Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0629/15
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRADITÓRIO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:I - Após as alterações introduzidas no CPPT pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, pese embora os tribunais tributários mantenham a competência para conhecer da matéria relativa à verificação e graduação de créditos, ocorreu uma alteração da via ou forma processual adequada ao seu conhecimento, que deixou de ser o processo judicial de verificação e graduação de créditos, para ser o processo judicial de reclamação da decisão proferida pelo órgão da execução sobre a matéria, passando, assim, esta reclamação a constituir a forma processual de exercer a tutela jurisdicional no que toca à verificação e graduação de créditos, cuja decisão em primeira linha está confiada ao órgão da execução fiscal.
II - Havendo outras reclamações de créditos ou tendo sido juntas as certidões de dívidas referidas no art. 241.º do CPPT, o órgão de execução fiscal não pode proferir decisão de verificação e graduação de créditos sem que antes notifique o executado e os credores que reclamaram créditos, como o impõe expressamente o disposto no art. 789.º (anteriormente art. 866.º) do CPC, aplicável ex vi do art. 246.º do CPPT e decorre dos princípios do contraditório (cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC) e da igualdade dos meios processuais (art. 98.º da LGT).
Nº Convencional:JSTA000P19181
Nº do Documento:SA2201506170629
Data de Entrada:05/18/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 625/14.7BECTB

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (adiante Recorrente) recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da decisão por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, julgando procedente a reclamação judicial deduzida ao abrigo dos arts. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) pela “A……….., S.A.” adiante Credora reclamante ou Recorrida) contra a decisão administrativa de verificação e graduação de créditos, considerou verificada a nulidade por esta invocada, decorrente da falta de notificação «para impugnar os demais créditos reclamados» e, em consequência, determinou «a anulação de todos os actos praticados posteriores à constatada omissão, incluindo a decisão de verificação e graduação de créditos, nos termos do artigo 195.º, n.º 2 do CPC».

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«a) Foram violados os artigos 245/2, 247/1 e 278/3 alínea e), todos do CPPT, na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, e os artigos 791.º do CPC e 202.º da Constituição da República Portuguesa.

b) Nos termos do artigo 245/2 do CPPT na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, “havendo reclamações ou juntas as certidões referidas no artigo 241.º, o órgão de execução fiscal procede à verificação e graduação de créditos, notificando dela todos os credores que reclamaram créditos”, ou seja, o procedimento de verificação e graduação de créditos levado a cabo pelo órgão de execução fiscal é mais simples e mais célere, sendo efectuada simultaneamente e depois notificada aos reclamantes, sendo em sede de reclamação das decisões do órgão de execução fiscal que são sindicadas, quer a decisão de verificação de créditos (a sua aceitação ou não aceitação), quer a decisão de graduação dos créditos. Assim, reza o artigo 278/3 alínea e) do CPPT na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, que “o disposto no n.º 1 (conhecimento das reclamações apenas a final) não se aplica quando a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades: e) erro na verificação ou graduação de créditos”. Assim, pois, o artigo 789.º do CPC não será aplicável aos processos de execução fiscal que seguem as regras previstas no CPPT, nomeadamente as supra evidenciadas.

c) Estabelece ainda o artigo 247/1 do CPPT na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 3 1/12, que “1 - Os processos que tiverem subido ao tribunal tributário de 1.ª instância, em virtude de reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, para decisão da verificação e graduação de créditos, são devolvidos ao órgão da execução fiscal após o trânsito em julgado da decisão”, prevendo o n.º 2 do mesmo artigo, também na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, que “no caso de o tribunal tributário de 1.ª instância não poder efectuar a liquidação por não dispor dos elementos necessários, solicitá-los-á ao órgão da execução fiscal para que lhes forneça no prazo que fixar”. Veja-se que o artigo 247/2 do CPPT vem enunciar, embora eventualmente com pouca clareza, a exclusiva competência do Tribunal Tributário de 1.ª instância para decidir da verificação e graduação de créditos em caso de litígio, devendo naturalmente, ser coadjuvado pelo OEF na decisão, de natureza jurisdicional, a proferir relativamente à “liquidação”.

