Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01136/17
Data do Acordão:06/06/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
MAIS VALIAS
INSOLVÊNCIA
Sumário:I - Os bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência continuam a ser propriedade do insolvente até à venda.
II - A diferença entre o valor de aquisição e de venda dos bens imóveis, ainda que esta se faça em processo de insolvência e o respectivo produto fique afecto à satisfação dos credores da insolvência, não deixa de ser um rendimento obtido pelo insolvente.
III – Na redacção anterior à que resulta da Lei do OE para 2018, o n.º 1 do art. 268.º do CIRE apenas previa a isenção das mais-valias resultantes da dação em cumprimento ou cessão de bens do insolvente aos credores no âmbito do processo de insolvência, e não também no caso da venda, nada fazendo crer (designadamente para efeitos da aplicação extensiva da norma a esta última situação) que o legislador tenha dito menos que pretendia.
Nº Convencional:JSTA000P23390
Nº do Documento:SA22018060601136
Data de Entrada:10/17/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MASSA FALIDA DE A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório-

1 – O Representante da Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 11 de Maio de 2017, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………….., com os sinais dos autos, contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa relativa à liquidação adicional de IRS, do ano de 2006, no montante de € 7.964,09, apresentando para tal as seguintes conclusões:


I – O objecto do recurso

I - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epigrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………. contra a liquidação de IRS, referente ao ano de 2006, pretendendo a recorrente Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.

II - As questões decidendas a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consistem em saber se a douta sentença padece de erro de julgamento, por ter considerado que a dívida gerada pelo apuramento das mais-valias é uma dívida da massa insolvente e não do insolvente e por ter anulado a liquidação com fundamento na inexigibilidade da dívida ao insolvente.

II – O erro de julgamento – a dívida da massa e a exigibilidade do pagamento

III - De acordo com o Tribunal a quo, a “questão fulcral” em dissídio consistia em “saber a quem deve ser exigido o IRS decorrente da tributação das mais-valias apuradas no âmbito da venda de um imóvel que se encontra integrado na massa insolvente e que foi efectuada pelo Administrador de Insolvência”.

IV - Assim, considerou que o imposto devido pela mais-valia gerada pela alienação de um prédio integrante da massa insolvente é “uma dívida da massa insolvente”, centrando a sua abordagem na questão da exigibilidade do pagamento de tais mais-valias.

V - Acompanhando o entendimento vertido no acórdão do TR do Porto de 02-07-2015 (processo nº8729/12.4TBVNG-G.P1), o Tribunal desatendeu os demais pedidos formulados pela impugnante, anulando apenas a liquidação com fundamento na responsabilidade pelo pagamento da dívida.

VI - Sendo o insolvente o sujeito passivo do imposto, temos aqui uma nítida separação entre quem preenche os pressupostos do facto tributário e tem o dever de cumprir uma obrigação declarativa acessória (a entrega da declaração, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º da LGT), i.e., o sujeito passivo stricto sensu e quem deve satisfazer perante o credor tributário a obrigação principal (o pagamento do imposto, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º da LGT), i.e., o devedor do imposto.

VII - De qualquer modo, o imposto devido pela mais-valia gerada é uma dívida do insolvente e não da massa insolvente, não se aplicando o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 51.º do CIRE.

VIII - Mesmo que assim não se entenda, se inexiste qualquer ilegalidade que afecte a validade ou existência do acto tributário, mas apenas a sua eventual exigibilidade àquele sujeito passivo, entramos já no domínio da eficácia do acto, pelo que

IX - O douto Tribunal, ao determinar a anulação da liquidação, imputa-lhe uma ilegalidade de que a mesma não padece, na medida em que a exigibilidade não se encontra elencada em qualquer categoria dos vícios susceptíveis de fundamentar uma acção de impugnação judicial, tratando-se de questão que apenas poderia ser discutida em sede de oposição à execução.

