Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0485/13
Data do Acordão:05/15/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
MORTE DO EXECUTADO
PENHORA
HERANÇA INDIVISA
DESPACHO
VENDA
Sumário:A herança, antes da partilha, constitui uma universitas juris, um património autónomo, com conteúdo próprio, sendo que a penhora de bens que integrem aquela não configura penhora de direito a um bem concreto indiviso mas, antes, de penhora que só pode incidir sobre o direito do executado à herança, sobre uma quota-ideal do património hereditário.
Nº Convencional:JSTA000P15725
Nº do Documento:SA2201305150485
Data de Entrada:03/26/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………………., com os demais sinais dos autos, recorre da decisão que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, julgou improcedente a reclamação apresentada nos termos do art. 276º do CPPT contra o despacho de 21/11/2012 do Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital, que, no âmbito de processo de execução fiscal 0809199601001876, determinou a venda, em leilão, dos imóveis ali identificados, para cobrança de dívida de IRS do ano de 1990.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
a) Ao omitir a explicitação dos critérios legais com base no qual foi proferida a sentença e não sendo os mesmos inteligíveis de modo a que a recorrente pudesse compreender a causa jurídica da decisão, verifica-se a nulidade prevista no artigo 125º do CPPT.
b) Não podem ser penhorados ou vendidos bens concretamente determinados que integram uma herança ilíquida e indivisa em que não são executados todos os titulares da herança e em que se desconhecem quais os concretos bens que virão a constituir a quota do executado.
c) A douta decisão violou, assim, o disposto no artigo 125º do CPPT e o disposto no artigo 826º, nº 1, do CPC, aplicável nos termos do disposto no artigo 2º do CPPT.
Termina pedindo o provimento do recurso.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Mmo. Juiz proferiu despacho (fls. 130) sustentando que não se verifica a invocada nulidade da sentença.

1.5. O MP emite parecer no sentido da improcedência do recurso nos termos seguintes:
«A recorrente à margem identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 17 de Janeiro de 2013, exarada a fls. 96/99.
A decisão recorrida julgou improcedente reclamação judicial deduzida do despacho de 21 de Novembro de 2012 do Chefe do SLF de Oliveira do Hospital, que determinou a venda de concretos imóveis e quotas partes de imóveis da herança do devedor originário, no entendimento de que tais penhoras são legais, uma vez que os imóveis e a dívida exequenda fazem parte da herança do falecido devedor originário e foram feitas com respeito pelas formalidades exigidas pelo disposto nos artigos 2097º e 2068º do CC.
A recorrente termina as suas alegações as com as conclusões de fls. 108 e verso, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684º/3 e 685º-A/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais.
Não houve contra-alegações.
A nosso ver o recurso não merece provimento.
Comecemos pela arguida nulidade formal da sentença recorrida por falta de especificação dos fundamentos de direito.
Só se verifica nulidade da sentença (ou despacho) por falta de especificação dos fundamentos de direito quando ocorra falta absoluta de fundamentação, ou seja, quando existe ausência total de fundamentos de direito. ((1) Este tem sido o entendimento uniforme do STA, entre outros, ver acórdão de 2012.11.07-P.01109/12. Em termos de doutrina ver Alberto dos Reis, CPC, anotado, volume, V, página 140 e Juiz Conselheiro Jorge Lopes de (Sousa), CPPT, anotado e comentado, 6ª edição revista, II volume, página 357.)
Deverá considerar-se que existe falta absoluta de fundamentação quando essa fundamentação seja ininteligível ou não tenha relação perceptível com julgado, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação. ((2) Acórdão do STA, de 1997.03.19, proferido no recurso n.º 21.923, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
Quando a fundamentação não exteriorizar, minimamente, as razões que levaram a decidir naquele sentido e não noutro dever-se-á entender que estamos perante uma nulidade por falta de fundamentação. ((3) Acórdão do STA, de 2003-12-17, proferido no recurso nº 1471/03, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)
A fundamentação de direito, por norma, é feita por indicação da norma ou normas legais em que se sustenta, mas poderá, também, ser estruturada por mera indicação dos princípios jurídicos ou doutrina jurídica em que se baseia.
