Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01685/18.7BEBRG
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TARIFA
SERVIÇO PÚBLICO
SANEAMENTO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Não tendo sido posta oportunamente em causa a competência da entidade exequente enquanto órgão da execução fiscal, é manifesto que a competência para conhecer da oposição deduzida contra a execução fiscal cabe ao tribunal tributário de 1.ª instância, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 151.º do CPPT.
II - A denominada tarifa devida pela ligação ao sistema público de saneamento, pela execução do ramal de ligação ao saneamento e pela vistoria da ligação de saneamento é uma taxa e, por isso, está sujeita ao regime da prescrição previsto no art. 15.º do RGTAL, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro.
Nº Convencional:JSTA000P27223
Nº do Documento:SA22021021701685/18
Data de Entrada:11/23/2020
Recorrente:A............ UNIPESSOAL LDA
Recorrido 1:AGERE-EMPRESA DE ÁGUAS, EFLUENTES E RESÍDUOS SÓLIDOS DE BRAGA – EM
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1685/18.7BEBGR
Recorrente: “A………… – Unipessoal, Lda.”
Recorrida: “Agere - Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, E.M.”

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal contra ela instaurada pela acima identificada Recorrida, para cobrança coerciva da quantia exequenda de € 23.539,13, respeitante a dívidas de tarifa de ligação de saneamento, execução de ramal de saneamento e vistoria de ligação de saneamento.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que sintetizou em conclusões do seguinte teor:

«1. A Executada/Recorrente refere desde já que a douta sentença ora em crise, viola o artigo 30.º da Lei Geral Tributária;

2. A Executada/Recorrente entende ainda, que a douta sentença ora em crise, salvo devido respeito, faz uma errada interpretação da Lei 23/96 de 26 de Julho, Lei dos Serviços Públicos Essenciais, ao determinar a sua não aplicação a uma fase pré-contratual necessária e essencial à prestação de tais serviços, como sendo, como sucede no caso em apreço a execução e ligação a ramal de saneamento;

3. Pelo que, e também com o devido respeito, é errada a interpretação da não extinção pelo decurso do prazo de prescrição da quantia exequenda;

4. O preço agora peticionado pela Exequente/Recorrida e em execução, no montante de 23.539,13 € (vinte e três mil quinhentos e trinta e nove euros e treze cêntimos) não assume a natureza de dívida fiscal, nem tem como origem numa relação tributária;

5. Ao fixar o referido preço, a Exequente/Recorrida está a estabelecer uma contrapartida pecuniária para o cumprimento do contrato relativamente ao serviço em causa;

6. Os serviços em causa, prestados pela Exequente/Recorrida de ligação ao ramal de saneamento estão a montante de toda a relação contratual posteriormente estabelecida. Pois que, só após esta execução/ligação ao ramal de saneamento foi celebrado o contrato de prestação de serviços de recolha e tratamento de águas residuais;

7. Ao executar e ligar o referido ramal de saneamento a Exequente/Recorrida, AGERE não está dotada de ius imperii;

8. Antes a Exequente/Recorrida e a Executada/Recorrente estão a celebrar um contrato de direito privado;

9. Em causa está de facto um “acto gerador” de prestação de serviços públicos essenciais: a execução e ligação ao ramal de saneamento;

10. Discordamos do entendimento vertido na douta sentença ora em crise e que determina a não aplicação da Lei 23/96 de 26 de Julho à fase pré-contratual do serviço público essencial a prestar, pois é a jurisprudência maioritária, que conforme o exemplo já citado, determina a aplicação da Lei 23/96 de 26 de Julho à fase pré-contratual do serviço público essencial a prestar vejam-se a título de exemplo os Acórdãos: do Tribunal da Relação do Porto de 01.07.2019 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.11.2015 ambos em www.dgsi.pt;

11. Com efeito, sem a execução e ligação ao ramal de saneamento feita pela Exequente/Recorrida a pedido da Executada/Recorrente, a prestação do serviço público essencial em causa mais concretamente o “serviço de recolha e tratamento de águas residuais”, tal como definido na douta sentença ora em crise, cfr. folhas 6 (seis), seria impossível;

12. A prestação dos serviços de recolha e tratamento de águas residuais, pela Exequente/Recorrida implica necessariamente a instalação prévia dos ramais de saneamento de ligação à rede pública;

13. O custo de instalação destes ramais é cobrado ao utente – dos referidos serviços públicos essenciais – a aqui Executada/Recorrente;

14. Estamos, assim perante a cobrança do preço de um serviço prestado a um utente (a sociedade Executada/Oponente) pela prestadora dos serviços (a Exequente Agere) enquanto concessionária de um serviço público essencial;

