Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01400/17
Data do Acordão:02/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:INEPTIDÃO DA PETIÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I - Se a impugnante não identificou na petição o acto impugnado, não incumbia ao tribunal “a quo” substituir-se à Impugnante na identificação e junção do mesmo acto.
II - Ocorrendo total ausência de indicação do acto de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial, daí decorre a falta de objecto da mesma e a ininteligibilidade do pedido apresentado na petição inicial.
III - Se a ora recorrente nada fez quando notificada para tornar precisa a petição, desde logo neste elemento essencial – indicação do acto lesivo para si ou seja o acto impugnado que constituiria o objecto da acção que dirigiu ao tribunal, impõe-se a confirmação do indeferimento liminar por ineptidão da petição inicial.
IV - Não houve qualquer decisão surpresa uma vez que a ora recorrente foi notificada com a cominação de que, se nada fizesse seria indeferida liminarmente a petição inicial e não ocorreu também a violação de qualquer dever de «gestão processual», por parte do Juiz nem do direito de acesso à justiça e aos tribunais positivado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
Nº Convencional:JSTA000P22894
Nº do Documento:SA22018020701400
Data de Entrada:02/07/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A…………, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal, do despacho da Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que indeferiu liminarmente a presente impugnação judicial pelo facto da petição inicial ser inepta.

Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões subordinadas a alíneas da nossa iniciativa:
a)«• Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 16 de junho de 2017, este decidiu que “indefiro liminarmente a presente impugnação judicial”.
b)• Contudo, com o devido respeito, entende a recorrente que o indeferimento liminar das petições iniciais terá de ser adotado em última ratio.
c)• «Resulta do ordenamento jurídico que a rejeição liminar deve ser usada com parcimónia, reduzida aos casos em que seja manifesta a existência de fundamento para a rejeição liminar e não como uma possibilidade geral de fazer extinguir o processo judicial instaurado em juízo» — Ac. do TCAS, de 06-03-2014, proc. nº 10791/14.
d)• Objetivando e revertendo à situação concreta em análise, se é certo que a controvertida Petição Inicial se não mostra uma peça exemplar, de onde resultam deficiências expositivas, designadamente no que concretização do acto tributário ou procedimento em concreto, que é facto é que, ainda assim, se identifica um mínimo de factualidade relevante, de fundamento do pedido, ao que acresce a identificação da pretensão deduzida. (sic)
e)• Ademais, a própria recorrente reconhecendo a imprecisão da sua petição solicitou ao tribunal a quo a “devida notificação à impugnante com indicação concreta de qual o acto impugnado, a fim de proceder ao aperfeiçoamento da peça processual.
f)• O Tribunal a quo devia diligenciar nesse sentido, em estrito cumprimento do princípio da cooperação estabelecido no artigo 7°, nº 1 do CPC.
g)• Portanto, actualmente, em obediência do princípio que se encontra vertido no referido normativo, quando alguma das partes alegue dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade, ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo, assim se conferindo à parte uma verdadeira efectividade do acesso à justiça tal qual se mostra constitucionalmente consagrada.
h)• Analisando o caso vertente, dúvidas não existem de que podemos concluir que a Recorrente fez um esforço de condensação na petição inicial que apresentou, e tudo isso na medida do possível, tendo o douto tribunal perante a dificuldade da recorrente, proferir sem mais despacho liminar de indeferimento da impugnação judicial
i)• No caso em análise, a resolução do litígio ficou por acautelar, prejudicando a recorrente, onerando-a gravosamente, de várias formas, não se tendo feito qualquer uso do “Dever de Gestão Processual”.
j)• Impedir, nestas circunstâncias, o acesso à Justiça é uma solução manifestamente gravosa, desproporcional e mesmo inconstitucional — por violação das garantias de defesa dos sujeitos processuais, nomeadamente, bem como do direito de acesso à justiça e aos tribunais positivado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP - e contrário ao Estado de Direito Democrático e ao próprio artigo 2 do Protocolo 7º da CEDH.
l)• A falta de cooperação, neste caso, não foi da parte, mas do Tribunal.
m)• Havendo, assim, violação de disposições constitucionais e processuais.
n)• Perante a censurável violação dos preceitos ora mencionados, mais se requer a procedência por provado do presente recurso, tudo em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!
Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V. Ex. deverá ser considerado procedente por provado o presente recurso, revogando-se o douto despacho, em estrita conformidade com a tão douta e costumada JUSTIÇA!»

Não foram apresentadas contra alegações.

