Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0574/15
Data do Acordão:07/05/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DECISÃO JUDICIAL
NULIDADE
REFORMA DE DECISÃO JUDICIAL
Sumário:I - A decisão sumária do recurso ao abrigo do art. 656.º do CPC está justificada se nela se refere expressamente que existe jurisprudência reiterada e uniforme sobre a questão a dirimir.
II - Saber se a questão decidida nessa jurisprudência é ou não a mesma que cumpre apreciar nos autos é, por sua vez, uma questão que tem a ver, não com a validade formal da decisão sumária, mas a sua validade material.
III - A nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da decisão também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio e já não quando a decisão deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessa questão.
IV - O tribunal tributário é o competente, em razão da matéria, para a apreciação da impugnação judicial deduzida contra a liquidação da contrapartida anual relativa ao ano de 2013, referente à concessão da zona de jogo da Póvoa do Varzim, que engloba, entre outras quantias de diferentes proveniências, o imposto especial sobre o jogo, e em que são suscitadas as questões de saber se a contrapartida anual exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo tem a natureza de um tributo, e se os diplomas que a prevêem padecem de inconstitucionalidade, por alegada violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da proporcionalidade.
Nº Convencional:JSTA00070272
Nº do Documento:SA2201707050574
Data de Entrada:05/08/2015
Recorrente:A......., S.A.
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECLAMAÇÃO
Objecto:DESP STA
Decisão:INDEFERIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN.
DIR FISC - JOGO.
Legislação Nacional:ETAF02 ART26 H ART49 N1 A ART49 A.
LGT98 ART43.
CPPTRIB99 ART125 N1.
CIRC01 ART7.
CPC13 ART608 N2 ART615 N1 D ART656.
DL 129/12 DE 2012/06/22 ART13.
DL 275/01 DE 2001/10/17.
DL 422/89 DE 1989/12/02 ART85 - ART89.
DRGU 29/88 DE 1988/08/03 ART3 N1 B ART6 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PLENÁRIO PROC01771/13 DE 2014/01/29.; AC STA PLENÁRIO PROC0189/11 DE 2012/03/21.; AC STA PLENÁRIO PROC0119/08 DE 2009/05/27.; AC STA PLENÁRIO PROC0987/08 DE 2009/04/02.; AC STA PLENÁRIO PROC01927/03 DE 2004/02/11.; AC STA PROC0105/16 DE 2016/05/24.; AC STA PROC0862/15 DE 2016/02/03.; AC STA PROC030314 DE 1992/07/02.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG231.
CASALTA NABAIS - DIREITO FISCAL 6ED PAG657-658.
SOARES MARTINEZ - DIREITO FISCAL 7ED PAG629-631.
Aditamento:
Texto Integral: Reclamação para a conferência da decisão por que o relator decidiu o recurso jurisdicional interposto da decisão de incompetência em razão da matéria proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 292/14.8BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 O “Instituto de Turismo de Portugal, I.P.” (adiante Reclamante ou Recorrido) reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 652.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). A reclamação tem por objecto a decisão, proferida pelo Relator neste Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do referido art. 652.º, que, concedendo provimento ao recurso interposto pela sociedade denominada “A………….., S.A.” (adiante Reclamada ou Recorrente) da decisão por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na sua vertente de tribunal tributário, se declarou incompetente em razão da matéria para conhecer da impugnação judicial por esta deduzida contra a liquidação da contrapartida anual relativa ao ano de 2013 referente à concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim, revogou essa decisão da 1.ª instância e declarou «competente, em razão da matéria, para conhecer da presente impugnação judicial, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na sua vertente de tribunal tributário».

1.2 Alega a Reclamante, em síntese, por um lado, que «não estavam verificados os requisitos previstos no art. 656.º do CPC para a tomada de uma decisão sumária» e, por outro lado, que a decisão reclamada «contém uma série de nulidades que definitivamente a inquinam».
Se bem interpretamos as alegações, entende o Reclamante, quanto àquele primeiro aspecto, que não podia o Relator ter conhecido do recurso por decisão sumária porque, contrariamente ao alegado na decisão reclamada, não havia anterior jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão a dirimir nos autos, sendo que esta foi incorrectamente delimitada na decisão reclamada, desde logo porque incorreu em «erro sobre a matéria a tratar», designadamente porque transcreve um trecho como pertencente à contestação e à contra-alegação, quando nenhuma dessas peças processuais o contém e porque identifica como questão a decidir «a de saber qual a jurisdição competente para conhecer da impugnação operada relativamente à compensação prevista no art. 13.º do Decreto-Lei n.º 129/12, de 22 de Junho», quando no caso está em causa «a contrapartida anual do contrato de concessão, o que é diferente das impugnações das liquidações de imposto especial de jogo, que [a Recorrente] também impugnou noutras acções». Sugere que tenha havido confusão com estas outras acções, motivo por que também teria ficado por conhecer a questão suscitada nos presentes autos, o que constituiria nulidade por omissão da pronúncia, a acrescer à «série de nulidades» de que a decisão enferma.

