa questão é diversa e contraditória.

Ou seja, identidade substancial da questão suscitada e decisão contraditória quanto a essa questão.

Relativamente à primeira, é seguro que se deve tratar de uma questão de direito. Desde logo, porque a lei o diz («…sobre a mesma questão fundamental de direito»). Mas também porque a finalidade do recurso é de uniformizar a interpretação de normas jurídicas e promover uma maior previsibilidade e igualdade nas decisões.

Relativamente à segunda, está assente que se deve tratar de uma divergência de decisões (e não apenas de entendimentos). Ou seja, a questão deve ter determinado o sentido em que foi decidido em cada um dos processos e estar na base da oposição ou divergência.

De salientar ainda que a questão fundamental de direito é a mesma quando, de um lado, é substancialmente idêntico o quadro normativo e quando, do outro lado, é substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida.

O que significa que, para haver identidade substancial da questão de direito, não basta concluir que a norma jurídica é a mesma ou tem idêntico teor: é também necessário que a factualidade apreciada deva ser considerada idêntica do ponto de vista da sua subsunção jurídica.

E bem se compreende que assim seja porque, se a factualidade não for idêntica (se a situação concretamente apreciada nos dois arestos não for a mesma do ponto de vista dos seus elementos típicos fundamentais, tal como se encontram delineados na norma a aplicar), não pode evidenciar-se uma contradição de direito. É natural que a situações de facto diferentes e com diferente relevo normativo correspondam respostas jurídicas diversas.

Vejamos, então, se estes pressupostos se verificam no caso.

3.2. Resulta dos autos que, quer o acórdão recorrido, quer o acórdão fundamento foram chamados a interpretar e a aplicar o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, que determina o método a aplicar na dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista.

Resulta também dos autos que ambos os acórdãos foram chamados a interpretar e a aplicar aquele dispositivo legal a sujeitos passivos que são instituições de crédito e que realizam, simultaneamente, operações de concessão de crédito e operações de locação financeira, recorrendo a montante a bens e serviços de utilização mista, isto é, suportando gastos que alocam ao exercício de ambas as atividades.

Resulta, ainda, dos autos que, em ambos os casos, os sujeitos passivos apuraram o imposto dedutível contido nesses bens ou serviços utilizando o método a que alude o ponto 9 do ofício circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Sudiretor-Geral da área de gestão tributária do IVA. Ou seja, um método que só considera no cálculo da dedução o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de “leasing” e de “ALD” (excluindo, assim, a componente do capital ou de amortização financeira).

Resulta, finalmente, dos autos que, em ambos os casos, os sujeitos passivos clamavam pela ilegalidade do método imposto pelo supra referido ofício circulado e pretendiam que fosse determinado o pro rata da dedução nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Assim sendo, deve concluir-se que a situação factual tratada nos dois arestos é substancialmente idêntica, por ser subsumível ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica.

É certo que, no caso do acórdão fundamento, foi indagado – em cumprimento de anterior acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – se os custos suportados com bens e serviços de «utilização mista» eram sobretudo determinados pela disponibilização dos veículos objeto dos contratos de locação financeira, tendo esse facto sido dado como não provado – ver ponto 2.2. respetivo, quanto a factos não provados.

Enquanto que, no caso acórdão arbitral recorrido, esse facto não foi dado como provado nem como não provado.

Mas isso sucede porque, no caso do acórdão recorrido, o Tribunal Arbitral entendeu que esse facto não relevava para a decisão.

E não relevava para a decisão porque o Tribunal Arbitral tomou de partida que a lei nacional não prevê nenhum método de dedução para os bens de utilização mista semelhante àquele que é preconizado pelo ofício circulado n.º 30108 supra referido. Nem concede à Administração Tributária o poder de impor ao sujeito passivo a aplicação desse método.