15. É esta a natureza contratual em causa, ou seja, a relação estabelecida entre o utente (a aqui sociedade Executada/Recorrente) enquanto utilizadora individual dos serviços públicos e o prestador de serviços públicos essenciais (a aqui Exequente/Recorrida) que é objecto de protecção pela Lei de Serviços Públicos Essenciais;

16. Estamos perante a cobrança coerciva do preço devido pelo serviço destinado ao estabelecimento das condições necessárias à celebração do contrato de prestação de serviço de recolha e tratamento de águas residuais e este é um serviço público essencial;

17. Está em causa a cobrança coerciva de um preço e não de uma taxa;

18. Não está em causa uma relação jurídica-tributária, nos termos do disposto no artigo 30.º da Lei Geral Tributária;

19. A prescrição da obrigação em causa, o referido pagamento do preço é uma questão que não se enquadra nas competências que estão atribuídas a um tribunal com jurisdição em matéria fiscal;

20. O conhecimento desta matéria cabe aos tribunais comuns, pelo que, ao apreciar o litígio em causa, declarando-se competente para o fazer, o douto Tribunal a quo violou o disposto no artigo 30.º da Lei Geral Tributária;

21. Na sequência do que vem referido supra estamos perante uma situação de incompetência em razão da matéria;

22. Perante a sua citação o único meio processual ao alcance da Executada/Recorrente era a referida Oposição que a mesma apresentou tempestivamente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga;
Sucede que, este douto tribunal atento o pedido e a causa de pedir: a prescrição da obrigação pecuniária decorrente da instalação de um ramal de ligação à rede pública, ou seja, a prescrição de uma obrigação pecuniária decorrente da prestação de um serviço público essencial, deveria ter-se declarado incompetente em razão da matéria para decidir este litígio cuja competência pertence aos Tribunais Comuns, por se tratar de um litígio de consumo no âmbito de um serviço público essencial;

23. A incompetência em razão da matéria que se verifica no caso em apreço é uma excepção dilatória nos termos do disposto, no artigo 577.º, alínea a) do C.P.C. que é de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final, nos termos do disposto do n.º 2, do artigo 16.º do C.P.P.T.;

24. Nestes termos deve a excepção invocada ser julgada procedente por provada, com a remessa dos autos aos Tribunais Comuns;

25. Caso assim não se entenda sempre se dirá que a obrigação objecto de execução está extinta pelo decurso do prazo de prescrição;

26. Conforme já por nós alegado e para onde remetemos, o litígio em causa tem como fundamento a cobrança coerciva do preço relativo à execução/ligação a ramais de saneamento;

27. Esta execução/ligação aos ramais de saneamento enquadra-se na fase pré-contratual da prestação dos serviços públicos essenciais pela Exequente/Recorrida, como sendo referido na douta sentença ora em crise e por remissão à Lei n.º 23/96 de 26/07, artigo 1.º, alínea f) “serviço de recolha e tratamento de águas residuais”;

28. Também conforme já referido supra e para onde remetemos por economia processual, a Lei nº 23/96 de 26/07 aplica-se à fase pré-contratual, destinada a estabelecer as condições necessárias à celebração do contrato com vista à prestação dos “serviços de recolha e tratamento de águas residuais”;

29. Às obrigações pecuniárias decorrentes de tal relação contratual estabelecida entre o utente, aqui Executada/Recorrente e a prestadora de serviços, a Exequente/Recorrida aplica-se o disposto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96 de 26/07, o qual determina que: “O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.”;

30. Conforme consta do ponto 2) dos Factos Provados da douta sentença ora em crise: “2) A ligação ao saneamento público referida no ponto anterior, ficou concluída e a funcionar no dia 06/09/2017 – (Facto não controvertido) ” e do Ponto 5) dos Factos Provados da douta sentença ora em crise consta: “5) A Oponente foi citada no PEF a que se alude no ponto anterior, por carta registada com aviso de recepção, em 28 de Maio de 2018 – (cfr. documento de fls. 39, 40, 42 e 44 a 46 da paginação electrónica do SITAF e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).”;

31. Ou seja, quando a Executada/Recorrente foi citada para (entre outros) deduzir oposição à execução fiscal que lhe foi movida, já tinham decorrido mais de 9 (nove) meses desde a data da prestação dos serviços;

32. À data da citação da sociedade Executada/Recorrente, a quantia exequenda encontrava-se já extinta pelo decurso do prazo de 6 (seis) meses de prescrição.

