Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0809/12
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CATEGORIA FISCAL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
IRS
FACTURA
Sumário:I - Nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 6, do CIRS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 33-B/2002, de 30 de Dezembro (LOE para 2003), os rendimentos empresariais e profissionais (cat. B), «ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 18.º do Código do IRC, sempre que o rendimento seja determinado com base na contabilidade».
II - Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 53.º do CIVA, beneficiam da isenção de IVA os sujeitos passivos de rendimentos da categoria B de IRS que não tenham nem estejam obrigados a ter contabilidade organizada e cujo volume de negócios não tenha atingido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a € 10.000,00.
III - Nesse caso, aqueles não ficam sujeitos à obrigação de emitir factura e, uma vez que a obrigação de emissão de documento decorre do CIRS [cfr. art. 115.º, n.º 1, alínea a)], a mesma pode ocorrer com o recebimento e não obrigatoriamente com a conclusão da prestação do serviço.
Nº Convencional:JSTA00067943
Nº do Documento:SA2201211210809
Data de Entrada:07/12/2012
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS01 ART3 N1 B C N6 ART115 N1 A ART62.
CIVA08 ART53 N1 ART7 N1 B ART29 N1 B ART2 N1 A ART4 ART36 N1 N5 F.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0827/06 DE 2006/11/29; AC STA PROC0339/10 DE 2010/09/08; AC STA PROC0214/07 DE 2010/05/19; AC TCAS PROC5616/01 DE 2003/06/21
Referência a Doutrina:VITOR FAVEIRO - NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO FISCAL VOLII PAG124-125.
ALBERTO XAVIER - MANUAL DE DIREITO FISCAL VOLI PAG251.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A…… e mulher, B……. (adiante Contribuintes, Impugnantes ou Recorrentes) impugnaram a liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2003, que lhe foi efectuada na sequência da correcção da matéria tributável por a Administração tributária (AT) ter considerado que os Contribuintes omitiram na declaração respeitante àquele ano rendimentos do Contribuinte marido, sujeitos a tributação na categoria B, do montante de € 10.000,00.
Pediram ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a anulação daquele acto por considerarem que o montante em causa não constitui rendimento tributável no ano de 2003, mas apenas no ano de 2006, em que o recebeu efectivamente e declarou para efeitos de IRS.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a impugnação judicial improcedente. Para tanto, em resumo e no que ora nos interessa, considerou que atento o disposto no n.º 6 do art. 3.º do Código do IRS (CIRS), os rendimentos em causa devem ser tributados no ano de 2003, ano em que deveria ter sido emitida a factura correspondente à prestação de serviços que lhes deu origem, como decorre do disposto no art. 7.º, n.º 1, alínea b), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).

1.3 Os Impugnantes recorreram da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 O Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A - Em causa está a liquidação de IRS do ano de 2003, no montante de € 2.545,95, apurada na sequência de uma acção inspectiva levada a efeitos pelos Serviços de Inspecção Tributária.

B - A liquidação apurada alicerçou-se na correcção aritmética feita pelos SIT, tendo por base os serviços prestados pelo impugnante marido no ano de 2003, no valor de € 15.000, dos quais o impugnante apenas havia declarado € 5.000,000, no ano de 2003, e o remanescente no ano de 2006.

C - Consideraram os SIT, que os rendimentos eram de categoria B e tributáveis no ano de 2003, por ter sido esse o ano da prestação efectiva do serviço, e relativamente aos quais era obrigatória a emissão da respectiva factura.

D - Decorre do disposto no art. 3.º, n.º 6 do CIRS que “Os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares…”

E - O art. 7.º n.º 1 b) do CIVA consagra, por sua vez que, “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o imposto é devido e toma-se exigível: ... nas prestações de serviços, no momento da sua realização”.

F - Assim, a prestação de serviços foi realizada no ano de 2003, devendo ser nesse ano emitida a competente factura, o que como vimos, não sucedeu.

G - Os rendimentos auferidos no ano de 2003 devem obrigatoriamente ser declarados na declaração Mod. 3 de IRS, dentro dos prazos legais para o efeito.

H - Resulta do relatório inspectivo que o Apelante marido prestou serviços no ano de 2003, e que não os declarou, nem emitiu nesse ano a competente factura, quando essa é uma obrigação legal.

