Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0264/16.8BEMDL |
Data do Acordão: | 09/22/2021 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA |
Sumário: | I - Não há que conhecer do mérito do recurso por oposição de acórdãos se, não obstante a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. o n.º 3 do art. 284.º do CPPT). II - É de considerar que existe jurisprudência recentemente consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o Pleno da Secção se pronunciou há cerca de três meses sobre a questão, em acórdão proferido por unanimidade e, entretanto, a única alteração na composição da Secção foi a saída de um Conselheiro e não se vislumbram outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de mudança do sentido decisório aí consignado. |
Nº Convencional: | JSTA000P28172 |
Nº do Documento: | SAP202109220264/16 |
Data de Entrada: | 03/09/2021 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | EÓLICA DA …………, S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso por oposição de acórdãos
1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública junto deste Supremo Tribunal Administrativo, não se conformando com o acórdão proferido nos presentes autos a 16 de Outubro de 2020 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/cc80a8585ffc91998025864600395953.), vem, nos termos do art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso por oposição entre aquele aresto e o acórdão, também deste Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 20 de Abril de 2020 no processo n.º 415/17.5BEMDL (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/484276030559c3338025855b0042cc3f.), transitado em julgado. 1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «a) O presente RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA vem interposto nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra o acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no processo 264/16.8BEMDL [ (Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita na identificação do processo onde foi proferido o acórdão recorrido: a Recorrente escreveu 504/15.0BEMDL onde queria dizer 264/16.8BEMDL.)], através do qual este tribunal decidiu não admitir o recurso oportunamente interposto pela Fazenda Pública; b) A admissibilidade material do presente recurso justifica-se em virtude de o mencionado Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do STA (acórdão impugnado) se encontrar em contradição, quanto a uma questão fundamental de direito com o acórdão n.º 415/17.5BEMDL proferido pelo mesmo tribunal: a admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do art. 280 n.º 3 do CPPT (anterior n.º 5) apenas para “sentenças” ou se poderá ser utilizado para outras decisões judiciais que não sejam sentenças. c) Tendo, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito (estando em causa situações fácticas idênticas), vem, a Fazenda Pública (FP), pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adoptada no acórdão fundamento. d) No acórdão recorrido não foi admitido o recurso entendendo-se que “Os critérios interpretativos consagrados no artigo 9.º do Código Civil, em especial nos seus n.ºs 1 e 2, impõem que se conclua que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT tem necessariamente por objecto sentenças ou acórdãos, pelo que não pode, ao abrigo dessa disposição, ser admitido recurso do despacho que decidiu a nota justificativa prevista e disciplinada nos artigos 25.º a 26.º do Regulamento das Custas Processuais.” e) Sendo que, no acórdão fundamento o recurso foi admitido entendendo-se que “Embora a letra da lei no citado n.º 5 do art. 280.º do CPPT se refira a “sentenças” nenhuma razão existe para não estender a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência aí previsto a outras decisões judiciais que ponham termo ao processo ou ao incidente em causa. É que a teleologia da norma é a de obstar à permanência na ordem jurídica, por inviabilidade do recurso em razão do valor, de decisões judiciais que decidam ao arrepio da jurisprudência maioritária ou dos tribunais superiores. Essa razão de ser vale quer em relação às sentenças, quer em relação a decisões judiciais de outra natureza que ponham termo ao processo ou ao incidente. Ponto é que a decisão haja perfilhado solução divergente, relativamente à mesma questão de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, à adoptada em mais de três decisões do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior. É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal (…)” f) Verifica-se assim que, no acórdão recorrido foi perfilhado entendimento contrário ao preconizado no acórdão fundamento, ou seja, em ambos os arestos foi decidida a mesma questão fundamental de direito, embora de forma diferente e contraditória, pelo que, in casu, se nos afigura que se verificam os pressupostos para a admissibilidade do presente recurso. g) Ambos os acórdãos assentam em situações de facto idênticas, em ambos os casos foram juntas aos autos nota discriminativa de custas de parte pela parte vencedora, em ambos os casos a parte vencida apresentou reclamação contra a nota discriminativa e justificativa de custas de parte; Em ambos os casos a reclamação foi indeferida; Também em ambos os casos a nota não excedia 50 UC, pelo que não era admissível recurso da(s) decisão(ões) proferida(s) nos termos do n.º 3 do artigo 26.º-A do RCP; e, em ambos os casos, inconformada com a decisão, a FP interpôs recurso para o STA da decisão que indeferiu a reclamação ao abrigo do art. 280.º n.º 5 do CPPT (actual n.º 3) indicando 5 (cinco) decisões de outros tribunais tributários em sentido divergente, juntando cópias; h) Todavia, apesar das situações fácticas serem idênticas, as decisões foram diametralmente opostas pois enquanto no acórdão fundamento se admitiu o recurso, no acórdão recorrido entendeu-se que o mesmo não seria de admitir uma vez que não tinha por objecto uma sentença mas sim um despacho que decidiu nota discriminativa. i) Ora, entende a RFP que o entendimento agora perfilhado pelo STA no acórdão recorrido não é o correcto à luz da lei, na medida em que vai contra os métodos de compreensão e interpretação das normas jurídicas, fazendo tábua rasa da mais elementar hermenêutica jurídica e pondo em causa o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva (constitucionalmente consagrado nomeadamente nos artigos 2.º e 20.º da lei fundamental), permitindo que permaneçam e se consolidem na ordem jurídica decisões judiciais que decidam ao completo arrepio da jurisprudência dominante; j) Isto porque, embora a letra da lei se refira a “sentenças”, não existe qualquer justificação para que a admissibilidade de recurso aí previsto não se estenda a outras decisões judiciais que não sentenças (por ex. no caso de despachos que assumem a mesma idoneidade e função de uma sentença ao colocar termo a um processo consolidando-se na ordem jurídica) nomeadamente no caso da decisão dos presentes autos que põe termo a um incidente – no mesmo sentido, o acórdão do STA proferido no processo 0141/17 de 3 de maio de 2017 entendeu que: “Desde logo, há que referir que, embora a letra da lei no citado n.