d) Ainda, como evidenciado pelo órgão de execução fiscal, “contrariamente à tramitação processual prosseguida no CPC, que impõe … duas fases distintas no âmbito da graduação de créditos, a primeira referente à verificação e uma segunda que consiste na sua graduação ... a intenção do legislador [no âmbito do CPPT] ... foi precisamente instituir um procedimento único em que a verificação e graduação se processa em simultâneo, possibilitando que esta decisão seja objecto de sindicância a posteriori, mediante reclamação nos termos do artigo 276.º do CPPT”.

e) Por outro lado, como também evidenciado pelo OEF, “a disposição contida no artigo 791.º do CPC e que respeita à necessidade de produção de prova para verificação dos créditos impugnados, refere que nessas situações «seguir-se-ão os termos do processo comum declarativo»”, regras que também não se coadunam com os moldes definidos no CPPT para este processo; “Aliás, a aplicação deste regime [pela administração tributária] poderá configurar, inclusivamente, violação do artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) ... O direito do contraditório, face ao preceituado no artigo 245.º do CPPT está assegurado, uma vez que, e após proferida a decisão dos intervenientes podem opor-se à decisão proferida pelo órgão de execução fiscal, com fundamento em qualquer ilegalidade quer da verificação quer da graduação de créditos, mediante reclamação dirigida ao Tribunal, tendo efeitos suspensivos sobre a decisão proferida pelo órgão de execução fiscal, assegurando-se assim que a mesma não possa produzir efeitos sem que as partes se possam pronunciar quando não conformadas com o sentido da mesma ...”.

f) A omissão, ou não realização, da notificação nos termos do artigo 789.º do CPC pelo OEF, não é, pois, negligente, tendo, ao contrário, subjacente a procura de não violação das regras supra. As normas antes referidas, embora eventualmente sem a clareza necessária têm, assim, em vista dar maior celeridade às fases de verificação e graduação de créditos após a venda do bem em execução fiscal, sem que sejam violados os princípios do contraditório, da igualdade dos meios processuais e a natureza jurisdicional das fases em questão, natureza jurisdicional desde logo evidenciada no artigo 791.º do CPC, natureza jurisdicional esta e princípios aqueles que hão-de ser cumpridos aquando da subida dos autos ao Tribunal Tributário de 1.ª instância no âmbito da reclamação interposta nos termos do artigo 276.º e seguintes do CPPT. Decorrendo, pois, o não cumprimento do artigo 789.º do CPC pelo OEF da interpretação assim dada às normas antes explicitadas.

g) Veja-se, que na tentativa ou procura de melhor explicitar as regras antes referidas veio o legislador, através da Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, (orçamento do Estado para 2015) alterar o artigo 246.º do CPPT nos seguintes termos: “1 - Na reclamação de créditos observam-se as disposições do Código de Processo Civil, excepto no que respeita à reclamação da decisão de verificação e graduação, que é efectuada exclusivamente nos termos dos artigos 276.º a 278.º deste código. 2 - Na reclamação de créditos só é admissível prova documental”.

h) Assim, pois, o artigo 789.º do CPC não será aplicável aos processos de execução fiscal, que seguem as regras previstas no CPPT, nomeadamente as supra evidenciadas.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 As Recorridas não contra-alegaram.

1.5 O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia e indicou como tribunal competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a requerimento da Recorrente.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] Nas Conclusões da sua Alegação de Recurso sustenta a ora Recorrente que a sentença recorrida violou os arts. 245.º, n.º 2, 247.º, n.º 1 e 278.º, n.º 3, al. e), todos do CPPT, na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dez. e os arts. 791.º do CPC e 202.º da CRP. Alega, designadamente, questão que está no centro da controvérsia, que “(...) o artigo 789.º do CPC não será aplicável aos processos de execução fiscal, que seguem as regras previstas no CPPT (…)” - Cfr. as Conclusões a) e h) da Alegação de Recurso.
Creio que não assiste razão à Recorrente, revendo-me nessa matéria no conjunto de argumentos enunciados por Jorge Lopes de Sousa, na anotação b 1) ao art. 245.º do CPC e inteiramente acolhidos na sentença recorrida, sobre a necessidade da observância, no âmbito da verificação e graduação de créditos, do “princípio do contraditório” expresso no art. 3.º do CPC, necessidade essa para que também aponta o “princípio da igualdade de meios processuais” expresso no art. 98.º da LGT (CPPT, Anotado e Comentado, 6.ª Edição, vol. IV, pág. 69 e 70). Com efeito, como bem se decidiu na sentença recorrida, o art. 789.º do CPC (art. 866.º, na anterior redacção), é aplicável na graduação e verificação de créditos no âmbito dos processos de execução fiscal. Nesse sentido se vem pronunciando a jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. os doutos Acórdãos de 12.09.2012 e de 04.06.2014, in Recs. n.ºs 0892/12 e 0560/14, respectivamente).
A omissão dessa formalidade, tendo influência na decisão da causa, é geradora de nulidade, nos termos do disposto no art. 195.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e) do CPPT».

