Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 075/14 |
Data do Acordão: | 12/16/2015 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA TAXA URBANÍSTICA MUNICIPAL OPERAÇÃO URBANÍSTICA |
Sumário: | I - A compensação devida pelo proprietário ou outro titular de direitos reais sobre prédio a lotear ou a sujeitar a qualquer operação urbanística que nos termos de regulamento municipal seja considerada como de impacto relevante, pela dispensa de cedência ao município de parcelas para a implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas que devam integrar o domínio municipal (cfr. art. 44.º, n.ºs 1, 4 e 5, do RJUE), assume a natureza de taxa, na medida em que o pagamento dessa compensação tem como contrapartida a dispensa de cedência de parcelas de terreno para integração no domínio municipal, pressuposto do acto de licenciamento da operação urbanística e da emissão do respectivo alvará, motivo por que aquela compensação visa a remoção de um obstáculo jurídico à actividade do particular (cfr. art. 4.º, n.º 2, da LGT e art. 3.º do RGTAL). II - A competência em razão da matéria para conhecer da impugnação judicial dessa taxa é dos tribunais tributários [cfr. art. 49.º, n.º 1, al. a) i), do ETAF]. |
Nº Convencional: | JSTA00069471 |
Nº do Documento: | SA220151216075 |
Data de Entrada: | 01/23/2014 |
Recorrente: | CASA DO POVO DA ........., IPSS |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE MONTEMOR-O-VELHO |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF COIMBRA |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT. DIR FISC - TAXA. |
Legislação Nacional: | ETAF04 ART9 ART49. CPC13 ART607 ART615 N1 B. CPPT ART125 N1. DL 325/03 ART3. RJUE ART44 ART43. LGT ART4 N2. RGTAL ART3. DL 448/91 ART32 N1. CPTA ART13. RCP ART4 N1 F N5 N6 ART3. DL 119/83 ART1 ART7 ART8. PORT 778/83 DE 23/07. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC0876/12 DE 2013/06/05.; AC TC 365/03.; AC TC 344/09. |
Referência a Doutrina: | MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 3ED PAG128. JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG357 PAG361-362. ALBERTO DOS REIS - CÓDIGO PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLV PAG 140. JORGE CARVALHO E FERNANDA PAULA OLIVEIRA - BREVE REFLEXÃO SOBRE TAXAS URBANÍSTICAS EM PORTUGAL CEFA COIMBRA 1998 PAG30. CASALTA NABAIS - FISCALIDADE DO URBANISMO CEDOUA/FDUC/APU COIMBRA 2002 PAG55. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES, DULCE LOPES, FERNANDA MAÇÃS - REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO COMENTADO COIMBRA 2011 3ED PAG383. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED PAG70-71. TEIXEIRA RIBEIRO - LIÇÕES DE FINANÇAS PÚBLICAS PAG262. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 561/12.1BECBR
1. RELATÓRIO 1.1 A “Casa do Povo da ………, I.P.S.S.” (adiante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo decisão por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou o Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da impugnação judicial por ela deduzida contra o acto que identificou como «Liquidação n.º 2.11-1/12, de 20 de Março de 2012, da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho relativa a taxa relativa às compensações» que lhe foi efectuada pelo Município de Montemor-o-Velho (a seguir Recorrido), depois de considerar tacitamente indeferido o recurso hierárquico que deduziu contra o indeferimento da reclamação graciosa que deduziu contra aquela liquidação. 1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usaremos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pelo Recorrente.): «I. A Recorrente não aceita que o douto Tribunal a quo se declare incompetente para conhecer da validade da liquidação da compensação urbanística por parte da Recorrida em 26 de Março de 2012, por concluir que a compensação prevista no art. 44.º do RJUE não é um tributo, mas uma indemnização. II. A douta sentença a quo inicialmente refere estarmos perante um tributo, para posteriormente referir que o acto que exige o seu pagamento é meramente administrativo, verificando-se uma contradição entre a fundamentação em matéria de direito da douta sentença recorrida com a subsequente violação do art. 607.º n.