Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0546/14
Data do Acordão:12/03/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CUSTAS
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário:I – O valor da Unidade de Conta a considerar para os processos tributários pendentes em 19 de Abril de 2009, data da entrada em vigor genérica do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, é o que resulta do art. 22.º deste diploma, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto.
II – O disposto no n.º 3 do art. 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, não contraria, antes confirma, tal entendimento jurisprudencial.
Nº Convencional:JSTA000P18327
Nº do Documento:SA2201412030546
Data de Entrada:05/15/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do despacho proferido no processo de impugnação judicial com o n.º 2065/08.8BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho proferido pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que, considerando que o valor da taxa de justiça devida pela Fazenda Pública era de € 510,00 (5 x € 102,00) e não o montante pago, de € 480,00 (5 x € 96,00), ordenou que fosse notificada a Representante da Fazenda Pública para, no prazo de 10 dias, regularizar o montante de taxa de justiça devida nos presentes autos.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Aqui como adiante, porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«A) O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” entende que o valor da unidade de conta processual corresponde ao valor actual (102€) e não ao valor à data em que se iniciou o processo judicial, conforme determina o artigo 5.º, n.º 3 do RCP.

B) No entanto, entendemos, salvo o devido respeito, que é muito, que tal entendimento foi proferido num contexto legal distinto do que existe actualmente, após a entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro.

C) O disposto no artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, sob a epígrafe “aplicação no tempo” conjugado com o disposto no artigo 5.º do RCP, entendemos que a realidade actual (após 29 de Março de 2012) não se coaduna com o entendimento supra citado;

D) O Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data;

E) Sendo que (relativamente a todos os processos pendentes ou iniciados após a entrada em vigor do RCP) todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor da presente lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou outras penalidades, são calculados nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada com a presente lei;

F) De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 5.º do RCP, normativo através do qual é fixado o valor da UC, para efeitos de pagamento de taxa de justiça, de encargos, de multas ou outras penalidades, o valor correspondente à UC para cada processo, tal como definido no n.º 2 do artigo 1.º, fixa-se no momento em que o mesmo se inicia, independentemente do momento em que a taxa deva ser paga.

G) A presente Impugnação Judicial foi apresentada no Tribunal Tributário de Lisboa na data de 23/12/2008, sendo-lhe atribuído o n.º 2065/08.8BELRS.

H) Assim, o valor da UC nos presentes autos fixou-se na data em que se iniciou o procedimento judicial, em 2008, tendo nessa data a UC o valor de 96,00€.

I) O disposto no artigo 5.º, n.º 2 do RCP, apenas veio alterar a fórmula de cálculo da UC a partir de 2009 e a periodicidade de actualização do mesmo, em conformidade com o disposto no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto;

J) Pelo que, a partir de 2009 o valor da UC passou a ser de 102€, não tendo no entanto sofrido qualquer alteração até à presente data em virtude do valor do IAS não ter sofrido qualquer actualização para mais.

K) Face ao exposto verifica-se que o douto despacho recorrido se mostra ilegal, por violação do disposto no artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, conjugado com o disposto no artigo 5.º, n.º 3 do RCP.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogado o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça».

1.3 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos.

1.4 Os Recorridos não contra-alegaram.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida, com a seguinte fundamentação (As notas que estavam em rodapé no original, serão agora transcritas no texto entre parêntesis rectos.):
«[…]
A questão controvertida consiste em saber se o valor a Unidade de Conta (UC) para feitos de determinação da taxa de justiça devida é o que vigorava à data em que se iniciou o processo (2008), € 96,00 ou o seu valor actual € 102,00.
Salvo melhor juízo e contrariamente ao sustentado pela recorrente a entrada em vigor da Lei 7/2012, de 13 de Fevereiro, que procedeu a alterações ao RCP, não implica solução diversa da que foi adoptada pelo Acórdão do STA, de 30 de Novembro de 2010, proferido no recurso 0707/10 1 [1 Disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt].
O artigo 8.º/2 da referida Lei estatui que «todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor da presente lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou a outras penalidades, são calculados nos termos previstos nos Regulamentos das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei».
Ora, tal normativo, no que diz respeito à aplicação no tempo da forma de cálculo da UC, a que se refere o artigo 5.º/2 do RCP, consagra a solução acolhida pelo citado acórdão do STA.
Questão diversa é a que diz respeito ao momento a que se reporta o valor da UC aplicável, se ao início do processo, como estatui o artigo 5.º/3 do RCP se ao trânsito em julgado da decisão, nos termos da legislação hoje revogada e em vigor à data da instauração da acção.
A interpretação do artigo 8.º/3 da Lei 7/2012 conjugado com o artigo 5.º/3 do RCP que a recorrente faz, levaria não à aplicação do RCP aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, mas sim dos normativos dos artigos 5.º e 6.º do DL 212/89, de 30 de Junho, expressamente revogados pelo artigo 25.º/2/ f) do DL 34/2008, de 26 de Fevereiro, no que concerne à forma de cálculo da UC, solução esta que ofende o normativo do artigo 8.º/3 do DL 34/2008, de 26 de Fevereiro 2 [2 Neste sentido acórdão do STA, de 2014.02.05-P.01568/13, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.].
A decisão recorrida não merece, assim, censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se o despacho sindicado na ordem jurídica».

