Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0148/12.9BESNT 0674/18
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CONVOLAÇÃO
RECURSO HIERÁRQUICO
INTEMPESTIVIDADE
PEDIDO DE REVISÃO
ACTO TRIBUTÁRIO
CONDENAÇÃO
Sumário:I - A utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (acção administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/acção administrativa especial.
II - Não obstante, o erro na indicação da forma do processo constitui uma nulidade processual que pode ser oficiosamente sanada, nos termos do n.º 1 do artigo 193.º do CPC em conjugação com as disposições do n.º 3 do artigo 97.º da Lei Geral Tributária e do n.º 4 do artigo 98.º do CPPT, operando a convolação na forma de processo adequada desde que (i) a petição inicial apresentada seja idónea para o referido efeito e, (ii) não seja manifesta a sua improcedência ou extemporaneidade.
III - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.
IV - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.
V - A revisão do ato tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 (anterior n.º 6) do art. 78.º da L.G.T.), o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.
VI - Desse modo ficará suprida a omissão vinculada de agir, por banda da Recorrente, que, indevidamente, se absteve de emitir a pronúncia, que lhe era legalmente imposta, sobre a revisão do ato tributário impugnado, com fundamento na duplicação de colecta, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.
VII - É que, no recurso hierárquico apresentado pelo então Recorrente, ao abrigo do estatuído nos artigos 66.º e seguintes do CPPT, o mesmo veio pedir a anulação da aludida liquidação e, bem assim, a emissão de nova liquidação com consideração do crédito de imposto por dupla tributação internacional, o que equivale a dizer que foi deduzido um pedido compatível com o da revisão do ato tributário aqui impugnado, o qual, apesar disso, foi completamente ignorado pela AT.
VIII – Assim, a sentença recorrida foi assertórica ao condenar a Recorrente AT a pronunciar-se sobre o mérito do pedido de revisão do ato tributário impugnado, sem que haja incorrido em nulidade por excesso de pronúncia decorrente de a mesma ter condenado em objecto diverso do pedido, tipificada nos artigos 125.º do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
IX – Por accionamento do princípio pro actione (também chamado anti-formalista) que encontra clara manifestação no art. 124º do CPPT (o qual está em consonância com o artº 7º da CPTA) que aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo e processual em ordem à resolução do dissídio para cuja tutela o meio processual fora utilizado, ainda que, em abstracto, o meio processual usado fosse inadequado, entre a convolabilidade para a acção administrativa especial ou a impugnação judicial para revisão do acto tributário, há que optar por esta tendo em conta que a finalidade de tal normativo é a de conferir uma maior eficácia e estabilidade à tutela jurisdicional dos interesses do ofendido, impondo que, em regra, de entre os vícios que conduzam à declaração de invalidade, o juiz conhecerá prioritariamente daqueles que, em seu prudente critério, determinam uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
X - Mas, partindo do princípio de que nos encontramos perante acto de convolação possível em processo de impugnação, o certo é que na sentença recorrida não existe um formal acto de convolação das ditas formas de procedimento, o que implicaria o exame dos pressupostos do pedido de revisão oficiosa enquadrável no artº.78º, da L.G.T., nomeadamente, se já ocorreu, ou não, o pagamento do tributo em causa (nº.1 da norma), a impor a ampliação da matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA000P26466
Nº do Documento:SA2202010140148/12
Data de Entrada:07/11/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Recorrido 1:A........
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela FAZENDA PÚBLICA, visando a revogação da sentença de 01-06-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação deduzida por A............, melhor identificado nos autos, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a pronunciar-se sobre o mérito do pedido de revisão do acto tributário, no âmbito da liquidação de IRS do exercício de 2002, no montante de € 68 121,01.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente FAZENDA PÚBLICA as seguintes conclusões:

“a) Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida nos presentes autos que julga procedente a impugnação deduzida por A............ do indeferimento do recurso hierárquico deduzida da liquidação de IRS referente ao ano de 2002 e no valor de € 68.121,01, e que condena a Autoridade Tributária na prática de acto na sequência de convolação de procedimento de recurso hierárquico em revisão do acto tributário nos termos dos artigos 78.0 da LGT e 52.0 do CPPT;
b) E é entendimento da Fazenda Pública, com o devido respeito, incorrer a douta sentença em erro de julgamento de direito por violação das normas contidas no n.º 2 do artigo 97.0 da LGT, nas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e no artigo 52.º do CPPT, mais padecendo de vício de nulidade à luz do prescrito no artigo 125.0 do CPPT e alínea e) do n.º 1 do artigo 615.0 do CPC;
c) O impugnante veio deduzir a presente impugnação judicial, tendo sido o acto impugnado, o qual se consubstancia no despacho de indeferimento do recurso hierárquico deduzido pelo impugnante do indeferimento da reclamação graciosa interposta do acto de liquidação de IRS do ano de 2002, indeferido por extemporâneo, sem que a Autoridade Tributária e Aduaneira se tenha pronunciado acerca do mérito do pedido, conforme consta do probatório em alíneas N) e O).
d) De acordo com o n.º 1 do artigo 95.0 do CPPT e n.º 2 do artigo 97.0 da LGT a todo o direito corresponde o meio processual adequado a fazê-lo valer em juízo, de acordo com o prescrito legalmente;
e) E as alíneas a) e j) do artigo 101.º da LGT prescrevem serem meios processuais tributários distintos a impugnação judicial e o recurso contencioso de actos relativos a questões tributárias que não impliquem a apreciação do acto de liquidação, mais resultando do n.º 1 do artigo 97.° do CPPT que "[O processo judicial tributário compreende] A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;", "A impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação." e "O recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação;" (vide alíneas a), d) e p) do n.º 1, respectivamente);
f) Sendo o recurso contencioso dos actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, regulado por normas sobre processo nos tribunais administrativos, nos termos do n.º 2 do artigo 97.° do CPTT, diferentemente do processo de impugnação judicial da liquidação que é regulado pelas normas de processo tributário;
g) Em face de tais factos e enquadramento jurídico, impõe-se afirmar que a acção de impugnação judicial se configura como acção inadequada, pois que, reconduzindo-se o acto impugnado a despacho de indeferimento liminar, por intempestividade, do recurso hierárquico, não comporta a respectiva impugnação a apreciação da legalidade do acto de liquidação;
h) Nestes termos, adequado seria o recurso contencioso de actos, actualmente acção administrativa, regulada no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (vide, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/05/2015, proferido no processo n.º 01958/13, integralmente consultável em http://www.dgsi.pt., de acordo com o qual “A utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial, se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a acção administrativa especial.";
i) Pelo que, nos confrontamos com erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso, determinante da absolvição da instância, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 577.°, no n.º 2 do artigo 576.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 278.° do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
j) Atento o exposto, o Tribunal a quo, ao não conhecer da invocada nulidade decorrente da constatada inadequação do meio processual, incorreu em erro de julgamento por violação do disposto nas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.° do CPPT e no n.º 2 do artigo 97.° da LGT.
k) Mais discordamos, respeitosamente, da douta sentença no referente à convolação do recurso hierárquico intempestivo em pedido de revisão do acto previsto no artigo 78.° da LGT, sendo que se nos configura a decisão como padecendo de erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT e do artigo 52.° do CPPT.
l) Do artigo 52.° do CPPT decorre que, em caso de erro na forma do procedimento, seja o procedimento convolado oficiosamente na forma adequada com aproveitamento das peças úteis ao apuramento dos factos, e de acordo com o n.º 1 do artigo 78.° da LGT "A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de 4 anos, após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.". (realce nosso)
m) Ora, tendo o impugnante interposto impugnação judicial do indeferimento liminar por intempestividade do recurso hierárquico, deduzido do indeferimento da reclamação graciosa do acto de liquidação de IRS identificado nos autos, decidiu o Tribunal a quo determinar, ainda que não o tenha feito de forma expressa, a convolação do recurso hierárquico em procedimento de revisão do acto previsto no artigo 78.° da LGT, tendo por referência a 2.ª parte da norma contida no seu n.º 1.
n) Resulta notório da norma indicada ter o legislador previsto a revisão do acto tributário por iniciativa do sujeito passivo, desde que requerida dentro do prazo de reclamação administrativa, segmento normativo não aplicável ao caso sub judice, e a revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária, procedendo nesta revisão oficiosa ao estabelecimento de diferentes prazos consoante o tributo se encontre ou não pago.
o) Contudo, verificamos da análise da sentença ter procedido a mesma à convolação sem que em nenhum momento se refira a um dos pressupostos legais impostos pela norma com vista a definir o prazo no qual a revisão oficiosa se mostra legalmente possível: o pagamento ou o não pagamento do imposto, incorrendo por essa via em errado julgamento de direito, porquanto se não mostra despicienda tal necessário pressuposto legal.
p) Vejamos que do excerto citado na douta sentença (Jorge Lopes de Sousa, ob. cit.) resulta que a convolação admitida por lei e oficiosamente determinada se deverá restringir aos casos em que o requerente deixe de estar em tempo para apresentar novo requerimento a suscitar o devido procedimento, por se encontrar em erro aquando da interposição da acção ["(...) deverá adotar-se o entendimento de que também se deverá efectuar a convolação pelo menos nos casos em que o requerimento do contribuinte foi tempestivamente apresentado, à face do prazo previsto para o meio processual adequado e o requerente deixaria de estar em tempo para o utilizar se tivesse de apresentar um novo requerimento após ser detetado o erro na forma de procedimento. Com efeito, é corolário mínimo daquele princípio que o contribuinte não perca direitos substantivos por meras razões formais», se não há razões de segurança jurídica que devam prevalecer, e estas só prevalecem depois de esgotado o prazo legal em que a situação jurídica em causa pode ser discutida.". (realce e sublinhados nossos)];
q) E tal significa que, não tendo nos presentes autos sido pago o imposto, poderia a revisão do acto tributário ser efectuada por iniciativa da administração tributária, por impulso do contribuinte, a todo o tempo, sem necessidade de convolação do procedimento de recurso hierárquico.
r) Não se configurando, assim, a convolação operada nos presentes autos como acto útil face à fundamentação apresentada - de perda de direitos substantivos por meras razões formais -, uma vez que sempre se encontraria o impugnante em tempo de lançar mão do procedimento adequado, sem que à Administração Tributária se impusesse o desmesurado ónus de proceder a uma revisão oficiosa sem qualquer impulso do contribuinte nesse sentido, quando este manifestou o propósito de inicial' procedimento diverso (o impugnante quis efectivamente procedimento diverso do procedimento de revisão do acto tributário do artigo 78.0 da LGT);
s) A convolação justifica-se mediante estudado equilíbrio entre a potencial perda de direitos do impugnante recorrente e a necessária segurança jurídica que o ordenamento jurídico deverá patrocinar, chegando-se à conclusão de que a prevalência das normas jurídicas atinentes ao prazo e às consequências processuais e procedimentais decorrentes do seu não cumprimento não implicam qualquer perda de direito por razões meramente formais, porque podia ainda, aquando da prolação da douta sentença, o impugnante lançar mão do pedido de revisão do acto.
t) A isto acresce o facto de não estarmos perante a normal convolação de procedimento justificada por concreto e real erro na forma do procedimento e determinada pelo artigo 52.0 do CPPT, porquanto o procedimento efectivamente querido pelo impugnante à data da interposição do recurso hierárquico foi precisamente o recurso hierárquico e não o pedido de revisão nos termos do artigo 78.0 da LGT;
u) E, dessa forma, não se mostrando viável a convolação do procedimento, perante a constatada intempestividade do recurso hierárquico apresentado, configurar-se-ia a subsequente acção de impugnação judicial como inelutavelmente viciada ante a verificação de excepção dilatória reconduzida à ausência de condição de impugnabilidade, determinante da absolvição da instância da Fazenda Pública, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 278.° e da alínea b) do artigo 577° do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do artigo 2º do CPPT;
v) Pelo que, conclui-se que ao decidir como decidiu o Tribunal a quo o fez em erro de julgamento de direito, com violação do artigo 52.° do CPPT e do n.º 1 do artigo 78.° da LGT;
w) Finalmente, ainda que se entenda não padecer a decisão aqui recorrida dos erros de julgamento acima invocados, sempre a mesma padecerá de nulidade, a qual se invoca para todos os efeitos, pois que a douta sentença julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo impugnante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a pronunciar-se sobre o mérito do pedido de revisão do acto tributário.
x) Ora, não podendo o Tribunal a quo debruçar-se sobre o mérito do pedido, face à extemporaneidade do recurso hierárquico e à não pronúncia de mérito da Administração Tributária, não podia do mesmo modo julgar procedente a impugnação com condenação em pedido diverso do de anulação das liquidações, mostrando-se-lhe vedada a condenação da Administração Tributária na prática de acto: a pronúncia sobre o mérito do pedido de revisão do acto tributário.
y) Porquanto desconforme com o pedido do impugnante e com a acção de impugnação judicial de actos de liquidação ou actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação prevista, respectivamente, nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
z) Enferma, assim, a douta sentença de nulidade, nos termos do disposto no artigo 125.° do CPPT e na alínea e) do n.º1 do artigo 615.° do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, por apreciar questão de que não devia tomar conhecimento por se conter em acção judicial diversa da acção de impugnação, com condenação em objecto diverso do pedido.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deve ser revogada a douta sentença recorrida, ou anulada nos termos invocados, com as devidas consequências legais.
Sendo que V. Exas, Decidindo farão a Costumada Justiça.”