º 3 do CPC, devendo concluir-se, por isso, pela nulidade da douta sentença recorrida, nos termos do art. 615.º n.º 1 al. b) do CPC e do 125.º n.º 1 do CPPT. III. Para além da nulidade supra referida, a douta sentença recorrida também deverá ser revogada na medida que decidiu contrariamente ao direito vigente, em particular contra o entendimento unânime desse venerando Tribunal ad quem, segundo o qual que [sic] a compensação urbanística se traduz numa “Taxa de Compensação”, tal como decidido por esse venerando Tribunal ad quem nos acórdãos de 5 de Junho de 2013, emitido no Proc. n.º 0876/12 de 13 de Novembro de 2013, emitido no Proc. n.º 0734/13. IV. Na verdade, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, “a taxa de compensação” tem como contrapartida dispensar o particular da cedência de parcelas de terreno a integrar no domínio público municipal, (sic STA Ac. de 5 de Junho de 2013, emitido no Proc. n.º 0876/12)”, V. Inexistindo qualquer fundamento de direito para o douto Tribunal a quo considerar que a compensação visa indemnizar a Recorrida por vantagem dada à Recorrente num procedimento urbanístico. VI. Por isso o douto Tribunal a quo, ao entender que o acto da Recorrida não é tributário viola o disposto no art. 4.º n.º 2 da LGT, na medida que as taxas de compensação previstas no art. 44.º do RJUE resultam da remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, VII. Pois a Recorrente não poderia construir qualquer infra-estrutura, equipamento ou edifício sem o prévio licenciamento da Recorrida e, subsequente, cedência de espaço ou pagamento de compensações, conforme consta dos arts. 56.º, 57.º e 58.º RMEU da Recorrida. VIII. Nessa medida, a compensação urbanística traduz-se numa fonte de receita tributária da Recorrida e própria perequação entre os diversos particulares, tendo sido criada por regulamento municipal aprovado nos termos do art. 103.º da CRP e do art. 5.º da LGT, como fonte de direito Tributário. IX. O douto Tribunal a quo não interpretou a norma regulamentar em causa de acordo com o disposto no art. 11.º da LGT, pois não teve em consideração o entendimento do seu autor (a ora recorrida) que tal norma é tributária. X. A douta sentença Recorrida violou os arts. 1.º e 3.º da LGT, ao considerar que não estamos perante uma relação tributária, desse modo a competência material da jurisdição tributária estabelecida no art. 12.º do CPPT. XI. Assim, inexistia qualquer motivo para o douto Tribunal a quo decidir pela sua incompetência absoluta material, nos termos do art. 16.º do CPPT, por ser o tribunal absolutamente competente para apreciar o litígio sub judice. XII. Nessa medida, deve a douta sentença recorrida ser revogada e emitido acórdão no sentido de considerar a Secção do Contencioso Tributário da TAF de Coimbra como materialmente competente para se pronunciar quanto às questões referentes à liquidação e compensações urbanísticas previstas no art. 44.º do RJUE, nos moldes supra expostos. XIII. A douta sentença recorrida deve ser reformada quanto à condenação por custas na medida que a Recorrente é uma IPSS e, por isso, se encontra isenta do seu pagamento, nos termos do art. 4.º n.º 1 al. f) do RCP. Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. Venerandos Conselheiros doutamente suprirão, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, determinar a baixa dos autos à primeira instância para aí se proceder à apreciação do pedido, por competência material desse douto Tribunal recorrido para tal decisão, e assim se fazendo, se fará a tão costumada JUSTIÇA!». 1.3 O Município contra-alegou, resumindo a sua argumentação em conclusões do seguinte teor: «I- A impugnante veio interpor recurso para o STA, supostamente por discordar da douta decisão proferida pelo TAF de Coimbra, ao ter declarado a incompetência do Tribunal Tributário para apreciar a questão controvertida. II- Aquela apresentou nos serviços do Município, um projecto para licenciamento da obra de um “centro de noite”, a que foi atribuído o n.