Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0264/16.8BEMDL
Data do Acordão:09/22/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA
Sumário:I - Não há que conhecer do mérito do recurso por oposição de acórdãos se, não obstante a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. o n.º 3 do art. 284.º do CPPT).
II - É de considerar que existe jurisprudência recentemente consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o Pleno da Secção se pronunciou há cerca de três meses sobre a questão, em acórdão proferido por unanimidade e, entretanto, a única alteração na composição da Secção foi a saída de um Conselheiro e não se vislumbram outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de mudança do sentido decisório aí consignado.
Nº Convencional:JSTA000P28172
Nº do Documento:SAP202109220264/16
Data de Entrada:03/09/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:EÓLICA DA …………, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso por oposição de acórdãos

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto deste Supremo Tribunal Administrativo, não se conformando com o acórdão proferido nos presentes autos a 16 de Outubro de 2020 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/cc80a8585ffc91998025864600395953.), vem, nos termos do art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso por oposição entre aquele aresto e o acórdão, também deste Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 20 de Abril de 2020 no processo n.º 415/17.5BEMDL (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/484276030559c3338025855b0042cc3f.), transitado em julgado.

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«a) O presente RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA vem interposto nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra o acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no processo 264/16.8BEMDL [ (Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita na identificação do processo onde foi proferido o acórdão recorrido: a Recorrente escreveu 504/15.0BEMDL onde queria dizer 264/16.8BEMDL.)], através do qual este tribunal decidiu não admitir o recurso oportunamente interposto pela Fazenda Pública;

b) A admissibilidade material do presente recurso justifica-se em virtude de o mencionado Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do STA (acórdão impugnado) se encontrar em contradição, quanto a uma questão fundamental de direito com o acórdão n.º 415/17.5BEMDL proferido pelo mesmo tribunal: a admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do art. 280 n.º 3 do CPPT (anterior n.º 5) apenas para “sentenças” ou se poderá ser utilizado para outras decisões judiciais que não sejam sentenças.

c) Tendo, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito (estando em causa situações fácticas idênticas), vem, a Fazenda Pública (FP), pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adoptada no acórdão fundamento.

d) No acórdão recorrido não foi admitido o recurso entendendo-se que “Os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, em especial nos seus n.ºs 1 e 2, impõem que se conclua que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT tem necessariamente por objecto sentenças ou acórdãos, pelo que não pode, ao abrigo dessa disposição, ser admitido recurso do despacho que decidiu a nota justificativa prevista e disciplinada nos artigos 25.º a 26.º do Regulamento das Custas Processuais.”

e) Sendo que, no acórdão fundamento o recurso foi admitido entendendo-se que “Embora a letra da lei no citado n.º 5 do art. 280.º do CPPT se refira a “sentenças” nenhuma razão existe para não estender a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência aí previsto a outras decisões judiciais que ponham termo ao processo ou ao incidente em causa. É que a teleologia da norma é a de obstar à permanência na ordem jurídica, por inviabilidade do recurso em razão do valor, de decisões judiciais que decidam ao arrepio da jurisprudência maioritária ou dos tribunais superiores. Essa razão de ser vale quer em relação às sentenças, quer em relação a decisões judiciais de outra natureza que ponham termo ao processo ou ao incidente. Ponto é que a decisão haja perfilhado solução divergente, relativamente à mesma questão de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, à adoptada em mais de três decisões do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior. É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal (…)”

f) Verifica-se assim que, no acórdão recorrido foi perfilhado entendimento contrário ao preconizado no acórdão fundamento, ou seja, em ambos os arestos foi decidida a mesma questão fundamental de direito, embora de forma diferente e contraditória, pelo que, in casu, se nos afigura que se verificam os pressupostos para a admissibilidade do presente recurso.

g) Ambos os acórdãos assentam em situações de facto idênticas, em ambos os casos foram juntas aos autos nota discriminativa de custas de parte pela parte vencedora, em ambos os casos a parte vencida apresentou reclamação contra a nota discriminativa e justificativa de custas de parte; Em ambos os casos a reclamação foi indeferida; Também em ambos os casos a nota não excedia 50 UC, pelo que não era admissível recurso da(s) decisão(ões) proferida(s) nos termos do n.º 3 do artigo 26.º-A do RCP; e, em ambos os casos, inconformada com a decisão, a FP interpôs recurso para o STA da decisão que indeferiu a reclamação ao abrigo do art. 280.º n.º 5 do CPPT (actual n.º 3) indicando 5 (cinco) decisões de outros tribunais tributários em sentido divergente, juntando cópias;

h) Todavia, apesar das situações fácticas serem idênticas, as decisões foram diametralmente opostas pois enquanto no acórdão fundamento se admitiu o recurso, no acórdão recorrido entendeu-se que o mesmo não seria de admitir uma vez que não tinha por objecto uma sentença mas sim um despacho que decidiu nota discriminativa.

