Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0747/20.5BEALM
Data do Acordão:05/26/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECLAMAÇÃO
CPPT
VENDA
LEILÃO ELECTRÓNICO
FALTA
DEPÓSITO
PREÇO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:I - A Portaria nº 219/2011, de 01-06, para que remete o art. 248º nº 6 do CPPT, regula quanto à venda em execução fiscal em termos de ser aplicável o art. 825º nº 1 do C. Proc. Civil quanto a procedimentos não previstos no CPPT, em que se inclui o caso de ocorrer falta de depósito do melhor preço de venda efectuada por leilão electrónico.
II - Não existe qualquer obrigação do OEF no sentido de notificar, no caso a aqui Recorrida, perante a situação de incumprimento da falta de entrega dos 2/3 do preço da venda no prazo estipulado pelo OEF nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 256.º do CPPT, o que significa que se trata de matéria que não está contemplada na audição dos interessados prevista no art. 825º nº 1 do C. Proc. Civil.
III - No entanto, tal notificação tinha, no caso, de ser efectuada, dado que, está em causa, desde logo, dar sem efeito uma venda em que a ora Recorrida é interessada, tendo já procedido ao pagamento de parte do preço, o que significa que este é o único momento em que pode influenciar a decisão do OEF, tomando posição sobre a realidade em apreço, a qual passa ainda pelas consequências para a ora Recorrida da decisão de dar sem efeito a venda, independentemente de, em concreto, o despacho reclamado nada ter dito sobre essa matéria.
IV - Além disso, e coisa diferente, é a ora Recorrida, perante a notificação do OEF a propósito da situação da venda, optar por oferecer o pagamento imediato do valor em falta e acréscimos previstos na lei no sentido de, afinal, manter a venda em causa, sendo que dispondo o OEF da possibilidade de “Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.”, fica aberta a possibilidade de, por maioria de razão, ultrapassar a situação através do pagamento voluntário do valor em falta, acrescidos dos valores descritos na norma agora descrita (que traduzem a sanção pelo não pagamento dentro do prazo estipulado), solução que, ao contrário do pretendido pela Recorrente, não coloca em crise os princípios e normas relativas ao funcionamento do mecanismo da venda em execução fiscal, dado que, trata-se apenas de fazer aplicação de uma opção contemplada na lei.
V - Assim, e na situação dos autos, e de acordo com o que ficou exposto, tem de entender-se que a ora Recorrida integra os interessados na venda que devem ser ouvidos nos termos do art. 825º nº 1 do C. Proc. Civil, sendo que a omissão dessa formalidade, in casu, constitui uma nulidade processual, cuja omissão influencia a decisão da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00071155
Nº do Documento:SA2202105260747/20
Data de Entrada:04/13/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A…………., LDA.
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Legislação Nacional:ART. 195.º, 825.º, N.º 1, CPC
ART. 248.º, N.ºs 3 e 6, 256.º, N.º 1, AL. F) CPPT
ARTS. 07.º e 08.º PORTARIA N.º 219/2011
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 747/20.5BEALM (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 14-02-2025, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A……………., Lda.” no presente processo de RECLAMAÇÃO intentado contra o despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Montijo de 28-10-2020 (no âmbito dos processos de execução fiscal (“PEF”) n.ºs 2194200801101412 e apensos, que correm seus termos no Serviço de Finanças do Montijo), que, em razão da Reclamante (na qualidade de adjudicatária) não ter procedido ao depósito do remanescente do preço da venda no prazo fixado para o efeito, veio determinar i) a marcação de nova venda do bem imóvel inscrito sob o artigo ……………. na matriz predial da união de Freguesias de Pegões; e ainda, ii) que aquela ficasse inibida de apresentar qualquer proposta em venda em execução fiscal pelo período de dois anos.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I. Com todo o respeito devido, considera-se que a Douta Sentença fez errada aplicação do Direito aos factos fixados (erro de julgamento de Direito) ao decidir pela anulação total do Despacho Reclamado, o qual, na sua vertente processual, determinou que a venda realizada em sede de execução fiscal na modalidade de leilão eletrónico ficasse sem efeito, efetuando-se nova venda através da modalidade de propostas em carta fechada, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 825.º do CPC e por aplicação do estipulado no n.º 6 do art.º 248.º e alíneas e) e f) do n.º 1 do art.º 256.º, ambos do CPPT e da Portaria n.º 219/11, de 01.06;

II. Despacho que resultou do facto não controvertido de o licitante vencedor e adjudicatário não ter procedido ao pagamento do preço dentro do prazo de 15 dias após a adjudicação, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 256.º do CPPT, nem dos restantes 2/3 no prazo de cinco meses que lhe foi concedido ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 256.º do CPPT;

III. Considerou o Tribunal “a quo” que, “a falta de notificação e audição prévia da Reclamante inadimplente do pagamento de 2/3 permitido ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 256.º do CPPT, naquilo que concerne à vertente processual do despacho, constitui uma nulidade processual, por preterição da notificação prevista no n.º 1 do artigo 825.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, cuja omissão influencia a decisão da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT”, pois “a obrigação de pagamento do preço não é uma obrigação tributária, regida pelas leis tributárias, mas antes uma obrigação civil, regida pela lei civil, pelo que o seu incumprimento temporário se deve reger pelas disposições relativas à mora do devedor, previstas nos artigos 804.º e seguintes do CC.”;

IV. O regime da venda em processo de execução fiscal está regulado no art.º 248.º e seguintes do CPPT, remetendo, o n.º 6 deste artigo, para Portaria do Ministro das Finanças “os procedimentos e especificações da realização da venda por leilão eletrónico”. Trata-se da Portaria 219/2011, de 01.06, em cujo art.º 8.º consta que «À falta de pagamento do preço no prazo legal é aplicável o disposto no artigo 898.º do Código de Processo Civil.» - actualmente o art.º 825.º do CPC, com a epígrafe: “falta de depósito”;