1.3 A “A……….” não respondeu.

1.4 Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 Na decisão recorrida o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. A Impugnante, “A……….., S.A.”, contribuinte fiscal n.º …………, em 29/11/1988, celebrou com o Estado Português um contrato de concessão para exploração de jogos de fortuna ou azar na zona da Póvoa de Varzim, que foi publicado no DR III Série, n.º 37, de 14/2/1987, mediante o qual a Impugnante se obrigou, além do mais, ao pagamento de uma contrapartida pecuniária calculada nos termos exarados naquele contrato.

2. A Impugnante e o Estado Português, em 14/12/2001, procederam à prorrogação do contrato de concessão identificado em 1, por mais 15 anos, até 31/12/2023, tendo assinado o “Acordo de Revisão do Contrato de Concessão do Casino da Póvoa de Varzim”, prorrogação autorizada ao abrigo do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, publicado no DR III Série, n.º 27, de 1/2/2002, que nos artigos 3.º e 8.º prevê o pagamento da contrapartida inicial, no montante global de € 58.359.353,96, a preços de 31 de Dezembro de 2000, e para além dessa contrapartida, em cada ano, uma contrapartida do valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no casino, contrapartida não inferior aos valores indicados no anexo ao Decreto-Lei nº 275/2001, de 17 de Outubro, depois previamente convertidos nos termos do artigo 2.º, n.º 3, daquele diploma.

3. O “Instituto de Turismo de Portugal, I.P.”, em 27/1/2014, procedeu à notificação da Impugnante, a sociedade comercial “A…………., S.A.”, na pessoa do legal representante, Dr. B…………., para proceder ao pagamento da “contrapartida anual relativa ao ano de 2013” da zona de jogo da Póvoa de Varzim, aludida em 2, no montante de € 6.727.969,92, calculado com base nos itens que enunciou: “Receita bruta dos jogos - € 36.353.357,02; 50% da receita bruta dos jogos - € 18.176.678,51; Contrapartida mínima conforme mapa anexo ao D.L. n.º 275/2001, de 17/10, actualizada a preços de 2012 (cfr. dados oficiais INE – www.ine.pt) - € 23.827.303,89; Nos termos do n.º 4 do art. 2.º do D.L. n.º 275/2001, de 17/10 a contrapartida não pode ser inferior a: € 23.827.303,89; Deduções à contrapartida - € 17.099.333,97; Remanescente da contrapartida calculado sobre a contrapartida mínima - € 6.727.969,92”, nos termos exarados na documentação de fls. 26/28 que se dá por reproduzida.

4. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 29/30 relativa à transferência de € 1.077.344,55 efectuada pela Impugnante para o “Instituto de Turismo de Portugal, I.P.”, em 31/1/2014.

5. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 31/39 referente à garantia bancária prestada pela Impugnante a favor do “Instituto de Turismo de Portugal, I.P.”, emitida pelo “Banco BPI, S.A.”, no montante de € 7.300.000,00.