Enquanto que, no caso do acórdão fundamento, foi julgado relevante que o tribunal de primeira instância apurasse essa factualidade, no quadro dos seus poderes de indagação oficiosa.

Precisamente por se entender que da resposta a esta questão de facto dependia a resposta à questão de direito subjacente.

Ora, quando a questão da relevância jurídica de um facto é determinada pela pré-compreensão do direito aplicável e esta faz parte do direito que se controverte, esse facto não pode relevar para a determinação da identidade substancial das questões suscitadas, mas para a determinação da existência de decisões contraditórias.

Dizendo de outro modo, não releva para a questão de saber se as situações são idênticas, mas para a questão de saber se as decisões são opostas.

Porque o que aqui está em causa não é saber qual é a situação a subsumir, mas a de saber se ela releva para o direito. Não é uma questão de facto, é uma questão de direito.

Pelo que também não pode constituir um pressuposto da decisão da oposição. Faz parte do seu objeto.

Se assim não fosse entendido, nunca poderia dizer-se que as situações eram idênticas nem que não eram. Na parte apurada as situações eram idênticas. Na parte não apurada, a identidade das situações era desconhecida.

A questão fundamental de direito suscitada em cada um dos arestos também é, substancialmente, a mesma: a de saber se a Administração Tributária pode obrigar uma instituição bancária que realiza operações sujeitas – incluindo as relativas à locação financeira mobiliária (“leasing” e “ALD”) – e operações isentas – como as que derivam da concessão de crédito – a aplicar um método de dedução como aquele que é preconizado no supra referido ofício circulado à luz do disposto do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

E o que não há dúvida é que os dois arestos deram uma resposta divergente a esta questão.

Fundamentalmente, porque o acórdão fundamento lhe deu uma resposta afirmativa, ainda que enquadrada em pressupostos de facto relevados no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante “TJUE”) de 10 de Julho de 2014, tirado no processo C-183/13 (denominado “Acórdão Banco Mais”).

E o acórdão recorrido lhe deu uma resposta negativa, fundada, além, do mais, no entendimento de que o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no processo C-183/13 assenta num erro de interpretação do direito interno português, que – no entendimento ali adoptado – não permite o método de dedução preconizado naquele Ofício-Circulado.

Deve, assim, concluir-se que há oposição e que se justifica a prossecução do presente recurso.

Para terminar este ponto, impõe-se uma referência ao douto requerimento último, apresentado pela Recorrida, através do qual foi apresentada cópia de um outro desta Secção, de 4 de novembro de 2020, tirado no processo n.º 90/19.2BALSB, que correu termos entre a AT e outra instituição bancária e onde foi decidido que não havia oposição quanto à mesma questão fundamental de direito e que, por isso, não havia que tomar conhecimento do recurso.

A Recorrida considera que o entendimento que conduziu à não admissão do recurso nesse processo é totalmente transponível para os presentes autos.

Deve dizer-se, a este propósito, que a Secção do Pleno do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo se tem esforçado por dar respostas idênticas a situações semelhantes, também na verificação dos pressupostos da admissibilidade destes recursos, a bem da transparência e da previsibilidade das decisões.

Mas isso não significa que exista o dever de o tribunal, ao decidir da verificação dos pressupostos da admissibilidade do recurso, se confrontar também com anteriores decisões. No que respeita à análise destes pressupostos, a resposta do tribunal deve ser concreta e individualizada.

De qualquer modo, como a Recorrente bem sabe – até porque se tratou de um processo em que também interveio como Recorrida – no Recurso para uniformização de jurisprudência que correu termos nesta Secção com o n.º 87/20.0BALSB foi acordado tomar conhecimento do mérito do recurso. E esse sim, é um processo em tudo idêntico a este, quer quanto ao teor das decisões arbitrais respectivas, que são quase sobreponíveis (quer na resposta à matéria de facto – salvo, naturalmente, quanto à identificação das liquidações – quer em matéria de direito), quer quanto ao teor das alegações de recurso e das respectivas conclusões.