V. A alínea e) do n.º 1 do art.º 256.º do CPPT estipula que “o funcionário competente passa guia para o adquirente depositar a totalidade do preço à ordem do órgão de execução fiscal, no prazo de 15 dias a contar da decisão de adjudicação, sob pena das sanções previstas legalmente”, e a alínea f) do artigo permite, “nas aquisições de valor superior a 500 vezes a unidade de conta, mediante requerimento fundamentado do adquirente, entregue no prazo máximo de cinco dias a contar da decisão de adjudicação”, a faculdade de o Órgão de Execução Fiscal autorizar o depósito de apenas parte do preço, não inferior a um terço, obrigando-se à entrega da parte restante no prazo máximo de oito meses;

VI. Concedido, in casu, o prazo de cinco meses, para o pagamento integral do preço (prazo não Reclamado aquando da sua notificação) o requerente, como resulta da lei, obriga-se à entrega da parte restante, não existindo estipulação de interpelação para pagamento da parte restante, pelo contrário, aquele fica obrigado a esse pagamento até ao fim do prazo fixado;

VII. Não pago o preço na sua integralidade, pelo art.º 8.º da citada Portaria, aplica-se o disposto no art.º 825.º do CPC, e porque este dispositivo dispõe quanto à falta de depósito na venda mediante proposta em carta fechada, tem então que se fazer a sua aplicação, com as necessárias adaptações, ao não pagamento do preço na venda pela modalidade de leilão eletrónico na execução fiscal. Por exemplo, não existe nesta sede caução constituída nem possibilidade de aceitação da proposta imediatamente inferior prevista na alínea a) do n.º 1, precisamente pelo facto de, em sede de leilão electrónico não haver propostas inferiores, pois “que, todos e quaisquer outros interessados em formular propostas/licitações entre o valor anterior e o novo, não o puderam fazer.”;

VIII. Sendo inaplicável a alínea a), haverá, pela alínea b) daquele art.º 825.º do CPC há que determinar que a venda fica sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente a adquirir novamente os mesmos bens;

IX. Ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, permitir ao adquirente faltoso pagar para além do prazo legalmente fixado configura, isso sim, atuação vedada, por influir no procedimento de venda;

X. A proteção do interesse público no respeito pelos interesses e direitos legalmente protegidos dos cidadãos, a que o Tribunal “a quo” faz apelo, não permite, ao contrário do que resulta do agora decidido, o atropelo das normas legais e o tratamento de favor, concedendo ao adquirente incumpridor prazo alargado para pagamento, o qual nenhum dos outros participantes do leilão puderam configurar aquando das respetivas licitações - o que sempre, poderia influenciar o quantitativo das mesmas e o resultado final do leilão;

XI. Os critérios de eficiência, celeridade e outros que a Douta Sentença refere não se sobreporão aos normativos legais que regulam a atuação da administração, mesmo quando atua no âmbito processual. Não pode o tribunal propugnar que o objetivo da receita superior justifique atropelos legais ou constitucionais;

XII. A notificação para pagamento para lá dos prazos legalmente fixados potencia comportamentos menos claros em sede de leilões eletrónicos a ter lugar nas execuções fiscais, em clara violação de um princípio da transparência, e mesmo de uma sã concorrência, assim como legitima comportamento manifestamente violador do princípio da boa fé, pois ao licitar pelo valor que o fez ganhador do leilão, bem sabia o comprador os prazos em que teria que ter disponível a liquidez necessária à compra, não podendo ter a expectativa da concessão de novos prazos através de notificação ou notificações posteriores para o pagamento, incumprido que foi o prazo legal ou aquele em que se obrigara legalmente a fazer o pagamento integral - vide preâmbulo da já citada Portaria: “Este novo sistema tem por desiderato assegurar a máxima transparência do acto de venda, criando-se também as condições para a valorização máxima dos bens objecto de venda, em função da sua expectável valorização no mercado, visando-se, assim, promover, concomitantemente, os interesses do credor tributário e dos demais interessados na venda dos bens”;

XIII. Seguindo jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), em Acórdão do Pleno da secção do Contencioso Tributário, de 26.02.2104, emitido no proc.º 1244/13, e ressalvadas as devidas diferenças, não pode deixar de se concluir que a notificação pela Autoridade Tributária do comprador faltoso para vir, já fora dos prazos legais, proceder ao pagamento do preço, configurará ato inválido, pois o não pagamento no prazo (no caso o da alínea e) do n.º 1 do art.º 256.º do CPPT) torna a venda inválida, constituindo a notificação para o pagamento após aquele prazo, essa sim, uma nulidade processual;

XIV. Ao decidir, como decidiu, a Douta Sentença incorreu em erro de julgamento de Direito, violando o disposto nos art.ºs 248.º e 256.º do CPPT, no art.º 825.º do CPC e na Portaria 219/2011, de 01.06;

XV. Também violou os princípios da igualdade, em benefício do promitente faltoso e prejuízo de todos os demais interessados na aquisição (não só os proponentes vencidos mas mesmo eventuais pretendentes a licitar que não o fizeram por desconhecer a existência de prazos para pagamento mais dilatados e não legalmente fixados, mas agora judicialmente concedidos), assim como em prejuízo da devida transparência na realização das vendas por leilão eletrónico.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem, julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, declarada nula, ou revogada e substituída por douto Acórdão que julgue o pedido improcedente e válido o Despacho Reclamado, na parte que o Tribunal “a quo” designou de “vertente processual” do mesmo.

A Recorrida “A……….., Lda.” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“…

Conclusões:


26º

Face o exposto e ao que resulta dos autos, não resta outra alternativa senão a de manutenção do Julgado, uma vez que a Recorrente não se desincumbiu da obrigação que lhe era inerente, deixando de notificar e de realizar a audição prévia da Reclamante inadimplente do pagamento de 2/3 permitido ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 256.º do CPPT.

27º

O que constitui uma nulidade processual por transgredir ao que está estipulado no n.º 1 do artigo 825.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, cuja omissão influencia a decisão da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPP.

28º

Para além disso, derivado da conformação da Fazenda em seu Recurso, relativamente a vertente administrativa da Sentença, deve a mesma permanecer inalterada.