X - Nestes termos, incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento de direito, por:

a) ter considerado que a dívida gerada pela mais-valia é uma dívida da massa insolvente e não do insolvente, violando o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 51.º do CIRE;

b) ter ordenado a anulação da liquidação com fundamento na inexigibilidade da dívida, violando o disposto nos artigos 99.º a contrario e 204.º, n.º1 alínea b), ambos do CPPT.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, assim se fazendo

JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o parecer de fls. 103 e 104 dos autos, pronunciando-se pelo provimento do recurso e pela revogação da sentença recorrida, julgando-se improcedente a impugnação judicial, com a consequente manutenção na ordem jurídica da liquidação sindicada.

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

5 – Questão a decidir

É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação sindicada, no entendimento de que o imposto devido pelas mais-valias geradas com a alienação de bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular é uma dívida da massa insolvente e não da pessoa singular insolvente.

6 – Matéria de facto

É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:

1. Em 22/02/2005, foi proferida sentença no âmbito do processo n.º 310/05.0TBILH, que correu termos no Juízo de Comércio de Aveiro, na qual se declarou a insolvência de A……….., e ainda se determinou a nomeação da liquidatária judicial Sr.a Dra. ……… [cfr. doc fls. 26 e 29 do p.f., cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido];

2. Em 03/08/2005, foi publicado “Anúncio” no âmbito do processo de insolvência referido em 1., com o seguinte teor:



[cfr. fls. 27 do p.f.];

3. Em 26/04/2006, no Cartório Notarial de ………., foi lavrada escritura de compra e venda, cfr. fls. 28/31 do p.f., que aqui se dá por reproduzida para todos os legais efeitos;

4. Em 09/03/2010, pela AT foi elaborado Documento de Correcção – Declaração oficiosa, tendo sido indicado no anexo G a alienação referida em 3. [cfr. fls. 12/17 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido];

5. Em 11/11/2010, a AT, emitiu em nome da Impugnante, demonstração de compensação relativa à liquidação oficiosa de IRS n.º 201055042556, no montante de €7.817,77, respeitante ao ano de 2006 [cfr. fls. 12/17 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido];

6. Em 28/02/2011, a Impugnante apresentou reclamação graciosa relativa à liquidação referida em 4. [cfr. fls. 2/3 do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido];

7. Em 29/08/2011, por despacho do Sr. Director de Finanças de Aveiro deferiu parcialmente o pedido de reclamação graciosa referido em 5., notificado à Impugnante em 29/08/2011, mediante ofício registado n.º RC828144134PT [cfr. fls. 57/59 verso do PA];

8. Em 13/09/2011, foi intentada a presente Impugnação [cfr. fls. 5 do p.f.].

7 – Apreciando

7.1. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 60 a 71 dos autos, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………… contra o indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto liquidação adicional de IRS do ano de 2006 resultante da tributação de mais-valias imobiliárias decorrentes da transmissão onerosa de bem imóvel apreendido para a massa insolvente, efectuada pela administradora da insolvência, no entendimento de que “quando, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, o administrador da insolvência procede à alienação de bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação [art. 10/1a) do CIRS] é uma dívida da massa insolvente [art. 51/1c) do CIRE]”.

Fundamentou-se o decidido no entendimento vertido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido a 2 de Julho de 2015 no âmbito do Processo n.º 8729/12.4TBVNG-G.P1, julgado aplicável ao caso dos autos.

Discorda do decidido a AT, alegando que o imposto devido pela mais-valia gerada é uma dívida do insolvente e não da massa insolvente, não se aplicando o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 51.º do CIRE e que se inexiste qualquer ilegalidade que afecte a validade ou existência do acto tributário, mas apenas a sua eventual exigibilidade àquele sujeito passivo, entramos já no domínio da eficácia do acto, pelo que o douto Tribunal, ao determinar a anulação da liquidação, imputa-lhe uma ilegalidade de que a mesma não padece, na medida em que a exigibilidade não se encontra elencada em qualquer categoria dos vícios susceptíveis de fundamentar uma acção de impugnação judicial, tratando-se de questão que apenas poderia ser discutida em sede de oposição à execução. Termina imputando à sentença recorrida erro de julgamento ao ter considerado que a dívida gerada pela mais-valia é uma dívida da massa insolvente e não do insolvente, violando o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 51.º do CIRE e ao ter ordenado a anulação da liquidação com fundamento na inexigibilidade da dívida, violando o disposto nos artigos 99.º a contrario e 204.º, n.º1 alínea b), ambos do CPPT.