º 361/2003, o qual viria a ser deferido e licenciado. Ainda nesse processo e por força do aludido licenciamento, tratando-se de um edifício com impacto semelhante a loteamento, por não ter havido cedências de áreas ao domínio público, foi a Casa do Povo da ……… notificada para proceder ao pagamento da correspondente compensação, no montante de 3.823,50 euros. III- Alega para o efeito que nos termos do RMEU de 2003, estava isenta do seu pagamento, atenta a sua qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública. Conclui, peticionando a procedência da impugnação, pela declaração da nulidade do acto administrativo, traduzido no ofício n.º 2.11-1/12, de 20 de Março de 2012, da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, determinando-se a caducidade e a prescrição de qualquer direito da Ré. IV- Em verdadeiro rigor o que é impugnado nos presentes autos é a decisão administrativa, na qual o impugnado se pronunciou sobre o recurso hierárquico interposto, indeferindo-o, nos termos constante da al. k) dos factos assentes. V- Decorre do pedido de licenciamento que instrui o processo de obras n.º 361/2003 – construção de Centro de Noite – requerido pela aqui impugnante, ter o projecto de arquitectura sido aprovado – conforme documento n.º 3 junto à PI o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, com as seguintes condicionantes: VI- Como decorre do art. 10.º da Lei das Finanças Locais, as receitas municipais compreendem os impostos, taxas, preços, multas, coimas, rendimentos de bens, participação em lucros, produtos de alienação de bens, empréstimos e outras receitas estabelecidas por lei. VII- Nos presentes autos como refere a douta sentença, “o que está aqui em causa é o pagamento de uma quantia que está a ser exigida à impugnante, quantia essa que assenta na circunstância desta aquando da realização de uma concreta e determinada obra que prevendo infra-estruturas (espaços verdes e equipamentos de utilização colectiva), a libertaram do ónus de ceder parcelas ao Município para a construção dessas mesmas infra-estruturas, pelo que aquela ficou obrigada a compensar o Município com um determinado pagamento. Deste modo, o que está aqui em causa não é o pagamento de qualquer contraprestação de serviço prestado por entidade pública, nem a remoção de um qualquer obstáculo jurídico a um particular, uma vez que é lícita e livre a actuação deste, nem sequer a protecção de um determinado bem jurídico. Tão só de indemnizar a entidade pública pela vantagem que o particular auferiu aquando do licenciamento da respectiva obra, vantagem, essa que está prevista em regulamento municipal. VIII- Por isso, a sobredita compensação não é um tributo mas antes uma “indemnização” por uma suposta vantagem do particular em processo de licenciamento pelo qual deve ser ressarcida a componente urbanística”. IX- A previsão de áreas para espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas e equipamentos no âmbito das operações de loteamento, de outras que tenham um impacto similar a estas ou com impacto urbanístico relevante, bem como as respectivas cedências gratuitas ao domínio público, encontram-se abordadas nos artigos 43.º e 44.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação. X- No domínio do pagamento de compensações ao Município, em comentário ao art. 44.º do RJUE, F. Paula Oliveira, M. J. Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, 3.ª edição, página 383, é referido “Ora, para nós, a figura das compensações não é senão um mecanismo de reposição da igualdade entre, por um lado, os administrados, in casu entre aqueles que são onerados com cedências ou com a previsão de áreas que se mantêm na sua titularidade privada e, por outro, aqueles que não onerados com qualquer uma destas imposições, ligando-se, assim tais compensações, não ao facto de haver (ou não) cedências para o domínio municipal, mas ao facto de se mostrarem respeitados os parâmetros de dimensionamento aplicáveis”. XI- Ora, o regime regra aplicável a este tipo de obras – de impacto semelhante a loteamento – é a cedência de áreas ou parcelas de terreno à entidade pública licenciadora que é neste caso o Município impugnado. Só a título muito excepcional, a cedência em espécie, poderá ser substituída por uma determinada quantia em dinheiro. XII- Como muito bem defende a douta sentença, a lógica aplicável às taxas e impostos é diversa da anteriormente enunciada, uma vez que nestes está em causa