29º

Por resultar da correta aplicação do direito, o que restou reconhecido pela própria Recorrente, uma vez que, a aplicação da sanção administrativa disposta no n.º 4 do art. 256 do CPPT, se reveste de gravidade excessiva e onerosidade, máxime se tratando de uma sociedade comercial onde sua principal atividade é a compra e venda de imóveis.

30º

O que se agrava com a forma que fora imposta, de forma automática, sem possibilitar a Reclamante qualquer audição prévia ou hipótese defesa, o que viola o princípio da proporcionalidade previsto na CRP, sendo assim, configurado como um ato nulo.

31º

Por todo o exposto, deve ser mantida a sentença que declarou a nulidade do despacho em crise nos presentes autos, mantendo assim, a procedência da Reclamação apresentada, fazendo-se habituada justiça, proclamada por todos os cidadãos de bem, dignificando desta forma a justiça portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui Douto o suprimento de V.Exas, deve o presente Recurso ser dado por improcedente, mantendo “in totum” a sentença que declarou a nulidade do DESPACHO com todas as suas consequências legais, mantendo assim a procedência da Reclamação apresentada, por estar em conformidade com a legislação e jurisprudência aplicada em casos semelhantes.”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Sem vistos por se tratar de processo urgente, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da decisão recorrida que decidiu pela anulação total do Despacho Reclamado, o qual, na sua vertente processual, determinou que a venda realizada em sede de execução fiscal na modalidade de leilão electrónico ficasse sem efeito, efectuando-se nova venda através da modalidade de propostas em carta fechada, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 825.º do CPC e por aplicação do estipulado no n.º 6 do art.º 248.º e alíneas e) e f) do n.º 1 do art.º 256.º, ambos do CPPT e da Portaria n.º 219/11, de 01.06.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A) Em 05-12-2008, o Serviço de Finanças do Montijo instaurou os PEF n.º 2194200801101412 e apensos contra B……………, para a cobrança da quantia exequenda de € 889,89, e acrescidos (cf. capa e fls. 4 do PA);

B) Em 13-10-2009, no âmbito dos PEF em crise, foi penhorado um prédio urbano, titulado pela referida Executada, em propriedade plena, de terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de Pegões, concelho de Montijo, distrito de Setúbal, sob o artigo …., sito em………, ……., Lote ….. Santo Isidro de Pegões, 2985-…… Santo Isidro de Pegões, com o valor patrimonial de € 40.070, 00 (cf. fls. 21 a 28 do PA);

C) Em 09-02-2015, foi oficiosamente retificada a inscrição matricial do prédio urbano referido na alínea antecedente, que passou a estar inscrito no artigo matricial ……., como um prédio urbano destinado a habitação, com dois andares, e o valor patrimonial de € 113.970,00 (cf. fls. 54 a 73 do PA);

D) Em 28-09-2015, foi efetuada nova penhora, à ordem dos PEF em crise, do prédio urbano referido na alínea antecedente (cf. fls. 97 do PA);

E) Em 29-08-2019, a Chefe do Serviço de Finanças emitiu despacho a determinar a venda judicial do prédio urbano referido na alínea antecedente, com o valor patrimonial apurado de € 115.679,55, por leilão eletrónico, a decorrer entre as 10:00 do dia 04-11-2019 e as 10:00 do dia 18-11-2019, com o valor base de 70% do valor patrimonial, sob o n.º de venda 2019.2015.352 (cf. fls. 191 a 193 do PA);

F) Em 18-11-2019, no âmbito da venda judicial referida na alínea antecedente, foi adjudicado o respetivo prédio urbano à Reclamante, pelo montante de € 141.630,00 (cf. fls. 235 do PA);

G) Em 19-11-2019, a Reclamante enviou um email ao Serviço de Finanças do Montijo, do qual se extrai o seguinte teor:

Excelentíssimo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Montijo

A………….., Lda. NIPC ……….., com Sede na Rua …………., n°…., 2705-….. Terrugem SNI, CAE 68100, após termos tido conhecimento que nos foi adjudicado o imóvel correspondente à venda identificada em assunto, vimos por este meio solicitar o pagamento de 1/3 do preço e o restante no prazo de 8 meses, que a lei possibilita (artigo 256, alínea f).

Deste modo solicitamos a respectiva guia de depósito do valor.

Apresentamos este pedido porque somos uma empresa de revenda de imóveis e necessitamos de um período mais alargado para cumprir as nossas obrigações comerciais, tendo inclusive recorrido a um financiamento bancário que se encontra aprovado, visto não dispormos de liquidez suficiente neste momento, comprometendo-nos a efectuar o pagamento do restante valor no período de 8 meses, contudo se conseguirmos liquidez iremos antecipar o devido pagamento.” (cf. fls. 236 do PA);

H) Em 19-11-2019, a Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, em resposta ao email referido na alínea antecedente, enviou email à Reclamante, do qual se extrai o seguinte teor:

“Fica registada a presente petição.

Cumpre ainda informar que, para efeitos de apreciação e decisão, deverá fundamentar o pedido com a junção aos autos do comprovativo do pedido de financiamento bancário.” (cf. fls. 236 do PA);

I. Em 22-11-2019, a Reclamante apresentou, junto do Serviço de Finanças do Montijo, a declaração original bancária comprovativa do pedido de financiamento para a aquisição do prédio urbano adjudicado (cf. fls. 249 a 250 do PA);

J) Em 27-11-2019, a Chefe do Serviço de Finanças do Montijo emitiu despacho a deferir parcialmente o pedido da Reclamante, do qual se extrai o seguinte teor:

“Considerando os fundamentos constantes do parecer datado de 26.11.2019, sobre o pedido em análise, concordo com o proposto. Autorizo o pedido formulado nos termos do artigo 256° n°1 al. f) do CPPT, relativamente ao depósito do preço da venda (2194.2019.49) no total de € 141.630,00, no sentido de que, após o pagamento do valor correspondente a 1/3 daquele valor (até 2.12.2019), os restantes 2/3 do preço seja efetuado no prazo máximo de 5 meses” (cf. fls. 255 do PA);