Ora, salvo melhor juízo, da leitura da sentença recorrida resulta que a decisão recorrida não sofre do apontado vício, pois está, minimamente, fundamentada de direito.
De facto, ali se diz que face à matéria de facto provada falece o pressuposto de facto e de direito em que assentava o essencial da reclamação, designadamente, o exposto nos pontos 2 a 6 da alegação da reclamante.
Que todos os prédios objecto de ordem de venda foram individual e concretamente objecto de penhora notificada à cabeça de casal.
Que o pressuposto da venda não foi a penhora do direito e acção à herança da reclamante ou de outro herdeiro mas sim a concreta e individual penhora do direito de propriedade sobre estes concretos prédios ou sobre suas quotas-partes indivisas.
Que tais penhoras eram admissíveis pois que os imóveis e a dívida exequenda integram a herança e que aquelas foram feitas com total respeito pelas formalidades, nomeadamente quanto às citações exigidas pelo disposto nos artigos 2097º e 2068º do CC.
Parece, assim, certo que a sentença não é nula por falta de fundamentação de direito, pois que, pelo menos contém o mínimo de fundamentação de direito.
Salvo melhor juízo a situação em análise não é enquadrável no artigo 826º/1 do CPC, uma vez que todos os herdeiros são executados no PEF.
Resulta do probatório e dos autos, cujo conteúdo é de conhecimento oficioso, pois que a RAOEF é processado no próprio PEF, que o PEF foi instaurado contra o falecido B……………. e mulher, pais da recorrente.
Este faleceu em 13 de Março de 1995.
Não tendo havido partilhas, nos termos do disposto no artigo 155º/3/b/4) do CPPT basta a citação de qualquer herdeiro para pagar toda a dívida sob pena de penhora em quaisquer bens da herança.
Ora, conforme informação oficial que consta de fls. 106, produzida em 20 de Março de 2003, dá-se ali conta do falecimento do executado originário em 1995, conforme processo de imposto sucessório nº 20436 do SLF de Oliveiras do Hospital (onde consta, obviamente, a identificação dos herdeiros do de cujus).
Portanto o SLF, pelo menos nessa data, toma conhecimento do decesso do devedor originário e da identificação dos seus herdeiros.
Ora, como é sabido no PEF não é necessária qualquer decisão a declarar a habilitação dos herdeiros do falecido executado, bastando a declaração a que se reporta o artigo 155º do CPPT e atrás mencionada (artigo 168º do CPPT).
Os bens da herança respondem pela dívida exequenda (artigos 2097º e 2068º do CC), como, seguramente, a recorrente não desconhece.
A executada e mulher do falecido B…………… desde a instauração do PEF, em 16 de Maio de 1996, tem tido uma intensa actividade processual nos autos, pedindo o pagamento em prestações, arguindo a prescrição da dívida tributária, reclamando, recorrendo, sem que, logo que interveio nos autos, tivesse suscitado a nulidade da execução por eventual omissão de citação pessoal (artigo 196º do CPC).
A própria recorrente, alegadamente em representação de sua mãe, (como se nada tivesse a ver com a herança do falecido executado!), em 3 de Julho de 2007 (fls. 251 dos autos) faz um requerimento ao serviço de Finanças versando a penhora de imóvel para garantia da dívida exequenda.
Atente-se que a AT enviou cartas registadas com A/R para os domicílios da recorrente (e das demais herdeiras/executadas), que constam do cadastro fiscal, para notificação da penhora dos imóveis, sendo certo que todas elas foram devolvidas porque não foram reclamadas pelos destinatários, apesar de devidamente avisados pelos serviços postais para o poderem fazer!
Por força do disposto no artigo 155º a recorrente considera-se, devidamente, habilitada no PEF, sendo, manifestamente, executada.
E como tal consta da certidão de registo da penhora (ver, nomeadamente, fls. 1126).
Assim sendo, como nos parece ser, as penhoras efectuadas para garantir o pagamento da obrigação exequenda afigura-se conforme à lei, não havendo motivo legal para não se proceder à venda dos imóveis que integram o acervo da herança do primitivo executado que, indubitavelmente, responde pela pagamento da dívida tributária exequenda.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se decisão recorrida na ordem jurídica

1.6. Com dispensa de Vistos dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. No serviço de Finanças de Oliveira do Hospital pendia a Execução fiscal nº 0809199601001876 contra B…………… e Mulher, C…………….., para cobrança de uma dívida de IRS do ano de 1990 no valor de 211.115,91 € mais juros e custas.