I - Na sentença recorrida, o juiz [do Tribunal] a quo comungou do entendimento da técnica inspectora tributária, que no caso concreto do Apelante marido, dado que o serviço foi prestado em 2003 estava o contribuinte obrigado, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 28.º do Código do IVA, à emissão de uma factura (título de crédito) ou documento equivalente nesse mesmo ano independentemente do recebimento do preço acordado pelos serviços, e consequente inclusão desse rendimento na declaração de IRS desse ano, independentemente do seu recebimento efectivo não ter acontecido nesse ano.

J - Com o devido respeito, entendem os Apelantes que [, quer] a técnica inspectora tributária responsável pelo relatório em causa, quer o juiz [do Tribunal] a quo na sentença recorrida laboraram em erro.

L - Efectivamente, por força do disposto no n.º 6 do referido artigo 3.º do CIRS, “os rendimentos referidos, ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos do IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente (...)”.

M - Assim como, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 115.º do CIRS, “os titulares dos rendimentos da categoria B são obrigados a passar recibo, em impresso de modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes, pelas prestações de serviços referidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, ainda que a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas, (...).

N - Sucede que o Apelante marido apenas recebeu por conta dos serviços de arquitectura que prestou no ano de 2003, a quantia de € 5.000,00, quantia esta que declarou na sua declaração anual de rendimentos.

O - Ou seja, o Apelante marido não recebeu a quantia de € 10.000 no ano de 2003, mas, como consta do próprio relatório de inspecção sub judice e da factualidade assente da sentença recorrida apenas em Novembro de 2006.

P - Pelo que, não tendo o Apelante marido recebido o valor de € 10.000,00 no ano de 2003, não estava obrigado a emitir o respectivo recibo em 2003, e, consequentemente, não estava obrigada a declarar esse valor na declaração de rendimentos de 2003.

Q - Caso contrário, e a fazer vale a este [sic] tese defendida pela técnica inspectora tributária e pelo juiz [do Tribunal] a quo, o contribuinte fiscal iria emitir um recibo de uma quantia que efectivamente não recebeu, o que é de todo impensável, já que os recibos pressupõem um pagamento, ou seja, não existem para ser utilizados como facturas, mas sim como documentos de quitação, daí que os mesmos só sejam emitidos e entregues aos beneficiários da prestação de serviços em simultâneo com o pagamento dos serviços prestados.

R - A não ser assim, o beneficiário da prestação de serviços ficaria munido de um documento que faria prova de um pagamento que não existiu.

S - Acresce que, caso o Apelante marido declarasse os € 10.000,00 efectivamente recebidos em 2006, no ano de 2003, estaríamos a admitir uma situação absurda de tributação sobre expectativas de rendimentos, e não sobre rendimentos efectivos, pelo que nessa hipótese absurda o Apelante marido poderia pagar imposto sobre um rendimento que poderia nunca vir a receber efectivamente.

T - Acresce ainda que o valor global do projecto de arquitectura acordado em 2003 entre o Apelante marido e os beneficiários dos serviços prestados por aquele, foi de € 75.000,00, sendo que por transacção celebrada no âmbito de um processo judicial de cobrança desses serviços, o valor desses serviços foi reduzido para € 15.000,00.

U - Ora, se comungássemos do enquadramento jurídico efectuado na sentença recorrida, o Apelante marido teria que ter emitido um recibo no ano de 2003, no valor de € 75.000,00 e declarado esse valor na declaração anual de rendimentos desse ano, pagando o respectivo imposto, quando na verdade apenas viria a receber efectivamente € 15.000,00, situação esta altamente lesiva dos seus direitos, e que de forma alguma poderá ser defensável.

V - Nesta medida, entendem os Apelantes que o normativo legal que deve ser aplicado à presente situação fáctica, não é o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do CIVA, como erradamente aplicado pelo Tribunal recorrido, mas sim, o disposto no n.º 3 desse artigo 7.º do CIVA, que dispõe o seguinte: “Nas transmissões de bens e prestações de serviços de carácter continuado, resultantes de contratos que dêem lugar a pagamentos sucessivos, considera-se que os bens são postos à disposição e as prestações de serviços são realizadas no termo do período a que se refere cada pagamento, sendo o imposto devido e exigível pelo respectivo montante.”