Não foram formuladas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento pelos fundamentos que no discurso jurídico infra se destacarão.

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Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) No ano de 2002, o Impugnante trabalhou na República Helénica (cf. artigo 3º da pi);

B) Em 2003.09.19, o Impugnante preencheu e entregou a declaração de rendimentos – IRS, modelo 3, acompanhada dos anexos A, E, H e J (cf. fls. 35 a 41 do processo em papel);
a. Do anexo J – Rendimentos obtidos no estrangeiro, constante de fls. 40 a 41 do processo em papel e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:
i. Ano a que respeitam os rendimentos: 2002;
ii. (…);
iii. Quadro 3 – Rendimentos obtidos no estrangeiro;
iv. Natureza do rendimento: trabalho dependente;
v. Segurança Social: € 2 174,48;
vi. Montante do Rendimento: 168 577,54;
vii. Imposto pago no estrangeiro: 61 816,17;
viii. (…);

C) Por ofício datado de 2003.11.17, o Serviço de Finanças de Cascais-2, constante de fls. 46 do processo em papel e que aqui se dá como integralmente reproduzido, foi solicitado ao Impugnante a apresentação dos documentos respeitantes aos valores auferidos no estrangeiro e declarados no anexo J do IRS de 2002;

D) Em 2004.01.20, no Serviço de Finanças de Cascais-2, deu entrada requerimento do Impugnante, acompanhado de fotocópia notarial da declaração emitida pelas autoridades fiscais gregas contendo a discriminação dos rendimentos auferidos naquela país e o montante de imposto suportado, no ano de 2002 (cf. fls. 45 a 49 do processo em papel);

E) Por ofício de 2006.05.25, foi comunicado ao Impugnante que os documentos enviados não tinham sido considerados válidos e solicitado o envio de novos comprovativos (cf. fls. 51 do processo em papel);

F) Em 2006.08.30, foi emitida a liquidação adicional de IRS nº 200605004439449, do ano de 2002, com valor a pagar de €68 121,01 e data limite de pagamento de 2006.10.16 (cf. fls. 53 – Id);

G) Em 2006.10.31, no Serviço de Finanças de Sintra-1, deu entrada reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS do exercício de 2002 (cf. fls. 55 do processo em papel e 2 do PA-RG);

H) Por carta registada em 2009.10.12, foi comunicado ao Impugnante o projeto de despacho de indeferimento da reclamação para exercício do direito de audição prévia (cf. fls. 54 a 55 do PA-RG);

I) Em 2009.10.28, o Impugnante exerceu o direito de audição prévia por escrito (cf. fls. 56 do PA-RG);

J) Por despacho de 2009.11.30 do Diretor de Finanças Adjunto exarado na informação nº REC 3766/2006, a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante foi indeferida (cf. fls. 69 do PA-RG); deste despacho transcreve-se:
a. Concordo, pelo que converto em definitivo o projeto de decisão com os fundamentos constantes daquele, bem como da presente informação e respetivos pareceres, indefiro o pedido do reclamante;
b. (…);

K) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2009.12.23, por B............, foi comunicado ao Impugnante o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cf. fls. 78 a 79 do PA-RG);