33. A aqui Exequente/Recorrida dispunha do prazo de 6 (seis) meses após prestação dos serviços constantes de factura n.º 2583443 para instaurar acção executiva destinada à cobrança dos mesmos;

34. Conforme provado os serviços constantes de factura n.º 2583443 ficaram concluídos no 6 de Setembro de 2017, pelo que, o mencionado prazo de seis meses terminou, assim no dia 7 de Março de 2018;

35. Este prazo de seis meses é um prazo de prescrição e sendo um prazo de prescrição aquele só se interrompe através da citação efectuada no âmbito desta acção executiva, instaurada pela Exequente/Recorrida e com vista à obtenção do pagamento do referido crédito;

36. Também conforme provado, a sociedade Executada/Recorrente foi citada através de carta registada com aviso de recepção enviada pela Exequente AGERE a 25 de Maio de 2018 e recebida pela Executada/Oponente a 28 de Maio de 2018;

37. Ou seja, quando a aqui sociedade Executada/Recorrente foi citada no âmbito destes autos de execução, a dívida exequenda encontrava-se já extinta pelo decurso do prazo de prescrição;

38. A quantia exequenda cujo pagamento é peticionado nestes autos encontra-se extinta pelo decurso do prazo de prescrição, pelo que deve considerar-se extinta a execução e em consequência, deve a sociedade Executada/Recorrente ser absolvida do pedido;

39. A prescrição é uma excepção peremptória de conhecimento oficioso;

40. A douta sentença ora em crise faz, com o devido respeito, uma interpretação errada da aplicação da Lei 23/96 de 26 de Julho ao excluir a sua aplicação à fase pré-contratual da prestação daqueles serviços públicos essenciais;

41. Esta interpretação errada leva a considerar que a “tarifa” cobrada pela Exequente/Recorrida se trata de uma taxa e não de um preço sendo aplicável o prazo de prescrição de 8 (oito) anos nos termos do artigo 15.º do RGTAL. A interpretação vertida na douta sentença ora em crise e aqui referida é, com o devido respeito violadora do espírito da Lei 23/96 de 26 de Julho que visa a protecção do utente;

42. Ao interpretar a referida Lei no sentido de considerar um período de prescrição mais alargado em detrimento do prazo de 6 (seis) meses constante do disposto no artigo 10.º da Lei 23/96 de 26 de Julho, a douta sentença ora em crise esquece o fito protector do utente/consumidor daquela Lei;

43. O que não é admissível, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado considerando-se aplicável ao caso em apreço a Lei 23/96 de 26 de Julho, a Lei dos Serviços Públicos Essenciais, com a remessa dos autos aos Tribunais Comuns;

44. Sendo que, do entendimento supra vertido, isto é da aplicação da Lei 23/96 de 26 de Julho aos está resulta a necessariamente [sic] a declaração da extinção da obrigação em causa, pelo decurso do prazo de 6 (seis) meses de prescrição, imposto pelo artigo 10.º da mesma lei.

TERMOS EM QUE:
Ao julgar procedente o recurso interposto pela Executada/Recorrente considerando-se aplicável ao caso em apreço a Lei 23/96 de 26 de Julho, a Lei dos Serviços Públicos Essenciais, com a remessa dos autos aos Tribunais Comuns, ou, em caso de improcedência da excepção dilatória invocada, com a necessária e evidente declaração da extinção da obrigação, pelo decurso do prazo de 6 (seis) meses de prescrição, farão V. Exas. SÁBIOS CONSELHEIROS, a habitual JUSTIÇA!».

1.3 A Recorrida contra-alegou, com conclusões do seguinte teor:

«1.ª A Exequente, empresa local, foi constituída pelo Município de Braga, tendo por objecto social o exercício da actividade de captação, tratamento e abastecimento público de água às populações, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos e limpeza pública.

2.ª A Câmara Municipal de Braga delegou na Exequente os poderes para proceder à cobrança, através do processo de execução fiscal, das taxas, preços e tarifas decorrentes dos bens/serviços disponibilizados, poderes de cobrança estes que as câmaras municipais e as empresas locais recebem do artigo 12.º/n.º 2 da Lei n.º 53-E/2006, de 29.12 (RGTAL – Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais) e do artigo 15.º da Lei n.º 73/2013, de 03.09 (Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais).

3.ª Na factura que deu origem à execução reclama-se o pagamento de uma quantia a título de “tarifa de ligação de saneamento”, uma outra quantia a título de “vistoria da ligação de saneamento” e uma outra quantia a título de “execução de ramais de saneamento” (facto provado 3).