X - Torna-se assim mais do que evidente que, não obstante se tratar de um rendimento referente a trabalho prestado no ano de 2003, só na declaração anual de rendimentos relativa a 2006 é que a referida quantia de € 10.000,00 deveria ser declarada pelo Apelante marido, como foi.

Z - Tanto mais que, tendo o Apelante marido declarado os € 10.000,00 recebidos em 2006, na sua declaração anual de rendimentos de 2006 [cfr. alínea j) da factualidade assente da sentença em mérito e fls. 44 a 50 dos autos], não faz qualquer sentido uma liquidação adicional de IRS em 2003, caso contrário, estaremos perante uma situação de dupla tributação, já que o mesmo rendimento do Apelante marido (€ 10.000,00) seria alvo do mesmo imposto (IRS) quer no ano de 2003 quer no ano de 2006.

AA - Pelo que ao julgar improcedente por não provada a impugnação apresentada pelos ora Apelantes, a douta sentença apelada violou, para além de outros, o artigo 7.º, n.º 3 do CIVA».

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:

«A questão controvertida é saber em que ano devem ser tributados rendimentos de prestação de serviços prestados em 2003, mas apenas recebidos em 2006, em sede de transacção judicial.
Vejamos.
Até 31 de Dezembro de 2002, o momento em que os rendimentos de categoria B ficavam sujeitos a tributação coincidia com aquele em que ocorria o seu pagamento ou colocação à disposição, independentemente do ano em que a prestação tivesse ocorrido e da obrigação de tributação em sede de IVA, sem prejuízo, todavia, do estipulado no artigo 18.º do CIRC para os rendimentos apurados com base na contabilidade.
Com as alterações introduzidas pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2003, o momento de sujeição a tributação em IRS coincide com aquele em que para efeitos de IVA se tome se tome exigível a emissão de factura ou documento equivalente, nos termos do artigo 53.º/1 do CIVA, ou não sendo exigível a emissão de factura com a data do pagamento com o da colocação à disposição dos respectivos titulares, sem prejuízo do estipulado no artigo 18.º do CIRC para os rendimentos apurados com base na contabilidade.
Ora, no caso em análise, em que estão em causa rendimentos provenientes de serviços prestados em 2003, mas só pagos em 2006, em que era exigível a emissão de factura, de acordo com o regime legal vigente à data do facto tributário, os rendimentos ficam, em princípio, sujeitos a tributação em 2003.
Sucede que os rendimentos em causa, no montante de € 10.000,00 são rendimentos litigiosos, uma vez que a determinação do seu valor dependeu de decisão judicial homologatória de transacção (artigo 62.º do CIRS).
Assim sendo, nos termos do estatuído no artigo 62.º do CIRS o englobamento de tais rendimentos só se faz depois de transitada em julgado a decisão e opera-se na declaração de rendimentos do ano em que transite.
Como resulta do probatório, os recorrentes englobaram os rendimentos na declaração do ano de 2006, ano do trânsito da sentença judicial.
A liquidação sindicada sofre de vício de violação de lei, por erro sobre os seus pressupostos.
A sentença recorrida, a nosso ver, merece, pois, censura.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida na ordem jurídica, anulando-se o acto tributário sindicado».

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando considerou que, para efeitos de tributação em IRS, os rendimentos efectivamente recebidos em 2006, mas respeitantes a serviços prestados em 2003, devem integrar o rendimento tributável deste ano de 2003, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se o Contribuinte marido estava obrigado a emitir factura na data da prestação de serviços.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«Com interesse para a decisão da causa resulta apurada a seguinte factualidade:

a) Os impugnantes, por indícios de omissão de proveitos, foram alvo de uma acção inspectiva de âmbito parcial, que recaiu sobre o IVA e o IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005 (cf. doc. de fls.16 a 32 do processo administrativo apenso aos autos, doravante apenas PA).

b) Ali se apurou que “Em 2005 o sujeito passivo deu entrada, junto das varas Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto, de uma acção contra C…… e D……, na qual alega que prestou diversos serviços de arquitectura aos réus sem que estes tenham pago o preço acordado (€ 75.000, acrescido de IVA à taxa legal). Nessa mesma acção reclama igualmente o pagamento de 78.500 € (acrescidos de IVA) relativos a trabalhos complementares ao projecto inicial. Pese embora esta confissão da prestação de serviços o facto é que o sujeito passivo apresenta uma situação bastante irregular:
- Apenas procedeu à entrega da declaração de início de actividade para efeitos de IVA e IRS em 2007-03-22, conforme comprovativo apresentado no âmbito do direito de audição;
- Nunca apresentou qualquer declaração periódica para efeitos de IVA;
- As suas declarações de rendimento modelo 3 de IRS apresentam rendimentos incompatíveis com a realidade confessada e reclamação naquela petição” (cf. Doc. de fls. 20 do PA).