dotar o Estado dos meios financeiros/monetários, necessários à prossecução do interesse público e só será excepcionalmente permitido o pagamento dos tributos por recurso a outros meios em situações especialíssimas e legalmente previstas. XIII- Isto é, o regime regra aplicável aos tributos é exactamente o inverso do aplicável ao mecanismo da compensação aplicável às cedências. XIV- Daí ser possível concluir, como o faz a douta sentença que a aludida compensação não é um tributo, antes uma indemnização a pagar pelo promotor, beneficiário do licenciamento, resultante da vantagem que teve pela não cedência de áreas ou parcela de terreno ao domínio público. Impõe-se por isso o ressarcimento da componente urbanística, até porque este tipo de obra implica em regra a sobrecarga das infra-estruturas existentes na área em que se localiza. XV- Mas também, tal interpretação resulta claramente do disposto nos artigos 43.º e 44.º do RJUE. Neste sentido o n.º 4 do citado art. 44.º, diz “Se o prédio a lotear já estiver servido pelas infra-estruturas a que se refere a alínea h) do artigo 2.º ou não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde públicos no referido prédio ou ainda nos casos referidos no n.º 4 do artigo anterior, não há lugar a qualquer cedência para esses fins, ficando no entanto, o proprietário obrigado ao pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou em espécie, nos termos definidos em regulamento municipal”. XVI- Em momento algum, o legislador do RJUE qualifica ou identifica tal “compensação” urbanística como “taxa” ou “tributo”, como pretende a recorrente/impugnante. E, poderia tê-lo feito, caso tivesse sido esse o seu entendimento. XVII- E, também se não vislumbra que o STA tenha no Ac. de 05 de Junho de 2013 (proc. 0876/12) e Ac. de 13 de Novembro de 2013 (proc. 0734/13) qualificado a compensação prevista no n.º 4 do art. 44.º do RJUE como “Taxa de Compensação”. Diversamente, nestes dois arestos, a expressão encontra-se escrita inúmeras vezes entre aspas, o que leva a concluir tratar-se de mera citação. De resto, tal expressão “Taxa de Compensação” foi usada pelo recorrente nas alegações que se encontram reproduzidas nos aludidos acórdãos. Logo, chamar-se taxa à referida compensação, parece-nos salvo o devido respeito e melhor opinião, uma conclusão abusiva. XVIII- Por outro lado, não se extrai qualquer contradição no facto do Tribunal ad quem, entender no Ac. de 05 de Junho de 2013 (proc. 0876/12) que a compensação tem como contrapartida dispensar o particular da cedência de parcelas de terreno a integrar no domínio público municipal quando na sentença recorrida se defende que a compensação visa indemnizar a entidade licenciadora por vantagem dada ao particular no procedimento urbanístico. Em certa medida estas duas posições completam-se e não são antagónicas. Trata-se sim de perspectivas diferentes. No primeiro caso é visto pelo prisma do particular que reunindo os requisitos e ao pagar a compensação, fica dispensada da cedência gratuita de áreas, podendo assim usufruir das mesmas que ficam definitivamente incorporadas no empreendimento licenciado. Por sua vez, a sentença foca a sua análise na perspectiva da entidade licenciadora que ao não receber gratuitamente as parcelas para instalação de equipamentos públicos de uso colectivo, está para o efeito a ser indemnizada através do recebimento de uma certa quantia pecuniária. Neste sentido também se não alcança que tenha sido proposta solução distinta à preconizada pelo STA. XIX- Tanto mais que o julgador na sua decisão, não se encontra vinculado à posição trazida à lide pelas partes. XX- De notar que o RJUE excluiu a figura da “compensação” prevista no art. 44.º, n.º 4 do regime das taxas ali previstas, como resulta aliás da análise do art. 116.º e 117.º. XXI- Pelo que entendeu o meritíssimo juiz [do tribunal] a quo estarmos perante uma norma regulamentar não tributária e que consequentemente o acto pelo qual se exige administrativamente o seu pagamento não é uma liquidação, considerando o Tribunal Tributário de 1.