4.ª O Regulamento do Serviço de Abastecimento Público de Água e do Serviço de Saneamento de Águas Residuais Urbanas do Município de Braga, publicado no Diário da República n.º 221, 2.ª Série, de 14.11.2014 (com entrada em vigor em 05.12.2014) prevê no seu artigo 93.º, com a epígrafe “Tarifa de ligação de saneamento da rede particular à rede pública”, a existência da tarifa de ligação de saneamento.

5.ª Não está em causa nestes o custo de um “serviço de recolha e tratamento de águas residuais”, mas antes a aplicação de uma taxa, que, embora conexa, não se pode com aquele confundir.

6.ª Tendo presente que o legislador da Lei n.º 23/96, de 26.07 soube exprimir o seu pensamento, como manda o artigo 9.º/n.º 3 do CCiv., é de concluir que a expressão “serviço de recolha e tratamento de águas residuais” não inclui as taxas respeitantes a outros serviços/prestações resultantes da actividade exercida pela Exequente.

7.ª A prestação por parte da Exequente do “serviço de recolha e tratamento de águas residuais” exige, a montante e a jusante, um avultado investimento público na criação, manutenção e conservação de uma rede geral de saneamento, pelo que constituindo obrigação de todos (particulares e empresas) a ligação à rede pública, é legítima a cobrança da respectiva taxa.

8.ª Não se trata aqui da fase pré-contratual ao contrato de fornecimento, pois esta fase é a da negociação das condições contratuais que vão vigorar entre as partes, antes se discutindo nestes autos a aplicação de uma taxa, prevista em regulamento administrativo.

9.ª A doutrina e a jurisprudência dos tribunais administrativos têm reiteradamente vindo a considerar que a tarifa de ligação de saneamento (ou de esgotos) é uma taxa, por se tratar de uma contrapartida pelo bem utilizado da ligação de um prédio a rede pública.

10.ª A obrigação exequenda, por constituir uma taxa, é criada no âmbito de uma relação jurídico-tributária, não lhe sendo aplicável a Lei n.º 23/96, de 26.07, pelo que a sentença recorrida não violou o artigo 30.º da LGT.

11.ª Constituindo a dívida tributária consequência da aplicação de uma taxa, são competentes para decidir a presente causa os tribunais tributários, pelo que a sentença recorrida não violou o artigo 16.º do CPPT.

12.ª Sendo as tarifas cobradas pela Exequente na factura em discussão nos autos uma taxa, é forçoso concluir que constitui uma dívida de natureza tributária à qual se aplica o prazo de prescrição de 8 anos, previsto no RGTAL e na LGT, pelo que a sentença recorrida não violou o artigo 10.º/n.º 1 da Lei n.º 23/96, de 26.07.

TERMOS EM QUE deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida».

1.4 Remetidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

Ressalvado o, sempre, devido respeito, por opinião contrária, em concordância com o parecer do MP, junto da 1.ª instância, exarado a fls. 95/SITAF e as conclusões da entidade recorrida não se pode sancionar a posição da recorrente, por desconformidade com o ordenamento jurídico.
As taxas de conservação e ligação a saneamento são verdadeiras taxas tributárias (Acórdãos do PLENO da SCT (reenvio prejudicial) do STA, de 10/04/2013 - Recurso n.º 015/12, de 31/03/2016 - Recurso n.º 0244/16 e de 13/12/2017 - Recurso n.º 0653/16, disponíveis em www.dgsi.pt).
Estamos, assim, perante litígio emergente de uma relação jurídica de natureza fiscal, pelo que o Tribunal Tributário é, certamente, competente, em razão da matéria para conhecer da presente oposição judicial (artigos 1.º do ETAF, 12.º/2 do RGTAL e 148.º e 151.º do CPPT).
À prescrição da dívida em causa não se aplica o prazo de prescrição de 6 meses estatuído no artigo 10.º/1 da Lei 23/96, porquanto não está em causa um preço devido pela prestação de um serviço de recolha e tratamento de águas residuais, mas sim a aplicação de um tributo (taxa) que, embora conexo com o referido serviço não se pode, naturalmente, confundir com ele.
À prescrição dos tributos em causa aplica-se, pois, o artigo 15.º da Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o regime geral das taxas das autarquias locais RGTAL). (citado acórdão do STA, de 13/12/2017 - Rec. n.º 0653/16).
Nos termos do disposto no artigo 15.º da RGTAL as dívidas por taxas às autarquias locais prescrevem no prazo de 8 anos a contar da data em que o facto tributário ocorreu, sendo certo que a citação, a reclamação e a impugnação judicial interrompem a prescrição e a paragem dos processos de reclamação, impugnação e execução fiscal por prazo não superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar a interrupção da prescrição, somando-se, nesse caso, o tempo que decorreu após aquele período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
Tendo o facto tributário ocorrido em 06/09/2017, a prescrição só ocorreria em 06/09/2025.
De qualquer modo, como resulta do probatório, a recorrente foi citada para a execução em 28/05/2018, pelo que, sempre, se interromperia o decurso do prazo da prescrição.
Operada a citação ficaria inutilizado, para efeitos de prescrição, o tempo decorrido, obstando, ainda, ao decurso do prazo da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que venha a pôr termo ao processo.
Assim sendo, é manifesto que a dívida relativa à taxa em causa nos autos não se mostra extinta, por prescrição».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1) No dia 20/06/2017, a Oponente, através do seu sócio-gerente, dirigiu um requerimento ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Braga, onde solicita a ligação do saneamento ao colector geral do prédio melhor identificado pela Oponente no aludido requerimento, ali constando, entre outros aspectos, que o prédio tinha contador e que pretendia que o ramal de ligação ao colector geral de saneamento fosse executado pela AGERE, de acordo com o tarifário em vigor (cfr. documento n.º 3 junto com a p.i. e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