c) Mais se apurou que “O sujeito passivo viria a receber, efectivamente, pelo referido projecto a quantia global de 15.000 €: 5.000 € em 2003 e os restantes 10.000 € em Novembro de 2006 (Já no âmbito do acordo de transacção entre as partes homologado por sentença do Tribunal de Novembro de 2006 - 1.ª Vara Cível do Porto).
O contribuinte nunca emitiu qualquer factura ou documento equivalente pela realização de tais serviços, desrespeitando assim diversas normas do Código do IVA e do IRS. Apenas emitiu em 2006, o recibo de quitação pela quantia recebida no âmbito do processo judicial” (cf. Doc. de fls. 21 do PA).

d) Concluíram os SIT que “... estamos perante um contribuinte que é sujeito passivo de IRS, que está obrigado à entrega da declaração de início de actividade e que está obrigado à emissão de recibos e/ou facturas ou documentos equivalentes por todos os serviços prestados no âmbito da sua actividade profissional.
Está igualmente obrigado a declarar tais rendimentos na declaração modelo 3 a que se refere o art. 57.º do Código do IRS, no ano em que “... para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documentos equivalente” (cf. Doc. de fls. 23 e 24 do PA).

e) Foram propostas correcções ao rendimento tributável para efeitos de IRS, categoria B, de acordo com o seguinte quadro:

Ano 2003
TIPO DE RENDIMENTO
Valores realizados,
Sujeito a IRS
Valores declarados
No modelo 3 do IRS
Rendimentos
omitidos = Valor da correcção
Categoria B
Rendimentos de A……
17.511,09 € (*) 7.511,09 € 10.000,00 €

* valor correspondente ao declarado numa declaração de substituição apresentada em 16 de Maio de 2007, incluindo mais 5000€ do que inicialmente declarado.

f) Os SIT decidiram que “face ao disposto no art. 26.º do Código do IRS o rendimento tributável da categoria B do IRS (Rendimentos Empresariais e Profissionais) será determinado de acordo com as regras do regime simplificado previstas no art. 31.º do mesmo diploma legal. Nestes termos o acréscimo ao rendimentos tributável desta categoria será de:

Valores resultantes do total de rendimentos sujeitos a IRSValores resultantes do valor declarado pelo contribuinte na declaração mod. 3 de IRSAcréscimo ao rendimento tributável
Rendimentos bruto da categoria B 17.511,09 € 7.511,09 €10.000,00 €
RENDIMENTO TRIBUTÁVEL da categoria B 11.382,21 € 4.882,21 €6.500,00 €

g) Em face das conclusões explanadas no relatório dos SIT, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 20075334479692, no montante de € 2.545,95 (cf. doc. de fls. 10 e 11 dos autos).

h) Em 07/05/2007, o impugnante apresentou a declaração de substituição de rendimentos – IRS, Mod. 3, onde declara a quantia de € 5.000,00 relativa a serviços prestados no ano de 2003 (cf. fls. 32 a 38 dos autos).

i) O termo de transacção no âmbito do processo 1443/05.9TVPRT, que correu termos na 1.ª Vara Cível do Porto (cf. doc. de fls. 39 a 42 dos autos).

j) A declaração de rendimentos IRS, Mod. 3, do ano de 2006, na qual é mencionada a quantia de € 10.000,00 relativa a prestações de serviços (44 a 50 dos autos).

k) Em 2003 foi encomendado ao impugnante marido um projecto de arquitectura (bloco de apartamentos) para Chaves (cf. depoimento das testemunhas).

l) O impugnante recebeu € 5.000,00 no ano de 2003 e € 10.000,00 no ano de 2006 (cf. depoimento das testemunhas).

Factos não provados

Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa».