2. O B……………. faleceu em 13/3/1995 deixando como herdeiros a viúva, C………………, e duas filhas: a reclamante e D…………… (cf. doc. nº 1 do Requerimento Inicial.
3. Os prédios acima identificados pertenciam ao falecido no momento da morte (cf. Processo de Execução).
4. Dá-se aqui por reproduzido o teor dos autos de penhora integrantes das seguintes folhas da execução fiscal:
Fs. 776 (auto de penhora do prédio nº 2 supra identificado) 797 (auto de penhora do 1º prédio supra identificado) 818 (auto de penhora do 3º imóvel), 839 (auto de penhora do 10º imóvel), 881 (auto de penhora da parte urbana do 9º imóvel), 884 (auto de penhora da parte rústica do 9º imóvel), 916 (auto de penhora do 8º imóvel), 936 (auto de penhora do 7º imóvel), 955 (auto de penhora do 6º imóvel), 970 (auto de penhora do 4º imóvel) e 985 (auto de penhora do 5º prédio).
5. Para a viúva do Autor da herança, B……………, no domicílio fiscal respectivo, foram enviadas primeira e segunda cartas registadas com AR, com 15 dias de intervalo, notificando-a das sobreditas penhoras, sendo as segundas em 16/10/2012.
6. Em 21 de Novembro o chefe de finanças ordenou a venda por leilão electrónico dos imóveis e ou quotas parte indivisas dos imóveis supra, conforme docs. de fs. 25 vº, 29 vº, 31, 33 vº, 35 vº 37 vº, 39 vº 41 vº e 45 vº destes autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido, tendo a aqui Reclamante sido notificada para, querendo, exercer preferência (cfr. também processo de execução, IV volume, fs. 797 e sgs).
7. Dá-se aqui por reproduzido o teor dos autos de penhora fs. 1000 e 1101, 1038 e 1039, 1066 e 1067, 1102 e 1103, 1144 e 1145 e 1180 e 1181 dos autos de execução.

3.1. Referenciando, desde logo, a questão da subida e apreciação imediata da Reclamação, a sentença, considerou que, «tratando-se de uma ordem de venda, a não apreciação, desde já, da reclamação torná-la-ia inútil, pelo que é de admitir a apreciação imediata.»
Por outro lado, tendo a Fazenda alegado igualmente a intempestividade da reclamação, a sentença julgou improcedente tal alegação dado que a reclamante, ao alegar que «as penhoras se referem a um direito e acção à herança e por isso é que não pode ser vendido nenhum direito real em concreto integrante dessa herança» não está a insurgir-se «contra a penhora (de um direito de crédito) mas contra a venda (de direitos reais)», sendo que, «Não é, em abstracto, logicamente impossível uma ordem de venda com motivos de ilegalidade diversos dos da penhora que a tenha precedido».
E, além disso, «notificada das penhoras foi a viúva do Autor da herança, herdeira e cabeça de casal, não a aqui reclamante, que só foi notificada para a venda», pelo que «não pode proceder uma alegação de intempestividade baseada na data da notificação da penhora dos imóveis».
Em seguida, quanto ao mérito do pedido, a sentença considerou o seguinte:
- Face à matéria de facto provada, falece o pressuposto de facto e de direito em que assenta a reclamação, pois que todos os prédios objecto de ordem de venda foram individual e concretamente objecto de penhora notificada à cabeça de casal na herança.
- Quer dizer, pressuposto da ordem de venda não foi qualquer penhora do direito e acção da reclamante ou de outro herdeiro à herança do falecido executado, mas sim a concreta e individual penhora do direito de propriedade sobre estes concretos prédios ou sobre as suas quotas partes indivisas, sendo que essas concretas penhoras de concretos imóveis eram admissíveis: os imóveis integravam a herança de que a dívida exequenda era também parte, e foram feitas com respeito pelas formalidades legais, nomeadamente quanto às citações exigidas (no caso, só havia que fazer notificação, pois a viúva já pré-existia como parte no processo) pelo disposto nos arts. 2097º e 2068º do CC.