L) Em 2010.01.25, o Impugnante apresentou pedido de passagem de certidão (cf. artigo 11º da Informação de 2012.04.18 da Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa, para a qual remete a contestação da Fazenda Pública);

M) Em 2010.01.27, na Direção de Finanças de Lisboa, deu entrada recurso hierárquico contra a decisão que indeferiu a reclamação graciosa (cf. fls. 2 do PA-RH);

N) Por despacho de 2011.09.30, exarado na Informação nº 3090/11 da Divisão de Administração II da Direção de Serviços de do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, constante de fls. 25 do PA-RH, o recurso hierárquico foi liminarmente indeferido por intempestividade; deste transcreve-se:
a. Concordo, pelo que converto em definitivo o projeto de despacho de indeferimento liminar do recurso;
b. (…);

O) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2011.10.31, por B............, foi comunicado ao Contribuinte o indeferimento do recurso hierárquico apresentado, por intempestividade da sua apresentação (cf. fls. 27 a 29 do PA-RH);

P) Em 2012.01.30, a presente impugnação foi enviada a este Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (cf. fls. 3 do processo em papel);
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, alínea e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação:
(i) padece de nulidade por ter apreciado questão de que não devia tomar conhecimento, uma vez que se conteria em acção judicial diversa da acção de impugnação, com condenação em objecto diverso do pedido.
(ii) se ocorre o erro na forma de processo, sendo a Acção Administrativa Especial (AAE) o meio processual adequado para o qual deve operar-se a convolação;
(iii) Padece de erro de julgamento de direito, por não se mostrar viável a convolação do procedimento, perante a intempestividade do recurso hierárquico apresentado;
Vejamos.
Da nulidade da sentença
Como é elementar, há que apreciar esta questão prioritariamente se já que a sua verificação impede o conhecimento de quaisquer outras.
Na verdade, impõe-se ao tribunal o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, donde que urge apreciar a questão colocada pela Recorrente sobre se a decisão recorrida enferma de nulidade por ter decretado idoneidade do meio processual usado (impugnação judicial) e, consoante a resposta, deve ou não conhecer-se das demais questões.
Entendemos que não se verifica a nulidade assacada à sentença recorrida, por a mesma ter condenado em objecto diverso do pedido, tipificada nos artigos 125.º do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
É que, como enfatiza o Ministério Público, para que se verificasse tal nulidade, era preciso que o pedido não tivesse sido efectivamente formulado, como é jurisprudência pacífica e longínqua como se antolha, entre muitos, do já referido Acórdão do STA, de 06/03/2002, prolatado no Processo n.º 048155.
Pontifica a respeito o princípio do dispositivo, mormente consagrado no n.º 3 do artigo 5.º do CPC, consoante o qual o juiz não está sujeito às alegações das partes, quanto à interpretação e aplicação do direito e, desse modo, lhe assistir o poder-dever de qualificar diferentemente o pedido e a causa de pedir, não implica que, com base nos mesmos factos, possa condenar em pedido novo ou diferente do formulado pelo Autor.
Em todo o caso e como bem salienta o Ministério Público chamando à colação os Acórdãos do STA (Pleno da Secção do CA), de 18/09/2008 e da 1.ª Subsecção do CA, de 22/03/2007, ambos no Recurso n.º 024690ª, o deferimento do pedido de forma distinta da que fora requerida pela autora, não configura a condenação em objecto diverso do pedido.
Nesse pendor, vemos que na p.i. o Impugnante/Recorrido impugnou, expressamente, a “decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico por si apresentado com vista à anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), referente ao ano de 2002” (v. fls. 3 do p. f.), vindo ainda sublevar-se, de forma evidente, contra a omissão pela AT da convolação do recurso hierárquico por si deduzido num pedido de revisão do ato tributário em causa.
Acresce que também brota cristalinamente da p.i. que o Impugnante veio formular dois pedidos cumulativos, figurando em primeiro lugar a anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico, por padecer de vícios de violação de lei, nos termos do artigo 99.º, alínea a), do CPPT (cfr. fls. 17 do p. f.).
Por assim ser e mais uma vez na senda do douto Parecer do Ministério Público, não subsistem quaisquer dúvidas de que, ao anular o acto praticado, e ao condenar a AT a pronunciar-se sobre o mérito do pedido de revisão do ato tributário impugnado, a julgadora do TAF de Sintra não excedeu os limites da sua cognição e, outrossim, não extrapolou o que fora peticionado na petição inicial da presente impugnação judicial.
Termos em que não se verifica a arguida nulidade da sentença recorrida, por pretensa violação dos limites da condenação consagrados na norma do n.º 1 do artigo 609.º do CPC.
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A Fazenda Pública invoca erro quanto à forma do processo utilizado e que não seria possível a convolação de recurso hierárquico intempestivo em pedido de revisão do acto tributário.
Quanto à primeira questão [erro na forma de processo, sendo a Acção Administrativa Especial (AAE) o meio processual adequado para o qual deve operar-se a convolação], importa ver o Acórdão deste STA de 06/10/2005, Processo n.º 635/05, e quanto à segunda os Acórdãos de 22/03/2007 de 6/03/2002 (do Pleno da 1ª Secção), Processos n.ºs 48155, e 024690A, respectivamente, aliás na senda do Parecer do MP, em que foram profusamente analisadas.