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que se verificava a nulidade por falta da notificação à Credora reclamante das demais reclamações de créditos, nos termos impostos pelo art. 789.º do Código de Processo Civil (CPC), o que determinou a anulação de todos os actos ulteriores a essa omissão, inclusive a decisão administrativa de verificação e graduação de créditos, o que passa por indagar se a lei impõe essa notificação ou se, pelo contrário e como sustenta expressamente a Recorrente, a dispensa.


* * *


2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir:

1) Contra “B……….., LDA.” foi instaurado e autuado o processo de execução fiscal 3 n.º 12282010010213L6 e apensos – cfr. fls. 1 e 2 do PEF apenso;

2) No âmbito do PEF mencionado na alínea antecedente foram penhorados, em 09-01-2012, os terrenos para construção Inscritos provisoriamente na matriz predial urbana sob os artigos 1621, 1622, 1645, 1650, 1651 e 1658 descritos na Conservatória do Registo Predial da Covilhã, respectivamente, sob os números 1071, 1072, 1094, 1099, 1100 e 1107 – cfr. fls. 89, 90, 93, 94, 177, 178, 197, 198, 201, 202, 225 e 226 do PEF apenso;

3) Tendo as penhoras mencionadas no ponto anterior sido averbadas no respectivo registo predial mediante as AP. 2981, 2991, 3073, 3076, 3079, de 2012/05/11 e a AP. 2738 de 2012/05/16 - cfr. registos prediais de fls. 341 a 377 do PEF apenso;

4) Por ofícios datados de 21-04-2014, foi a ora reclamante citada para reclamar créditos quanto aos terrenos para construção mencionados na alínea antecedente, bem como das datas designadas para venda dos aludidos terrenos – cfr. fls. 435 a 460 do PEF apenso;

5) Tendo a A…….. apresentado seis reclamações de créditos [uma por cada um dos terrenos identificados em 2)], sendo a que corre termos no Serviço de Finanças da Guarda sob o n.º 13/2014 e que consta de fls. 2 a 16 do PEF apenso a atinente ao terreno para construção descrita na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o n.º 1071;

6) Os terrenos para construção mencionados em 2) foram adjudicados à ora reclamante - cfr. fls. 520, 521, 540, 541, 677, 680, 685, 698, 770, 795, 821, 822, 830, 831, 869 e 874 do PEF apenso;

7) A Fazenda Pública reclamou créditos atinentes a dívidas de Imposto Municipal sobre Imóveis e Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, descritos na certidão de dívidas constante de fls. 29 a 35 do PEF apenso;

8) Da reclamação de créditos da Fazenda Pública não foi a ora reclamante notificada para, querendo, os impugnar – cfr. resulta dos autos;

9) No âmbito da reclamação de créditos n.º 13/2014 foi, em 17-09-2014, com base na informação constante de fls. 9 e 50 do PEF apenso, proferida a decisão de verificação e graduação de créditos que consta de fls. 51 do PEF apenso;

10) Em 29-09-2014, foi a A…….. notificada, na pessoa do seu advogado, da decisão mencionada no ponto anterior – cfr. fls. 54 a 56 do PEF apenso;

11) Em 06-10-2014, veio a A……… deduzir a presente reclamação – cfr. fls . 17 a 23 dos autos.