- E embora haja alguns autos de penhora mal elaborados (pois referem o direito e acção à herança ilíquida e indivisa como sendo objecto de penhora, embora, contraditória e concomitante, também mencionem a penhora de determinados prédios), tais autos mostram-se substituídos por outros que já não contêm este erro e, de qualquer modo, não se referem aos imóveis relativamente aos quais é feita a reclamação.

3.2. A recorrente discorda do assim decidido, imputando à sentença quer a nulidade por falta de fundamentação de direito (por alegada falta de explicitação dos critérios legais com base nos quais a sentença foi proferida, não sendo os mesmos inteligíveis de modo a que a recorrente pudesse compreender a causa jurídica da decisão), quer erro de julgamento (por errada interpretação do disposto no nº 1 do art. 826º do CPC), no sentido de que não podem ser penhorados ou vendidos bens concretamente determinados que integram uma herança ilíquida e indivisa em que não são executados todos os titulares da herança e em que se desconhecem quais os concretos bens que virão a constituir a quota do executado.
Estas são, portanto, as questões a apreciar no recurso.

3.3. Mas refira-se ainda e antes de mais que tendo a sentença recorrida decidido a questão da subida e apreciação imediata da Reclamação, concluindo pela admissão da apreciação imediata, e não tendo sido suscitada, em sede de recurso, qualquer discordância do assim decidido, também não se vislumbra que possa ou deva ser oficiosamente suscitada qualquer questão quanto a essa matéria.

3.4. Vejamos, pois, a primeira questão a conhecer: nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito
Esta nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, está prevista na al. b) do n° 1 do art. 668° do CPC e, no âmbito do processo tributário, no art. 125º do CPPT.
É sabido e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.
A fundamentação de direito, por norma, é feita mediante a indicação da norma ou normas legais em que a decisão se sustenta, podendo igualmente ser estruturada por mera indicação dos princípios jurídicos ou doutrina jurídica em que a mesma decisão se baseia.
Ora, no caso, atentando na decisão recorrida, constata-se que ali se exara que (i) face à matéria de facto provada falece o pressuposto de facto e de direito em que assentava o essencial da reclamação, designadamente, o exposto nos pontos 2 a 6 da alegação da reclamante; que (ii) todos os prédios objecto de ordem de venda foram individual e concretamente objecto de penhora notificada à cabeça de casal; que (iii) o pressuposto da venda não foi a penhora do direito e acção à herança da reclamante ou de outro herdeiro mas sim a concreta e individual penhora do direito de propriedade sobre estes concretos prédios ou sobre suas quotas-partes indivisas; e, ainda, (iv) que tais penhoras eram admissíveis pois que os imóveis e a dívida exequenda integram a herança e aquelas foram feitas com total respeito pelas formalidades, nomeadamente quanto às citações exigidas pelo disposto nos arts. 2097º e 2068º do CC.
Não pode, portanto, concluir-se que à sentença recorrida falte absolutamente a motivação da respectiva decisão.
Mesmo que devam «considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação», já que esta se destina «a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão», e, por isso, «quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação», (( ) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª ed., Vol. II, anotações 7 c) e 8 ao art. 125º, pp. 359/361, bem como os acórdãos do STA, de 19/3/1997, rec. nº 21.923, e de 17/12/2003, rec. nº 1471/03, aí referenciados.) no caso vertente não é isso que se verifica, pois que, da fundamentação acima em parte transcrita se percebem as concretas razões, princípios e normas jurídicas que determinaram a decisão.
Em suma, independentemente da questão de saber se tal fundamentação é ou não convincente e se está certa ou errada (questão que se situa no domínio do mérito e da validade substancial da sentença, e não da sua validade formal), não pode portanto afirmar-se que ocorre a invocada nulidade.
Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão (art. 125º do CPPT e al. b) do n° 1 do art. 668° do CPC).

3.5. Quanto ao erro de julgamento, por errada interpretação do disposto no nº 1 do art. 826º do CPC.

3.5.1. Sob a epígrafe «Penhora em caso de comunhão ou compropriedade» dispõe o nº 1 deste art. 826º do CPC:
«1. Sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 862°, na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso.»
