Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01847/13
Data do Acordão:02/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
RECURSO JURISDICIONAL
COMPETÊNCIA
RECURSO PER SALTUM
Sumário:I - No regime dos recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.
II - O recurso per saltum previsto no art. 151.º do CPTA só é admitido desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos arts. 32.º e segs., seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável (n.º 1 do art. 151.º); (iii) incida sobre decisão de mérito; (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (n.º 2 do art. 151.º).
Nº Convencional:JSTA00068593
Nº do Documento:SA22014021201847
Data de Entrada:12/05/2013
Recorrente:MFIN
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:INCOMPETENCIA
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL
Legislação Nacional:CPPT ART16 ART97 N2 ART279 N2.
CPTA ART13 ART191 ART151 ART32 N2 C.
DL 423/83 DE 1983/12/05 ART20.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01495/12 DE 2014/01/14
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 3ED ALMEDINA 2010 PAG999.
JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG49 VOLIV PAG321.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé na acção administrativa especial com n.º 815/11.4BELLE

1. RELATÓRIO

1.1 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou procedente a acção administrativa especial aí interposta pela sociedade denominada “A…………….., Lda.”(a seguir Autora ou Recorrida) contra o Ministério das Finanças (a seguir Réu ou Recorrente) e em que foi formulado o pedido de que o Réu seja «condenado a praticar […] acto de deferimento da pretensão formulada pela Autora no sentido de ser anulada a liquidação de IMT […] e parcialmente anulada a liquidação de Imposto de Selo […] que foram pagos aquando do aquisição da fracção […] no empreendimento turístico […]» e seja «em consequência disso, condenado a restituir à Autora a quantia de € 39.650,00 paga a título de IMT […], bem como a quantia de € 3.904,00, correspondente a 4/5 do Imposto de Selo, ambos pagos aquando da aquisição da mencionada fracção».

1.2 Inconformado com essa sentença, o Réu dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu nas conclusões de fls. 149 a 156.

1.3 A Recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção do decidido na sentença.

1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.5 Remetidos os autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, o Juiz Desembargador a quem o processo foi distribuído, invocando o disposto no art. 705.º do Código de Processo Civil (CPC) velho, proferiu decisão declarando aquele Tribunal incompetente em razão da hierarquia e declarando como tribunal competente o Supremo Tribunal Administrativo.
Isto, porque entendeu que «a pretensão rescisória da recorrente assenta no invocado erro de direito em que terá incorrido a sentença em crise, porquanto a mesma centra-se na alegada incorrecta interpretação do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro», motivo por que, atentas as regras dos arts. 26.º, alíneas a) e b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso será do Supremo Tribunal Administrativo.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público nos termos do disposto no art. 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 Porque o Tribunal Central Administrativo Sul de declarou incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e que a competência para o efeito é deste Supremo Tribunal Administrativo, a primeira questão que cumpre apreciar e decidir é a da competência em razão da hierarquia, sobre a qual as partes puderam já pronunciar-se.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Sendo que o Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciou no sentido da sua incompetência em razão da hierarquia para conhecer do recurso e declarou competente para o efeito este Supremo Tribunal Administrativo, há que reapreciar a questão – que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida ou suscitada até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. art. 16.º do CPPT 1 - A infracção das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal.
2 - A incompetência absoluta é de conhecimento oficioso e pode ser arguida pelos interessados ou suscitada pelo Ministério Público ou pelo representante da Fazenda Pública até ao trânsito em julgado da decisão final».) e art. 13.º («O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria».) do CPTA) –, sabido que é que este Supremo Tribunal não está vinculado por aquela decisão e que, em caso de decidir em sentido divergente, é esta decisão que deve prevalecer, atento o disposto no n.º 2 do art. 5.º do ETAF Existindo, no mesmo processo, decisões divergentes sobre questão de competência, prevalece a do tribunal de hierarquia superior».).