O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos, bem como do PEF apenso, os quais não foram impugnados.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

No âmbito de uma execução fiscal, o Serviço de Finanças da Guarda proferiu decisão de verificação e graduação de créditos sem que previamente tenha notificado a Credora reclamante – a “A………., S.A.” – dos demais créditos reclamados por terceiros, no caso pela Fazenda Pública.
A Credora reclamante insurgiu-se contra essa decisão administrativa mediante reclamação judicial, deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT. Invocou a falta de notificação dos demais créditos reclamados, imposta pelo art. 789.º do CPC, que a privou da possibilidade de exercer o direito de impugnação desses créditos (e «também determinou a apresentação de proposta aquisitiva por parte da A………»), o que tudo viola o princípio do contraditório e constitui nulidade que, porque susceptível de influir na decisão final, constitui nulidade, a determinar a anulação dos ulteriores termos processuais, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 195.º do CPC.
O Juiz do Tribunal de 1.ª instância, deferindo a reclamação, julgou verificada a nulidade decorrente da falta de notificação à Reclamante dos demais créditos reclamados e, em consequência, anulou todos os actos ulteriores a essa omissão, incluindo a decisão reclamada.
Louvando-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 892/12, considerou, em síntese, que não se vislumbra razão para afastar a aplicação do art. 789.º do CPC na execução fiscal, tanto mais que o art. 246.º do CPPT determina a aplicação à reclamação de créditos do disposto no CPC.
Dessa decisão recorreu a Fazenda Pública, reiterando os argumentos que invocara já na contestação, no sentido de que a lei não impõe a notificação considerada em falta.
Daí que tenhamos enunciado a questão a apreciar e decidir como sendo a de saber se se impõe que os credores que reclamem créditos na execução fiscal sejam notificados das demais reclamações de créditos (por aplicação subsidiária do art. 789.º do CPC), para que as possam impugnar, ou se, pelo contrário e como sustenta expressamente a Recorrente, a lei dispensa essa notificação.

2.2.2 DA NECESSIDADE DO RESPEITO PELO CONTRADITÓRIO EM SEDE DE VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS

Não é a primeira vez que a questão se coloca neste Supremo Tribunal Administrativo, pelo que vamos seguir de perto a fundamentação que usamos no acórdão de 12 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 892/12 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 17 de Outubro de 2013
(http://dre.pt/pdfgratisac/2012/32230.pdf), págs. 2577 a 2584, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7947a511d790c23c80257a7f003acad9?OpenDocument.), citado na sentença recorrida.
Como tem vindo a ser reiteradamente afirmado por este Supremo Tribunal Administrativo, numa corrente jurisprudencial uniforme iniciada com o acórdão de 6 de Julho de 2011, proferido no processo com o n.º 362/11 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012
(http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 1190 a 1195, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ed2b6db93f9c3701802578c700527379?OpenDocument.) - (No mesmo sentido decidiram, entre outros, os seguintes acórdãos:
- de 6 de Julho de 2011, no processo com o n.º 384/11;
- de 13 de Julho de 2011, nos processos com os n.ºs 361/11, 392/11, 393/11, 394/11, 395/11, 398/11, 445/11, 451/11, 466/11, 476/11, 492/11, 499/11, 500/11, 510/11, 511/11, 521/11, 522/11, 561/11, 580/11, 594/11, 595/11, 597/11 e 632/11;
- de 14 de Setembro de 2011, processos com os n.ºs 588/11 e 623/11;
- de 28 de Setembro de 2011, processo com o n.º 704/11;
- de 12 de Outubro de 2011, processos com os n.º s 516/11, 687/11 e 703/11.), que passamos a transcrever, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, para além das alterações introduzidas nos arts. 49.º, n.º 1, alínea d), e 49.º-A, n.ºs 1, alínea c), 2, alínea c), e 3, alínea c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, «alterou os arts 97.º, alínea o), 151.º, n.º 1, 243.º, 245.º, 247.º e 278.º, todos do CPPT, do seguinte modo:

a alínea o) do artigo 97.º eliminou, como espécie processual, o processo judicial tributário de verificação e graduação de créditos, substituindo-o pelo processo judicial tributário de reclamação da decisão da verificação e graduação de créditos;

o n.º 1 do artigo 151.º eliminou a referência à verificação e graduação de créditos como espécie processual da competência dos tribunais tributários;

o artigo 243.º, que regulava o prazo para o Representante da Fazenda Pública reclamar os seus créditos no aludido processo judicial, foi revogado;

os artigos 245.º e 247.º e 278.º vieram estabelecer e disciplinar a nova forma processual de proceder à verificação e graduação de créditos – determinando a sua tramitação dentro do processo executivo, presidida e decidida pelo órgão da execução fiscal, com possibilidade de utilização da reclamação para tribunal da verificação e graduação de créditos realizada por esse órgão.