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O ora Recorrente, no exercício da sua actividade sujeita a tributação na categoria B do IRS, prestou serviços no ano de 2003 pelos quais não emitiu factura.
A AT, na sequência de uma acção de fiscalização, verificou que o Contribuinte marido auferiu pela prestação daqueles serviços o montante de € 15.000,00, que lhe foram pagos € 5.000,00 em 2003 e € 10.000,00 em 2006, estes na sequência da transacção homologada por sentença proferida neste ano de 2006 e que fixou em € 15.000,00 o valor dos serviços, pelos quais o Contribuinte peticionava judicialmente € 75.000,00.
O Contribuinte apresentou então, para efeitos de IRS, declaração de correcção relativamente aos rendimentos do ano de 2003, acrescendo ao rendimento declarado os € 5.000,00 recebidos nesse ano, bem como declarou como rendimentos do ano de 2006 os € 10.000,00 recebidos nesse ano e pelos quais emitiu recibo de quitação.
A AT, considerando que também estes € 10.000,00 integravam rendimento do ano de 2003, procedeu à correcção do rendimento declarado para esse ano e à correspondente liquidação adicional de IRS. Isto, em síntese, porque considerou que, nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 6, do CIRS, os rendimentos profissionais ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente, sendo que, nos termos do disposto no art. 7.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, esse momento é o da prestação dos serviços.
Os Contribuintes discordaram desse entendimento e impugnaram a liquidação de IRS do ano de 2003. Sustentaram os Impugnantes, no que ora nos interessa considerar, que,
· no ano de 2003, o Contribuinte marido apenas recebeu € 5.00,00 relativamente aos serviços em causa, quantia essa que deveria ter declarado para efeitos de IRS desse ano, o que apenas não fez por lapso, já regularizado mediante a apresentação de declaração de substituição;
· já quanto à quantia de € 10.000,00 que recebeu em 2006, não tinha que declará-la no ano de 2003 – em que nem sequer sabia se a iria ou não receber –, mas apenas no ano em que efectivamente a recebeu, como fez;
· não tinha o Contribuinte marido que emitir recibo algum relativamente a esta quantia no ano de 2003, como resulta do disposto no art. 115.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CIRS.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a impugnação judicial improcedente porque considerou que, atento o disposto no art. 7.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, o Contribuinte marido estava obrigado a emitir factura no ano de 2003, pelo que era nesse ano que os referidos rendimentos de € 10.000,00 deveriam ter sido declarados, como resulta do disposto no n.º 6 do art. 3.º do CIRS.
Inconformados com a sentença, os Impugnantes dela recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo. Continuam a sustentar que a referida quantia de € 10.000,00, porque foi recebida em 2006, constitui rendimento desse ano, sendo que no ano de 2003 não estavam obrigados a emitir factura desse valor, que nem sequer sabiam então que era o que iria receber o Contribuinte marido.
Assim, como deixámos dito em 1.7, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando considerou que, para efeitos de tributação em IRS, os rendimentos efectivamente recebidos em 2006, mas respeitantes a serviços prestados em 2003, devem integrar o rendimento tributável deste ano de 2003, o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se, como considerou a AT e corroborou a sentença recorrida, o Contribuinte marido estava obrigado a emitir factura na data da prestação de serviços.

2.2.2 DO MOMENTO DA TRIBUTAÇÃO

Nos termos do art. 3.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, os rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços estão sujeitos à incidência do imposto.
Quanto ao momento relevante para essa tributação, cumpre ter presente o disposto no art. 3.º, n.º 6, do CIRS, na redacção que lhe foi introduzida pela LOE para 2003, ou seja, pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro:

«Os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 18.º do Código do IRC, sempre que o rendimento seja determinado com base na contabilidade».

Foi com base neste preceito, e por considerar que o Contribuinte estava obrigado a emitir factura, para efeitos de IVA, no momento em que ocorreu a prestação dos serviços – 2003 – que a AT corrigiu o rendimento tributável declarado com referência a esse ano, acrescendo-lhe os € 10.000,00, e liquidou adicionalmente o IRS que considerou devido.
Mas será que o Contribuinte estava obrigado a emitir factura em 2003?
Dizia o art. 115.º, n.º 1, do CIRS, na redacção aplicável, que é a do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, com a epígrafe «Emissão de recibos e facturas»:

«1 - Os titulares dos rendimentos da categoria B são obrigados:
a) A passar recibo, em impresso de modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes, pelas prestações de serviços referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, ainda que a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas, bem como dos rendimentos indicados na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo; ou
b) A emitir factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens, prestação de serviços ou outras operações efectuadas, e a emitir documento de quitação de todas as importâncias recebidas».