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2.2 DA INCOMPETÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM RAZÃO DA HIERARQUIA

Para apreciar a questão da competência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia, vamos louvar-nos no recente acórdão, de 14 de Janeiro de 2014, proferido no processo 1495/12 (Ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cdde4b7cdc8f22ba80257c68005954a6?OpenDocument.), que passamos a transcrever, quase integralmente e com as adaptações requeridas pelas circunstâncias do caso sub judice.
A acção administrativa especial é regulada pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 97.º do CPPT O recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos».), sendo que, por força do disposto no art. 191.º do CPTA A partir da data da entrada em vigor deste Código, as remissões que, em lei especial, são feitas para o regime do recurso contencioso de anulação de actos administrativos consideram-se feitas para o regime da acção administrativa especial»), a remissão que nesta norma é feita para o regime do recurso contencioso tem de considerar-se feita para o regime da acção administrativa especial (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 4 ao art. 97.º, pág. 35.).
O presente recurso é interposto da sentença proferida na acção administrativa especial instaurada contra o acto de indeferimento de pedido de reconhecimento de benefício fiscal, ao abrigo do disposto no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, relativamente às liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e de Imposto de Selo, efectuadas com referência à aquisição de uma fracção autónoma de um aldeamento turístico.
Ou seja, o presente recurso jurisdicional, interposto da decisão proferida no âmbito de uma acção administrativa especial, encontra-se sujeito às regras previstas no CPTA, como resulta do estatuído no n.º 2 do art. 279.º do CPPT Os recursos dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos».).
Com efeito, a acção administrativa especial constitui um meio processual comum à jurisdição administrativa e tributária e do art. 278.º do CPPT resulta inequivocamente que o regime de recursos que nele se encontra previsto só se aplica aos processos regulados nesse mesmo Código. Pelo que, na falta de indicação do regime de recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária há aplicar o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.
Aliás, o n.º 2 do art. 97.º do CPPT impõe que se aplique às acções administrativas especiais (antigo recurso contencioso) o regime previsto nas normas sobre processo nos tribunais administrativos, e nesse regime inserem-se, naturalmente, as normas referentes aos recursos jurisdicionais que nesses processos sejam interpostos (Sobre esta matéria, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 14 i2) ao art. 97.º, pág. 49, e IV volume, anotação 3 ao art. 279.º, pág. 321.).
Neste contexto, importa ter em conta o disposto no art. 151.º, n.º 1, do CPTA, segundo o qual o recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo só pode ocorrer «Quando o valor da causa seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável e as partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito (...)».
Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, 3.ª edição, Almedina, 2010, anotação 1 ao art. 151.º, pág. 999.), este recurso per saltum só é admitido desde que se encontrem preenchidos os seguintes requisitos: «(a) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (b) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos artigos 32.º e seguintes, seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável (artigo 151.º, n.º 1); (c) incida sobre decisão de mérito; (d) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (artigo 151.º, n.º 2)».
No caso, o valor da acção é de € 43.554,00, que foi o indicado na petição inicial e é o que resulta da aplicação das regras do art. 32.º do CPTA.
Assim sendo, atento o disposto no art. 31.º, n.º 2, alínea c) do CPTA 2 - Atende-se ao valor da causa para determinar:
[…]
c) Se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância e que tipo de recurso».) e no já citado n.º 1 do art. 151.º do mesmo código, verifica-se uma circunstância que, desde logo, exclui que o recurso possa assumir-se como uma revista a dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo e impondo-se, consequentemente, observar o disposto no n.º 3 do mesmo art. 151.º do CPTA, segundo o qual «Se, remetido o processo ao Supremo Tribunal Administrativo, o relator entender que as questões suscitadas ultrapassam o âmbito da revista, determina, mediante decisão definitiva, que o processo baixe ao Tribunal Central Administrativo, para que o recurso aí seja julgado como apelação, com aplicação do disposto no artigo 149.º».
Concluímos, portanto, pela incompetência, em razão da hierarquia, desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do presente recurso, sendo competente para o seu conhecimento a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.
Do exposto resulta que o presente recurso jurisdicional deve baixar ao Tribunal Central Administrativo Sul, para aí ser julgado como apelação.


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2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do sumário doutrinal do referido acórdão de 15 de Janeiro de 2014:
I - No regime dos recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.
II - O recurso per saltum previsto no art. 151.º do CPTA só é admitido desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos arts. 32.º e segs., seja superior a três milhões de euros ou seja indeterminável (n.º 1 do art. 151.º); (iii) incida sobre decisão de mérito; (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (n.º 2 do art. 151.º).


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário acordam, em conferência, em declarar este Supremo Tribunal Administrativo incompetente para conhecer do presente recurso e ordenar a baixa dos autos ao competente Tribunal Central Administrativo Sul (Secção do Contencioso Tributário), para que o recurso aí seja julgado como apelação (n.º 3 do art. 151.º do CPTA).

Sem custas.

Após o trânsito, devolva os autos ao Tribunal Central Administrativo Sul.

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Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014. - Francisco Rothes (relator) - Casimiro Gonçalves – Pedro Delgado.