ª instância incompetente para conhecer de tal questão, posição com que o recorrido Município, subscreve. XXII- Ainda que de uma taxa se tratasse, o que só por mero exemplo académico se admite, sempre se teria verificado a caducidade do direito à acção pelo exercício intempestivo do mesmo. Em 23/03/2012, foi a recorrente/impugnante notificada para proceder ao pagamento da compensação no valor de 3.823,50 euros, conforme aviso de recepção n.º RC840887651PT junto aos autos. A acção só foi proposta em data não concretamente apurada (a Pi não tem data de entrada) mas que se situará em 19/09/2012, pelo que se conclui terem sido ultrapassados todos os prazos legalmente admissíveis, para o exercício do direito à acção. Nestes termos e nos melhores de direito doutamente supridos por V. Exas deverá a douta sentença recorrida manter-se, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!». 1.3 Mediante promoção do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram devolvidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra para suprimento da omissão da pronúncia sobre a nulidade que a Recorrente assaca à sentença. 1.4 O Juiz do Tribunal a quo proferiu despacho sustentando a inexistência da nulidade. 1.5 Novamente recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que «[a] decisão impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo: «[…] II. Questão decidenda: natureza jurídica da quantia liquidada pelo município de Montemor-o-Velho a título de compensação urbanística (art. 48.º Regulamento Municipal da Edificação e Urbanização RMEU/2009) 2. Não obstante, no caso concreto o conhecimento está prejudicado pela intempestividade da petição de impugnação judicial, considerando: 1.6 A Recorrente e o Recorrida foram notificados do teor do parecer do Ministério Público e apenas aquela se veio pronunciar, quer sustentando a impossibilidade de conhecer em sede do presente recurso da questão da tempestividade da impugnação judicial, quer defendendo que seja decretada a caducidade do direito à liquidação e cobrança da taxa. 1.7 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos. 1.8 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença: i) padece da invocada nulidade por deficiência da fundamentação de direito (cfr. conclusões I e II); na negativa, ii) se enferma de erro de julgamento, por ter considerado que em causa estava uma indemnização e não uma taxa e, assim, que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, na sua vertente de tribunal tributário, carece de competência em razão da matéria para conhecer da impugnação judicial (cfr. conclusões III a XII); na afirmativa, iii) se a impugnação judicial foi deduzida tempestivamente (cfr. parecer do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, sendo aliás a questão da caducidade do direito à impugnação judicial do conhecimento oficioso); iv) se a Recorrente está isenta de custas (cfr. conclusão XIII). * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: «A- Em 12.12.2003, a Impugnante deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho de um projecto de arquitectura e especialidades para a construção de “[...] edifício destinado a Centro de noite, assim como todos os necessários arranjos de envolvente, no terreno existente, com a área total de terreno de 10709 m2, sito em ………, na freguesia de ……… e concelho de Montemor-o-Velho, e com os registos e descrições de acordo com os documentos em anexo [...]”, tendo o mesmo dado origem ao processo n.º 361/2003 daquela edilidade (cf. docs. a fls. 1 a 270 do PA – I Vol. que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). B- A pretensão referida na alínea anterior veio a ser deferida por despacho datado de 11.05.2006, tendo sido emitido o respectivo alvará de construção com o n.º 85/2006 (cf. docs. a fls. 509 a 631 do PA – II Vol. que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). C- Em 23.03.2007, a Impugnante apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho solicitando que “[…] lhe seja concedida a isenção da taxa de vistoria do Centro de Noite de ………, sito na Rua do ………, em ………, assim como da taxa pela emissão da Licença de Utilização [...]” (cf. doc. a fls. 637 do PA – III Vol. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido). D- Em informação dos serviços da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, com o n.