Estando, por isso, a decisão de julgar verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso também alinhada com a jurisprudência mais recente desta Secção.

3.3. A questão de fundo suscitada nos autos já foi analisada por diversas vezes por esta Secção, tendo-o sido por último no acórdão do Pleno de 24 de março do corrente ano, a que acima já fizemos referência, e onde foi decidido uniformizar jurisprudência nos seguintes termos: [n]os termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.

Assim, tomando em consideração o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil e a finalidade dos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência – que visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos tribunais respostas diferentes –, limitamo-nos a remeter, com as necessárias adaptações e nos termos dos artigos 663.º, n.º 5 e 679.º do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, para a fundamentação do supra referido Acórdão proferido a 24 de Março de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c4ba25ab6080f680802586a4005e821f.

Razão pela qual nos limitamos agora a concluir, como ali, pela procedência do recurso e, consequentemente, pela anulação da decisão arbitral na parte recorrida.

3.4. Nos artigos 78.º a 117.º das contra-alegações de recurso e nas alíneas “BB.” a “OO.” das respectivas conclusões, a Recorrida invoca a inconstitucionalidade formal e material do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Alega para o efeito, secundando outra decisão arbitral (que não a decisão arbitral recorrida), que nenhuma lei pode conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.

Que a própria decisão recorrida o referiu também (cfr. excerto que transcreve, tirado do último parágrafo da pág. 20).

E que essa questão ainda não foi resolvida pelo Supremo Tribunal Administrativo.

A final, pede que seja apreciada e reconhecida a inconstitucionalidade formal e material daquele dispositivo, por violação dos princípios de separação de poderes (artigos 2.º e 111.º da Constituição) do seu artigo 112.º, n.º 5, do princípio da legalidade tributária (seu artigo 103.º, n.º 2), da reserva de lei da Assembleia da República (seu artigo 165.º, n.º 1, alínea i)) e do princípio da legalidade da atuação da administração tributária (seu artigo 266.º, n.º 2).

A Recorrida não esclarece porque é que entende que o tribunal de recurso deve conhecer das (múltiplas) questões de constitucionalidade que agora invoca ou nomeia, até porque não indicou nenhuma norma processual na qual a sua pretensão possa ser sustentada.

Mas julga-se incontroverso que a Decisão Arbitral recorrida não decidiu com base na inconstitucionalidade do artigo 23.º do Código do IVA, seja qual for o preceito constitucional que se entenda agora violado.

A Decisão Arbitral recorrida decidiu com base na errada interpretação de disposições do Código do IVA e da Diretiva IVA.

Ora, se a decisão recorrida não decidiu com base na inconstitucionalidade daquele preceito, a(s) questão(ões) de constitucionalidade que agora a Recorrida invoca não fazem parte do âmbito do presente recurso para uniformização de jurisprudência.

O Tribunal Arbitral nem sequer ali referiu que o artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, do Código o IVA seria inconstitucional, numa certa interpretação. Disse apenas que certos preceitos e princípios constitucionais constituíam um obstáculo intransponível à aplicação do ponto 9 do Ofício Circulado, por falta de previsão legislativa (infraconstitucional).

E não faria parte do âmbito do presente recurso nem mesmo se o tivesse referido em termos hipotéticos e para o caso de não se entender o que na decisão recorrida se entendeu. Porque não pode fazer parte do recurso para uniformização de jurisprudência o que não serve de base a soluções expressas nos acórdãos em confronto.

Pelo que, ao invocar agora as supra referidas questões de constitucionalidade a Recorrida só poderá estar a pretender que o Supremo Tribunal Administrativo delas conheça em substituição do Tribunal Arbitral.

Mas, como resulta do n.º 6 do artigo 152.º, do CPTA (para que remete, com as necessárias adaptações, o n.º 3 do artigo 25.º do RJAT), o Supremo Tribunal Administrativo só substitui o acórdão recorrido na decisão da questão controvertida, isto é, na decisão da questão que se controverte no recurso.