2) A ligação ao saneamento público referida no ponto anterior, ficou concluída e a funcionar no dia 6/09/2017 – (Facto não controvertido).

3) Em 24/11/2017, foi emitida pela AGERE, a factura n.º 2583443, respeitante à ligação ao saneamento a que se alude no ponto anterior, ali constando, para o que ora interessa, o seguinte:
“(…)

Factura: 2583443
Data de facturação: 2017-11-24
Total (Euro):
23.539,13
Descrição
Facturado
Valor Unit.
Valor
Tarifa Ligação Saneamento
4.720,00
3,927000
18.535,44
Vistoria Lig. Saneamento
1,00
132,321000
132,32
Execução Ramais Saneamento
1,00
469,749000
469,75
IVA 23% (+ 19.137,51)
4.401,62


(…)” - (cfr. documento de fls. 93 da paginação electrónica do SITAF e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

4) Em 26/01/2018, foi emitida pelos Serviços de Execuções Fiscais da AGERE, a certidão de dívida n.º 6, que deu origem ao PEF n.º 1541/2018, por dívidas da Oponente respeitantes a “Tarifa Ligação Saneamento, Vistoria de Lig. Saneamento, Execução Ramais Saneamento, acrescido de IVA à taxa de 23%, no montante exequendo de € 23.539,13 €” - (cfr. documento de fls. 43 da paginação electrónica do SITAF e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5) A Oponente foi citada no PEF a que se alude no ponto anterior, por carta registada com aviso de recepção, em 28 de Maio de 2018 - (cfr. documentos de fls. 39, 40, 42 e 44 a 46 da paginação electrónica do SITAF e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

6) A presente oposição foi apresentada nos Serviços da AGERE em 26/06/2018 - cfr. fls. 1 da paginação electrónica do SITAF)».

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 A ora Recorrente, citada no âmbito de um processo de execução fiscal para efectuar o pagamento de uma dívida identificada no título executivo como respeitante a «Tarifa Ligação Saneamento, Vistoria de Lig. Saneamento, Execução Ramais Saneamento, acrescido de IVA à taxa de 23%, no montante exequendo de € 23.539,13 €», deduziu oposição.
No que ora interessa considerar, a Oponente invocou a prescrição da dívida exequenda, ao abrigo do disposto no art. 204.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), porquanto desde a ligação ao saneamento, que ocorreu no dia 6 de Setembro de 2017, até à data em que foi citada para a execução fiscal, em 28 de Maio de 2018, decorreram mais de seis meses, sendo este prazo, consagrado no art. 10.º, n.º 1 da Lei n.º 23/96, de 26/07, o aplicável à dívida exequenda, que se enquadra na previsão da alínea f) do n.º 2 do art. 1.º da referida Lei.