1.6 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida fez correcto julgamento relativamente ao valor da Unidade de Conta (UC) para efeitos de cálculo da taxa de justiça devida nos presentes autos: se é o que vigorava à data em que se iniciou o processo (2008) – € 96,00 – como sustenta a Recorrente, ou, como decidido, o seu valor actual, de € 102.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Nesta sede apenas releva a seguinte tramitação processual:

a) O presente processo foi iniciado em 23 de Dezembro de 2008, data em que os ora Recorridos fizeram dar entrada no Tribunal Tributário de Lisboa a petição inicial por que pediram a anulação da liquidação impugnada (cfr. petição inicial e o carimbo de entrada que lhe foi aposto, a fls. 2);

b) Em 25 de Outubro de 2013, foi proferida sentença no Tribunal Tributário de Sintra, julgando a impugnação judicial procedente e condenando a Fazenda Pública nas custas (cfr. a sentença, maxime a parte decisória, a fls. 285);

c) Em 15 de Novembro de 2013, os Impugnantes, ora Recorridos, fizeram dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a nota discriminativa e justificativa das custas de parte, ao abrigo do disposto nos arts. 25.º, n.º 2, e 26.º do Regulamento das Custas Processuais (cfr. fls. 295 a 297);

d) A Fazenda Pública, por requerimento de 27 de Novembro de 2013, veio reclamar, ao abrigo do disposto no art. 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, designadamente quanto ao valor considerado para a UC, que considerou ser de € 96,00, por ser o em vigor à data da apresentação (cfr. fls. 312 a 315);

e) Por despacho de 24 de Janeiro de 2014, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, considerando que o valor da UC para efeitos de cálculo da taxa de justiça devida pela Fazenda Pública é de € 102,00 e que aquela apenas foi paga com base no valor de € 96,00 (num total de € 480,00), ordenou a notificação da Fazenda Pública para juntar o comprovativo do pagamento do montante que entendeu em falta (cfr. fls. 332 a 336).


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência da notificação do despacho por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra ordenou que a Fazenda Pública procedesse ao pagamento do montante da taxa de justiça em falta, uma vez que pagou a taxa com base na UC à razão de € 96,00 e se considerou que o deveria ter feito à razão de € 102,00, veio a Fazenda Pública interpor recurso desse despacho.
Em síntese, alega que o montante da UC a considerar é o que estava em vigor à data em que o processo foi instaurado.
Assim, como resulta do que deixámos exposto, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida fez correcto julgamento relativamente ao valor da UC para efeitos de cálculo da taxa de justiça devida nos presentes autos: se é o que vigorava em 2008, ou seja, à data em que se iniciou o processo, no valor de € 96,00, como sustenta a Recorrente, ou se, como decidiu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no despacho recorrido, o valor a considerar é o em vigor à data actual, de € 102.