Este comando substancia, no fundo, a adjectivação da regra substantiva constante do nº 1 do art. 1408º do CCivil, segundo a qual «o comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum». Ou seja, por aplicação desta regra, o art. 826° prescreve que a penhora não pode incidir, em caso de comunhão, sobre os bens que integram esta: o que é penhorado não são essas coisas em concreto, mas sim, e apenas, o direito que o executado tem a partilhar ou dividir todo o património comum.
Também não sofre dúvida que a herança aceite e indivisa não tem personalidade judiciária, constituindo um património autónomo que pertence a todos os herdeiros e que, por isso, em regra, todos os direitos da referida herança têm de ser exercidos por todos ou contra todos os herdeiros.

3.5.2. No caso, como resulta do Probatório e dos autos, quando a execução foi instaurada (em 17/1/1996) contra os executados B……………. e de C……………., por dívida de IRS do ano de 1990, no montante de 49.221.847$00, já o primeiro havia falecido, em 13/3/1995.
E dos autos consta, igualmente, que a ora recorrente, herdeira habilitada do executado, foi notificada/citada, na qualidade de herdeira de B…………….., da penhora dos imóveis indicados.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 239º do CPT (em vigor à data da instauração da execução) «1. Podem ser executados no processo de execução fiscal os devedores originários e seus sucessores dos impostos e demais dívidas referidas no artigo 233°.» Ou seja confere-se legitimidade passiva aos sucessores “mortis causa” do devedor constante do título para o prosseguimento da execução contra os mesmos, após a habilitação sumária dos arts. 241° e 254° (aos quais correspondem, actualmente, os arts. 153º, 154º e 155º do CPPT).
E nestes normativos dispunha-se o seguinte:
Artigo 241° - Destrinça da responsabilidade de cada herdeiro
«1. Tendo-se verificado a partilha entre os sucessores da pessoa que no título figurar como devedor, o chefe da repartição de finanças ordenará, para efeito de citação dos herdeiros, a destrinça da parte que cada um deles deva pagar.
2. Em relação a cada devedor será processada guia em triplicado, com a indicação de que foi passada nos termos deste artigo, servindo um dos exemplares de recibo ao contribuinte.
3. Para efeito dos números anteriores, o funcionário encarregado da citação que verificar que o executado faleceu passará certidão em que declare:
a) No caso de ter havido partilhas, os herdeiros e as suas quotas hereditárias;
b) Não tendo havido partilhas, os herdeiros, caso sejam conhecidos, e se está pendente inventário.»
Artigo 254° - Incidente de habilitação de herdeiros
«No caso de falecimento do executado, será informado no processo quem são os herdeiros, nos termos do n° 3 do artigo 241°».

3.5.3. Surge aqui regulamentada, portanto, a legitimidade passiva para o processo de execução fiscal: é instaurado com base num título executivo, contra o devedor originário da dívida exequenda (a pessoa que figura nesse título), mas, caso se constate que essa pessoa, cujo nome figura no título faleceu, a execução é então dirigida contra os seus sucessores (em regra os sucessores mortis causa) de harmonia com o preceituado (actualmente) no art. 155º do CPPT (mas a responsabilidade dos sucessores fica limitada ao que tenham recebido do devedor originário - art. 2071º do CC).
Assim, se quem dever efectuar a citação do devedor originário constatar que ele faleceu, prestará informação, (i) indicando se a partilha se efectuou ou não e quem são os herdeiros; (ii) indicando, no caso de a partilha já ter sido efectuada, as quotas hereditárias dos herdeiros; e (iii) indicando, caso a partilha ainda não tenha ocorrido, se está pendente inventário (nº 3 do art. 241º do CPT / nº 3 do art. 155º do CPPT).
No seguimento, e caso a partilha tenha sido já efectuada, o chefe do serviço de finanças onde corre termos a execução ordenará a destrinça da responsabilidade de cada um dos herdeiros relativamente à quantia exequenda (sendo processadas guias ou documentos equivalentes, em triplicado, relativamente a cada um dos herdeiros e na medida das respectivas responsabilidades).
Se a partilha ainda não se tiver efectuado e estiver a correr processo de inventário, será citado o cabeça-de-casal para pagar toda a dívida exequenda, sob a cominação de penhora em quaisquer bens da herança (nº 4 do art. 155º do CPPT).