2.2.1.2 A sentença julgou a oposição improcedente.
Pronunciando-se sobre a invocada prescrição, entendeu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em síntese e após diversos considerandos em torno, quer da prescrição, quer da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, e da definição legal de serviço público essencial dela constante, que «a ligação à rede pública de saneamento, como acto prévio ao serviço a prestar, não assume a qualificação de serviço público essencial, daí não lhe ser aplicável a Lei n.º 23/96, de 26 de Julho» e que «[u]ma coisa é a ligação ao sistema público de saneamento, facturada uma única vez ao utilizador, ocorrida antes do início da utilização, outra, a prestação do serviço de recolha de águas residuais que são facturadas aos utilizadores, de forma periódica (artigo 67.º do Dec. Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto – que estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos), englobando, entre outros, a prestação dos serviços de manutenção, conservação e renovação de ramais, de recolha e encaminhamento de águas residuais, a manutenção, conservação e renovação de caixas de ligação de ramal (salvo se por motivo imputável ao utilizador) e a instalação de medidor de caudal individual – cfr. artigo 92.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do Regulamento n.º 517/2014, “Regulamento de Serviço de Abastecimento Público de Água e de Saneamento de Águas Residuais Urbanas” do Município de Braga, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 221, de 14 de Novembro de 2014».
Assim, e depois de realçar que a tarifa que deu origem à dívida exequenda tem a natureza de taxa e que lhe é aplicável o regime prescricional previsto no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, tal como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar (A sentença referiu os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
do Pleno da Secção do Contencioso Tributário
- de 10 de Abril de 2013, proferido no processo com o n.º 15/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2e3543370a405cd080257b5900343163;
e da Secção de Contencioso Tributário
- de 31 de Março de 2016, proferido no processo com o n.º 244/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7a443bff8ff2c41f80257f8d005203d6;
- de 13 de Dezembro de 2017, proferido no processo com o n.º 653/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a227ace15f74e63e802581fb00571d59.), a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga indicou como prazo de prescrição da dívida exequenda o de oito anos, previsto no art. 15.º do RGTAL.
Concluiu, pois, que, atentas as datas de início do prazo de prescrição e da citação – 6 de Setembro de 2017 (data em que a ligação requerida pela ora Recorrente foi concluída) e 28 de Maio de 2018, respectivamente –, e que esta interrompeu aquele prazo, no termos do disposto no n.º 2 do referido art. 15.º do RGTAL, não se verifica a invocada prescrição. Salientou ainda que nem sequer pode considerar-se que após a citação tenha começado a correr novo prazo, atento o disposto nos arts. 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1, ambos do Código Civil (CC), aplicável ex vi do art. 2.º, alínea d) da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 2.º, alínea b) do RGTAL, dos quais resulta que «a citação tem um efeito instantâneo, que inutiliza todo o tempo entretanto decorrido mas, também, um efeito duradouro, só começando a correr novo prazo de prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo».

2.2.1.3 A Opoente não se conformou com o decidido e recorre da sentença para este Supremo Tribunal.
Se bem alcançamos o sentido das alegações de recurso e respectivas conclusões, a Recorrente, não só põe em causa o julgamento quanto à prescrição, mantendo que à situação sub judice é aplicável o prazo de prescrição de seis meses previsto na Lei n.º 23/96, de 6 de Julho, e, por isso, que se tinha já verificado a prescrição da dívida exequenda quando foi citada (cfr. conclusões com os n.ºs 2, 3, 25 a 42 e 44), como, inovatoriamente, veio sustentar que a competência para conhecer da presente oposição é dos tribunais comuns e não dos tribunais administrativos e fiscais, uma vez que a dívida não resulta de uma relação jurídico-tributária, sendo essa questão do conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 16.º do CPPT e, na procedência da mesma, deverão os autos ser remetidos aos tribunais comuns (cfr. conclusões com os n.ºs 1, 4 a 24 e 43).
Quanto a esta última questão, diremos desde já que ela não se coloca nos termos em que a Recorrente a pretende configurar, ou seja, como de competência do tribunal em razão da matéria enquanto pressuposto processual. Na verdade, o que está em causa, ao contrário que pretende fazer crer a Recorrente, não é a competência do tribunal em razão da matéria para conhecer da presente oposição, mas a da natureza da dívida que lhe está a ser exigida coercivamente na execução fiscal a que se veio opor: se é uma dívida tributária, proveniente de uma taxa, como sustentou a sentença, louvando-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, ou se é uma dívida de natureza contratual e privada, como parece sustentar a Recorrente, que diz que se trata de um preço, de uma contrapartida pecuniária pela prestação de um serviço no âmbito de um contrato de direito privado.
No entanto, note-se bem, a ora Recorrente nunca invocou que a dívida não houvesse de ser cobrada mediante execução fiscal e poderia tê-lo feito enquanto fundamento de oposição à execução fiscal, subsumível à previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. O que a Recorrente ora vem pôr em causa é a competência do tribunal para conhecer da oposição à execução fiscal.
Mas, se a dívida está a ser cobrada em execução fiscal e não foi posta em causa essa possibilidade, designadamente a competência do Serviço de Execuções Fiscais da entidade Exequente – a quem o Município de Braga delegou os poderes de cobrança coerciva a que aludem o art 12.º, n.º 2, do RGTAL e as alíneas b) e c) do art. 15.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, diploma que estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais –, é manifesto que a competência para conhecer da oposição deduzida contra aquela execução não pode deixar de ser dos tribunais administrativos e fiscais. Vejamos:
O processo de execução fiscal tem a natureza de processo judicial, que está expressamente reconhecida pelo n.º 1 do art. 103.º da LGT. O que significa, para além do mais, que, logo que instaurada, a execução fiscal fica na dependência e sob o controlo do juiz do tribunal tributário, não obstante a intervenção deste fique reservada para as situações de conflito de direitos que cumpra dirimir, tarefa constitucionalmente reservada ao tribunais, como resulta do disposto nos arts. 110.º, 111.º, 202.º, n.º 2, e 212.º, n.º 3, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), entre as quais se conta a oposição à execução fiscal (cfr. art. 151.º do CPPT).
Assim, não tendo sido posta oportunamente em causa a competência da entidade exequente enquanto órgão da execução fiscal, é manifesto que a competência para conhecer da oposição deduzida contra a execução fiscal cabe ao tribunal tributário de 1.ª instância, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 151.º do CPPT.