6. A presente impugnação foi apresentada sob registo postal de 3/2/2014».

2.1.2 A decisão reclamada, de fls. 271 a 281, será transcrita adiante, nas partes relevantes para a decisão a proferir.


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

O “Instituto de Turismo de Portugal, I.P.” reclama para a conferência da decisão por que o relator, decidindo o recurso deduzido pela sociedade denominada “A………., S.A.” contra a liquidação da contrapartida anual relativa ao ano de 2013 referente à concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim, revogou a decisão do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgara este tribunal, na sua vertente de tribunal tributário, incompetente em razão da matéria para conhecer da impugnação judicial.
Imputou à decisão reclamada uma «série de nulidades», bem como a impossibilidade de o Relator ter conhecido do recurso por decisão sumária, por não haver anterior jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, que respeitava, não à compensação prevista no art. 13.º do Decreto-Lei n.º 129/12, de 22 de Junho, como considerou a decisão reclamada, mas à contrapartida anual do contrato de concessão.
Impõe-se, pois, o conhecimento das invocadas nulidades, que, se bem interpretamos as alegações, o Requerente refere ao facto de inexistir jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Administrativo sobre a questão, o que, a seu ver, afastava a possibilidade de decidir o recurso por decisão sumária, bem como ao facto de na decisão reclamada se identificar erradamente a questão a dirimir e, por isso, se ter omitido pronúncia sobre a questão que importava decidir. Vejamos:

2.2.2 A POSSIBILIDADE DE DECIDIR O RECURSO POR DECISÃO SUMÁRIA

O Reclamante considera que o relator não devia ter decidido o recurso por decisão sumária, ao abrigo do disposto no art. 656.º do CPC, uma vez que a questão decidida no acórdão para cuja fundamentação a decisão reclamada remeteu não é a que cumpria apreciar e decidir nos presentes autos.
Ainda que assim fosse – o que não se concede e apenas se equaciona para efeitos de exposição –, o facto de o relator ter decidido o recurso ao abrigo do disposto no art. 656.º do CPC não constitui nulidade alguma e a opção pela decisão sumária está devidamente fundamentada, uma vez que nela se refere expressamente que existe jurisprudência reiterada e uniforme sobre a questão a dirimir, apresentando-se como exemplos três acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
É certo que o Reclamante sustenta que a jurisprudência uniforme relativamente à questão que cumpre apreciar – e que, a seu ver, não é que foi enunciada na decisão reclamada – é a que consta do acórdão de 2 de Julho de 1992, proferido no processo n.º 30.314, da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (Publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 419 (1992), págs. 498 a 503, com sumário também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b6fd7df9a34205a0802568fc0038bdaa.), onde se decidiu no sentido de que a contrapartida anual era matéria da competência dos tribunais administrativos.
Salvo o devido respeito, por um lado, quando a decisão reclamada alude a questão «tratada reiterada e uniformemente por este Supremo Tribunal Administrativo», refere-se apenas à jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, a quem o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais comete a competência para apreciar os recursos dos «recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito» [cfr. art. 26.º, alínea b)].
Por outro lado, saber se a questão decidida nessa jurisprudência é ou não a mesma que cumpre apreciar nos autos é, por sua vez, uma questão que tem a ver, não com a validade formal da decisão sumária, mas a sua validade material, ou seja, poderá a decisão reclamada ter incorrido em erro de julgamento, mas não enferma de nulidade.