Se não estiver a correr inventário, esta citação pode fazer-se em qualquer dos herdeiros.
E a prestação da informação referida no nº 3 do art. 155º do CPPT consubstancia, portanto, uma forma simplificada de operar a habilitação dos herdeiros para efeitos do processo de execução (arts. 166º, al. b), e 168º, nº 1, do CPPT).
3.5.4. No caso, e como se disse, a execução foi instaurada (em 17/1/1996) contra os executados B……………… e de C………………., reportando-se, posteriormente, na informação de fls. 106, de 20/3/2003, o falecimento do executado originário, em 13/3/1995, conforme processo de imposto sucessório nº 20436 do SLF de Oliveira do Hospital (daí que pelo menos nessa data o Serviço de Finanças haja tomado conhecimento do falecimento do devedor originário e da identificação dos seus herdeiros).
E conforme a sentença recorrida acentua e se vê do teor dos autos de penhora, foram penhorados bens concreta e individualmente identificados, sendo que também o pressuposto da ordem de venda não foi a penhora do direito e acção da reclamante ou de outro herdeiro à herança do falecido executado, mas sim a concreta e individual penhora do direito de propriedade sobre estes concretos prédios ou sobre as suas quotas partes indivisas. Penhoras estas que a sentença considerou admissíveis e feitas com respeito pelas formalidades legais, uma vez que os imóveis integravam a herança de que a dívida exequenda era também parte.
Ora, se é certo que, como acima se disse, no processo de execução fiscal não é necessária qualquer decisão a declarar a habilitação dos herdeiros do falecido executado, bastando as indicações a que se reporta o art. 155º do CPPT e atrás mencionadas (art. 168º do CPPT) para a recorrente dever ter-se como devidamente habilitada, também é certo, por outro lado, que se pressupõe o falecimento do executado na pendência da execução, sendo que a herança, antes da partilha e enquanto se mantiver indivisa, constitui uma universitas juris, um património autónomo, com conteúdo próprio, e sendo que a penhora de bens que a integrem não configura penhora de direito a bem concreto indiviso, mas, antes, de penhora que só pode incidir sobre o direito do executado à herança, ou seja, sobre uma quota-ideal do património hereditário e nunca sobre algum ou alguns dos bens certos e determinados que compõem a herança: até à partilha, os direitos dos herdeiros recaem sobre o conjunto da herança; cada herdeiro apenas tem direito a uma parte ideal da herança e não a bens certos e determinados desta; só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.
Daí que tal penhora deva também ter em conta as regras constantes do art. 232º do CPPT.
Assim, no caso, tendo sido penhorados bens concreta e individualmente identificados e tendo o pressuposto da ordem de venda sido, igualmente, essa concreta e individual penhora do direito de propriedade sobre esses prédios concretos ou sobre as suas quotas partes indivisas, estamos perante penhoras operadas com desrespeito pelas apontadas formalidades legais (dado que os bens já integravam a herança aberta por óbito do executado B………………..).
Sendo que, quer se entenda que a recorrente aponta ao reclamado acto do OEF (o acto em que se determinou a venda, em leilão, dos imóveis ali identificados) vícios que são próprios dos actos de penhora (e não daquele acto reclamado), quer se entenda (como a sentença recorrida) que a reclamante não está a insurgir-se «contra a penhora (de um direito de crédito) mas contra a venda (de direitos reais)», sendo que, «Não é, em abstracto, logicamente impossível uma ordem de venda com motivos de ilegalidade diversos dos da penhora que a tenha precedido», a reclamante/recorrente não deixa de estar em tempo para invocar tais vícios, pois que só foi chamada à execução nas data em que foi citada/notificada dos actos de determinação daquelas mesmas vendas: é que, como a sentença igualmente exara, «notificada das penhoras foi a viúva do autor da herança, herdeira e cabeça de casal, não a aqui reclamante, que só foi notificada para a venda».
A sentença recorrida enferma, portanto, do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, procedendo, consequentemente, o recurso.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em dar provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a reclamação.
Custas pela recorrida Fazenda Pública, mas apenas na 1ª instância.
Lisboa, 15 de Maio de 2013. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.