i) Ora, entende a RFP que o entendimento agora perfilhado pelo STA no acórdão recorrido não é o correcto à luz da lei, na medida em que vai contra os métodos de compreensão e interpretação das normas jurídicas, fazendo tábua rasa da mais elementar hermenêutica jurídica e pondo em causa o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva (constitucionalmente consagrado nomeadamente nos artigos 2.º e 20.º da lei fundamental), permitindo que permaneçam e se consolidem na ordem jurídica decisões judiciais que decidam ao completo arrepio da jurisprudência dominante;

j) Isto porque, embora a letra da lei se refira a “sentenças”, não existe qualquer justificação para que a admissibilidade de recurso aí previsto não se estenda a outras decisões judiciais que não sentenças (por ex. no caso de despachos que assumem a mesma idoneidade e função de uma sentença ao colocar termo a um processo consolidando-se na ordem jurídica) nomeadamente no caso da decisão dos presentes autos que põe termo a um incidente – no mesmo sentido, o acórdão do STA proferido no processo 0141/17 de 3 de maio de 2017 entendeu que: “Desde logo, há que referir que, embora a letra da lei no citado n.º 5 do art. 280.º do CPPT se refira a “sentenças” nenhuma razão existe para não estender a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência aí previsto a outras decisões judiciais.”

k) A “ratio legis” da norma em causa é, tal como referido no acórdão fundamento “obstar à permanência na ordem jurídica, por inviabilidade do recurso em razão do valor, de decisões judiciais que decidam ao arrepio da jurisprudência maioritária ou dos tribunais superiores. Essa razão de ser vale quer em relação às sentenças, quer em relação a decisões judiciais de outra natureza que ponham termo ao processo ou ao incidente. Ponto é que a decisão haja perfilhado solução divergente, relativamente à mesma questão de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, à adoptada em mais de três decisões do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior. É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal (…)”.

l) Ou seja apesar da norma prevista no n.º 3 do art. 280.º do CPPT ter natureza excepcional relativamente à regra da irrecorribilidade das decisões, desde que verificados os requisitos na mesma exigidos o recurso deverá ser admitido sempre que estão em causa decisões finais/definitivas (despachos ou outros) equiparáveis a sentenças atendendo à sua substancia e teleologia intrínsecas.

m) A norma em causa veio dar concretização ao art. 105.º da Lei Geral Tributária, que, na redacção original estabeleceu que «a lei fixará as alçadas dos tribunais tributários, sem prejuízo da possibilidade de recurso para o STA, em caso de este visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito» e à alínea c) do nº 1 do art. 51.º da Lei n.º 87-B/98 de 31 de Dezembro, em que o Governo se baseou para aprovar o CPPT, que estabelece que “a fixação de alçadas não prejudicará a possibilidade de recurso para o STA, em caso de aquele visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito”;

n) Em conclusão, sendo a finalidade do recurso previsto no n.º 3 do art. 280.º do CPPT a de assegurar o valor da igualdade na aplicação do direito (perante a emissão de proposições jurídicas opostas sobre a mesma questão fundamental de direito nas situações em que o valor da alçada não permite o recurso) não poderá deixar de se entender que o recurso deve ser admitido quando as a decisão recorrida e as decisões fundamentos não sejam sentenças, sob pena de permitir que uma decisão contrária à jurisprudência abundante e dominante se consolide na ordem jurídica, pondo em causa quer a igualdade na aplicação do direito quer os princípios constitucionalmente consagrados do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 20.º, 2.º e 268.º todos da CRP.

o) Desta forma, deve o presente recurso de uniformização de jurisprudência ser admitido e julgado procedente, anulando-se o acórdão impugnado e, em consequência ser admitido o recurso oportunamente interposto pela Fazenda Pública com as demais consequências legais.

Termos em que, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso de uniformização de jurisprudência, e, em consequência, anulado o acórdão recorrido e admitido o recurso interposto pela Fazenda Pública nos termos do art.280 n.º 3 do CPPT assim se fazendo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da não admissibilidade do recurso.