2.2.1.5 Assim, a única questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que a obrigação correspondente à dívida exequenda não está prescrita, o que passa por indagar da natureza desta dívida.

2.2.2 DA PRESCRIÇÃO

Desde logo, como bem salientaram a Juíza do Tribunal a quo, a Recorrida e o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, a denominada «Tarifa Ligação Saneamento, Vistoria de Lig. Saneamento, Execução Ramais Saneamento», cobrada pela entidade Exequente (Que é «a Entidade Gestora responsável pela concepção, construção e exploração do sistema público de abastecimento de água e do sistema público de saneamento de águas residuais urbanas» em toda a área do Município de Braga, nos termos do n.º 2 do art. 6.º do Regulamento n.º 517/2014.), ao abrigo do disposto no art. 93.º do Regulamento n.º 517/2014, Regulamento de Serviço de Abastecimento Público de Água e de Saneamento de Águas Residuais Urbanas, publicado no Diário da República n.º 221, 2.ª Série, de 14 de Novembro de 2014 (Disponível em https://dre.pt/application/conteudo/58895239.), tem a natureza de taxa, como ficou referido no acórdão referido na sentença, proferido em 10 de Abril de 2013 pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em sede de reenvio prejudicial deduzido nos termos do art. 93.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, que veio firmar o entendimento de que «[n]o domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de “tarifas” usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal»; entendimento que tem vindo a ser seguido uniformemente por este Supremo Tribunal (Vide também, para além da demais indicada na sentença e pelo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, a jurisprudência citada por JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 18 ao art. 16.º, págs. 235/236.) e que aqui reiteramos, remetendo para a fundamentação daquele acórdão.
A Recorrente sustenta que o prazo de prescrição aplicável a essa taxa é o previsto no n.º 1 do art. 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, de seis meses, porque a dívida exequenda se refere a “serviço de recolha e tratamento de águas residuais”, previstos na alínea f) do n.º 2 do art. 1.º daquela Lei e, por isso, respeita a serviços públicos essenciais tais como aí previstos e regulados.
Mas, salvo o devido respeito, não podemos concordar.
Como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, nos autos está em cobrança uma dívida proveniente de tarifa de ligação de saneamento, de execução de ramal de saneamento e de vistoria de ligação de saneamento e não uma tarifa pelo “serviço de recolha e tratamento de água residuais”, que, este último sim, se inclui no rol fechado de “serviços públicos essenciais” enunciado na Lei n.º 23/96, de 26 de Julho. Que uma e outra tarifa se referem a realidades jurídicas distintas resulta, desde logo, da sua diferente previsão no próprio Regulamento n.º 514/2014, acima referido.
Parafraseando a sentença, diremos: uma coisa é a ligação de um prédio ao sistema público de saneamento, que é obrigatória nas condições do art. 51.º do referido Regulamento (ao qual se referirão os artigos adiante referidos sem menção do diploma de origem), bem assim como a execução dos ramais de ligação, que ocorre previamente à prestação e à utilização dos serviços de recolha e tratamento de águas residuais, e que é facturada uma única vez ao utilizador (cfr. art. 93.º), a quem incumbe o seu pagamento nos termos do art. 64.º, que pode ser fraccionado sem juros, nas condições estabelecidas no art. 99.º; outra coisa é a prestação do serviço de recolha de águas residuais, no âmbito de um contrato de prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais urbanas, que são facturadas aos utilizadores, de forma periódica (cfr. art. 67.º do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto – que estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos), com periodicidade mensal (cfr. art. 9.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho), englobando, entre outros, a prestação dos serviços de manutenção, conservação e renovação de ramais, de recolha e encaminhamento de águas residuais, a manutenção, conservação e renovação de caixas de ligação de ramal (salvo se por motivo imputável ao utilizador) e a instalação de medidor de caudal individual (cfr. art. 92.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4).
Não será a necessidade da ligação de um prédio ao sistema público de saneamento, bem assim como a execução dos ramais de ligação, para a ulterior prestação do “serviço de recolha e tratamento de água residuais”, que permite confundir uns com o outro.
Afigura-se-nos, pois, que, atentas as regras de interpretação consagradas no art. 9.º do CC, os serviços de ligação ao sistema público de saneamento, de execução do ramal de ligação ao saneamento e de vistoria da ligação de saneamento, não cabem no conceito de serviço de recolha e tratamento de água residuais previsto na alínea f) do art. 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho e, consequentemente, na enumeração taxativa dos serviços públicos essenciais aí efectuada.
Assim, também o regime de prescrição da dívida exequenda será, como também salientaram a Juíza do Tribunal a quo, a Recorrida e o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, o previsto no n.º 1 do art. 15.º do RGTAL, de oito anos, e não o de seis meses, previsto no n.º 1 do art. 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.
E bem se compreende que o legislador não sujeite a tarifa por ligação de saneamento e execução de ramal de saneamento, que podem exigir obras mais ou menos importantes (veja-se o valor da taxa em cobrança), a efectuar, em princípio, uma só vez e cujo valor será reflectido no montante a cobrar ao utilizador, ao curto prazo de prescrição que estabeleceu para o direito ao recebimento do preço do serviço público essencial prestado; as razões que justificam que o prazo prescricional destes serviços seja curto, designadamente o seu carácter continuado e a periodicidade mensal da sua facturação, não se verificam naquele caso.
Concluímos, pois, que bem andou a sentença ao considerar que o prazo prescricional aplicável à situação sub judice é o previsto no n.º 1 do art. 15.º do RGTAL, de oito anos, a contar desde a data em que ficou concluída a ligação à rede de saneamento – 6 de Setembro de 2017 – e que esse prazo se interrompeu na data em que ora Recorrente foi citada – 28 de Maio de 2018 –, nos termos do n.º 2 do referido art. 15.º do RGTAL.
Sendo que um dos efeitos desse facto interruptivo é a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente, atento o disposto no n.º 1 do art. 326.º do CC, tanto basta para que a dívida exequenda não possa ter-se por prescrita, motivo por que o recurso não pode ser provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Não tendo sido posta oportunamente em causa a competência da entidade exequente enquanto órgão da execução fiscal, é manifesto que a competência para conhecer da oposição deduzida contra a execução fiscal cabe ao tribunal tributário de 1.ª instância, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 151.º do CPPT.