2.2.3 A INCORRECTA ENUNCIAÇÃO DA QUESTÃO A DIRIMIR E A COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

Segundo o Reclamante, a decisão reclamada errou na determinação da questão a decidir, que também enunciou incorrectamente a posição do ora Reclamante, quer referindo-se à contestação quer às contra-alegações de recurso, uma vez que a questão, respeitante à competência em razão da matéria, que cumpria dirimir nos presentes autos se reporta, não à liquidação de imposto especial de jogo, mas à denominada “contrapartida anual” do contrato de concessão.
Concedemos que na decisão reclamada, tal como alega o Requerente nos art. 6.º a 45.º do requerimento, se poderá ter identificado de modo menos correcto o acto impugnado ou até incorrido em lapso nessa identificação.
Mas, salvo o devido respeito, isso em nada contende com a validade daquela decisão. Vejamos:
Como ficou dito no acórdão de 24 de Maio de 2016, proferido no processo n.º 105/16 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1e9d5442a4878e3e80257fc400477218.), em que se colocou idêntica questão (aí foi impugnada a contrapartida anual relativa ao ano de 2014, enquanto nos presentes autos é impugnada a contrapartida anual relativa ao ano de 2013, sendo que naqueles autos, como nos presentes, o recurso foi objecto de decisão sumária, da qual o “Turismo de Portugal, IP” reclamou para a conferência), «embora nos citados Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário estivesse em causa a liquidação do Imposto Especial sobre o Jogo, a colecta deste Imposto Especial integra como se deixou expressamente exarado no referido Acórdão 862/15, «em concorrência com outras quantias de diferentes proveniências, as contrapartidas anuais, a pagar pelas concessionárias (al. b) do n.º 1 do art. 3.º e n.º 1 do art. 6.º, ambos do Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3/8)».
Assim, como igualmente se deixou devidamente assinalado no Acórdão 862/15 a liquidação em causa naqueles autos também se reportava «à chamada “contrapartida anual” exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo, a qual é composta por 50% das receitas brutas dos jogos explorados no Casino (essa contrapartida anual, por um lado tem um «mínimo» fixado no DL n.º 275/2001 e, por outro lado, é paga através, ao menos em parte, das liquidações de imposto do jogo)».
Diz a fundamentação do citado aresto:
[Daí que,] «(…) como bem sublinha o MP, se deva considerar como consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que constitui questão fiscal, aquela cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, inscritas no domínio da actividade tributária da administração, (Além do citado ac. do STA, Plenário, de 29/1/2014, proc. n.º 01771/13, cfr., igualmente, os acs. do Plenário, de 21/3/2012, proc. n.º 189/11; de 27/5/2009, proc. n.º 119/08; de 2/4/2009, proc. n.º 987/08. Na doutrina, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª ed., 2011, Vol. I p. 231) sendo que também a repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais fiscais tem como critério a apontada natureza da relação jurídica de onde emergem as questões submetidas à apreciação dos tribunais: relação jurídica administrativa ou relação jurídica tributária.
[…] a colecta deste Imposto Especial [de jogo] integra, em concorrência com outras quantias de diferentes proveniências, as contrapartidas anuais, a pagar pelas concessionárias (al. b) do nº 1 do art. 3.º e n.º 1 do art. 6.º, ambos do Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3/8).
Assim, como alega a recorrente, a liquidação também se reporta à chamada “contrapartida anual” exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo, a qual é composta por 50% das receitas brutas dos jogos explorados no Casino (essa contrapartida anual, por um lado tem um «mínimo» fixado no DL n.º 275/2001 e, por outro lado, é paga através, ao menos em parte, das liquidações de imposto do jogo). Com efeito, o legislador definiu como base tributável os rendimentos normais das concessionárias, reconduzindo-se o Imposto de Jogo, face ao IRC, como imposto especial sobre o rendimento, (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6.ª ed. p. 61) concretizando-se o que «podemos designar por um “regime fiscal substitutivo”, em que se verifica a substituição do regime geral de tributação, aplicável à generalidade dos contribuintes, por um regime especial de tributação» (trata-se de um imposto especial sobre a actividade de exploração de jogos de fortuna e azar desenvolvida pelas empresas concessionárias e exercida dentro dos imóveis afectos à respectiva concessão, substituindo, relativamente aos rendimentos provenientes dessa actividade, qualquer outra tributação, designadamente a tributação em IRC - v. o art. 7.º do CIRC).
E este Imposto de Jogo também «tem um regime de liquidação e cobrança muito particular, já que o mesmo se concretiza num verdadeiro regime contratual designado por regime de avença» (Casalta Nabais, ob. cit. pp. 657/658. E relativamente aos contratos que têm por objecto o lançamento, a liquidação ou a cobrança dos impostos, este mesmo autor considera que podem apontar-se dois tipos: um, em que a administração tributária «contrata com o próprio contribuinte ou sujeito passivo aspectos da liquidação ou cobrança do respectivo imposto; outro em que a administração tributária contrata com certas entidades a prestação de serviços relativamente à liquidação e cobrança de impostos alheios. Como exemplo do primeiro tipo, podemos indicar o já clássico contrato de avença no imposto de jogo, previsto no art. 89.º do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro. Trata-se dum contrato celebrado entre as empresas concessionárias das zonas de jogo e a Inspecção-Geral dos Jogos e que tem por objecto a determinação da matéria colectável do imposto de jogo, que assim é determinado de forma sintética e por acordo). Como igualmente sublinha Soares Martinez (Direito Fiscal, 7.ª ed., pp. 629/631) o imposto «desdobra-se por duas parcelas. A primeira parcela é constituída por uma percentagem, variável com a localização dos casinos e com a antiguidade das concessões, sobre o “capital em giro inicial”. A segunda parcela é constituída por uma percentagem, também variável com a localização dos casinos e com a antiguidade das concessões, sobre os lucros das “bancas” (Decreto-Lei n.º 422/89, art. 85.º). Tratando-se de jogos “não bancados” e do “jogo do bingo”, o imposto incide por percentagem sobre a “receita cobrada dos pontos” (Decreto-Lei n.º 422/89, art. 86.º). Em relação às máquinas de jogo automáticas, aplica-se o regime dos “jogos bancados”, com algumas especialidades (Decreto-Lei n.º 422/89, art. 87.º). O pagamento do imposto de jogo é efectuado, mensalmente, até ao dia 15, na tesouraria da Fazenda Pública da área da concessão, na base de guia emitida pela Inspecção-Geral dos jogos, à qual compete também a fiscalização deste imposto. Às concessionárias é permitido pagar o imposto de jogo por avença (Decreto-Lei n.º 422/89, arts. 88.º e 89.º)».