O Ministério Público a fls. 62 e seguintes emitiu parecer com o seguinte conteúdo que se apresenta por extracto:
«1. Inconformada, veio a Recorrente A………… interpor recurso jurisdicional do despacho de indeferimento liminar, proferido em 16/06/2017, pela M. Juíza de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que decidiu indeferir liminarmente a presente impugnação judicial, brevitatis causa, com fundamento no facto de a petição inicial ser inepta, por falta de objeto e, ainda, por ininteligibilidade do pedido, determinante da sua nulidade, a qual é do conhecimento oficioso do tribunal, de harmonia com o disposto nos artigos 98.º do CPPT, 195.º n.º 1 e 186.º, n.º 2, alínea a), estes últimos do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT (cfr. o citado despacho, constante de fls. 28 a 32 e, ainda, as alegações juntas de fls. 48 a 50 do processo em suporte físico, de ora em diante designado como p. f.)
(…) Conforme ressalta da análise das conclusões da motivação em apreço, a ora Recorrente veio insurgir-se contra a decisão judicial recorrida, imputando-lhe erros de julgamento de direito, com o que, alegadamente, se mostrariam violados o princípio da cooperação, consagrado no artigo 7º, n.º 1, do CPC, e, bem assim, o direito de acesso à justiça e aos tribunais, proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, ínsito no Estado de Direito Democrático e no artigo 2.º do Protocolo 7° da CEDH (cfr. as respetivas conclusões, ínsitas a fls. 49 e 50 do p. f.)
2. O Ministério Público avança, desde já, que não sufraga o entendimento da aqui Recorrente A………….
Assim, contrariamente ao por si invocado, os mencionados princípios não se mostram infringidos pelo tribunal a quo.
Na verdade, previamente à prolação do despacho em crise, a M.ma Juíza de Direito do TAF de Sintra, em 15/05/2017, proferiu um primeiro despacho, em que determinou a notificação da Impugnante, a fim de, no prazo que lhe foi fixado em dez dias, vir aos autos juntar o ato impugnado, com menção da data da sua notificação, com vista a aferir da tempestividade e da adequação do meio processual utilizado e sob a expressa cominação de, não o fazendo, ser rejeitada liminarmente a petição inicial (cfr. fls. 21 do p. f.)
Sucede que, na sequência desse despacho, a Impugnante nada fez, invocando, para tanto, razões anódinas e inconsistentes, cuja total falta de fundamento foi evidenciada no despacho em crise (assim, cotejar, de um lado, o requerimento junto a fls. 24 e, do outro, a fundamentação do despacho recorrido, inserta a fls. 29 e 30 do p. f.)
Com efeito, estranhamente, a Impugnante limitou-se a endossar ao tribunal a quo o ónus de identificar o ato impugnado e, eventualmente, inclusive, de providenciar no sentido de o juntar, com o que incumpriu o dever de impulso processual e, outrossim, os princípios do dispositivo e da colaboração com o tribunal.
Efetivamente, como bem enfatizou a M.ma Juíza de Direito, no despacho recorrido, não incumbia ao tribunal a quo substituir-se à Impugnante na identificação e junção do ato impugnado.
E essa constatação é ainda mais evidente, no caso em presença, já que não se trata aqui de um eventual lapso na sua identificação, que o tribunal pudesse relevar, mas da total ausência de um qualquer ato de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente Impugnação Judicial.
3. Em adição, a julgadora do tribunal a quo não afrontou o princípio da cooperação, porquanto, no primeiro contacto com o processo, entendeu providenciar no sentido de proceder à notificação da Impugnante, a fim de vir regularizar a instância, indicando o ato impugnado e juntando a respetiva cópia, sob a expressa cominação de, não o fazendo, ser rejeitada liminarmente a petição inicial (cfr. fls. 21 do p. f.)
A ser assim, atenta a falta de indicação e de junção do ato impugnado, por banda da Impugnante, não se impunha à M.ma Juíza do TAF de Sintra que interviesse ex officio, de novo, no processo (…)
4. Em suma e em conclusão, deverá este Colendo Supremo Tribunal ad quem negar provimento ao presente recurso jurisdicional e como decorrência, confirmar a decisão judicial recorrida»