K) Em 02-12-2019, a Reclamante efetuou uma transferência bancária para o Serviço de Finanças do Montijo no montante de € 47.210,00 (por acordo, e cf. fls. 261 do PA);

L) A Reclamante não efetuou o pagamento do remanescente do preço da venda (por acordo);

M) Em 30-10-2020, a Reclamante efetuou o pagamento à Câmara Municipal do Montijo do alvará de autorização de utilização do prédio urbano em crise nos presentes autos, e da respetiva taxa devida pela emissão, no montante total de € 560,30 (cf. doc. 3 junto à Reclamação)

N) Em 20-10-2020, o Serviço de Finanças do Montijo emitiu a “Informação n.º 23/2020-EF”, da qual se extrai o seguinte teor:

“Em 18-11-2019 decorreu a venda do prédio urbano, inscrito na matriz predial sob o art.º ……. da União das Freguesias de Pegões, sito em …………, ……….., Lote ….., 2870-……..- Santo Isidro de Pegões, no âmbito dos processos executivos supra identificados;

Das propostas apresentadas, e por ser a de maior valor (€ 141.630,00), foi este adjudicado a A……………, LDA – NIPC……………..;

Por petição apresentada em 19-11-2019 o adjudicatário solicitou, nos termos da alínea f) do artº 256º do CPPT o pagamento de 1/3 do depósito do preço da venda e os restantes 2/3 no prazo dilatado de 8 meses;

Por Despacho proferido pela Exma Chefe do Serviço de Finanças, de 27-11 -2019, notificado ao requerente em 04-12-2019, foi deferido o pagamento de 1/3 do depósito do preço venda, até 02-12-2019, e os restantes 2/3 do preço, no prazo máximo de 5 meses;

O requerente apresentou comprovativos do pagamento do valor de € 47.210,00, efectuado em 02-12-2019;

O prazo limite para pagamento do valor restante terminaria em 27-04-2020, no entanto tendo em atenção ao determinado pelo Dec-Lei n.º 10-A/2020-03-13 e Lei 1-A/2020-03-19, que estabeleceu medidas excepcionais temporárias, nomeadamente a suspensão dos actos dos órgãos de execução fiscal com inicio em 31-03-2020, até à cessão da situação excepcional, a qual foi determinada em 30-06-2020, esse prazo passou para 27-07-2020;

Verifica-se que até à data não foi cumprido o determinado no art.º 256.º do CPPT, estando em falta o pagamento do valor restante (€94.420,00), bem como não foram pagos quaisquer impostos devidos pela transmissão (IMT/IS);

Nos termos do n.º 4 do artigo 256.º CPPT o proponente (adjudicatário) faltoso incorre na inibição de apresentar qualquer proposta em qualquer venda em execução fiscal, durante um período de dois anos.

Conforme instruções emanadas através da Instrução de Serviço n.º 60205/2019 - Série I - DSGCT - PVP - Proponente faltoso - Leilão Eletrónico - Anulação de venda - “...no caso de falta de depósito do preço de venda, pelo proponente de maior preço, nas situações de venda na modalidade de leilão eletrónico a solução terá, invariavelmente, de passar pela marcação de nova venda, por aplicação do disposto no artigo 825.º n.º 1 al. b) do CPC, na modalidade de proposta em carta fechada.” (cf. fls. 274 e 275 do PA);

O) Em 28-10-2020, a Chefe do Serviço de Finanças do Montijo exarou despacho, sob a “Informação” referida na alínea antecedente, do qual se extrai o seguinte teor:

“Face à análise efetuada à situação descrita, falta de depósito do preço da venda, nos termos do artigo 256.º do CPPT, no âmbito do procedimento de venda realizado em 18.11.2019, nos autos de execução identificados na informação, cumpre despachar no sentido de:

Dar cumprimento ao constante da Instrução de Serviço n.º 60205/2019 – Série I - DSGCT, quanto ao proponente faltoso, A…………….. Lda, pelo não cumprimento do disposto no artigo 256.º do CPPT, estando em falta o depósito de € 94.420,00 relativos à venda n.º 2019.2015.352.

Conforme previsto na referida Instrução, com aplicação do disposto no artigo 825.º, al. b) do CPC, proceda-se à marcação de nova venda na modalidade de carta fechada.

Nos termos do n.º 4 do artigo 256.º do CPPT, o proponente faltoso ficará inibido de apresentar qualquer proposta em venda em execução fiscal pelo período de dois anos.

Diligências para efeitos da inibição e marcação de nova venda.” (cf. fls. 274 do PA);

P) Em 30-10-2020, o Serviço de Finanças do Montijo emitiu o “Ofício n.º 3552”, dirigido à Reclamante, do qual se extrai o seguinte teor:

“Assunto: VENDA JUDICIAL N.º 2194.2019.49

……………/UNIÃO DAS FREGUESIAS DE PEGÕES

FALTA DE PAGAMENTO DE 2/3 DO DEPÓSITO DO PREÇO DE VENDA

Exm.º(s) Senhor(es)

Relativamente ao assunto em epígrafe, fica(m) V. Exa(s) por este meio notificado(a)s, na qualidade de adjudicatário(s) na venda judicial supra indicada, do teor do despacho proferido pela Chefe do Serviço de Finanças em 28-10-2020, cuja cópia se anexa fazendo parte integrante da presente notificação.

Do Despacho poderá ser apresentada reclamação conforme disposto no art.º 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), nos termos e prazo previstos no art.º 277.º do mesmo código.” (cf. fls. 275 do PA);

Q) Em 03-11-2020, o Serviço de Finanças do Montijo enviou o ofício e despacho referidos nas alíneas antecedentes à Reclamante, por via postal registada com aviso de receção (cf. fls. 276 do PA);

R) Em 04-11-2020, a Reclamante recebeu o ofício e despacho referidos nas alíneas antecedentes (cf. fls. 277 do PA);

S) Em 16-11-2020, a Reclamante enviou a presente Reclamação para o Serviço de Finanças do Montijo, por via postal registada com aviso de receção (cf. fls. 299 do PA).