E neste sentido, as próprias componentes das contrapartidas anuais provenientes de outras fontes poderão assumir natureza tributária, constituindo receitas do Estado afectas ao financiamento de actividades de interesse público turístico, impostas coactivamente por instrumentos legais, embora a sua quantificação venha a ficar estabelecida nas cláusulas dos contratos de concessão a celebrar posteriormente com as concessionárias» (fim de citação).
De entre as matérias cuja competência cabe aos tribunais tributários o art. 49.º, n.º 1, alínea a), i, do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, elenca as acções de impugnação “dos actos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses actos”.
No caso em apreço, como se constata da petição inicial de fls. 2 e segs., o eixo axial da pretensão da recorrente prende-se com a legalidade da liquidação da “contrapartida anual relativa ao ano de 201[4]”, referente à concessão da zona de jogo da Póvoa do Varzim, que lhe foi liquidado pelo Turismo de Portugal, IP, que engloba, entre outras variáveis, o imposto especial de jogo, e que teve como base normativa, ali expressamente referida, o art. 2.º, n.º 4 do DL 275/2001, de 17.10 e o art. 6.º, n.º 1, al. a) do Decreto Regulamentar n.º 24/88, de 3/8.
A recorrente deduziu a presente impugnação judicial contra a liquidação da contrapartida anual exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo com o fundamento de que a sua fórmula de cálculo, nomeadamente, o “mínimo” da “contrapartida” está fixado no Decreto-Lei n.º 275/2001, invocando que por isso a mesma não tem matriz contratual, até porque não há qualquer correspondência económico-jurídica com a prestação assegurada pelo Estado concedente.
Sustenta que a mesma tem a natureza de um tributo, já que tal “contrapartida anual” é uma prestação patrimonial estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas.
E que basta a circunstância de tal “contrapartida anual” ser paga através, ao menos em parte, pelas liquidações de Imposto do Jogo, para que ela seja, como deve ser, considerada como um tributo.
Invoca ainda a inconstitucionalidade de diversas normas do DL n.º 422/89, de 2/12 e do DL n.º 275/2001, de 17/10 (diplomas que integram o regime legal da exploração dos jogos de fortuna e azar), por alegada violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da proporcionalidade […], sustentando que a liquidação da contrapartida impugnada, tendo na sua base, o Imposto de Jogo é ilegal por a norma legal que respalda essa determinação do imposto ser inconstitucional.
A final pede a declaração de ilegalidade da liquidação impugnada, a restituição dos quantitativos pagos, acrescidos de juros indemnizatórios nos termos do artº 43º da LGT.
Por outro lado, como bem nota a recorrente, na petição inicial não é contestada a validade de qualquer cláusula do contrato de concessão celebrado entre a recorrente e o Estado, nem qualquer questão sobre a validade de tal contrato.
Em suma a recorrente ataca apenas a liquidação impugnada nas vertentes da qualificação como tributo e da sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real.
Ora, resultando da análise das normas que no ETAF regulam a competência dos tribunais fiscais (arts. 49.º e 49.º-A), e da jurisprudência atrás citada, que a competência dos tribunais fiscais ocorrerá quando o acto impugnado respeitar a uma questão fiscal, e que por “questão fiscal” deverá entender-se a que de forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação da norma de direito fiscal, ou seja, da norma que se relaciona com impostos ou figuras análogas (cf. acórdãos do Plenário, deste Supremo Tribunal Administrativo, de 21/3/2012, no processo n.º 0189/11, de 2/4/2009 - Proc. n.º 0987/08, e de 27/5/2009 - Proc. n.º 0119/2008 e ainda o Ac. de 11/2/2004 - Proc. n.º 01927/03), dúvidas não há que as suscitadas questões de saber se contrapartida anual exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo tem a natureza de um tributo, e se os diplomas que as prevêem padecem de inconstitucionalidade, por alegada violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da proporcionalidade, constituem questões de natureza fiscal e, portanto, da competência dos tribunais fiscais.
Acresce sublinhar que, aferindo-se a competência em razão da matéria pelo pedido formulado na acção e pela natureza da relação jurídica que lhe dá corpo, tal como é configurada pelo autor, e sendo essa a questão objecto do recurso, a deliberação tomada no despacho reclamado se enquadra, numa perspectiva lógica, nas premissas ali também consideradas, não estando em causa, por ora, o julgamento do mérito da pretensão da impugnante.
Até porque, o facto de, em sede de apreciação do mérito do pedido se vir, eventualmente, a firmar entendimento diverso da impugnante/recorrente, não retira às questões por ela suscitadas, a natureza de questões fiscais.
Daí que se entenda que haverá de considerar-se o tribunal tributário como sendo o competente, em razão da matéria, para a apreciação da impugnação judicial deduzida contra a liquidação “contrapartida anual relativa ao ano de 201[2]”, referente à concessão da zona de jogo da Póvoa do Varzim, que engloba, entre outras quantias de diferentes proveniências, o imposto especial sobre o jogo».
O despacho reclamado, que decidiu nesse sentido, deve ser mantido.