2 - Fundamentação
O despacho sob recurso tem o seguinte teor:
Nos presentes autos, a Autora, A………… declara “ao abrigo do artigo 97.º e seguintes do C.P.P.T., impugnar judicialmente”.
Começa a sua petição por suscitar uma “Questão Prévia da pronúncia de mérito para efeitos do disposto no art. 47° do RGIT”, no âmbito da qual refere que “atendendo ao objecto da impugnação, a procedência desta importará a não responsabilidade criminal do arguido no processo penal tributário”, acrescentando que “a liquidação do Imposto, nos termos em que alegadamente vem notificada, não se encontra conforme o Direito”, para concluir que “a presente oposição sempre determinará a produção de feitos que melhor se encontram previstos no artigo 47.º do RGIT”.
Seguidamente discorre sobre a “nulidade que enferma os presentes autos”, invocando o artigo 36º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), referindo nunca ter sido “devidamente notificado de qualquer processo”, concluindo que “nunca o impugnante foi devidamente citado/notificado da devida fundamentação (a existir) que justifique, de forma legal, o prosseguimento de qualquer acção”.
Invoca a invalidade e nulidade de todo o processado por não ter sido regularmente citada, concluindo que tal “se traduz numa nulidade processual absoluta, cfr. art.°s 188°, 191°, 194°, 195°e 196° CPC, aplicáveis subsidiariamente”, requerendo “ao órgão competente, que proceda a nova citação”.
A final, reitera a falta de notificação e invoca os artigos 36° do CPPT e 77° da Lei Geral Tributária (LGT), invoca os artigos 20° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 10° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, os princípios da cooperação judiciária, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade, da Justiça e da colaboração da Administração com os administrados.
E peticiona a sua absolvição da instância, por não ter sido devidamente notificada. (fls. 4 a 13, da numeração em suporte de papel, a que correspondem futuras referências sem menção de origem)

No âmbito da apreciação liminar dos presentes autos, e verificando que a petição não identificava ou sequer referia qualquer acto tributário ou procedimento em concreto, foi proferido despacho convidando a Impugnante a juntar aos autos o acto impugnado, “a fim de aferir da tempestividade e adequação do meio processual”. (cf. fls. 21)

Em resposta, a Impugnante refere que “não pode, de forma objectiva e por razão não imputável à mesma”, cumprir o que foi determinado, por ser titular de diversos processos da mesma espécie e natureza, e porque o processo “não se encontra na sua integralidade disponível para consulta no SITAF,” não “conseguindo sequer a impugnante consultar o número de PEF ou o acto que se encontra na origem, in casu, do presente processo de impugnação”, requerendo a “devida notificação à impugnante com indicação concreta de qual o acto impugnando e ainda” a “devida correcção da situação desconforme que se apresenta na plataforma informática SITAF”. (cf. fls. 24)

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 110º do CPPT, uma vez recebido o processo de impugnação em Tribunal, deve o Juiz proferir despacho liminar tendo por objecto a petição inicial apresentada.
Porém, antes de proceder a tal apreciação, importa esclarecer a Impugnante que o processo se encontra integralmente disponível na plataforma SITAF, conforme verificado nesta data pela Juiz signatária.
Esclarecendo-se ainda que quando, nas impressões juntas pela Impugnante, com o seu requerimento de 1 de Junho de 2017 (a fls. 25 e 26), consta o n.º “16”, tal não significa que se trata de um documento com 16 páginas mas, sim e como consta do título da respectiva coluna (“Num 1ª Pág”), que a 1ª página daquele documento é a 16 do processo SITAF.
Apreciando liminarmente, desde logo se verifica, quanto ao objecto dos presentes autos, que a impugnante não identifica, refere ou junta qualquer acto de liquidação em concreto, cuja legalidade o Tribunal possa apreciar no âmbito dos presentes autos.
Acresce que, notificada para suprir tal omissão, limitou-se a devolver tal pedido ao Tribunal, persistindo a omissão.
Ora, antes de mais, cumpre recordar que é à Impugnante que compete identificar o acto impugnando, o qual constitui o objecto dos autos e que só por essa via chega ao conhecimento do Tribunal.
Tal é o que resulta do disposto no artigo 108° do CPPT, cujo n.º 1 consagra a expressa obrigação de identificação do acto impugnando e da entidade que o praticou.
Resultando dos autos, o absoluto incumprimento de tal norma, mesmo após convite para suprir tal lacuna.
E tendo presente o disposto no artigo 110° n.º 1 do CPPT, do qual resulta a obrigação de proceder à apreciação liminar da petição, proferindo um juízo de admissão ou recusa da mesma (como explica Jorge Lopes de Sousa, em “CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO — ANOTADO E COMENTADO”, volume 6ª edição, 2011, Áreas Editora — anotações 4 a 7 ao artigo 110°, págs. 228 a 234);
Haverá que concluir pela ineptidão da petição, por falta de objecto, considerando-a nula, como resulta do disposto nos artigos 98° do CPPT e 195° n.º 1 do CPC, aplicável por remissão do artigo 2° alínea e) do CPPT, e rejeitá-la liminarmente, porquanto se trata de uma nulidade de conhecimento oficioso (cf. artigo 98º n.º 2 do CPPT).
Refira-se, adicionalmente, que, vindo peticionada a absolvição da instância da própria Autora, ora Impugnante, a petição afigurar-se-ia igualmente inepta, por ininteligibilidade do pedido, à luz do disposto no artigo 186° n.º 2 alínea a) do CPC, e como tal nula nos termos do artigo 98° n.º 1 alínea a) do CPPT, o que determinaria igualmente a sua rejeição liminar.
Pelo exposto, após análise da petição inicial, impõe-se a prolação de despacho de indeferimento liminar, atento o princípio básico de economia processual, que contém a sua expressão máxima na proibição da prática de actos inúteis previsto no artigo 130° do CPC.