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Não existem outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados.
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2 - Motivação da decisão de facto
Nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT, e dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Nestes termos, cumpre esclarecer que a convicção deste tribunal se fundou na análise crítica de toda a prova constante dos autos, nomeadamente nos documentos carreados pelas partes e constantes do PA, e ainda na falta de contestação dos factos pelas mesmas aduzidos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão, dentro das várias soluções plausíveis da questão de direito.”
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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida que decidiu pela anulação total do Despacho Reclamado, o qual, na sua vertente processual, determinou que a venda realizada em sede de execução fiscal na modalidade de leilão electrónico ficasse sem efeito, efectuando-se nova venda através da modalidade de propostas em carta fechada, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 825.º do CPC e por aplicação do estipulado no n.º 6 do art.º 248.º e alíneas e) e f) do n.º 1 do art.º 256.º, ambos do CPPT e da Portaria n.º 219/11, de 01.06.

Antes de avançar, cumpre notar que a sentença recorrida ponderou também a questão relacionada com a inibição da Recorrida de apresentar qualquer proposta em venda em execução fiscal pelo período de dois anos, tendo entendido que “…no que concerne à vertente administrativa do despacho, a aplicação de uma sanção administrativa ponderosa como a prevista no n.º 4 do artigo 256.º do CPPT, que assume uma especial gravidade e onerosidade quando aplicada a uma sociedade comercial dedicada à atividade de compra e venda de bens imobiliários [cf. alínea G) da matéria assente], facto que o OEF bem conhecia [cf. alínea H) a J) da matéria assente], que havia incorrido em diligências e despesas avultadas para a compra do referido imóvel [cf. alíneas I), K) e M) da matéria assente], de forma automática e sem qualquer audição prévia ou hipótese de defesa, violou frontalmente o princípio da proporcionalidade, previsto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, e, principalmente, o núcleo essencial do direito fundamental de audição prévia e de defesa contra os atos sancionatórios, previsto no n.º 10 do artigo 32.º da CRP, constituindo-se, assim, como um ato nulo, nos termos e para os efeitos da alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º e do n.º 1 do artigo 162.º do CPA, aplicáveis ex vi n.º 1 do artigo 2.º do CPA, ex vi alínea d) do artigo 2.º do CPPT.”.
Neste domínio, a Recorrente conforma-se com o decidido, na medida em que, no despacho reclamado não ficou devidamente explicitada a intenção e actuação do Órgão de Execução Fiscal, conduzindo, a sua redacção, ao engano do destinatário, pois que, não é do Órgão de Execução Fiscal a competência para aplicação daquela sanção, mas da Exma. Senhora Directora Geral da Autoridade Tributária, o que desde logo decorre da Instrução de Serviço n.º 60 205/2019, da DSGCT, para a qual o próprio Despacho remete, onde se aponta que «De referir que nos termos do n.º 4 do artigo 256.º CPPT o proponente (adjudicatário) faltoso incorre na inibição de apresentar qualquer proposta em qualquer venda em execução fiscal, durante um período de dois anos, sem prejuízo da liquidação da sua responsabilidade nos termos do artigo 825.º n.º 1 al. c) do CPC. A decisão sobre esta inibição não compete ao órgão da execução fiscal, uma vez que este não é um ato do processo de execução fiscal mas sim, por não estar previsto outra entidade, ao Diretor-Geral da AT.», de modo que, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 256.º do CPPT, “sem prejuízo de outras disposições legais, o não pagamento do preço devido, no prazo determinado legalmente, impede o adjudicatário faltoso de apresentar qualquer proposta em qualquer venda em execução fiscal, durante um período de dois anos”, não aplica o Serviço de Finanças aquela sanção, antes faz proposta de aplicação, o que é diferente e da eventual decisão de inibição que vier a ser fixada pela Exma. Senhora Directora Geral da Autoridade Tributária, sempre poderá a Reclamante reagir, eventualmente lançando mão de acção administrativa contra a aplicação de tal sanção. No entanto, o que parece resultar da redacção do Despacho é que efectivamente foi pelo Órgão de Execução Fiscal aplicada aquela sanção e, assim sendo, conforma-se a Fazenda com o judicialmente decidido.

Feita a delimitação do objecto do presente recurso, cumpre ter presente que a decisão recorrida concedeu abrigo à pretensão da ora Recorrida, na parte impugnada, no entendimento de que “a falta de notificação e audição prévia da Reclamante inadimplente do pagamento de 2/3 permitido ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 256.º do CPPT, naquilo que concerne à vertente processual do despacho, constitui uma nulidade processual, por preterição da notificação prevista no n.º 1 do artigo 825.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, cuja omissão influencia a decisão da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT."

Nas suas alegações, a Recorrente defende que, não existindo estipulação de interpelação para pagamento da parte restante, cabe ao interessado fazer esse pagamento até ao fim do prazo fixado e no caso de não ser feito tal pagamento, pelo art.º 8.º da Portaria n.º 219/11, de 01.06, aplica-se o disposto no art.º 825.º do CPC, e porque este dispositivo dispõe quanto à falta de depósito na venda mediante proposta em carta fechada, tem então que se fazer a sua aplicação, com as necessárias adaptações, ao não pagamento do preço na venda pela modalidade de leilão electrónico na execução fiscal, não existindo nesta sede caução constituída nem possibilidade de aceitação da proposta imediatamente inferior prevista na alínea a) do n.º 1, precisamente pelo facto de, em sede de leilão electrónico não haver propostas inferiores, pois “que, todos e quaisquer outros interessados em formular propostas/licitações entre o valor anterior e o novo, não o puderam fazer.” e sendo inaplicável a alínea a), haverá, pela alínea b) daquele art.º 825.º do CPC há que determinar que a venda fica sem efeito e efectuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente a adquirir novamente os mesmos bens, além de que, ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, permitir ao adquirente faltoso pagar para além do prazo legalmente fixado configura, isso sim, actuação vedada, por influir no procedimento de venda, verificando-se que a protecção do interesse público no respeito pelos interesses e direitos legalmente protegidos dos cidadãos, a que o Tribunal “a quo” faz apelo, não permite, ao contrário do que resulta do agora decidido, o atropelo das normas legais e o tratamento de favor, concedendo ao adquirente incumpridor prazo alargado para pagamento, o qual nenhum dos outros participantes do leilão puderam configurar aquando das respectivas licitações - o que sempre, poderia influenciar o quantitativo das mesmas e o resultado final do leilão, apontando ainda que a decisão recorrida violou também os princípios da igualdade, em benefício do promitente faltoso e prejuízo de todos os demais interessados na aquisição (não só os proponentes vencidos mas mesmo eventuais pretendentes a licitar que não o fizeram por desconhecer a existência de prazos para pagamento mais dilatados e não legalmente fixados, mas agora judicialmente concedidos), assim como em prejuízo da devida transparência na realização das vendas por leilão electrónico.