Esta breve exposição revela as significativas alterações de regime produzidas com a Lei n.º 55-A/2010, e denuncia a vontade do legislador de fazer desaparecer da ordem judiciária a espécie processual “verificação e graduação de créditos”, que detinha autonomia estrutural relativamente ao processo de execução fiscal (embora funcionalmente subordinado a ele) e que corria como processo judicial autónomo no Tribunal Tributário de 1.ª instância, classificada na 9.ª espécie pela deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 30.05.2005 (Cfr. D.R. II Série, de 16 de Junho de 2005). E evidencia a opção legislativa de que os actos de verificação e graduação de créditos decorram no seio do processo executivo (que é já um processo de natureza judicial – artigo 103.º da LGT), como fase processual da instância executiva, sendo a sua tramitação realizada pelo órgão da execução, que fará, em primeira linha, a verificação e graduação de créditos, com possibilidade de ulterior reclamação para tribunal pelos interessados, nos termos dos artigos 276.º e 278.º do CPPT, passando, assim, esta reclamação judicial a constituir a via de conhecimento jurisdicional da matéria, isto é, a forma de exercer a tutela jurisdicional no que toca à verificação e graduação de créditos.
Trata-se, pois, de alteração de normas estritamente adjectivas, que dizem respeito à forma ou via processual de proceder à verificação e graduação de créditos no âmbito do processo judicial de execução fiscal, e não de normas respeitantes à competência dos tribunais tributários ou de normas que contendam com o poder jurisdicional conferido aos magistrados destes tribunais de aplicar o direito aos litígios que surjam no âmbito de processos de execução fiscal, já que estes processos executivos continuam a estar na dependência do juiz do tribunal tributário, mesmo na fase em que correm perante as autoridades administrativas, e ele continua a deter poder jurisdicional para apreciar a matéria da verificação e graduação de créditos (agora através da forma processual da reclamação judicial), embora só após a pronúncia do órgão da execução, e, portanto, através de uma forma processual diversa – razão por que se pode continuar a afirmar que as execuções instauradas no serviço de finanças e os inerentes actos de verificação e graduação de créditos continuam a ser da competência do tribunal tributário».
A menos feliz redacção dada ao n.º 2 do art. 245.º – «Havendo reclamações ou juntas as certidões referidas no artigo 241.º, o órgão de execução fiscal procede à verificação e graduação de créditos» – permite, prima facie, que se sustente, como o faz a Recorrente, que a verificação e graduação de créditos seria feita imediatamente a seguir à junção ao processo das reclamações e certidões referidas no art. 241.º, sem prévia audição das partes e do executado sobre a matéria.
No entanto, salvo o devido respeito, essa posição não resiste a uma mais cuidada análise. Sobre a questão, permitimo-nos citar JORGE LOPES DE SOUSA que, sob a epígrafe «Necessidade de observância do princípio do contraditório» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, anotação 2 b1) ao art. 245.º, págs. 69/70.), demonstra inequivocamente o vício em que assenta aquela tese:

«[…] sendo inequívoco que a verificação de créditos e graduação de créditos envolve a resolução de questões de direito e de facto, o princípio do contraditório, enunciado no art. 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável à globalidade dos actos do processo de execução fiscal, por ser um processo com natureza judicial na sua totalidade, mesmo na parte que é processada pela administração tributária (art. 103.º, n.º 1, da LGT), proíbe que, salvo caso de manifesta desnecessidade, sejam decididas questões de direito ou de facto, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. Por outro lado, trata-se de um princípio que é de «observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo».
À mesma conclusão conduz o princípio da «igualdade de meios processuais», enunciado no art. 98.º da LCT, que estabelece que «as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa», o que supõe que à invocação pelos reclamantes das suas razões para verem reconhecidos e graduados os seus créditos, seja proporcionada aos outros interessados, designadamente os outros credores e ao executado, a possibilidade de as rebaterem.
De resto, aquela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, manteve em vigor o art. 246.º do CPPT em que se estabelece que «na reclamação de créditos observar-se-ão as disposições do Código de Processo Civil, mas só é admissível prova documental», o que não deixa margem para dúvidas sobre esta questão de a decisão de verificação e graduação de créditos ser ou não imediata subsequente à apresentação das reclamações e junção das certidões, pois esta remissão conduz directamente a aplicação do regime dos arts. 866.º a 868.º do CPC [hoje, leia-se arts. 789.º a 791.º do CPC], em que se prevê que a verificação de créditos, quando há necessidade de produção de prova, siga os termos do processo sumário de declaração.
Por outro lado, embora neste art. 246.º do CPPT se faça restrição dos meios probatórios à prova documental, esta limitação será inconstitucional, se aplicada a casos em que o direito real de garantia não pode ser provado apenas por prova desse tipo, pelo que uma interpretação do art. 245.º, n.º 2, do CPPT no sentido de ser proferida decisão de verificação e graduação de créditos imediatamente a seguir à apresentação das reclamações de créditos e junção das certidões referidas no art. 241.º, obstando à produção de prova não documental e sua discussão, seria materialmente inconstitucional por incompaginável com o princípio do acesso aos tribunais para defesa de direitos (art. 20.º, n.º 1, da CRP)».