Assim, seguiremos de perto esse douto Parecer desde logo no que tange ao segmento recursório atinente ao erro na forma do processo empregado, com o que procura a recorrente obter a sua absolvição da instância, ao abrigo da alínea b) do artigo 577.º, do n.º 2 do artigo 577.º, da alínea b) do n.º 1 do artigo 278.º, todos do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
Ora, dúvidas não restam de que o acto primariamente impugnado foi o indeferimento do recurso hierárquico apresentado, com exclusivo fundamento na intempestividade da sua apresentação, não tendo o mesmo incidido sobre a apreciação da legalidade do ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2002 [cfr. o ponto O) do probatório].
Dando isso como certo, pontificam a respeito as considerações tecidas por Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», Volume II, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, pág. 54, segundo o qual “(…) no que concerne aos atos proferidos em processo de revisão oficiosa ou de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa, a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o ato a impugnar contiver efetivamente a apreciação da legalidade de um ato de liquidação. Se no ato praticado em processo desses tipos não se chegou a apreciar a legalidade do ato de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (como a intempestividade ou a ilegitimidade do requerente ou recorrente), o meio de impugnação adequado será a ação administrativa especial, como decorre do preceituado no n.º 2 deste art. 97.º pois se tratará de um ato que não aprecia a legalidade de um ato de liquidação”. –sublinhado da nossa responsabilidade.
Nesse sentido também se manifesta a jurisprudência de modo avassalador, como se pode constatar, entre inúmeros, nos Acórdãos de 28/05/2014, no Processo n.º 01263/13; de 28/04/2010, no Processo n.º 01020/09; de 02/06/2010, no Processo n.º 0153/10; de 15/09/2010, no Processo n.º 0407/10, e de 13/10/2010, no Processo n.º 0455/10]. Lapidar neste aspecto é ainda o Acórdão do STA, de 28/05/2014, no Processo n.º 01263/13, em que se afirma categoricamente que “A utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial”.
Não obstante, o erro na indicação da forma do processo constitui uma nulidade processual que pode ser oficiosamente sanada, nos termos do n.º 1 do artigo 193.º do CPC em conjugação com as disposições do n.º 3 do artigo 97.º da Lei Geral Tributária e do n.º 4 do artigo 98.º do CPPT, operando a convolação na forma de processo adequada desde que (i) a petição inicial apresentada seja idónea para o referido efeito e, (ii) não seja manifesta a sua improcedência ou extemporaneidade.
Nesse sentido, entre muitos, os Acórdãos do STA de 04/06/2008, no Recurso n.º 076/08 e de 03/06/2009, no Recurso n.º 142/09.
Sendo assim, importa aferir se in casu se verificam esses pressupostos de convolabilidade começando por atentar que os pedidos formulados na presente impugnação judicial são compatíveis com os que são objecto da acção administrativa especial tipificados contemplados no artigo 46.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do CPTA de 2002.
Depois, sobressai do processado que a própria Recorrente AT, aquando da notificação ao ora Recorrido do despacho que negou provimento ao recurso hierárquico, informou-a do meio de reacção ao seu dispor, a saber, a dedução de impugnação judicial, com base nos fundamentos previstos nos artigos 99.º e seguintes do CPPT (cfr. fls. 22 do p. f.), pelo que se imporia concluir pela tempestividade da convolação, independentemente da consideração do prazo previsto no artigo 58.º, n.º 2, alínea b) ou do estabelecido no n.º 4, alínea a), do CPTA, na medida em que a AT induziu em erro o Impugnante quanto ao meio processual aplicável.
Extrai-se do que vem dito que o assinalado erro na forma do processo é passível de convolação para o meio processual adequado (que é a sobredita Acção administrativa, até porque, como bem acentua a EPGA, a forma adoptada não acarretou qualquer prejuízo para a defesa da Impugnada AT, que dispôs de 90 dias para deduzir contestação, ao invés dos 30 dias que lhe seriam facultados no âmbito da AAE, por força do que dispunha o n.º 1 do artigo 81.º do já aludido CPTA).
Mas, como também salvaguarda o Ministério Público, cumpre enfatizar que a convolação apenas será admissível se e quando não constituir um ato inútil, isso na esteira da jurisprudência de que é representativo, além de outros, o Acórdão do STA, de 15/09/2010, tirado no Recurso n.º 0234/10.
Por assim ser, da análise da situação versada nos autos e pelo que posteriormente se dirá, considera-se que a convolação representaria um ato inútil, como tal postergado pelo princípio da limitação dos actos proclamado no artigo 130.º do CPC, já que, ainda que abstraindo do actual estado dos autos, é inabalável que a convolação da presente impugnação em AAE não iria contender, quer com os legítimos direitos e interesses das partes em litígio, que se mostram cabalmente assegurados, quer com a solução encontrada na decisão final já proferida, que sempre permaneceria inalterada no que tange à aventada convolação em impugnação judicial visando a revisão do acto tributário de liquidação.