º 5 do art. 280.º do CPPT se refira a “sentenças” nenhuma razão existe para não estender a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência aí previsto a outras decisões judiciais.” k) A “ratio legis” da norma em causa é, tal como referido no acórdão fundamento “obstar à permanência na ordem jurídica, por inviabilidade do recurso em razão do valor, de decisões judiciais que decidam ao arrepio da jurisprudência maioritária ou dos tribunais superiores. Essa razão de ser vale quer em relação às sentenças, quer em relação a decisões judiciais de outra natureza que ponham termo ao processo ou ao incidente. Ponto é que a decisão haja perfilhado solução divergente, relativamente à mesma questão de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, à adoptada em mais de três decisões do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior. É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal (…)”. l) Ou seja apesar da norma prevista no n.º 3 do art. 280.º do CPPT ter natureza excepcional relativamente à regra da irrecorribilidade das decisões, desde que verificados os requisitos na mesma exigidos o recurso deverá ser admitido sempre que estão em causa decisões finais/definitivas (despachos ou outros) equiparáveis a sentenças atendendo à sua substancia e teleologia intrínsecas. m) A norma em causa veio dar concretização ao art. 105.º da Lei Geral Tributária, que, na redacção original estabeleceu que «a lei fixará as alçadas dos tribunais tributários, sem prejuízo da possibilidade de recurso para o STA, em caso de este visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito» e à alínea c) do nº 1 do art. 51.º da Lei n.º 87-B/98 de 31 de Dezembro, em que o Governo se baseou para aprovar o CPPT, que estabelece que “a fixação de alçadas não prejudicará a possibilidade de recurso para o STA, em caso de aquele visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito”; n) Em conclusão, sendo a finalidade do recurso previsto no n.º 3 do art. 280.º do CPPT a de assegurar o valor da igualdade na aplicação do direito (perante a emissão de proposições jurídicas opostas sobre a mesma questão fundamental de direito nas situações em que o valor da alçada não permite o recurso) não poderá deixar de se entender que o recurso deve ser admitido quando as a decisão recorrida e as decisões fundamentos não sejam sentenças, sob pena de permitir que uma decisão contrária à jurisprudência abundante e dominante se consolide na ordem jurídica, pondo em causa quer a igualdade na aplicação do direito quer os princípios constitucionalmente consagrados do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 20.º, 2.º e 268.º todos da CRP. o) Desta forma, deve o presente recurso de uniformização de jurisprudência ser admitido e julgado procedente, anulando-se o acórdão impugnado e, em consequência ser admitido o recurso oportunamente interposto pela Fazenda Pública com as demais consequências legais. Termos em que, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso de uniformização de jurisprudência, e, em consequência, anulado o acórdão recorrido e admitido o recurso interposto pela Fazenda Pública nos termos do art.280 n.º 3 do CPPT assim se fazendo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA». 1.3 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da não admissibilidade do recurso. 1.5 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, não se suscitando dúvidas quanto aos requisitos processuais da admissibilidade do recurso (tempestividade, legitimidade da Recorrente e recorribilidade da decisão), há que verificar se estão reunidos os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DA (IN)ADMISSIBILIDADE DO RECURSO O presente recurso é em tudo idêntico ao recurso que foi julgado por este Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em 30 de Junho de 2021 no processo n.º 279/18.1BEMDL (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/052da1b66b2c79bc802587060061c890.): o acórdão ora recorrido foi proferido por remissão para o acórdão da Secção – de 28 de Outubro de 2010 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/e3f921cbe0e9b0dd8025861500417afb.) – que foi objecto do recurso decidido por aquele acórdão do Pleno, as alegações em ambos os recursos de oposição são em tudo idênticas e o acórdão que neles foi invocado como fundamento é o mesmo. «Como referimos já, importa, em primeiro lugar, verificar do preenchimento dos requisitos de admissibilidade do presente recurso por oposição de julgados. Resta-nos salientar, decisivamente, atentos os critérios que têm vindo a ser definidos pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no preenchimento do conceito de jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (A jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo «deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o art. 17.º, n.º 2, do actual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção» (cf. o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Dezembro de 2012, proferido no processo com o n.º 932/12, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/49948aac0e4e5dec80257ae80057f692).) e no sentido da verificação do mesmo, o seguinte: i) o próprio acórdão que vimos de citar é do Pleno e foi tirado por unanimidade e, ii) entretanto, a única alteração na composição da Secção foi a saída de um Conselheiro e não se vislumbram circunstâncias que permitam antever a mudança do sentido decisório aí consignado. 2.2 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Não há que conhecer do mérito do recurso por oposição de acórdãos se, não obstante a existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. o n.º 3 do art. 284.º do CPPT). II - É de considerar que existe jurisprudência recentemente consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o Pleno da Secção se pronunciou há cerca de três meses sobre a questão, em acórdão proferido por unanimidade e, entretanto, a única alteração na composição da Secção foi a saída de um Conselheiro e não se vislumbram outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de mudança do sentido decisório aí consignado. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os Conselheiros do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do mérito do recurso. Custas pela Recorrente [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT]. * Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento como adjuntos. * |