Uma nota adicional para censurar a conduta processual da Impugnante que, por lapso ou intencionalmente, instaurou uma acção totalmente desprovida de objecto e, quando convidada a saná-lo, prosseguiu com um conjunto de alegações destituídas de fundamento e cuja aplicação aos presentes autos nos suscitam dúvidas, desde logo, porquanto num processo de impugnação judicial, invoca a aplicação do artigo 47° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), faz referência ao Processo de Execução Fiscal (PEF) e nunca se refere à liquidação impugnada.
Após análise da petição e do esclarecimento apresentado pela Impugnante, a sua pretensão permanece ininteligível para o Tribunal, facto que deve ser evidente para a Impugnante ou, pelo menos, para o seu mandatário.
Tal comportamento, raia os limites da conduta processualmente sanada com a condenação em litigância de má-fé, da Impugnante e/ou do seu mandatário, nos termos previstos nos artigos 542° e 545º do CPC, pelo que deverá ser evitada em acções posteriores, nas quais deverá ser empregue maior cuidado e diligência na exposição fáctico jurídica da pretensão processual e, bem assim, na correcta e clara identificação do acto sindicado.

Fixo à acção o valor de € 15.000,01, conforme indicado pela IMPUGNANTE, a fls. 12, por se desconhecer o valor da liquidação impugnada. (cf. artigo 97°-A n.º 1 alínea a) do CPPT e 296°, 297° n.º 1 e 306° n.º 1 do CPC, aplicável por remissão do artigo 2° alínea e) do CPPT).

DECISÃO
Por todo o exposto, indefiro liminarmente a presente impugnação judicial.
Custas pela Impugnante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário (cf. artigo 527° n.º 1 e 2 do CPC, aplicável por remissão do artigo 2° alínea e) do CPPT).

DECIDINDO NESTE STA
A única questão a decidir consiste em saber se está correcta a decisão ora sindicada que se decidiu pelo indeferimento liminar da petição de impugnação com fundamento no facto de a petição inicial ser inepta, por falta de objecto e, ainda, por ininteligibilidade do pedido, determinante da sua nulidade, a qual entendeu ser do conhecimento oficioso do tribunal, de harmonia com o disposto nos artigos 98.º do CPPT, 195.º n.º 1 e 186.º, n.º 2, alínea a), estes últimos do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

Importa saber se foram cometidos erros de julgamento de direito, e se terá sido violado o princípio da cooperação, consagrado no artigo 7º, n.º 1, do CPC, e, bem assim, o direito de acesso à justiça e aos tribunais, proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.

Devemos desde logo considerar que mostram os autos que, previamente à prolação do despacho agora sindicado, a Meritíssima Juíza, em 15/05/2017, proferiu um primeiro despacho, em que determinou a notificação da Impugnante, a fim de, no prazo que lhe foi fixado em dez dias, vir aos autos juntar o acto impugnado, com menção da data da sua notificação, com vista a aferir da tempestividade e da adequação do meio processual utilizado e sob a expressa cominação de, não o fazendo, ser rejeitada liminarmente a petição inicial (cfr. fls. 21 dos autos).