Que dizer?

Desde logo, cabe notar que da natureza judicial que a lei atribui ao processo de execução fiscal (artigo 103.º n.º 1 da LGT) não se pode extrair, em nosso juízo, que os actos praticados pela Administração tributária na execução fiscal que não se confinem à mera tramitação do processo percam a sua natureza de actos materialmente administrativos em matéria tributária, deixando, por isso, de estar sujeitos, em regra, a prévia audiência prévia do interessado ou ao dever de fundamentação, sendo esta, aliás, a qualificação que o legislador lhes atribui no artigo 103º nº 2 da LGT, quando garante ao interessado o direito de reclamação para o juiz da execução dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária no processo de execução fiscal.

Por outro lado, temos por certo que os actos típicos do processo de cobrança coerciva não se encontram inseridos na função administrativa do Estado, pois não visam a prossecução de interesses gerais da colectividade, nem visam o exercício da função administrativa ou da função tributária, pois que, embora inseridos num processo de natureza judicial, não são nem actos jurisdicionais nem actos materialmente administrativos.

Assim, vamos encontrar situações em que o OEF assume um estatuto supra partes e age na qualidade de mero órgão auxiliar do Juiz - como acontece quando pratica os actos nucleares do meio processual de cobrança, como é o ato de citação, de penhora, de venda, de apensação de execuções, verificando-se que, noutros domínios, a AT intervém no seu exclusivo interesse quando pratica o ato de reversão, quando autoriza o pagamento da dívida em prestações, quando autoriza a dação em pagamento, quando constitui hipoteca legal ou penhor legal para garantir os seus créditos.

No caso dos autos, importa apreciar o procedimento a adoptar quando, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 256.º do CPPT, a aqui Recorrida tenha procedido ao depósito de 1/3 do preço da venda, mas deixe de entregar o remanescente do preço no prazo máximo que lhe haja sido fixado pelo OEF.

Com interesse nesta matéria, o Ac. deste Tribunal de 02-09-2020, Proc. nº 0192/20.2BECBR, www.dgsi.pt, aponta que:

“…

Na sentença recorrida sustentou-se a inexistência de ilegalidade ao ter sido determinada a renovação da venda, com fundamento no disposto no art. 825.º, b), do C.P.C., aplicável nos termos da Portaria n.º 219/2011, de 1 de junho.

Do termo “pode” quanto à aplicação do previsto nessa al. b), resulta que a renovação da venda é alternativa ao anteriormente previsto na al. a).

Dúvidas não subsistem quanto à al. b) ser aplicável, porquanto a Portaria n.º 219/2011, de 1 de julho, para que remete o art.248.º n.º 6 do C.P.P.T., quanto a procedimentos não previstos, regula em termos de ser de dar lugar à aplicação do dito art. 825.º n.º 1 do C.P.C. e o legislador teve decerto em mente proporcionar que o credor pudesse obter daquele modo ainda pagamento, fim que doutro modo poderia ser prejudicado ou mesmo defraudado, ao que não obsta que a venda decorra sob sigilo, conforme invoca a recorrente.

Assim sendo, não faz sentido que se proceda à aplicação do disposto no art. 248.º n.º 3 do C.P.P.T., em que se regula apenas o caso de não terem sido apresentadas quaisquer propostas.

Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo firmou jurisprudência a respeito da disposição correspondente ao dito art. 825.º n.º 1, a qual constava do art. 898.º n.º 3 do anterior C.P.C., em termos dos procedimentos previstos nas al. a) e b) serem aplicáveis em alternativa, conforme se pode ler nos acórdãos de 25-6-2009, de 25-5-2011 e 26-2-2014, da secção do Contencioso Tributário, proferidos nos processos 01107/08, 0454/11 e 01224/13, sendo o último proferido em Pleno da secção, e publicados em www.dgsi.pt.

Decidiu-se então que, no caso de parte de tal pagamento não ser efetuado no ato de abertura e aceitação de propostas, conforme previsto na redação anterior à dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, a falta de cumprimento dessa obrigação implicava “a aceitação da proposta de valor imediatamente inferior ou a determinação de que os bens voltem a ser vendidos, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 898.º do Código de Processo Civil”.

Atualizando o entendimento tido, na falta de depósito do melhor preço de venda efetuada por leilão eletrónico, o órgão de execução fiscal pode proceder à aceitação da proposta de valor imediatamente inferior ou determinar que os bens voltem ainda a ser vendidos, em conformidade com o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 825.º do Código de Processo Civil, sem que desta última opção resulte ilegalidade. …”.

Neste contexto, fica claro que a Portaria nº 219/2011, de 01-06, para que remete o art. 248º nº 6 do CPPT, regula quanto à venda em execução fiscal em termos de ser aplicável o art. 825º nº 1 do C. Proc. Civil quanto a procedimentos não previstos no CPPT, em que se inclui o caso de ocorrer falta de depósito do melhor preço de venda efectuada por leilão electrónico.

Ora, o tal art. 825º do C. Proc. Civil, sob a epígrafe “Falta de depósito”, estipula que:

“1 - Findo o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:
a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.
2 - O arresto é levantado logo que o pagamento seja efetuado, com os acréscimos calculados.”