º 008-ES/2012, conclui-se que a Impugnante deve ser notificada para proceder ao pagamento das compensações à luz do art. 59.º do RMEU, no valor de € 3.823,50 (cf. doc. a fls. 730 a 732 do PA – III Vol. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido). E- Em informação n.º 35/2012, de 13.02.2012 emitida pelos serviços jurídicos da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, conclui-se que nada obsta a que se proceda à cobrança da compensação em causa (cf. doc. a fls. 733 a 735 do PA – III Vol. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido). F- Por despacho do Sr. Vereador da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, datado de 19.03.2012, exarado na informação n.º 026-LT/2012, foi determinado que a Impugnante deveria ser notificada para proceder ao pagamento da compensação referida nas alíneas anteriores no prazo de 30 dias (cf. doc. a fls. 740 do PA - III Vol. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido). G- Por ofício da Impugnada, com a referência 2.11-1/12, datado de 20.03.2012, acompanhado das informações e do despacho referidos nas três alíneas anteriores, foi a Impugnada informada para “[...] proceder ao pagamento da compensação no valor de 3.823,50 €, no prazo de 30 dias a contar da data de recepção da presente comunicação [...]“ (cf. doc. a fls. 741 do PA – III Vol. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido). I- [() Os factos sujeitos às letras I e H surgem na sentença por esta ordem. ] O ofício referido na alínea anterior foi recebido pela Impugnante em 21.03.2012 (cf. docs. a fls. 740 a 743 do PA – III Vol. que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). H- Em 18.04.2012, a Impugnante, através do seu Advogado, apresentou junto dos serviços da Impugnada uma exposição escrita que designou por «Reclamação Graciosa Necessária» (cf. docs. a fls. 744 a 774 do PA – III Vol. que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). J- Em parecer dos serviços da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, datado de 02.05.2012, extrai-se que: “[...] Através do requerimento supra referenciado, vem a Casa do Povo da ………, relativamente ao processo N.º 361/2003, apresentar “Reclamação Graciosa, nos termos do art. 16.º da Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, do art. 117.º do RJUE e dos arts. 68.º e 70.º do CPPT, da liquidação para pagamento da taxa municipal de compensação urbanística” e requerer ao Sr. Presidente da Câmara Municipal “se digne ordenar ... que se proceda à anulação da Liquidação n.º 2.11-1/12 bem como a restituição integral das taxas municipais indevidamente cobradas e respectivo pagamento de juros indemnizatórios” K- Na informação referida na alínea anterior foi aposto despacho pelo Sr. Vereador da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, datado de 02.05.2012, do qual se retira que: “Visto. Concordo. Comunique-se ao requerente” (cf. doc. a fls. 775 do PA - III Vol. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido). L- A Impugnada teve conhecimento do parecer e do despacho referidos nas alíneas anteriores por ofício da Impugnada, datado de 08.05.2012 e recebido a 09.05.2012 (cf. docs. a fls. 776 a 778 do PA – III Vol. que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). M- Em 24.05.2012, a Impugnante, através do seu Advogado, apresentou junto dos serviços da Impugnada uma exposição escrita que designou por «Recurso Hierárquico impróprio» (cf. docs. a fls. 875 a 891 do PA – III Vol. que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos). N- A petição inicial do presente meio processual foi apresentada neste Tribunal em 17.09.2014 (cf. fls. 2 a 113 dos autos)». * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR A “Casa do Povo da ………, I.P.S.S.” insurge-se contra a decisão pela qual o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra declarou aquele Tribunal, na sua vertente de tribunal tributário (Nos termos do n.º 2 do art. 9.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, «Os tribunais administrativos de círculo e os tribunais tributários podem também funcionar de modo agregado, assumindo, cada um deles, a designação de tribunal administrativo e fiscal».), incompetente em razão da matéria para conhecer da impugnação judicial por compensação urbanística, porque considerou que esta constitui uma indemnização e não uma taxa, motivo por que a competência para conhecer da respectiva impugnação judicial não compete ao tribunal tributário (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3.