E também mostram que após ter sido notificada desse despacho, a Impugnante de concreto no sentido do determinado naquele despacho nada fez que permitisse identificar o acto impugnado e a sua pretensão em relação ao mesmo.
Limitou-se a apresentar o requerimento de fls. 24 e vº que fez acompanhar de um documento que consubstancia fls. 25 e 26 dos autos o qual constitui uma consulta ao site do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça onde consta na primeira página o número de um processo 553/17.4BESNT (o processo pesquisado) e figura como interveniente a ora recorrente e na página seguinte a indicação de vários ficheiros com os nºs 005747657;005745926;005743378;005742294 e 005742293 que uma vez abertos revelam o teor dos vários despachos e requerimentos efectuados no processo acabado de referir.
O requerimento de fls. 24 Vº tem o seguinte teor:
A…………, impugnante nos autos supra mencionados e nos mesmos melhor identificados, notificada que foi do despacho fls., vem expor e consequentemente requerer, o que o faz ao abrigo dos seguintes termos e demais fundamentos:
1. Vem a impugnante notificada do douto despacho de fls.,
2. O qual enforma notificação para a impugnante juntar aos autos o acto impugnado.
3. Porém, não pode, de forma objectiva e por razão não imputável à mesma, a impugnante proceder em conformidade com o quanto vem ordenado.
Isto porque
4. A impugnante não tem apenas o presente processo pendente da mesma espécie e natureza, neste douto Tribunal.
5. Assim e por forma a apurar qual o acto impugnado em concreto, procurou diligência pela consulta do processo, na plataforma informática SITAF.
6. Não obstante, e para seu espanto porquanto não é habito deste douto Tribunal, sendo na verdade o inverso, de forma diligente,
7. A verdade é que o processo em causa não se encontra na sua integralidade disponível para consulta no SITAF.
8. Assim e não obstante na consulta do processo SITAF indicar que determinados actos processuais são compostos por 16 páginas a verdade e que quando seleccionado o referido documento o mesmo apresenta-se apenas como uma página,
9. Não conseguindo sequer a impugnante consultar o número de PEF ou o acto que se encontra na origem, in casu do presente processo de impugnação.
10. Tudo cfr. DOC 1 que ora se junta e se dá como integralmente reproduzido para devidos efeitos legais.
11. Ora tal situação, que não pode deixar de relevar na qualidade de lapso e erro informático.
12. Não imputável que é a este douto Tribunal,
13. Também não poderá ser imputável à impugnante.
Outrossim,
14. I — O justo impedimento e concedido às partes, a título excepcional, quando razões estranhas e imprevisíveis ocorram, de forma que se revele adequada e equitativa a concessão de um prazo suplementar para a prática do acto.
II – A parte que invoque o justo impedimento para a prática de um acto processual em tempo deve arguir o incidente e praticar esse acto logo que cesse o justo impedimento in Ac. TRC, proc. 1887/06, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/c83fd61ee77a243b802571e8004b4c76?OpenDocument.
15. Nestes termos mais se requer a V. Ex.ª que, conforme alegado e provado documentalmente seja por este douto Tribunal reconhecido o justo impedimento ao cumprimento do quanto melhor vem ordenado por V.ª Exª.,
16. Mais se requerendo a devida notificação à impugnante com indicação concreta de qual o acto impugnado e ainda,
17. A devida correcção da situação desconforme que se apresenta na plataforma informática SlTAF,
18. Por forma a que diligentemente, venha a impugnante cumprir, com o quanto melhor se encontra ordenado por este douto tribunal, tudo no estrito cumprimento da tão douta e costumada JUSTIÇA.

De facto, não apresentou razões válidas para o não cumprimento do solicitado e limitou-se a endossar ao tribunal “a quo” o ónus de identificar o ato impugnado sem que tivesse ocorrido qualquer justo impedimento e, vem agora invocar violação por parte do tribunal do princípio da cooperação e violação também do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, violações que não se verificam como procuraremos evidenciar. De resto já a petição inicial era, em substância, um enunciado de princípios e afirmações comuns de direito, e de normas sem a devida correspondência com factos que permitam fazer qualquer subsunção destes ao direito ou princípios enunciados e alegadamente violados. Verdadeiramente não se entende a causa de pedir e o pedido que acabou por ser expresso do seguinte modo a fls. 12- (sic) “Termos em que se requer que seja por não ter sido notificado ao impugnante, requer-se a absolvição do impugnante da instância assim diligenciando V. Ex.a na aplicação ao caso concreto da tão douta e costumada justiça”.

Mas vejamos o direito:

Dispõe o artigo 108º do CPPT o seguinte:

Artigo 108.º

Requisitos da petição inicial

1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o acto impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.

2 - Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efectuar pelos serviços competentes da administração tributária.