O que também resultaria da natureza e finalidade de um recurso de oposição de julgados: um recurso notoriamente excecional, de âmbito restrito e instituído sobretudo para resolver diferendos nos entendimentos dos tribunais, mais do que para resolver diferendos entre as partes.

Entendendo o legislador que o recurso da decisão arbitral para o Supremo só pode ter por fundamento a oposição de julgados e que segue os termos do recurso para uniformização de jurisprudência, não pode um tal recurso prosseguir com outros fundamentos, a instância de nenhuma das partes, como se fosse um recurso de apelação.

Por outro lado, deve entender-se que o Supremo Tribunal Administrativo só substitui o acórdão recorrido se o Supremo Tribunal Administrativo entender que está em condições de decidir a questão controvertida. Se, por alguma razão, o estado dos autos não permitir decidir essa questão, a substituição não pode ter lugar.

Por isso é que é muito importante que as instâncias recorridas com competência para o julgamento da matéria de facto procedam a esse julgamento considerando todas as soluções plausíveis da questão de direito invocada. Se a substituição no julgamento da questão que se controverte não puder ter lugar, resta a anulação.

Ora, no caso dos autos, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que o estado dos autos do processo arbitral ainda não lhe permitia decidir a questão controvertida em substituição do Tribunal Arbitral. Que era a de saber se a decisão administrativa era ou não legal, na parte recorrida.

Ora, se o tribunal de recurso entende que não está em condições de dizer se a administração aplicou corretamente a lei e não é, por sua vez, chamado a aplicar a norma em causa ao caso concreto, também não tem que apreciar a constitucionalidade dessa lei. A apreciação oficiosa das questões de constitucionalidade, qualquer que seja o seu âmbito, só se coloca quando o tribunal é chamado a aplicar as normas relativamente às quais se coloca a questão de constitucionalidade.

De todo o exposto deriva que a pretensão da Recorrida a que seja apreciada a questão da (in)constitucionalidade formal e material do artigo 23.º, n.º s 2 e 3, do Código do IVA, não pode ser acolhida.

3.5. Nos artigos 118.º a 120.º das contra-alegações de recurso e nas alíneas “PP.” a “KK.” das respectivas conclusões, a Recorrida invoca, a titulo subsidiário, a necessidade de ordenar a ampliação da matéria de facto junto do tribunal recorrido e pede que tal seja ordenado por este tribunal.

Esta questão foi apreciada no acórdão desta Secção de 21 de abril deste ano, tirada no processo n.º 101/19.1BALSB.

Na essência, concluiu-se ali que tal pretensão não tem cabimento nos recursos de decisões arbitrais.

Fundamentalmente, porque o artigo 683.º, n.º 1, do Código de Processo Civil se adapta mal aos casos em que o tribunal recorrido não é um tribunal permanente e não pertence à mesma ordem jurisdicional.

E porque as consequências das decisões estaduais que se reconduzam à anulação das decisões arbitrais pelos tribunais estaduais estão genericamente previstas no artigo 46.º, n.º 9, da Lei da Arbitragem Voluntária, diploma que se aplica à arbitragem administrativa, atento o artigo 181.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Razão porque o Supremo Tribunal Administrativo entendeu rever posição face a decisões anteriores e assumir que, em situações como a dos autos, só lhe compete anular a decisão arbitral recorrida. Cabendo às partes e, se for caso disso, ao tribunal arbitral, extrair as consequências da anulação.

É esse entendimento que aqui se reafirma. Razão porque esta pretensão da Recorrida também não pode ser acolhida.


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4. Conclusão

Nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a Administração Tributária pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral na parte recorrida.

Custas pela Recorrida.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Assinado digitalmente pelo Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Lisboa, 22 de setembro de 2021

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.