Salvo o devido respeito, as objecções feitas pela Recorrente a este entendimento não procedem.
Desde logo, o art. 245.º do CPPT não autoriza a interpretação que a Recorrente dele faz, de que permite que o órgão da execução fiscal proceda à verificação e graduação de créditos imediatamente após a apresentação das reclamações (e junção das certidões referidas no artigo 241.º do CPPT), sem prévia notificação dos credores reclamantes e do executado para, querendo, impugnarem os créditos reclamados, ou seja, afastando a aplicação do art. 789.º do CPC.
O que o n.º 2 do art. 245.º diz é, tão-só, que «[h]avendo reclamações ou juntas as certidões referidas no artigo 241.º, o órgão de execução fiscal procede à verificação e graduação de créditos». Ou seja, a norma não regula exaustivamente a tramitação da verificação e graduação de créditos, antes consagra que essa tramitação, designadamente a decisão, será feita pelo órgão da execução fiscal (com possibilidade de ulterior reclamação para tribunal pelos interessados, nos termos dos arts. 276.º e 278.º do CPPT).
Não tinha a norma que referir expressamente a necessidade de, previamente à decisão de verificação e graduação de créditos, se notificar os reclamantes das demais reclamações, pela simples razão de que, como ficou já referido, tal imposição resultava já, mediante remissão expressa operada pelo art. 246.º do CPPT – que quedou inalterado pela Lei n.º 55-A/2010 – para o art. 789.º (anterior 866.º) do CPC, que determina que «[f]indo o prazo para a reclamação de créditos, ou apresentada reclamação nos termos do n.º 3 do artigo anterior, dela são notificados, pela secretaria do tribunal, o executado, o exequente, os credores reclamantes, o cônjuge do executado e o agente de execução, aplicando-se à notificação do executado o artigo 227.º, devidamente adaptado, sem prejuízo de a notificação se fazer na pessoa do mandatário, quando constituído».
Essa notificação é condição necessária e imprescindível ao exercício do direito de impugnação, não fazendo sentido que um crédito possa ser verificado sem que se tenha concedido aos interessados (executado e outros credores reclamantes) a possibilidade de o impugnar.
Questão diversa, mas que ora não cumpre abordar, é a da eventual inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 245.º, n.º 1, do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, na medida em que comete ao órgão da execução fiscal a verificação dos créditos nos casos em que tenha havido impugnação, por violação do disposto no art. 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (Sobre a questão, desenvolvidamente, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit, volume IV, anotação 2 b2) ao art. 245.º, págs. 70/71.) - (A nosso ver, melhor teria sido, a fim de evitar dúvidas sobre a conformidade constitucional e a duplicação de esforços que facilmente se adivinha, que a opção do legislador tivesse sido a de apenas permitir que a decisão de verificação e graduação de créditos fosse proferida pelo órgão de execução fiscal no caso de não haver impugnação das reclamações, reservando essa decisão para o tribunal no caso contrário.). Em todo o caso, sempre diremos que a conformidade constitucional do preceito poderá estar assegurada pela possibilidade de reclamação judicial dessa decisão, garantida pelo n.º 3 do art. 245.º do CPPT.
As invocadas razões de celeridade e simplicidade que presidiram às alterações legislativas em sede de verificação e graduação de créditos não permitem concluir que o legislador tenha pretendido que o órgão da execução fiscal possa proceder à verificação sem que previamente assegure o contraditório; e, se o tivesse pretendido, para além das manifestas objecções que se suscitariam do ponto de vista da conformidade constitucional de uma tal solução, um tão grave entorse aos princípios gerais do processo judicial – e, nunca é demais recordá-lo, estamos no âmbito de um processo de natureza judicial (cfr. art. 103.º da LGT) – por certo teria ficado expressamente consagrado na letra da lei (cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil).