Do preceito legal resulta que os profissionais que, como o Contribuinte, fossem titulares de rendimentos da categoria B podiam, em alternativa – como resulta inequivocamente da conjunção disjuntiva intercalada entre as alíneas a) e b) do n.º 1 –, passar recibo, de modelo oficial, ou emitir factura.
Mas a emissão de factura pode ser imposta pelo CIVA (sendo, aliás, a obrigatoriedade dessa emissão para efeitos de IVA que é relevada para efeitos da fixação do momento da sujeição à tributação do rendimentos da categoria B), designadamente pelo seu art. 29.º, n.º 1, alínea b) ( À data dos factos, ou seja, na redacção anterior à revisão do Código efectuada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Junho, correspondia-lhe o art. 28.º.), que estabelece:

«Para além da obrigação do pagamento do imposto, os sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º são obrigados, sem prejuízo do previsto em disposições especiais, a:
[…]
b) Emitir uma factura ou documento equivalente por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º do presente diploma, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efectuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços».

A obrigação de emitir factura, no que ao Recorrente se refere, depende, pois, da sua qualidade de sujeito passivo de IVA e da qualificação do facto que deu origem aos rendimentos como prestação de serviços, que, uma e outra, não vêm postas em causa nos autos.
Ou seja, apesar de o CIRS (art. 115.º, n.º 1) permitir aos sujeitos passivos titulares de rendimentos da categoria B a opção entre a passagem de recibo e a emissão de factura, o CIVA [art. 29.º, n.º 1, alínea b)] impõe-lhes, no caso de serem simultaneamente sujeitos passivos deste imposto, tal como referidos no art. 2.º, n.º 1, alínea a), do Código, a emissão de factura, designadamente no caso de prestação de serviços, tal como definida no art. 4.º do mesmo Código.
E a factura deverá ser emitida no momento da realização da prestação de serviços ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura [arts. 7.º. n.º 1, alínea b), e 36.º, n.ºs 1 e 5, alínea f) ( À data dos factos, ou seja, na redacção anterior à revisão do Código efectuada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Junho, correspondia-lhe o art. 35.º.)].
Há, no entanto, que ter em conta o disposto no art. 53.º, n.º 1, do CIVA:

«1 - Beneficiam da isenção do imposto os sujeitos passivos que, não possuindo nem sendo obrigados a possuir contabilidade organizada para efeitos do IRS ou IRC, nem praticando operações de importação, exportação ou actividades conexas, nem exercendo actividade que consista na transmissão dos bens ou prestação dos serviços mencionados no anexo E do presente Código, não tenham atingido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a (euro) 10 000 ».

Aos sujeitos passivos isentos de IVA, ao abrigo do art. 53º, não se aplicam as regras supra relativas à emissão de factura, uma vez que a obrigação de emissão de documento decorre do CIRS, pelo que a emissão pode ocorrer com o recebimento e não obrigatoriamente com a conclusão da prestação do serviço.
Como a AT reconheceu no relatório da fiscalização, o Contribuinte reunia as condições para beneficiar da isenção prevista no art. 53.º do CIVA. O que significa que, dando de barato que o ora Recorrente fosse sujeito passivo de IVA e porque não tinha, nem estava obrigado a ter contabilidade organizada, não pode afirmar-se que estivesse obrigado a emitir factura, bem podendo optar pela emissão de recibo. Ora, o recibo de pagamento, como quitação que é, não tem que ser entregue (e, consequentemente, emitido) antes de efectivamente pago o montante nele referido.
Aliás, nos termos do referido n.º 6 do art. 3.º do CIRS, não sendo obrigatória a emissão de factura e não estando o sujeito passivo obrigado a ter contabilidade organizada, os rendimentos da categoria B «ficam sujeitos a tributação […] desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares».
Assim, não há dúvida de que só em 2006, com a efectiva percepção dos € 10.000,00, se poder considerar verificado o facto tributário ( Com interesse sobre a questão, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 29 de Novembro de 2006, proferido no processo n.º 827/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Novembro de 2007
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32240.pdf), págs. 2090 a 2099, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/48ed4aaedd1ce1708025724c004ef122?OpenDocument;
– de 8 de Setembro de 2010, proferido no processo n.º 339/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 1 de Abril de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32230.pdf), págs. 1291 a 1298, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6b940d1998bc0861802577a00033d6fb?OpenDocument.).
Tudo de acordo com a doutrina que tem vindo a afirmar que a constituição do direito do Estado e da obrigação do contribuinte «opera apenas no momento em que se efectua o recebimento ou colocação à disposição do titular, do dinheiro ou dos bens em espécie formativos do objecto do rendimento em causa» ( Cfr. VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, II Volume, págs. 124/125.
No mesmo sentido ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, volume I, págs 251 e seguintes.).
Assim, não podia a AT considerar, como considerou, que os referidos € 10.000,00 constituíam rendimento do ano de 2003, motivo por que (se bem que por fundamentos diversos dos invocados pelos Recorrentes (Os Recorrentes esgrimiram o carácter continuado dos serviços prestados, que não ficou demonstrado.) a liquidação impugnada padece da ilegalidade, a determinar a sua anulação.
A sentença recorrida, que decidiu em sentido diverso, não pode manter-se, pelo que será revogada a final.