3 - Com a petição, elaborada em triplicado, sendo uma cópia para arquivo e outra para o representante da Fazenda Pública, o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.

A impugnante não identificou o acto impugnado e, não incumbia ao tribunal a quo substituir-se à Impugnante na identificação e junção do ato impugnado. Ocorre total ausência de indicação do acto de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial e daí decorre a falta de objecto da impugnação e a ininteligibilidade do pedido apresentado na petição inicial. A ora recorrente concede, aliás que a sua petição inicial era imprecisa (vide supra conclusão e)), mas nada fez, nem quando notificada para a tornar precisa, desde logo neste elemento essencial – indicação do acto lesivo para si ou seja o acto impugnado que constituiria o objecto da acção que dirigiu ao tribunal.

É exacto que atenta a falta de objecto da impugnação e, bem assim, a ininteligibilidade do pedido formulado na petição inicial, o tribunal “a quo” nunca poderia emitir primeiro uma decisão sobre a tempestividade da impugnação, que obedece aos prazos previstos no artº 102º do CPPT e depois, caso se verificasse a tempestividade da mesma, uma decisão de mérito, por não ter sido materializado o ataque a um qualquer ato de liquidação de um tributo com indicação de causa(s) de pedir inteligíveis.
Esta é uma situação bem distinta de outros casos apreciados por este STA onde se expressou que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Mas no presente caso nem sequer estamos imediatamente numa situação de evidência da improcedência da pretensão do autor. Estamos ainda a montante, na omissão de identificação do próprio acto impugnado e daí que o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, sendo que a concretizar-se redundaria em manifesto desperdício de actividade judicial. Nestas circunstâncias não se contraria o sentido decisório dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.05.2014, recurso 69/14, de 6.03.2014, recurso 509/13, de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.
No caso apreço, consideramos que o entendimento veiculado na decisão recorrida justifica o despacho de indeferimento liminar por impossibilidade da lide sendo correcta a fundamentação, supra destacada, em que se sustenta a decisão e que também para aqui se aporta.
Permitimo-nos ainda destacar aqui a asserção do Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA inserta no seu parecer, consistente em que:
“(…) da simples leitura da fundamentação do despacho de indeferimento liminar, emerge que não foi proferida uma decisão atentatória dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça ou pro actione, consagrados no artigo 20.º da CRP.
A não ser assim, inexistiriam decisões de natureza meramente formal, o que, por absurdo, levaria ao prosseguimento de ações, à partida, sem a mínima viabilidade, desperdiçando os meios materiais e humanos disponíveis e os dinheiros públicos, já de si escassos e, ademais, ocupando artificialmente os tribunais, já tão assoberbados, com questões de antemão condenadas ao insucesso”.

Acresce referir que atenta a falta de indicação e de junção do ato impugnado, que, necessariamente, o deveria instruir, por parte da Impugnante, não se impunha à Meritíssima Juíza do TAF de Sintra que interviesse de novo, no processo antes de proferir o despacho ora sindicado pois que o convite foi feito logo com a cominação do que sucederia caso não fosse satisfeito o convite formulado. Em consequência, não houve qualquer decisão surpresa para a ora recorrente e também não ocorreu violação do princípio da cooperação.
Finalmente cremos que o Mº Juiz não violou qualquer dever de «gestão processual», princípio que permite ao juiz dirigir activamente o processo, tomando as providências necessárias ao seu andamento célere e legal, o que inclui a adopção dos actos indispensáveis à regularização da instância.
É que, perante petição inicial, ostensivamente deficiente de elementos exigidos por lei, tomou a iniciativa própria e adequada traduzida na notificação/convite para identificação/junção aos autos do acto impugnado lesivo dos direitos da impugnante. Saíram goradas as suas diligências, por manifesta falta de colaboração da própria impugnante que erradamente entendeu que podia transferir para o Tribunal a obrigação de juntar aos autos um documento que não identificou, e não alegou que estivesse em poder da parte contrária, atinente ao acto impugnado também não identificado, sendo que a existir a sua junção estava no âmbito do princípio do dispositivo que à parte assiste não sendo caso para aplicação do disposto no artº 429º do novo CPC.
Nestas circunstâncias muito bem andou a Meritíssima Juiz de Direito do TAF de Sintra, ao decidir indeferir liminarmente a presente petição de impugnação judicial.
O despacho recorrido efectuou, pois, uma correcta interpretação da lei e dos termos da acção, pelo que não enferma de erro de julgamento, impondo-se a sua integral confirmação.
4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.