Recorde-se que o princípio do contraditório, consagrado no art. 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável ao contencioso tributário ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, dispõe: «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Trata-se de um princípio basilar do processo, que, aliás, hoje ultrapassou a concepção clássica, que o associava ao direito de resposta, para se assumir como uma garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se liguem ao objecto da causa (Sobre o princípio do contraditório e algumas das suas manifestações, vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 3 de Março de 2010, proferido no processo com o n.º 63/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf), págs. 445 a 451, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f4bfa574b6a7515802576e10040e44b?OpenDocument;
- de 8 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 684/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Abril de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32210.pdf), págs. 307 a 314, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2e4d8d8caeaea58b802579a6005497bd?OpenDocument.).
E nem se diga que o contraditório fica garantido com a possibilidade intervenção em sede de reclamação judicial da decisão. É que a possibilidade de reclamar judicialmente da decisão administrativa de verificação e graduação de créditos destina-se apenas a garantir a tutela jurisdicional no que toca à verificação e graduação de créditos, constituindo o modo por que esta pode ser exercida no processo de execução fiscal, que, reiteramos, é um processo que tem natureza judicial. O facto de a lei ter permitido que a tramitação da fase da verificação e graduação de créditos dentro do processo executivo seja presidida e decidida pelo órgão da execução fiscal, sem prejuízo da possibilidade de reclamação judicial dessa decisão, não autoriza a que na fase administrativa sejam preteridos princípios fundadores do nosso sistema jurídico, como o do contraditório.
Finalmente, sempre salvo o devido respeito, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, não pode retirar-se argumento algum favorável à tese dela do facto de a Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro) ter alterado a redacção do art. 246.º do CPPT, bem pelo contrário. Na verdade, enquanto na redacção original o artigo dizia «Na reclamação de créditos observar-se-ão as disposições do Código de Processo Civil, mas só é admissível prova documental», agora, distribuído por dois números, diz:
«1- Na reclamação de créditos observam-se as disposições do Código de Processo Civil, excepto no que respeita à reclamação da decisão de verificação e graduação, que é efectuada exclusivamente nos termos dos artigos 276.º a 278.º deste código.
2- Na reclamação de créditos só é admissível prova documental».
Ou seja, a nova redacção reafirma a aplicação à verificação e graduação de créditos em execução fiscal das regras do CPC.
Por estes motivos, o recurso não pode proceder, não merecendo censura a decisão recorrida, que seguiu a orientação perfilhada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Com interesse, vide também o acórdão de 4 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 560/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 2112 a 2118, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c73c1168cf85821780257d0000320992?OpenDocument.).

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Após as alterações introduzida no CPPT pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, pese embora os tribunais tributários mantenham a competência para conhecer da matéria relativa à verificação e graduação de créditos, ocorreu uma alteração da via ou forma processual adequada ao seu conhecimento, que deixou de ser o processo judicial de verificação e graduação de créditos, para ser o processo judicial de reclamação da decisão proferida pelo órgão da execução sobre a matéria, passando, assim, esta reclamação a constituir a forma processual de exercer a tutela jurisdicional no que toca à verificação e graduação de créditos, cuja decisão em primeira linha está confiada ao órgão da execução fiscal.

II - Havendo outras reclamações de créditos ou tendo sido juntas as certidões de dívidas referidas no art. 241.º do CPPT, o órgão de execução fiscal não pode proferir decisão de verificação e graduação de créditos sem que antes notifique o executado e os credores que reclamaram créditos, como o impõe expressamente o disposto no art. 789.º (anteriormente art. 866.º) do CPC, aplicável ex vi do art. 246.º do CPPT e decorre dos princípios do contraditório (cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC) e da igualdade dos meios processuais (art. 98.º da LGT).


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 17 de Junho de 2015. Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.