2.2.3 OUTROS CONSIDERANDOS

Note-se que a solução seria a mesma ainda que se considerasse, como parece ter considerado o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, que o Contribuinte estava obrigado a emitir factura em 2003 (Convirá aqui referir que, a entender-se assim, então a factura teria que ter sido emitida, não pelo valor de € 15.000,00, total correspondente aos € 5.000,00 recebidos em 2003 e aos € 10.000,00 recebidos em 2006, mas pelo valor de € 75.000,00, que era o valor que o Contribuinte inicialmente reclamava como sendo o dos serviços prestados.).
A entender-se que era devida a emissão de factura em 2003, então teremos de concluir, com aquele Magistrado do Ministério Público, que, em face da disputa judicial quanto ao preço dos serviços prestados (com repercussão nos rendimentos tributáveis), haveria de aplicar-se o disposto no art. 62.º do CIRS (Na redacção da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.), que determina: «Se a determinação do titular ou do valor de quaisquer rendimentos depender de decisão judicial, o englobamento só se faz depois de transitada em julgado a decisão, e opera-se na declaração de rendimentos do ano em que transite».
O que significa que, seja como for, bem andaram os Contribuintes ao englobar os € 10.000,00 em causa nos rendimentos do ano de 2006, ano em que transitou em julgado a sentença que homologou a transacção e da qual resultou ser aquele o montante dos rendimentos.
Finalmente, tendo os Contribuintes declarado o referido montante de € 10.000,00 como rendimentos do ano de 2006, mal se compreende que a AT, tendo procedido à correcção do rendimento do ano de 2003 (aditando aquele montante à matéria tributável declarada), não tenha procedido à correspondente correcção de sentido inverso (diminuindo igual montante à matéria tributável declarada) no ano de 2006, no que se nos afigura uma violação do disposto no princípio da justiça (Com interesse quanto à concretização deste princípio, vide os seguintes acórdãos:
– desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 214/07, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 863 a 867, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7d14ecd3c4462d6c8025772d004a8d49?OpenDocument;
– do Tribunal Central Administrativo, de 21 de Junho de 2003, proferido no processo n.º 5616/01, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/edbe62e2c547d2a780257028004b162a?OpenDocument.).

2.2.4 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Nos termos do disposto no art. 3.º, n.º 6, do CIRS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 33-B/2002, de 30 de Dezembro (LOE para 2003), os rendimentos empresariais e profissionais (cat. B), «ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 18.º do Código do IRC, sempre que o rendimento seja determinado com base na contabilidade».
II - Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 53.º do CIVA, beneficiam da isenção de IVA os sujeitos passivos de rendimentos da categoria B de IRS que não tenham nem estejam obrigados a ter contabilidade organizada e cujo volume de negócios não tenha atingido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a € 10.000,00.
III - Nesse caso, aqueles não ficam sujeitos à obrigação de emitir factura e, uma vez que a obrigação de emissão de documento decorre do CIRS [cfr. art. 115.º, n.º 1, alínea a)], a mesma pode ocorrer com o recebimento e não obrigatoriamente com a conclusão da prestação do serviço.

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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e anular a liquidação impugnada.
Sem custas, uma vez que a Recorrida não contra alegou.

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Lisboa, 21 de Novembro de 2012. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.