A Recorrida não apresentou contra-alegações e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, no seu parecer junto aos autos, pronuncia-se pela procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida.


Vejamos.
Tem decidido este STA não padecer de ilegalidade a liquidação de IRS efectuada aos proprietários (insolventes) de bens imóveis integrados na massa insolvente cuja alienação, pelo administrador de insolvência, gere mais-valia, pois que são estes, nos termos legais, e não a massa insolvente, os proprietários dos bens e sujeitos passivos do imposto. Como tem decidido não ser de interpretar extensivamente a norma de isenção prevista no n.º 1 do artigo 268.º do CIRE (na redação anterior à que resultou da Lei do Orçamento do Estado para 2018, que deu nova redacção ao n.º 1 do artigo 268.º do CIRE) por forma a nela abarcar, para além da sua letra, IRS incidente sobre mais-valias geradas pela venda de bens imóveis que integrem a massa insolvente – cfr. o nosso Acórdão de 10 de Maio de 2017, proferido no recurso n.º 669/17, cujo entendimento foi reiterado, mais recentemente, por Acórdãos de 11 de Outubro último, proferido no recurso n.º 504/17, e de 30 de Maio último, proferido no recurso n.º 144/17.

Isto porque, como se tem consignado, e que com a devida vénia se transcreve:

«O art. 268.º do CIRE, que tem como epígrafe «Benefícios relativos a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas», prevê no seu n.º 1 uma isenção relativamente aos impostos sobre o rendimento nos seguintes termos: «As mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores estão isentas de impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas, não concorrendo para a determinação da matéria colectável do devedor».

Como resulta da letra da lei apenas estão abrangidas pela isenção de IRS, as mais-valias resultantes da dação em cumprimento de bens do insolvente e da cessão desses bens aos credores e já não as resultantes da venda desses bens – figuras jurídicas inequivocamente distintas e tratadas autonomamente no Código Civil (CC) –, ainda que o seu produto seja aplicado no pagamento aos credores.

Antes do mais, cumpre ter presente que, em matéria de isenções, há que observar o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, que veda a integração analógica de normas de isenção de imposto, embora consinta na sua interpretação extensiva, como, aliás, reconhece o legislador ordinário (cfr. art. 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais). A interpretação extensiva pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador minus dixit quam voluit, que o legislador disse menos do que aquilo que se pretendia dizer (Sobre a questão, vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 23 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 592/11, disponível em (http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/276fb5605d95722d8025795d00445be9.), ou seja, que quando isentou de IRS as mais-valias resultantes da dação em cumprimento de bens do devedor aos credores ou da cessão de bens aos credores pretendia igualmente abranger no âmbito da isenção as mais-valias realizadas com a venda a terceiros desses bens, pelo menos na parte em que o produto dessa venda fosse utilizado no pagamento aos credores. Mas, salvo o devido respeito, qualquer que seja o juízo sobre a bondade da opção legislativa, não pode é sustentar-se que o legislador pretendia também abranger na isenção prevista no n.º 1 do art. 268.º do CIRE as mais-valias resultantes da venda de bens do devedor. Na verdade, a ser assim, por certo o teria dito expressamente (cfr. art. 9.º, n.º 3, do CC), tanto mais que as situações de venda serão mais vulgares que as de dação em pagamento ou cessão de bens aos credores. Por outro lado, nada permite concluir, designadamente a ratio legis, que o legislador quisesse aplicar às situações em que há venda de bens (transferência de bens do insolvente para terceiros) tratamento idêntico àquele em que há uma transferência directa de bens da esfera patrimonial do insolvente para a dos credores, sendo legítimo concluir que pretendeu estimular este modo de extinção das dívidas do insolvente.