2.2.4 DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

Quanto à alegada nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, ela fica afastada pela resposta dada à questão anterior. Em todo o caso, sempre diremos o seguinte:
A nulidade por omissão de pronúncia, prevista no n.º 1 do art. 125.º do CPPT e na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, está correlacionada com o norma do n.º 2 do art. 608.º do CPC, que impõe ao juiz o conhecimento de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
No caso, a sentença recorrida julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na sua vertente de tribunal tributário, incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido formulado pela impugnante e, consequentemente, absolveu da instância o “Instituto de Turismo de Portugal, I.P.”, por entender que não está em causa uma questão fiscal, mas tão só a execução de um contrato de concessão que deve ser pontualmente cumprido.
Interposto recurso dessa sentença, foi o mesmo julgado procedente por decisão sumária. Segundo a Recorrida, ora Reclamante, a decisão reclamada deixou por conhecer a questão que cumpria conhecer, pois equacionou mal a questão a dirimir.
No entanto, salvo o devido respeito, é inequívoco que na decisão reclamada se apreciou a questão da competência em razão da matéria.
Ora, a omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Como a jurisprudência tem afirmado repetidamente, o conceito de questões não se confunde com o de argumentos ou razõesaduzidos pelas partes na tentativa de demonstrar a procedência das questões a apreciar.
Pode a decisão reclamada ter incorrido em erro de julgamento na medida em que, concedendo provimento a recurso, julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na sua vertente de tribunal tributário, competente em razão da matéria. No entanto, esse eventual erro situa-se já no âmbito do mérito da decisão e não no da sua validade formal, que é onde se integram as nulidades.
Improcede, pois, a apontada nulidade por omissão de pronúncia.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:


I - A decisão sumária do recurso ao abrigo do art. 656.º do CPC está justificada se nela se refere expressamente que existe jurisprudência reiterada e uniforme sobre a questão a dirimir.
II - Saber se a questão decidida nessa jurisprudência é ou não a mesma que cumpre apreciar nos autos é, por sua vez, uma questão que tem a ver, não com a validade formal da decisão sumária, mas a sua validade material.
III - A nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da decisão também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio e já não quando a decisão deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessa questão.
IV - O tribunal tributário é o competente, em razão da matéria, para a apreciação da impugnação judicial deduzida contra a liquidação da contrapartida anual relativa ao ano de 2013, referente à concessão da zona de jogo da Póvoa do Varzim, que engloba, entre outras quantias de diferentes proveniências, o imposto especial sobre o jogo, e em que são suscitadas as questões de saber se a contrapartida anual exigida às empresas concessionárias das zonas de jogo tem a natureza de um tributo, e se os diplomas que a prevêem padecem de inconstitucionalidade, por alegada violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real e da proporcionalidade.


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3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em indeferir a presente reclamação.

Custas pelo Reclamante.


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Lisboa, 5 de Julho de 2017. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.