Com este pano de fundo, a decisão recorrida, depois de constatar o óbvio no sentido de que, o OEF tem como opções dar sem efeito a venda, nos termos das alíneas a) e b) da referida disposição, podendo ainda liquidar o remanescente do depósito devido, inclusivamente arrestar os bens do proponente até efectivo e integral pagamento, nos termos da alínea c) da mesma disposição, faz alusão ao proémio do nº 1 do artigo 825º do CPC, estipulando que qualquer das opções a tomar pelo agente de execução/órgão de execução fiscal tem de ser precedida pela audição dos interessados (“ouvidos os interessados na venda”), dado que o proponente pode vir a proceder ao pagamento do valor em falta (até porque entende que a falta de depósito do preço de venda não implica que a venda seja automaticamente dada sem efeito, aludindo ao exposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31-01-2019, relativo ao processo n.º 216/14.2TBVPA.G2, www.dgsi.pt).

A Recorrente não se revê nesta análise, afastando qualquer possibilidade de haver lugar a qualquer notificação do proponente para efectuar o pagamento do valor em falta, decorrido que esteja o prazo legal para o efeito, contrapondo ao acórdão referido o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), em Acórdão do Pleno da secção do Contencioso Tributário, de 26.02.2104, emitido no proc.º 1244/13: «Na venda em processo de execução fiscal a aceitação da proposta mais vantajosa que foi apresentada para a aquisição do bem penhorado depende do pagamento de, pelo menos, 1/3 do preço no acto de abertura e aceitação das propostas, em harmonia com o disposto na alínea e) do art. 256.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (na redacção anterior à Lei n.º 55-A/2010, de 31.12), implicando a falta de cumprimento dessa obrigação a aceitação da proposta de valor imediatamente inferior ou a determinação de que os bens voltem a ser vendidos, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 898.º do Código de Processo Civil.».

Pois bem, neste âmbito, crê-se que a matéria essencial prende-se com a questão de saber se a ora Recorrida integra os interessados na venda que devem ser ouvidos nos termos do art. 825º nº 1 do C. Proc. Civil em função da situação em análise, relembrando que a mesma procedeu ao depósito de 1/3 do preço da venda, mas não entregou o remanescente do preço no prazo máximo que lhe foi fixado pelo OEF (5 meses).

A Recorrente configura a sua alegação no sentido de que a opção do OEF era a solução aplicável ao caso em apreço, até por respeito aos princípios que regem a venda, nomeadamente em função do desenho da modalidade de leilão electrónico, rejeitando a possibilidade de conceder à ora Recorrida uma qualquer oportunidade no sentido de vir ainda a fazer o pagamento do valor em falta.
Na sentença recorrida, citando o Cons. refere Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, III volume (Artigos 148.º a 238.º) - Da execução fiscal,” 6.ª edição 2011, Lisboa: Áreas Editora, a páginas 169 e 170, em anotação ao artigo 256.º do CPPT, apontou-se que:
“É de notar, neste contexto, que uma da opções possíveis quando o pagamento integral não é efectuado é a de exigir coercivamente tal pagamento, acrescido das custas e despesas [art. 898.º, n.º 1, alínea c), do
CPC (…) pelo que, se o pagamento é efectuado voluntariamente e não há lugar a custas ou despesas derivadas do não pagamento imediato do preço, estão verificados os pressupostos de uma das opções possíveis para aquela situação.
E, sendo esta uma situação em que estão atingidos os objectivos visados com o regime legal previsto para a falta de depósito do preço, não se poderá justificar que o órgão da execução fiscal optasse por outra solução, pois, com esta, ficará atingido plenamente o objectivo daquele regime legal previsto para o não pagamento do preço, que é arrecadar o preço da venda.
(…)
É certo que, com a irregularidade referida, o adquirente ficará beneficiado pois pagará (…) mais tarde do que o que deveria pagar.
Mas, a solução adequada para regularizar completamente a situação, que estará em sintonia com o princípio constitucional da proporcionalidade, será impor ao adquirente o dever de pagamento de juros de mora, à taxa legal (…) o que é viável à face das regras gerais sobre a mora no cumprimento de obrigações, designadamente dos artigos 805.º, n.º 2, alínea a), e 806.º do CC.
E de notar que a obrigação de pagamento do preço não é uma obrigação tributária, regida pelas leis tributárias, mas sim uma obrigação civil, pelo que não é obstáculo à aplicação deste regime a falta de regulação especial no CPPT.
Por outro lado, esta exigência de juros de mora tem suporte na alínea c) do n.º 1 do art. 898.º do CPC, ao referir que, nos casos em que não se determina que a venda fique sem efeito, é efectuada a liquidação da responsabilidade do adquirente remisso, que inclui a indemnização por mora.
No caso, far-se-á aplicação desta norma apenas na parte em que é necessário fazer a sua aplicação, isto é, dispensando a aplicação do que se reporta ao pagamento coercivo, que é prejudicado pelo pagamento voluntário.”

A partir deste conjunto de elementos, cremos que no caso em análise, a sentença recorrida tem de ser confirmada na parte impugnada, embora por razões que não coincidem inteiramente com o exposto.
Desde logo, temos de concordar com a Recorrente no sentido de que não existe qualquer obrigação do OEF no sentido de notificar, no caso a aqui Recorrida, perante a situação de incumprimento da falta de entrega dos 2/3 do preço da venda no prazo estipulado pelo OEF nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 256.º do CPPT, o que significa que se trata de matéria que não está contemplada na audição dos interessados prevista no art. 825º nº 1 do C. Proc. Civil.
No entanto, tal notificação tinha, no caso, de ser efectuada, dado que, está em causa, desde logo, dar sem efeito uma venda em que a ora Recorrida é interessada, tendo já procedido ao pagamento de parte do preço, o que significa que este é o único momento em que pode influenciar a decisão do OEF, tomando posição sobre a realidade em apreço, a qual passa ainda pelas consequências para a ora Recorrida da decisão de dar sem efeito a venda, independentemente de, em concreto, o despacho reclamado nada ter dito sobre essa matéria.