II - A denominada tarifa devida pela ligação ao sistema público de saneamento, pela execução do ramal de ligação ao saneamento e pela vistoria da ligação de saneamento é uma taxa e, por isso, está sujeita ao regime da prescrição previsto no art. 15.º do RGTAL, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente [cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].


*

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paulo José Rodrigues Antunes, com a declaração de voto que segue.

Declaração de voto do Senhor Conselheiro Paulo Antunes


«Declaração de voto.

Concordo com o acórdão proferido em respeito pela jurisprudência consolidada do S.T.A. que é citada - acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 2013 -, a qual, pronunciando-se sobre a natureza da tarifa de ligação de saneamento, considerou tratar-se de taxa. Daí se têm extraído várias consequências, como a da competência da Secção do Contencioso Tributário, e a ora em causa relativa à prescrição.

No entanto, não posso deixar de assinalar que posteriormente há várias vozes na doutrina a assinalar que quanto a taxas de licença, em que aquela tarifa é referida se inserir, tem de resultar a equivalência entre os custos suportados e os benefícios obtidos, não sendo admissíveis prestações meramente presumidas, caso em que se verificam contribuições especiais - cfr., José Casalta Nabais em "Sobre o regime jurídico das taxas", em seminário organizado pelo C.E.J., 2016, págs. 34-40, cujo texto se encontra acessível na NET; Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, 4.ªed. Almedina, 2019, p. 73 e, fundamentalmente, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed. Almedina, 2019, pág. 249-251-, o que me suscita dúvidas quanto à correção do entendimento tido naquela jurisprudência.

Aliás, tais dúvidas adensam-se com o facto de se ter feito acrescer IVA ao valor apurado a respeito da referida tarifa/taxa, verificando-se, consequentemente, dupla tributação.

Paulo Antunes.»