Concluímos, pois, que as mais-valias resultantes da venda de bens do insolvente não estão abrangidas pela isenção prevista no n.º 1 do art. 268.º do CIRE. Mas será que, como sustentou o Juiz do Tribunal a quo, que o insolvente não obteve qualquer rendimento com a alienação do imóvel?

Atento o disposto nos arts. 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e, designadamente, a repartição do produto obtido pelos credores, podendo ser objecto de tal processo quaisquer pessoas singulares ou colectivas, sendo que, no caso, apenas nos interessa considerar a insolvência de pessoa singular.

Quando uma pessoa singular é objecto de uma declaração de insolvência, os seus bens susceptíveis de penhora são apreendidos, de acordo com a alínea g) do n.º 1 do art. 36.º do CIRE, e passam a integrar um património autónomo e de afectação, uma vez se destina à satisfação dos interesses dos credores da insolvência, denominada massa insolvente. A massa insolvente, de acordo com o conceito do n.º 1 do art. 46.º do CIRE, «destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo».
Esses bens são entregues ao administrador da insolvência (O administrador da insolvência é um órgão da insolvência sem poderes de representação do insolvente que seja pessoa singular, contrariamente ao que sucede relativamente às pessoas colectivas (cfr. art. 81.º, n.º 4, do CIRE).), que é quem pode exercer poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE).

Daqui decorre que a massa insolvente tem autonomia patrimonial, que existe quando se está perante uma «certa massa de bens afectada ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas» (Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, anotação 4 ao art. 601.º, pág. 586.

No mesmo sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, Revista da Ordem dos Advogados, Dezembro de 1995, págs. 652/653; MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Os efeitos substantivos da falência, PUC 2000, pág. 127; PAULA COSTA E SILVA, A liquidação da massa insolvente, Revista da Ordem dos Advogados, 2005, volume III, págs. 717 a 719, onde fala de «património de afectação» (também disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=44561&ida=44625).), mas não constitui uma pessoa (singular ou colectiva), um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer (() Não passam a existir duas pessoas, tal como não existem três entes em resultado de um casamento, apesar de existirem dois patrimónios próprios e um comum.). Dito de outro modo, «A constituição de um património autónomo não acarreta o aparecimento de uma nova subjectividade jurídica, distinta do devedor insolvente que lhe deu origem» (Cfr. BRUNO SANTIAGO e BEATRIZ CAPELOA GIL, A responsabilidade pelo imposto devido na liquidação dos bens que integram a massa insolvente, Cadernos de Justiça Tributária, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, n.º 13, págs. 3 a 15.).

A massa insolvente constitui apenas uma parte separada do património da pessoa singular a quem os bens pertencem e a quem não deixam de pertencer por força da declaração de insolvência; o que acontece, quando há uma declaração de insolvência, é apenas a transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, da pessoa insolvente para o administrador da insolvência (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE). Os bens não deixam de ser propriedade do insolvente; apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles.

Assim, praticando o administrador actos de liquidação da massa insolvente, designadamente vendendo (Segundo o art. 158.º, n.º 1, do CIRE, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente.) bem imóvel integrante dessa massa (venda efectuada na qualidade de fiel depositário dos bens do devedor, como representante da massa insolvente, e não em nome próprio), se a venda for efectuada por um valor superior àquele pelo qual o imóvel foi adquirido, gera um acréscimo do património do insolvente, constituindo assim um rendimento sujeito a IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do Código daquele imposto. Como deixou já dito este Supremo Tribunal Administrativo, para a qualificação como mais-valia sujeita a tributação releva unicamente a diferença positiva entre o valor pelo qual um imóvel foi alienado e o valor da sua aquisição, corrigido e acrescido nos termos legais, sendo irrelevante o destino dado ao produto da venda, uma vez que o ganho tributado é o que decorre da diferença entre os valores de aquisição e de realização, ou seja, entre o valor por que o bem ingressou no património do sujeito passivo e o valor por que dele saiu (Cfr. o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 21 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 582/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b601a4ed1e38d3eb80258037004cbb31.). Aliás, nem sequer pode dizer-se que não haja benefício para o insolvente, pois esse acréscimo patrimonial beneficiou o insolvente embora na parte do seu património separada para a massa, traduzindo-se numa diminuição do seu passivo.