Além disso, e coisa diferente, é a ora Recorrida, perante a notificação do OEF a propósito da situação da venda, optar por oferecer o pagamento imediato do valor em falta e acréscimos previstos na lei no sentido de, afinal, manter a venda em causa.
Com efeito, dispondo o OEF da possibilidade de “Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.”, fica aberta a possibilidade de, por maioria de razão, ultrapassar a situação através do pagamento voluntário do valor em falta, acrescidos dos valores descritos na norma agora descrita (que traduzem a sanção pelo não pagamento dentro do prazo estipulado), solução que, ao contrário do pretendido pela Recorrente, não coloca em crise os princípios e normas relativas ao funcionamento do mecanismo da venda em execução fiscal, dado que, trata-se apenas de fazer aplicação de uma opção contemplada na lei, não tendo qualquer cabimento a argumentação da Recorrente, que sofre de uma petição de princípio relacionada com a imposição ao OEF de uma notificação que, como vimos, a lei não exige, não se vislumbrando em que medida esta situação redunda em prejuízo de todos os demais interessados na aquisição nos termos apontados pela Recorrente, a não ser pela perda da oportunidade de adquirirem o mesmo bem por um preço, por vezes, substancialmente mais baixo ou coloca em crise a devida transparência na realização das vendas por leilão electrónico.


Voltando à situação dos autos, também não se acompanha a Recorrente quando defende a aplicação da alínea b) do nº 1 do art. 825º do C. Proc. Civil como única opção neste caso, no entendimento de que a al. a) da mesma norma não pode ser aplicada em função do desenho da modalidade de leilão electrónico.
Na verdade, o afastamento da aplicação da alínea a) do nº 1 do art. 825º do C. Proc. Civil, sabido que “o resultado do leilão electrónico é disponibilizado no portal das finanças a todos os proponentes, após autenticação, nos termos referidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 3.º” (artigo 7º da Portaria nº 219/2011, de 01-06, não pode ser feito, sem mais, impondo-se uma análise da situação por forma a descartar a possibilidade de fazer tal escolha.
Com efeito, se a proposta vencedora tiver o valor de € 500,000,00 e a melhor proposta depois formulada tiver o valor de € 50.000,00, então teremos que admitir a bondade da posição da Recorrente, quando refere que não existe lugar para “propostas alternativas” entre aqueles valores, dado que, o sistema apenas aceita propostas que ultrapassem o melhor valor oferecido até esse momento.
No entanto, perante uma proposta vencedora de € 50.000,00 e uma proposta alternativa de € 49.000,00, terá todo o cabimento para o OEF ponderar a aplicação da al. a) do nº 1 do artigo 825º do C. Proc. Civil, o que significa que, ao contrário da Instrução de Serviço referida nos autos, no caso de falta de depósito do preço de venda, pelo proponente de maior preço, nas situações de venda na modalidade de leilão electrónico a solução terá, invariavelmente, de passar pela marcação de nova venda, por aplicação do disposto no artigo 825.º n.º 1 al. b) do CPC, na modalidade de proposta em carta fechada.
Isto equivale a dizer que, ao contrário do que aponta a Recorrente, o tratamento da matéria em apreço não é assim invariavelmente tão claro quanto isso, existindo, no caso concreto, matéria que postula a participação da ora Recorrida na definição da situação, no sentido de permitir ao OEF fazer aplicação plena do exposto no art. 825º nº 1 do C. Proc. Civil, sendo que, como se disse, o facto do despacho reclamado nada dizer sobre a sorte do valor já depositado e as demais consequências para a ora Recorrida em função da decisão que o OEF assumiu não impede de se ter presente a sua relevância e a necessidade de ter em conta a posição oferecida pela interessada sobre toda a situação que envolve a realidade apreciada no âmbito do presente recurso.

Assim, e na situação dos autos, e de acordo com o que ficou exposto, tem de entender-se que a ora Recorrida integra os interessados na venda que devem ser ouvidos nos termos do art. 825º nº 1 do C. Proc. Civil, sendo que a omissão dessa formalidade, in casu, constitui uma nulidade processual, cuja omissão influencia a decisão da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, o que se traduz na manutenção da decisão recorrida, na parte impugnada, com a presente fundamentação.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida na parte impugnada.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 26 de Maio de 2021

Pedro Nuno Pinto Vergueiro (Relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - com declaração de voto que segue):


Declaração de voto:

Na sentença recorrida, concluiu-se que o órgão de execução fiscal incorreu numa nulidade processual (a falta de audição prévia do Reclamante) e que essa omissão influencia a decisão da causa.

No entanto, essa decisão toma como pressuposto que, na venda de bens por leilão electrónico, a falta de depósito do preço tem como consequência a audição dos interessados na venda nos termos do n.º 1 do artigo 825.º do Código de Processo Civil.

E tenho como certo que a remissão do artigo 8.º da Portaria n.º 219/2011, de 1 de junho para o artigo 898.º do Código de Processo Civil (a que corresponde o referido artigo 825.º na redação atual) se deve fazer com as necessárias adaptações, isto é, adaptando as disposições da venda por propostas em carta fechada às especialidades da venda por meio de leilão electrónico.

Ora, entendo que uma das disposições que não se adapta à venda por leilão electrónico é a alínea a) do n.º 1 daquele dispositivo legal, visto que as regras em uso dos leilões, subsidiariamente aplicáveis, são as da licitação, servindo as propostas para encontrar o lance de maior valor que, por sua vez, fixa o termo do leilão.

E as restantes não justificam a audição dos interessados na venda.

Por um lado, porque na execução fiscal – ao contrário do que sucede na execução comum - os interessados não são ouvidos sobre a modalidade da venda mais adequada.

Por outro lado, porque não faz sentido ouvir os interessados sobre a possibilidade de liquidar a responsabilidade do proponente e arrestar os seus bens. Aliás, o arresto preventivo faz-se sem audição do arrestado.

Assim sendo, concluo que, na venda por leilão electrónico na execução fiscal, os interessados não são ouvidos nos termos do artigo 825.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Por isso, decidiria que o órgão de execução fiscal não teria incorrido em qualquer nulidade. E muito menos em nulidade adequada a influenciar a decisão em causa que é a da aplicação das sanções decorrentes da lei.

Pelo que teria concedido provimento ao recurso.

Lisboa, 26 de maio de 2021

Nuno Bastos