Na verdade deve entender-se que, na economia do recurso, o exame do alegado erro na forma do processo e a possibilidade de convolação para o meio processual de acção administrativa é de duvidosa utilidade ou, então, pode justificar-se a dispensabilidade do seu conhecimento (sem prejuízo de se entender, sublinhe-se, que o erro na forma do processo é do conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final – artigo 98.º/3 do CPPT - e que o STA pode dele conhecer oficiosamente, tem mesmo de se pronunciar sobre o mesmo, como o está fazendo, porque é a primeira questão colocada nas conclusões do recurso), não apenas pelos motivos indicados pela EPGA no seu douto Parecer mas, também, pelo que de seguida se vai aduzir.
Note-se que, ainda no plano da convolabilidade para a AAE, tal comportaria a questão de saber se nos autos estava o sujeito passivo com legitimidade para contestar.
É que, na impugnação judicial, que foi a forma processual seguida, quem contestou foi a Fazenda Pública, sendo que na acção administrativa especial, o representante da Fazenda Pública não tem legitimidade para intervir, sendo a entidade demandada que terá de ser citada, o que não aconteceu neste processo. Portanto, são sujeitos diferentes.
Veja-se o que, com pertinência a respeito, se expende no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-11-2015, recurso 01210/14 (relator o excelentíssimo Conselheiro Casimiro Gonçalves), em que a situação é a inversa à do projecto, foi deduzida ação administrativa especial que deveria ter sido convolada para impugnação judicial, mas que apesar disso pode ter aplicação no que respeita à legitimidade passiva:
“… uma outra razão legal ditará essa solução: é que no processo de impugnação judicial o sujeito que pode assegurar a legitimidade passiva não é o Recorrente (Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, a intervir nos autos na sequência da dedução da acção administrativa especial em que foi indicado como Réu o Ministro das Finanças – Direcção de Finanças de Coimbra) mas, antes a própria Fazenda Pública, enquanto entidade a quem é atribuída genericamente a representação dos interesses da AT (art. 15º do CPPT e arts. 53º e 54º do ETAF).”
No mesmo sentido, se pronunciou o acórdão do TCAS de 21-06-2018, proferido no processo 1919/10.6BESNT, em que foi relator o Senhor Conselheiro Joaquim Condesso, 1º adjunto desta formação, em que se consignou:
“Revertendo ao caso dos autos, estamos perante acção administrativa especial que tem por objecto despacho acto de indeferimento de recurso hierárquico, devido a extemporaneidade da anterior reclamação graciosa (cfr.nºs.11 e 13 do probatório).
Ora, esta acção administrativa especial deve ser instaurada contra o Ministério das Finanças (cfr.artºs.10, nº.2, e 11, do C.P.T.A.), dado que o órgão autor do acto integra a orgânica do referido Ministério, a Sub-Directora Geral dos Impostos (cfr.artº.14, nº.3, da Lei Orgânica do Ministério das Finanças - dec.lei 117/2011, de 15/12 [1]).
Dentro do Ministério das Finanças, a Autoridade Tributária e Aduaneira é a entidade competente para o representar em Juízo (cfr.artº.14, nº.2, al.i), da Lei Orgânica do Ministério das Finanças - dec.lei 117/2011, de 15/12).
De onde se extrai, como consequência e no caso “sub judice”, que o acto de notificação da Fazenda Pública nos termos do artº.110, do C.P.P.T. (cfr.despacho e notificação constantes de fls.48 a 50 dos autos) para os termos do presente processo, enquanto impugnação judicial, ao chamar aos autos entidade distinta daquela que assegura a legitimidade passiva nos mesmos (Ministério das Finanças - Autoridade Tributária e Aduaneira), não pode ser aproveitado, na sequência da convolação dos autos em acção administrativa especial, sem preterição da proibição de indefesa em que ficaria colocada a entidade titular da relação material controvertida, pelo lado passivo da mesma.
Em face do exposto, ocorre nulidade processual, por falta de citação da verdadeira entidade demandada nos autos, o que acarreta a nulidade do processado posterior à apresentação da petição inicial (cfr.artºs.187, al.a), e 188, nº.1, al.b), do C.P.Civil), bem como a necessária citação do Ministério das Finanças, para os termos da acção e de acordo com o disposto no artº.82, do C.P.T.A. 1919/10.6BESNT”.
Mas será que isso significa que in casu a convolação para a AAE não pode considerar-se inútil pois o sujeito passivo com legitimidade não está na ação e não pôde contestar, sendo isso irrelevante que o prazo para contestar tenha sido na impugnação mais alargado relativamente ao previsto na ação administrativa especial, porque dele não usufruiu quem tinha efetivamente o direito de contestar e que não se pode dizer, antes de conhecer a contestação de quem de direito, que a resolução do caso será sempre a que se chegou neste processo?
Ou será que, ainda na esteira do Parecer da EPGA, porque tem de considerar-se a decisão sobre o mérito da causa contida na sentença recorrida como a correcta, a legal, no que tange à forma do processo que se mandou seguir, a decisão tem de ser aquela e não outra?
Neste âmbito, tem plena aplicação o princípio proactione ínsito nos artºs 124 do CPPT e 7º do CPTA, de acordo com o qual se acaso se mostrar necessário para solver as outras questões, se deve priorizar o conhecimento das questões de fundo, sob pena de ser praticado um acto inútil ditado pela pura retórica e maximalista visão formal do Direito e da Justiça.
Vigora, pois, o princípio pro actione consagrado, designadamente, naqueles preceitos legais, também denominado como "prevalência da decisão de mérito" em desfavor da decisão de forma, à luz do qual se permite a prolação de decisão de mérito mesmo em caso de subsistência de matéria de excepcionalidade.
O princípio pro actione (também chamado anti-formalista) aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo e processual em ordem à resolução do dissídio para cuja tutela o meio processual fora utilizado.