ª Edição Revista, 2010, pág. 128, depois de afirmarem que «a incompetência em razão da matéria implica a absolvição da instância, nos termos do n.º 2 deste artigo [14.º] e não a remessa oficiosa ao tribunal competente, e verifica-se quando a questão que constitui objecto do litígio pertence a uma outra ordem de jurisdição (Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, Tribunal de Conflitos, tribunais judiciais)», salientam que «[o] mesmo princípio é aplicável quando se entenda que o objecto da acção versa sobre questão fiscal, caso em que a respectiva competência pertence aos tribunais tributários. Isso porque a expressão "jurisdição administrativa" é usada no n.º 2 com o sentido e alcance que lhe é atribuído no artigo 13.º pretendendo delimitar o âmbito de competência dos tribunais administrativos por referência a litígios que tenham por base relações jurídicas administrativas, sendo para o caso irrelevante a unicidade do regime de organização e funcionamento dos tribunais administrativos e tributários».). - nulidade por contradição entre os fundamentos de direito (cfr. conclusões I e II); 2.2.2 DA NULIDADE POR CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS DE DIREITO A Recorrente arguiu a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos de direito. Isto, em síntese, porque a sentença «inicialmente refere estarmos perante um tributo, para posteriormente referir que o acto que exige o seu pagamento é meramente administrativo, verificando-se uma contradição entre a fundamentação em matéria de direito da douta sentença recorrida com a subsequente violação do art. 607.º n.º 3 do CPC, devendo concluir-se, por isso, pela nulidade da douta sentença recorrida, nos termos do art. 615.º n.º 1 al. b) do CPC e do 125.º n.º 1 do CPPT». 2.2.3 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA – NATUREZA DA DENOMINADA TAXA DE COMPENSAÇÃO URBANÍSTICA A Recorrente assaca também à sentença erro de julgamento quanto à questão da competência do Tribunal em razão da matéria, questão que contende com a natureza taxa de compensação urbanística. 2.2.4 DA TEMPESTIVIDADE DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL De acordo com o decidido quanto à competência em razão da matéria, deverá fazer-se baixar o processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, para aí prosseguir o conhecimento da impugnação judicial, se a tal nada mais obstar. 2.2.5 DAS CUSTAS – ISENÇÃO CONCEDIDA ÀS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL A Recorrente discorda ainda da sentença na parte em que esta a condenou nas custas do processo. 2.2.6 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - A compensação devida pelo proprietário ou outro titular de direitos reais sobre prédio a lotear ou a sujeitar a qualquer operação urbanística que nos termos de regulamento municipal seja considerada como de impacto relevante, pela dispensa de cedência ao município de parcelas para a implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas que devam integrar o domínio municipal (cfr. art. 44.º, n.ºs 1, 4 e 5, do RJUE), assume a natureza de taxa, na medida em que o pagamento dessa compensação tem como contrapartida a dispensa de cedência de parcelas de terreno para integração no domínio municipal, pressuposto do acto de licenciamento da operação urbanística e da emissão do respectivo alvará, motivo por que aquela compensação visa a remoção de um obstáculo jurídico à actividade do particular (cfr. art. 4.º, n.º 2, da LGT e art. 3.º do RGTAL). II - A competência em razão da matéria para conhecer da impugnação judicial dessa taxa é dos tribunais tributários [cfr. art. 49.º, n.º 1, al. a) i), do ETAF]. * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra competente em razão da matéria, devendo os autos aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar. Custas pelo Recorrido. * Lisboa, 16 de Dezembro de 2015. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves. |