2.2.2 DO VALOR DA UC A CONSIDERAR NO CÁLCULO DA TAXA DE JUSTIÇA

A questão foi já apreciada e decidida por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido em 5 de Fevereiro de 2014, no processo n.º 1568/13 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Setembro de 2014
(http://dre.pt/pdfgratisac/2014/32210.pdf), págs. 479 a 481, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d662f20e0f2496b180257c7b00565de5?OpenDocument.). Porque concordamos integralmente com a fundamentação aí expendida, remetemos para a mesma, que passamos a transcrever, permitindo-nos apenas introduzir nos locais próprios as alterações requeridas pelas circunstâncias do caso sub judice, o que faremos usando o negrito:

«[…] Do valor da UC aplicável

A decisão recorrida julgou aplicável à determinação do valor da UC atendível nos processos iniciados antes da entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais (ou seja, antes de 20 de Abril de 2009) o seu valor actual – 102,00 € –, fundamentando o decidido no Acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Novembro de 2010, rec. n.º 707/10 [(Acórdão publicado no Apêndice ao Diário da República de 26 de Maio de 2011
(http://dre.pt/pdfgratisac/2010/32240.pdf), págs. 1868 a 1869, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2ebf4c36c5b68b16802577f5005ae091?OpenDocument.)], que transcreveu quase na íntegra, e no qual se entendeu ser aplicável àqueles processos o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.
Alega a recorrente que tal entendimento foi proferido num contexto legal distinto do que existe actualmente, após a entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, pois o disposto no art. 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, sob a epígrafe aplicação no tempo” conjugado com o disposto no art. 5.º do RCP não se coaduna com o entendimento supra citado, já que relativamente a todos os processos pendentes ou iniciados após a entrada em vigor do RCP todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor da presente lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou outras penalidades, são calculados nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada com a presente lei e de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 5.º do RCP, normativo através do qual é fixado o valor da UC, para efeitos de pagamento de taxa de justiça, de encargos, de multas ou outras penalidades, o valor correspondente à UC para cada processo, tal como definido no n.º 2 do art. 1.º, fixa-se no momento em que o mesmo se inicia, independentemente do momento em que a taxa deva ser paga. Defende, pois, o valor da UC nos presentes autos fixou-se na data em que se iniciou o procedimento judicial, em 2008, tendo nessa data a UC o valor de 96,00.
Ora, ao contrário do alegado, não parece que a entrada em vigor da Lei n.º 7/2012 de 13 de Fevereiro (que procedeu à sexta alteração ao Regulamento das Custas Processuais - RCP), implique solução diversa da consignada naquele Acórdão deste STA, pelo facto de o seu artigo 8.º (Aplicação no tempo), estabelecer de forma expressa, também para os processos pendentes (cfr. o n.º 2), que: Todos os montantes cuja constituição da obrigação de pagamento ocorra após a entrada em vigor da presente lei, nomeadamente os relativos a taxas de justiça, a encargos, a multas ou a outras penalidades, são calculados nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei (cfr. o n.º 3 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2002), precisamente porque a solução consagrada legislativamente com a Lei n.º 7/2012 no que respeita à aplicação no tempo da forma de cálculo da UC – a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º do RCP – foi precisamente aquela que a jurisprudência consagrou e que se espelha no Acórdão citado na decisão recorrida.
Questão diferente e não necessariamente dependente da anterior é a de saber a que momento se reporta o valor correspondente à UC aplicável: se ao do início do processo, solução hoje consagrada no artigo 5.º, n.º 3 do RCP, se ao do trânsito em julgado da decisão, solução consagrada na legislação pretérita e hoje revogada, em vigor à data da instauração da impugnação.
É que a interpretação propugnada pela Recorrente Fazenda Pública do artigo 8.º n.º 3 da Lei n.º 7/2012 em conjugação com o n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, conduziria, a final, não à aplicação das disposições de tal Regulamento aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, mas à aplicação das disposições (revogadas pela alínea f) do n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro) dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho (em conjugação com os artigos 1.º dos Decretos-Lei n.º 242/2004, de 31 de Dezembro e n.º 238/2005, de 30 de Dezembro), quanto à forma de cálculo da UC, solução, esta, contraditória com o próprio teor do n.º 3 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012 e que não parece, pois, ter sido pretendida pelo legislador.
Improcede, pois, a alegação e a pretensão da recorrente, sendo de confirmar a decisão recorrida, que não merece censura».

Assim, o recurso não pode ser provido, como decidiremos a final.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões, decalcadas do sumário doutrinal do citado acórdão de 5 de Fevereiro de 2014:
I - O valor da Unidade de Conta a considerar para os processos tributários pendentes em 19 de Abril de 2009, data da entrada em vigor genérica do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, é o que resulta do art. 22.º deste diploma, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto.
II - O disposto no n.º 3 do art. 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, não contraria, antes confirma, tal entendimento jurisprudencial.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 3 de Dezembro de 2014. – Francisco Rothes (relator) – Aragão SeiaCasimiro Gonçalves.