1.5 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, não se suscitando dúvidas quanto aos requisitos processuais da admissibilidade do recurso (tempestividade, legitimidade da Recorrente e recorribilidade da decisão), há que verificar se estão reunidos os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DA (IN)ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

O presente recurso é em tudo idêntico ao recurso que foi julgado por este Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 30 de Junho de 2021 no processo n.º 279/18.1BEMDL (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/052da1b66b2c79bc802587060061c890.): o acórdão ora recorrido foi proferido por remissão para o acórdão da Secção – de 28 de Outubro de 2010 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/e3f921cbe0e9b0dd8025861500417afb.) – que foi objecto do recurso decidido por aquele acórdão do Pleno, as alegações em ambos os recursos de oposição são em tudo idênticas e o acórdão que neles foi invocado como fundamento é o mesmo.
Assim, vamos limitar-nos a reproduzir o que ficou dito no referido acórdão do Pleno, permitindo-nos contudo introduzir, nos locais próprios, as alterações requeridas pelas circunstâncias do caso sub judice:

«Como referimos já, importa, em primeiro lugar, verificar do preenchimento dos requisitos de admissibilidade do presente recurso por oposição de julgados.
O presente processo judicial iniciou-se a 30 de Agosto de 2018 – cfr. fls. 162 dos autos –, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro. Assim, a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido numerosas vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- Identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- Que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se “sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica” (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente). Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).
Vejamos.
Alega a Recorrente que entre os arestos em confronto existe oposição juridicamente relevante para o efeito de admitir o presente recurso por oposição de julgados. Em suma, defende a Recorrente que «“ambos os acórdãos assentam em situações de facto idênticas”, pois que “em ambos os casos foram juntas aos autos nota discriminativa de custas de parte pela parte vencedora, em ambos os casos, a parte vencida apresentou reclamação contra a nota discriminativa e justificativa de custas de parte; Em ambos os casos a reclamação foi indeferida; Também em ambos os casos a nota não excedia 50 UC, pelo que não era admissível recurso da(s) decisão(ões) proferida(s) nos termos do n.º 3 do artigo 26.º-A do RCP; e, em ambos os casos, inconformada com a decisão, a FP interpôs recurso para o STA da decisão que indeferiu a reclamação ao abrigo do art. 280º n.º 5 do CPPT (actual n.º 3) indicando 5 (cinco) decisões de outros tribunais tributários em sentido divergente, juntando cópias. Todavia, apesar das situações fácticas serem idênticas, as decisões foram diametralmente opostas pois enquanto no acórdão fundamento se admitiu o recurso, no acórdão recorrido entendeu-se que o mesmo não seria de admitir uma vez que não tinha por objecto uma sentença mas sim um despacho que decidiu nota discriminativa».
[…]
Entendemos, porém, que não há que conhecer do respectivo mérito, como passaremos a demonstrar.
Pese embora a circunstância de não ter sido fixada matéria de facto no Acórdão Recorrido, pela análise dos dois arestos em confronto é possível compreender a patente similitude ao nível da factualidade subjacente às duas decisões. Em ambos os casos, a parte vencedora juntou aos autos a nota discriminativa e justificativa das custas de parte, a qual foi objecto de reclamação pela parte vencida, tendo tal reclamação sido indeferida com o fundamento de que, face ao preceituado no artigo 25.º, n.º 2, al. d) do Regulamento das Custas Processuais, a parte vencedora só está obrigada a indicar as quantias pagas a título de honorários de mandatário em rubrica autónoma se tais quantias forem inferiores ao montante de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora (neste sentido vide as alíneas c) e e) do probatório e o ponto 2.2.1.1 do Acórdão Fundamento e o ponto 1.1 do Acórdão Recorrido). Nos dois casos, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte não excedia 50 Unidades de Conta, motivo pelo qual não era admissível recurso das decisões acabadas de descrever ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais. Nesta medida, e porque se encontravam inconformadas com tais decisões, as partes vencidas em cada um dos processos em confronto interpuseram recurso para este Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do artigo 280.º do CPPT (assim, vide o ponto 2.2.1.2 do Acórdão Fundamento e o ponto 3 do Acórdão Recorrido).
Apesar da patente identidade de situações de facto, as decisões proferidas nos dois Acórdãos em confronto foram tomadas em sentido oposto, tendo o Acórdão recorrido decidido que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT tem necessariamente por objecto sentenças ou acórdãos em sentido estrito (pelo que não pode, ao abrigo dessa disposição legal, ser admitido recurso de um despacho que decidiu questão relativa a uma nota discriminativa e justificativa de custas de parte), e tendo o Acórdão fundamento decidido que o n.º 5 do art. 280.º do CPPT estende a admissibilidade do recurso a outras decisões judiciais que ponham termo ao processo ou ao incidente em causa. Assim, sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, verifica-se uma efectiva oposição ao nível das decisões tomadas a respeito de tais hipóteses nos dois arestos em confronto.
Não obstante a verificada contradição, o recurso não deve prosseguir para conhecimento do respectivo mérito, uma vez que o Acórdão recorrido se encontra em plena sintonia com a orientação mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria. Com efeito, a Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a perfilhar, de forma recorrente e absolutamente uniforme, a solução jurídica adoptada no Acórdão proferido a 28 de Outubro de 2020 no Processo n.º 0279/18.1BEMDL (Acórdão Recorrido) o que fez, a título de exemplo, nos seguintes Acórdãos recentemente tirados pela Secção:
- Acórdão proferido a 23 de Junho de 2021 no Processo 0751/10.1BEALM;
- Acórdãos proferidos a 12 de Maio de 2021 nos Processos n.º 0623/15.3BEMDL, 0343/18.7BEMDL, 0284/18.8BEMDL, 0414/17.7BEMDL e 0505/15.9BEMDL;
- Acórdão proferido a 7 de Abril de 2021 no Processo n.º 0460/11.4BEPRT;
- Acórdão proferido a 10 de Março de 2021 no Processo n.º 0407/14.6BEMDL; e
- Acórdão proferido a 17 de Fevereiro de 2021 no Processo n.º 01285/17.
Em todos estes Acórdãos se consolidou o entendimento aduzido no Acórdão recorrido, acrescentando-se ainda que o despacho que decida de uma reclamação apresentada contra uma nota discriminativa e justificativa de custas de parte não é uma sentença, por “não haver decidido incidente que apresente a estrutura de uma causa (desde logo, a reclamação da nota justificativa é decidida sem exercício de, específico, contraditório e acompanha a tramitação da reclamação da conta, cuja estrutura, objectivamente, não é duma causa/lide normal – arts. 26.º-A e 31.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP)).
Outrossim, de igual modo, não acolhemos o argumento de que o despacho em apreço pôs fim, decidiu, resolveu, determinada pretensão, de uma parte processual, isto é, foi proferido sobre o mérito daquela. Com esta amplitude, pouco ou não sobraria, das várias decisões que um processo judicial comporta, não susceptível de integrar o conceito de “decisão de mérito”. //Apesar disto, embora não seja o caso (do despacho recorrido), cogitamos a existência de decisões que, não se debruçando sobre o fundo da causa, ou seja, não julguem e decidam a relação substantiva (de direito substantivo) em litígio, sejam, só por si, capazes de pôr termo, findarem, uma causa, em relação às quais, obviamente, não temos, por princípio, reservas, sobre a admissibilidade de recurso, por oposição de julgados, para o STA (cumpridas as demais condições legais), porque, no mínimo, têm de, para o efeito, ser consideradas equiparáveis a decisões de mérito” – cf. Acórdão de 17 de Fevereiro de 2021, processo n.º 01285/17.
Assim, estando a decisão recorrida em plena sintonia com esta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que entretanto se consolidou e é aquela que se afigura mais curial, não há que conhecer do mérito do recurso, porquanto dispõe o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA e, bem assim, o n.º 3 do artigo 284.º do CPPT, que o recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, o que se verifica in casu».