A finalidade de tal princípio é a de conferir uma maior eficácia e estabilidade à tutela jurisdicional dos interesses do ofendido, impondo que, em regra, de entre os vícios que conduzam à declaração de invalidade, o juiz conhecerá prioritariamente daqueles que, em seu prudente critério, determinam uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Aplicando tal princípio ao presente recurso, tendemos a considerar que se deve entender que a solução ditada na sentença quanto ao meio processual mais adequado para conhecer das questões de mérito.
Foi o nº 5 do art. 268 da Constituição da República Portuguesa, introduzido pela Lei Constitucional nº 1/89 (após a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional 1/97 de 20/9, é o nº 4 desse preceito), que veio reforçar o princípio "pro actione" ou da accionabilidade, com a institucionalização da viabilidade de acções jurisdicionais administrativas a título principal, que não apenas para mero suprimento ou colmatação das lacunas ou insuficiências da protecção proporcionada pelo recurso contencioso de anulação.
É claro que, como se salienta no Ac. do STA de 31/03/98, Recurso nº 038367 (Contencioso Administrativo), tal inovação abrangente ínsita no preceito não teve porém o propósito de subverter a "normalidade" legal antes visando alcançar uma adequação ou racionalização dos meios de tutela processual aos fins a atingir, em consonância com o art. 2º, nº 2 do CPC por forma a estabelecer um elo de correspondência entre o direito a defender e o meio processual a utilizar para o efeito.
Neste ponto, há a considerar que o "proactione" postula, além do mais, uma interpretação da situação em análise, por forma a privilegiar, sempre que tal seja processualmente possível, o conhecimento da questão de fundo, assim se assegurando a tutela jurisdicional efectiva, possibilitando o exame do mérito das pretensões deduzidas em juízo.
Dito de outro modo:- o que releva é que ao se possa reconhecer um interesse actual na tutela requerida por vícios de forma ou de estruturação em virtude de, a partir do conhecimento de tal vício, se poder alcançar uma decisão de fundo favorável.
Para esse efeito, é mister fazer-se uma apreciação casuística das situações para se aquilatar da racionalidade e da funcionalidade da cognição das arguidas nulidades/irregularidades.
Este modo de ver possui um sentido útil que resulta da respectiva interpretação conforme a Constituição: o conhecimento dos vícios formais (ou, em atenção ao caso concreto, uma ordem estabelecida pelo recorrente) só deverá ser exercitado nos casos em que a solução normal e típica não se apresente como garantindo uma efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa; isto segundo uma ideia de complementaridade ou alternatividade instrumental, que não por uma ideia de subalternização ou de secundarização dos vícios formais em relação aos substanciais.
Estando no caso sub-specie em causa questões que têm a ver com direitos que o impugnante pretende ver reconhecidos através da acção que deduziu contra acto identificado, o direito de obter a anulação de tal acto, não podendo ser cabalmente satisfeitos pela anulação da decisão em causa por via da AAE, tal implica que a decisão de fundo poderá deixar a situação no estado em que se encontrava antes da sua prolação. Por isso que a impugnação confira uma tutela judicial mais eficaz.
Na petição inicial do presente processo de impugnação, o ora recorrido, apesar de fazer menção, durante o articulado (cfr.artºs.27 a 38 da p.i.), à possibilidade de convolação do requerimento de dedução do recurso hierárquico em pedido de revisão oficiosa enquadrável no artº.78, da L.G.T., não estrutura pedido a final nesse sentido, mais sendo matéria que volta a repisar nas alegações de direito.
O pedido formulado a final do articulado inicial vai no sentido da anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico (cfr. al. N) do probatório) e consequente anulação da liquidação de I.R.S., referente ao ano de 2002 (cfr.al. F) do probatório).
Assim, afigura-se ser inútil, ou, ao menos, dispensável, na economia do recurso, o exame do alegado erro na forma do processo e a possibilidade de convolação para o meio processual de acção administrativa.
Nessa perspectiva havendo, pois, que confirmar a decisão não obstante os vícios formais que lhe são assacados, verifica-se a existência de situação que obsta, à luz do princípio da prevalência da substância sobre a forma ou pro-actione ao conhecimento da nulidade arguida.
Em suma: por mor do princípio proactione consagrado, prevalentemente, também denominado como “prevalência da decisão de mérito" em desfavor da decisão de forma, permite-se a prolação de decisão de mérito mesmo que, por subsistir uma causa de irregularidades, coubesse antes declara a verificação destas, posto que a decisão do mérito será a mesma que a acolhida na decisão sub judice.
Tal não constitui um excesso de exigência quanto ao exacto conteúdo dos direitos que as partes podem exercer pressupondo que estas deverão estar ao corrente, e conhecer com minúcia, todos os meios legais que lhe são facultados.
E tal exigência não é excessiva porquanto se harmoniza com o princípio pro actione ou do direito à justiça plasmado no art. 20º da Constituição.
E entre a ofensa a um tal direito e o inconveniente de facultar-se às partes, em mais do que um momento, o exercício do direito que lhe compete, não pode duvidar-se que a opção acertada é o do respeito daquele direito fundamental.
Donde que, o recurso jurisdicional deverá naufragar quanto a este fundamento.