Neste sentido, aponta também, a contrario, o disposto no art. 268.º do CIRE, ao prever uma isenção de IRS para as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento (realização de uma prestação, diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação) de bens do devedor e da cessão de bens aos credores (em que o devedor encarrega os credores de liquidar o seu património ou parte dele e de repartirem entre si o respectivo produto para satisfação dos seus créditos); o que significa que, se as mais-valias não resultarem de um desses negócios previstos nesta norma de isenção, designadamente se resultarem da venda de bens da massa insolvente, e a menos que gerem rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais (Ou seja, pressupomos que os imóveis pertencem ao património particular do sujeito passivo, isto é, que não estavam afectos a qualquer actividade empresarial e/ou profissional.), estão abrangidas pelo IRS, concorrendo para a determinação da matéria colectável em sede deste imposto [art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS]. Neste sentido também se pronunciam a AT, na informação vinculativa emitida no processo 5957/2010 da Direcção-Geral dos Impostos, com despacho concordante da Subdirectora-Geral de 1 de Outubro de 2010 (() Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/B88EB745-5794-49A6-8C8C-00AFC4C8030F/0/ProcN%C2%BA5957_2010IRS.pdf.), e a doutrina (Designadamente: - CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3.ª edição, Quid Juris, 2015, págs. 916/917;
- LIMA GUERREIRO, Os créditos fiscais no novo CPERF, Fisco, ano V, n.º 54, pág. 118;
- SARA LUÍS DA SILVA VEIGA DIAS, O crédito tributário e as obrigações fiscais no processo de insolvência, págs. 98/99, dissertação de mestrado, no repositorium da Universidade do Minho, disponível em
http://hdl.handle.net/1822/21395;
- ANA PRATA, JORGE MORAIS DE CARVALHO e RUI SIMÕES, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Almedina, 2013, pág. 716, em anotação ao art. 268.º.).

Daqui decorre que não podemos concordar com a sentença quando, considerando inexistir rendimento do insolvente sujeito a tributação em IRS, anulou a liquidação com esse fundamento.» (fim de citação).

É este julgamento que aqui se reitera, sendo, pois, de concluir que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a liquidação impugnada não sofre de vício de violação de lei ao ter liquidado o IRS à proprietária, insolvente, do bem imóvel alienado e integrado na massa insolvente gerador de mais-valias, como não viola a norma de isenção prevista no n.º 1 do artigo 268.º do CIRE, na redacção ao tempo vigente e aqui aplicável.

Questão diversa, que não cumpre aqui tratar - pois que na impugnação está apenas em causa a legalidade da liquidação sindicada e não a exigibilidade da dívida liquidada - é a de saber por que bens responde a dívida de IRS gerada, questão esta a apreciar, se for o caso, no âmbito do processo executivo, e que não cabe aqui antecipar, pois que a anulação não pode ter por fundamento a inexigibilidade da dívida exequenda, antes a ilegalidade desta, como bem diz a recorrente.

Por este motivo merece provimento o recurso, sendo de revogar o julgado recorrido e julgar improcedente a impugnação.


- Decisão -

8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação judicial.

Custas pela Recorrida, em 1.ª instância e neste STA, aqui salvo no que respeita à taxa de justiça devida pelo presente recurso, pois não contra-alegou.

Lisboa, 6 de Junho de 2018. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Pedro Delgado.