Resta-nos salientar, decisivamente, atentos os critérios que têm vindo a ser definidos pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no preenchimento do conceito de jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (A jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo «deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o art. 17.º, n.º 2, do actual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção» (cf. o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Dezembro de 2012, proferido no processo com o n.º 932/12, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/49948aac0e4e5dec80257ae80057f692).) e no sentido da verificação do mesmo, o seguinte: i) o próprio acórdão que vimos de citar é do Pleno e foi tirado por unanimidade e, ii) entretanto, a única alteração na composição da Secção foi a saída de um Conselheiro e não se vislumbram circunstâncias que permitam antever a mudança do sentido decisório aí consignado.
Por tudo o que ficou dito, não há que conhecer do mérito do recurso.

2.2 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Não há que conhecer do mérito do recurso por oposição de acórdãos se, não obstante a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. o n.º 3 do art. 284.º do CPPT).

II - É de considerar que existe jurisprudência recentemente consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o Pleno da Secção se pronunciou há cerca de três meses sobre a questão, em acórdão proferido por unanimidade e, entretanto, a única alteração na composição da Secção foi a saída de um Conselheiro e não se vislumbram outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de mudança do sentido decisório aí consignado.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Conselheiros do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].


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Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento como adjuntos.

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Lisboa, 22 de Setembro de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.