*

Sem embargo do acabado de concluir, há que aquilatar da questão de saber se é viável a convolação do recurso hierárquico intempestivo em pedido de revisão do ato tributário, tendo sobretudo em conta que a M.ma Juíza a quo apenas se pronunciou sobre a questão de tal recurso hierárquico, a qual fora suscitada pela Fazenda Pública, em sede da contestação e pelo Magistrado do Ministério Público junto do TAF de Sintra, no parecer que emitiu, oportunamente, ambos defendendo que a invocada intempestividade obstaria ao conhecimento da impugnação judicial por, entretanto, o ato de liquidação se ter consolidado na ordem jurídica e, como decorrência, se ter formado caso decidido ou resolvido.
A Mª. Juíza veio a judiciar que ocorria a alegada intempestividade, e, não obstante, continuou a sua análise sopesando se assistia razão ao Impugnante ao invocar que a AT tinha o poder-dever de convolar o recurso hierárquico em pedido de revisão do ato tributário.
Ora, como bem sustenta a EPGA, é inegável que a resposta a esta questão, dada pela sentença recorrida, só poderia ser afirmativa, por ter aderido à posição doutrinária pacífica e uniforme deste Colendo STA, de que é expressão, entre muitos outros, o douto Acórdão de 06/10/2005, no Processo n.º 0653/05, publicado em www.dgsi.pt e condensada no respectivo sumário nos seguintes termos:
I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar atos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.
II - O dever de a Administração efetuar a revisão de atos tributários, quando detetar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.
III - A revisão do ato tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efetuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 (anterior n.º 6) do art. 78.º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer. (…)”.
Desse modo, supriu-se a omissão vinculada de agir, por banda da Recorrente, que, indevidamente, se absteve de emitir a pronúncia, que lhe era legalmente imposta, sobre a revisão do ato tributário impugnado, com fundamento na duplicação de colecta, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.
É que, no recurso hierárquico apresentado pelo então Recorrente, ao abrigo do estatuído nos artigos 66.º e seguintes do CPPT, o mesmo veio pedir a anulação da aludida liquidação e, bem assim, a emissão de nova liquidação com consideração do crédito de imposto por dupla tributação internacional (vide fls. 72 e 74 in fine do p. f.)
Vale isso por dizer que foi deduzido um pedido compatível com o da revisão do ato tributário aqui impugnado, o qual, apesar disso, foi completamente desvalorizado pela AT.
Partindo do princípio de que nos encontramos perante acto de convolação possível em processo de impugnação (cfr. jurisprudência do S.T.A. que defende a não possibilidade de convolação de processo judicial em procedimento administrativo e vice-versa - v.g. Rec.627/04.1BECBR, de 20/04/2020), o certo é que na sentença recorrida não existe um formal acto de convolação das ditas formas de procedimento, o que implicaria o exame dos pressupostos do pedido de revisão oficiosa enquadrável no artº.78º, da L.G.T., nomeadamente, se já ocorreu, ou não, o pagamento do tributo em causa (nº.1 da norma), a impor a ampliação da matéria de facto.
A ser assim, não é de confirmar a decisão recorrida, quanto ao teor do respectivo dispositivo, o qual julga procedente a presente impugnação (o que é questionável, atento o desfecho do processo), mais condenando a A.T. a pronunciar-se sobre o mérito do pedido de revisão do acto tributário (parte do dispositivo que também é questionável, atenta a forma de processo em que nos encontramos).
Por esse prisma, levando em consideração preocupações de justiça material, assumindo-se que no presente processo é possível ordenar a convolação pedida pelo recorrido, devido a défice instrutório, impõe-se anular a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª. Instância para os assinalados fins.
*

3. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em concedendo provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para os fins supra precisados.

Sem custas.
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Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (vencida nos termos de declaração anexa)

Voto de vencida


1 – Nas conclusões b) a j) das alegações de recurso a Recorrente invoca o erro de julgamento por o Tribunal recorrido não ter conhecido oficiosamente do erro na forma do processo.

2- Entendo que o conhecimento da nulidade processual está precludido por o erro na forma do processo não ter sido arguido pela Recorrente até à contestação ou neste articulado, nem ter sido conhecido oficiosamente pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.

3- É o que resulta dos artigos 193.º, 195.º a contrario, 196.º, 198.º e 200.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do Código de Processo Civil.

4- Acompanho, assim, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo plasmada nos acórdãos de 25/05/2011, processo 0187/11, de 26/06/2013, processo 0172/13 e de 18/06/2014, processo 01752.

5- Em consequência do exposto, não conheceria do erro na forma do processo só arguido em sede de recurso.

6- Nas conclusões k) a v) das alegações de recurso a Recorrente discorda da sentença recorrida no referente à convolação do recurso hierárquico intempestivo em pedido de revisão do ato previsto no artigo 78.° da LGT.

7- No acórdão apesar de se afirmar o acerto do entendimento do Tribunal a quo quanto a esta questão (tendo mesmo considerado que não há excesso de pronúncia da convolação do recurso hierárquico intempestivo em pedido de revisão do ato, acaba-se por dizer que “na sentença recorrida não existe um formal acto de convolação das ditas formas de procedimento, o que implicaria o exame dos pressupostos do pedido de revisão oficiosa enquadrável no artº.78º, da L.G.T., nomeadamente, se já ocorreu, ou não, o pagamento do tributo em causa (nº.1 da norma), a impor a ampliação da matéria de facto.”

8- E a final dá-se provimento ao recurso, anula-se a sentença recorrida por défice instrutório e ordena-se a baixa dos autos à 1.ª instância “para os fins precisados”, sendo que o único facto “precisado” a averiguar é o do pagamento, ou não, do tributo impugnado.

9- Não se vislumbra a pertinência da ampliação da matéria de facto “precisada”.

10- O pagamento do imposto apenas releva na economia do artigo 78.º da LGT para se aferir o prazo dentro do qual o pedido de revisão pode ter lugar por iniciativa da administração tributária, uma vez que se o pagamento não tiver ocorrido a revisão apenas pode ter lugar no prazo de quatro anos após a liquidação (artigo 78.º da LGT).

11- Acontece que no caso o prazo de quatro anos encontra-se respeitado atenta a data da liquidação do imposto impugnado e a data da apresentação do recurso hierárquico.

12- Acresce que a Recorrente não põe em causa, nem a tempestividade do pedido de revisão, nem os seus pressupostos.

13- O que a Recorrente defende é que se o tributo estiver pago não há utilidade na convolação, porque a revisão do ato tributário por iniciativa da administração tributária, por impulso do contribuinte, pode ter lugar a todo o tempo, não sendo neste caso a convolação do procedimento de recurso hierárquico necessária para garantir os direitos substantivos do contribuinte.

14- Mas esta tese, a de que a convolação só se justifica nos casos em que o requerente deixe de estar em tempo para apresentar novo requerimento e suscitar o devido procedimento, não foi seguida no acórdão.

Paula Cadilhe Ribeiro